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Resumo:
Desde a conceituação de “fetiche da mercadoria” formulada por Marx, o capitalismo tem
se complexificado e utilizado novos artifícios para amplificar a venda de mercadorias e
garantir o seu desenvolvimento. A publicidade desempenha papel central nessa
engrenagem e articula subjetividade e ideologia por meio do uso de imagens e marcas
que permeiam as nossas paisagens, relações e desejos. Autores clássicos das ciências
sociais, como Theodor Adorno, Max Horkheimer, Guy Debord e Jean Baudrillard, além do
próprio Marx, analisaram criticamente tais fenômenos. Esse trabalho parte da constatação
de que vários grupos têm buscado atuar na contramão dessa lógica através da realização
de ações antipublicidade. O objetivo da pesquisa é apresentar um panorama teórico
acerca das leituras críticas à publicidade e questionar o sentido contra-hegemônico de
ações empreendidas por grupos antipublicidade.
A tradição teórica crítica ao capitalismo definiu como principal alvo das discussões
a organização econômica da sociedade, compreendendo os aspectos relacionados ao
trabalho, à indústria e ao consumo. Marx contribui de forma inegável nesse sentido, com a
idéia de materialismo, a qual percorre toda a sua obra e reforça o fato de o sistema
capitalista inaugurar diferentes relações de trabalho, produção e consumo:
O resultado geral a que cheguei e que, uma vez obtido, serviu-me de fio
condutor aos meus estudos, pode ser formulado em poucas palavras: na
produção social da própria vida, os homens contraem relações
determinadas, necessárias e independentes de sua vontade, relações de
produção estas que correspondem a uma etapa determinada de
desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. A totalidade destas
relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base
real sobre a qual se levanta uma superestrutura jurídica e política, e à qual
correspondem formas sociais determinadas de consciência. O modo de
produção da vida material condiciona o processo em geral da vida social,
político e espiritual. Não é a consciência dos homens que determina o seu
ser, mas, ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência.
Em uma certa etapa de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais
da sociedade entram em contradição com as relações de produção
existentes ou, o que nada mais é do que a sua expressão jurídica, com as
relações de propriedade dentro das quais aquelas até então se tinham
movido. (...) Com a transformação da base econômica, toda a enorme
superestrutura se transforma com maior ou menor rapidez. (MARX, 1978:
129-30)
Ao referir-se a esse aspecto Marx diz que a ocultação dos processos de produção
da mercadoria a tornam misteriosa:
Portanto, uma relação social definida no ato da produção, ou seja, relação entre os
homens, assume uma forma “fantasmagórica” de uma relação entre coisa e não entre
homens concretos. O fetiche da mercadoria seria exatamente essa ocultação das
relações sociais de produção, ou seja que duas espécias diferentes de possuidores de
mercadorias se confrontam, por um lado o capital proprietário do dinheiro, dos meios de
produção, portanto comprador da força de trabalho, por outro lado, o trabalho que se
mantém pela venda da força de trabalho ao capital.
Há uma relação física entre coisas físicas. Mas a forma mercadoria e a
relação de valor entre os produtos do trabalho, a qual caracteriza essa
forma, nada têm a ver com a natureza física desses produtos nem com as
relações materiais dela decorrentes. (MARX, Karl, 2008:94)
Mais tarde, em 1967, Guy Debord lança um livro em formato de manifesto em que
trata da preponderância das imagens e de outras formas de representação na sociedade
contemporânea, alcunhada por ele como “sociedade do espetáculo”. Debord discute essa
dominância e a considera como uma das causas para o possível distanciamento entre os
homens, agora mediados por imagens, e as realidades que o cercam. Alerta-nos para um
possível esvaziamento nas relações, marcadas pela superficialidade inerente à sociedade
do espetáculo. Sintetiza esse pensamento no trecho: “Tudo o que era diretamente vivido
se esvai na fumaça da representação”. Guy Debord pensou de que forma o
desenvolvimento do sistema capitalista afetou a organização da sociedade, transformou a
relação entre os homens, entre os homens e as coisas, transformou o nosso olhar, as
nossas necessidades. Ou seja, Debord, contribui, com o conceito de espetáculo, no
sentido de pensarmos de que forma essa sociedade capitalista é propagada e apropriada
pelos homens. O conceito de sociedade do espetáculo nasce intimamente ligado à
análise do sistema econômico. Baseado, de forma central, em Marx, ele se propõe a
atualizar o conceito de mercadoria e como ela se situa no contexto, por exemplo, da
explosão dos meios de comunicação de massa, momento este não vivenciado por Marx.
A contribuição de Debord ao lançar a obra foi, mais diretamente, ao movimento de
maio de 68, iniciado em Paris, mas estendeu-se aos dias de hoje, pois nos permitiu
compreender aspectos econômicos que influenciaram a nossa cultura. Além disso, ele
formula algumas reflexões a respeito da relação entre realidade e representação,
essência e aparência, dualidades que são ainda mais vivenciadas na sociedade do
espetáculo. A visibilidade, mostrabilidade e exibicionismo também são aspectos
identificados por ele como característicos dessa sociedade, significando, muitas vezes, a
preocupação central das pessoas. Como bem afirma Naomi Klein (2004), “estar na
imagem é existir”. A necessidade de se mostrar, tão propagada nos dias de hoje, por meio
dos reality shows, principalmente, também é resultado da espetacularização das relações,
que propõem uma conotação positiva ao exibicionismo, tal como Debord (1997: 16-7)
identificou e profetizou: “o espetáculo se apresenta como uma enorme positividade,
indiscutível e inacessível. Não diz nada além de “o que aparece é bom, o que é bom
aparece”. Segundo Evangelista, o espetáculo é apenas um dos fenômenos
contemporâneo, que, aliado a outros, gera esvaziamento de significados e ações
políticas, por exemplo. O autor cita a alienação, o fetichismo e a reificação como partes
dessa sociedade do espetáculo causando impactos no nosso modo de vida, na nossa
cultura:
Nessa fase contemporânea do capitalismo, a cultura é submetida
plenamente ao movimento de produção e reprodução do capital,
constituindo-se em espaço de expansão da produção de mercadorias e de
acumulação capitalista, intensificando exponencialmente o fenômeno da
reificação que também ocupa a esfera da cultura e generaliza os seus
efeitos sobre os signos e as imagens que se objetivam na nossa vida
cotidiana. (EVANGELISTA, 2001: 38)
2
Festival anual de música eletrônica promovido pela Skol que, inclusive, também tem uma linha de
cervejas com a marca Skol Beats. Fonte: http://www.skolbeats.com.br/
3
Percebe-se que o artista “imita” a forma da marca do Bradesco com as chamas de fogo.
Figura 5: Ação publicitária da “Super Bonder” no Big Brother Brasil.
Figura 6: Anúncio da campanha “Brasil à Flor da Pele” da sandália Ipanema Gisele Bündchen.
Em relação aos autores que discutimos percebemos que há, de certa forma, um
diálogo entre estes movimentos e a produção teórica crítica, mas identificamos também
que há uma atualização dos conceitos, tendo em vista os rumos tomados pela publicidade
na contemporaneidade. A análise do fetichismo, por exemplo, fica bastante vinculada às
marcas, principais símbolos de representação dos produtos na contemporaneidade e
também de seus consumidores. Ou seja, as marcas funcionam hoje como veículo
simbólico de imagens relativas ao produto, agregando ao mesmo estilos de vidas,
sentimentos, desejos. Assim, toda a questão já antes discutida por nós a respeito das
transformações da publicidade no decorrer do capitalismo, agora comprova-se de forma
ainda mais sintetizada através da marca.
Parte das motivações desses movimentos antipublicidade é voltada ao combate às
marcas, através, por exemplo, da intervenção em peças publicitárias veiculadas no
espaço público, tal como outdoors, grandes placas e letreiro. Com esse ativismo eles
praticam a “culture jam”, ou seja, a modificação do sentido veiculado pela propaganda. O
livro “Contra!” traz uma amostra dessas diversas formas de alteração dos signos da
marca:
4) Referências bibliográficas.
BAUDRILLARD, Jean. A Troca Simbólica e a Morte. Lisboa, Portugal: Edições 70, 1996.
KLEIN, Naomi. Sem Logo: a tirania das marcas em um planeta vendido. 4ª. edição. Rio de
Janeiro: Record, 2004.
MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: livro I. 25ª edição. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2008.
MARX, Karl. Para a crítica da Economia política. Coleção Os pensadores. São Paulo:
Nova Cultural, 1978.