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No ínicio do conto nos deparamos com uma discussão entre dois adolescentes apaixonados,

que serve como gancho para o desenvolvimento da história, que se dá nas lembranças do
personagem.

A realidade irrefutável do texto é o amor que o personagem tem por sua namorada. E a dúvida
na história é o significado que o garoto atribui á forma como matou a sede naquela tarde de
verão no caminho da excursão num chafariz que havia uma estátua em forma de mulher, dando
tamanha profundidade ao momento vivido, como se tivesse tocado, como se tivesse sentido os
lábios daquela mulher nos seus. E como num beijo, sentiu o líquido revitalizante da suposta
saliva da mulher e sentiu tamanha tensão que pela primeira vez, sentiu que havia se tornado
homem. Essa emoção incontrolável pode ter sido causada além do toque da estátua nos seus
lábios,como pela própria forma que se apresentava: uma forma feminina completamente nua. O
que como o garoto sendo um personagem na puberdade, não pode evitar de se sentir
maravilhado pelas curvas da mulher de pedra.

Conforme o filósofo francês Michael Foucault afirma “Aquilo qualificado de verdadeiro não
habita num já-aí; antes, é produzido como acontecimento num espaço e num tempo específicos.
No espaço, na medida em que não pode ser válido em qualquer lugar; no tempo, porque algo é
verdadeiro num tempo propício”, não há como comprovar ou negar o acontecimento desse
beijo, já que a intenção de Clarice nesse texto é mostrar o sentimento, a sensação do
personagem a essa situação totalmente nova. E se formos por essa linha de pensamento,
também existe uma relação com o discurso de Sartre, que diz que “a imaginação dos
leitores que faz com que a obra tome vida”. É justamente o que ocorre nesse
texto.

A riqueza de descrição psicológica, que é característica da literatura de Clarice Lispector, o ar


doce que o texto tem, a universalidade e a atemporalidade do texto que ao tratar da inocência
da puberdade, traz a tona sentimentos que nós vivemos algum dia, fazem desse conto uma
grande obra literária. E retomando a citação de Don Juan, o primeiro beijo é dado realmente com
os olhos, com o coração, portanto é algo a parte do tempo cronológico, trata-se de algo
emocional.

O texto se encontra na 3ª pessoa, o autor narra a história do pequeno rapaz que


havia tido sua primeira experiência com o sexo oposto, mesmo que de uma forma
surreal.
O autor não se introduz na história, a narra analisando todos os acontecimentos
como se estivesse ao lado do protagonista.
Podemos dizer que a realidade do conto consiste na paixão do rapaz por sua
primeira namorada, e no ciúme dela. Podemos também entender como real, a
dúvida que o menino tem quanto a sua experiência com a estátua.
A dúvida é o sentimento mais presente em toda a construção da narrativa. Talvez a
necessidade que o menino estava de beber água o tenha feito sonhar um pouco
mais. O encontro dos lábios do menino com os lábios da estátua da mulher nua,
despertou sensações que até então não havia conhecido. O fazendo vivenciar
experiências marcantes para sua vida como homem.

O jovem casal de namorados está vivendo um momento único: o primeiro beijo. Como em
muitos relacionamentos, surge um sentimento de posse e a namorada quer saber se foi também
a primeira boca beijada pelo amado; muitas vezes, as pessoas exigem do parceiro aquilo que ela
está entregando.
Para recordar a sua primeira experiência o namorado recorre a um recurso literário muito
interessante, o Flashback, a volta ao passado. Numa tarde de viagem com a turma da escola, a
janela aberta do ônibus permitia que uma brisa leve tocasse seu rosto, penetrasse em seus
cabelos como se fossem dedos de uma mãe. Aquele "carinho" do vento aos poucos seca a boca do
rapaz, que sente a vida se esvaindo junto com a água que perde. Nada mais sensual do que usar
o vento como representação do sexo e a água como símbolo da vida.
Já quase morto de sede, uma sede subjetiva, não apenas física, o jovem encontra a salvação
quando durante uma parada do ônibus, vê no meio de uma praça um chafariz que jorra água
pela boca.
Correndo mais do que qualquer outro, ele cola sua boca à boca da estátua feminina e recupera
aos poucos a "vida" que lhe fora tirada pelo vento que secou sua boca. A partir deste momento,
várias interpretações são permitidas, inclusive a perda da inocência, justificada pelas definições
do rapaz da sua vergonha e das mudanças ocorridas no seu corpo naquele momento intenso.
Ao constatar que "se tornara homem" o adolescente descobre que o amor transforma um
menino em um homem de verdade.

“O Primeiro Beijo” foi publicado originalmente no ano de 1971 no livro A Felicidade


Clandestina, no período literário conhecido como Modernismo. Este livro reúne vinte e cinco
contos de Clarice nos quais a autora aborda diversos temas como a crueldade, a pobreza, a
paixão, relembrando e contando aos leitores a sua infância em Recife através de fatos simples
do seu cotidiano infantil e juvenil. O conto “O Primeiro Beijo” apresenta como tema o amor
juvenil, a paixão reveladora que se mostra ao protagonista inesperadamente no gesto mais
simples da sua vida.

No conto de Clarice Lispector percebe-se que o protagonista descobre-se maduro ao beijar


uma estátua de pedra em forma de mulher. A sede da personagem principal pode ser
interpretada como o amadurecimento de um menino que através da sua necessidade vai ao
encontro da água para saciar em primeiro lugar uma necessidade vital, mas depois se revela
como uma situação até então não vivida pelo protagonista, de forma que se poderia dizer que
o mesmo vai ao encontro do desejo, da sexualidade. Nota-se que “[...] sua sede era de anos”
(LISPECTOR, 1995, p.21) e que ao tentar engolir a saliva apresenta a tentativa de suprir a
necessidade de contato físico com o sexo oposto.

O primeiro beijo e outros contos de Clarice Lispector, percebe-se como Clarice utiliza a
linguagem poética para descrever, para representar a mulher e o seu órgão sexual
relacionando-o com a “sede” da personagem: “O instinto animal dentro dele não errara: na
curva inesperada da estrada, entre arbustos estava...o chafariz de onde brotava num filete a
água sonhada.”

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