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dos poderes
Sumário
1. Introdução. 2. A evolução da separação
dos poderes. 2.1. A separação dos poderes em
Aristóteles. 2.2. A separação dos poderes em
John Locke. 2.3. A separação dos poderes em
Montesquieu. 2.4. A separação dos poderes na
atualidade. 3. Conclusões.
1. Introdução
É certo que a teoria da separação dos
poderes tem desempenhado um papel pri-
mordial na conformação do chamado Esta-
do Constitucional. Utiliza-se o termo sepa-
ração dos poderes, mas sabe-se que o poder
do Estado é uno e indivisível.1 Em verdade,
esse poder2 é exercido por vários órgãos, que
possuem funções distintas.
Como conseqüência dessa teoria, os Po-
deres Executivo, Legislativo e Judiciário são
poderes políticos.3 No entanto, como cada
homem em si é “a-político” 4, uma vez que a
política surge “no entre-os-homens, portanto,
totalmente fora dos homens” 5 e é essa mes-
ma política que “organiza, de antemão, as
diversidades absolutas de acordo com uma
igualdade relativa e em contrapartida às di-
ferenças relativas,” 6 deve-se constatar que o
poder do Estado somente deve existir para
cumprir e manter a paz na sociedade e asse-
Angela Cristina Pelicioli é Procuradora do
gurar o gozo da liberdade.
Estado de Santa Catarina; Mestre em Ciências
Jurídicas (Processo Civil) pela Universidade Transcorrido o tempo, os poderes políti-
Clássica de Lisboa; Doutoranda em Direito Pro- cos transformaram-se e o Poder Judiciário
cessual Civil pela Pontifícia Universidade Ca- passou a ter uma função de maior destaque,
tólica do Rio Grande do Sul. qual seja, a de estabelecer o equilíbrio entre
Brasília a. 43 n. 169 jan./mar. 2006 21
os Poderes Executivo e o Legislativo, redefi- A ética e a política estão intrinsecamen-
nindo, assim, o papel do juiz. te unidas na obra de Aristóteles (1999), tan-
A separação dos poderes, que, em últi- to que a “Ética a Nicômacos” insere um pla-
ma instância, objetiva manter a paz na soci- no que se idealiza na obra “A Política.” A
edade e assegurar o gozo da liberdade, evi- ética está subordinada à política, ciência
tando a arbitrariedade e o autoritarismo, prática arquitetônica que tem por fim o bem
pode estar, nos dias atuais, em cheque, caso propriamente humano.9
não se esclareçam, com a maior precisão “A Política”, que estuda não apenas os
possível, as legítimas esferas de atuação de poderes políticos, mas também a estrutura e
cada Poder. o comportamento das autoridades adminis-
Para tanto, é necessário examinar a evo- trativas e judiciárias, atesta que os elemen-
lução histórica da separação dos poderes tos do Estado são: a população, o território e
desde Aristóteles até hoje, para situar os a autoridade política.
valores que nutrem cada povo em cada épo- Inicia seu estudo definindo o homem
ca, no tocante aos seus Poderes e em razão como um animal cívico, “mais social do que
das suas necessidades históricas e culturais, as abelhas e os outros animais que vivem
pois, como ensina Nicolai Hartmann (1986, juntos” (ARISTÓTELES, 1991, p. 4). O ho-
p. 23), “a cambiante validez de determina- mem civilizado é o melhor de todos os ani-
dos valores em determinado tempo não sig- mais, entretanto, aquele que não conhece
nifica seu nascer e perecer ao correr da histó- nem justiça nem leis é o pior de todos
ria. O câmbio não é mutação dos valores, mas (ARISTÓTELES, 1991, p. 5). Esse homem se
mudança de preferência que prestam deter- reúne para formar uma sociedade, pois de
minadas épocas a determinados valores.” outro modo não poderia satisfazer suas ne-
cessidades físicas e intelectuais. O respeito
2. A evolução da separação dos poderes ao direito forma a base da vida em socieda-
de e os juízes são os seus primeiros órgãos.
2.1. A separação dos poderes em Aristóteles A finalidade do Estado é facilitar a con-
secução do bem-comum, conseqüentemen-
Aristóteles, filósofo grego que nasceu em te, o próprio bem-comum. Para Aristóteles,
384 a.C. e morreu em 322 a.C., escreveu so- as Constituições possíveis são justas e in-
bre muitos assuntos, das ciências à lógica. justas, sendo as primeiras as que servem ao
Tornou-se, no entanto, célebre por suas obras bem-comum do povo e não só aos governan-
filosóficas, como a Metafísica, a Física, a Éti- tes e as segundas as que servem ao bem dos
ca a Nicômaco, a Política, Da alma, Da Ge- governantes e não ao bem-comum. Nesse
ração e da Corrupção e a Poética.7 A obra segundo caso, está-se tratando do pereci-
“Constituições”8 de Aristóteles teve como mento do Estado e da corrupção do regime
objeto um estudo histórico e político de to- político.10 As Constituições justas são as di-
das as formas de governo e de poder exis- vididas em: monarquia, que é o governo de
tentes na época. Esse trabalho foi a base para um só que cuida do bem de todos; aristocra-
Aristóteles elaborar a sua obra mais com- cia, que é o governo dos virtuosos que cui-
pleta, “A Política”. dam do bem de todos, sem atribuir-se privi-
Na “Ética a Nicômaco”, Aristóteles légios; república, que é o governo popular
(2001, p. 18) define a política como sendo que cuida do bem de toda a cidade. E as
aquela que estrutura as ações e as produ- Constituições injustas dividem-se em: tira-
ções humanas e ensina “que a ciência polí- nia, que consiste no governo de um só que
tica usa as ciências restantes e, mais ainda, procura o interesse próprio; oligarquia, de-
legisla sobre o que devemos fazer e sobre finida como governo dos ricos que procu-
aquilo de que devemos abster-nos.” ram unicamente o bem econômico próprio;