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[ebook]

ato-aula pública
edição #01
05.09.2016
Cinelândia, Rio
Evangelho
e a desobediÊncia
CIVIL
[ato-aula pública]
O Evangelho e a Desobediência Civil
05 de Setembro de 2016, Cinelândia, Rio de Janeiro.

SUMÁRIO

Manifesto............................................................................Isaac Palma

As igrejas também deveriam ser ocupadas.............Ronilso Pacheco

Notificações desobedientes....................................Fellipe dos Anjos

Matéria - Evangélicos contra o Estado.................................Fabio Py

Vanda Lizandro
comunidades_circulantes
apresentação-Manifesto

Evangélicos e desobediência civil:


quando a insubmissão ao estado¹ é um imperativo cristão

Isaac Palma Brandão (org.)

Cada um de nós traz efetivamente em si, interiorizada como a fé do crente, essa certeza de que a
sociedade existe para o Estado.” {Pierre Clastres}

O grande erro, de grande parte da atuação politica, é ter o estado, necessariamente, como foco das
nossas ações. Tudo, ou praticamente tudo, do debate público sobre politica no Brasil parece estar
centrado na atuação do estado e seus vários mecanismo burocráticos. Dessa forma, o que chama-
mos de estado encerra em si, não só toda a fonte de poder, mas também quase toda a possibili-
dade de poder ou mesmo de transformação da sociedade. Se entendermos os agrupamentos terri-
toriais, numa perspectiva que possibilite uma complexidade maior, perceberemos que o estado
funciona muito mais como um Teatro, do que como um fonte ou possibilidade de poder e transfor-
mação efetiva. Muitas vezes a sustentação do poder do estado está na própria ideia que se dissem-
ina sobre. O estado se retroalimenta da própria narrativa que cria e impregna em nós, e sem nos
darmos conta, muitas vezes ao critica-lo, estamos, na verdade, fortalecendo a própria narrativa de
poder absoluto construída historicamente. É preciso, portanto, desmascarar a pretensão estatal, de
abarcar tudo e todos, explicitar não só que o Rei está nu, mas que todo controle e segurança que
o estado investe na sua consolidação ininterrupta é a maior prova de sua fragilidade.

A teatralização do estado se tornou evidente durante o processo de impeachment da presidenta


Dilma Rousseff. Mais do que um ritual que combinava uma série de dissensos, os gritos enfeitados
com “Vossa senhoria” pareceram acentuar o nível irreal dessas instituições. Quem assistiu, pelo
menos algumas horas desse julgamento, percebeu o nível de hipocrisia contida em todos aqueles
discursos redundantes. Mesmo as denuncias, quando vieram, estavam cheias de articulações
obscuras, de intencionalidades impenetráveis. A politica, como tem sido praticada, mais do que
hipócrita é uma verdade oca apodrecida por dentro, ou como anunciou Jesus sobre parte dos man-
datários do povo em sua época, um sepulcro caiado. Os simulacros de poder, que criam labirintos
em torno de si, para que ninguém chegue a conclusão nenhuma e por isso o que está posto per-
maneça como padrão de verdade, operam incessantemente.

O teatro, que já existiu como forma de denuncia das estruturas de poder, representa nessa reflexão
a forma mais inflexível de gestão das vidas, diante da sua própria falência. O exercício do poder
através do estado, como forma de gestão de territórios, corpos e pessoas, é, na verdade a gestão
ininterrupta da miséria do próprio mecanismo. Ou seja os estados promovem guerras, genocídios,
desigualdades externas e internas, não porque existem intencionalidades ocultas que promovem a
maldade, mas porque a falência dessa forma de gestão é o que promove as rachaduras que
expõem sobretudo os indivíduos marginalizados pelas narrativas hegemônicas. Mais do que isso,
essa formas específicas de gestão das vidas esmagam formas de sociabilidade e de organização,
que comumente são criminalizadas, quase ninguém pode ser nada que não seja previamente per-
mitido pelo estado, e qualquer grupo que fizer uma tentativa vai ser constantemente reprimido. Os
estados, ainda, impedem outras formas de resolução de conflitos que não seja pelo uso de sua
própria força. O fato dos estados necessitarem do uso da força constantemente deveria ser enten-
dido como um mecanismo de auto-denuncia.
Isso é ainda mais problemático se pensarmos que o estado-nação é uma construção europeia e
que serviu como mecanismo de controle e extermínio de diversos grupos não-europeus ao longo
da modernidade. Podemos concluir, em sintese, que essa forma de gestão, que produziu entre
outras coisas as várias colonizações, é também uma forma de produção de uma sociabilidade espe-
cífica com recorte racial, de gênero e de expressão de sexualidade, em outras palavras, é a
imposição de formas de viver para indivíduos de várias experiências distintas. Mais do que a cen-
tralização do poder politico, é a tentativa ininterrupta da centralização da experiência total de vida.

Diante disso, que na verdade representa centenas de outras coisas, nós evangélicas e evangélicos,
conclamamos a todas e todos à desobediência civil. Não se trata, entretanto, apenas de uma
desobediência das leis. E sim do não reconhecimento do estado como fonte única emanadora dos
sentidos da sociedade. O estado, essa ritualização teatral das nossas desigualdades. Que por meio
da dramatização de si, simulando controvérsias para seguir retendo o domínio sobre as vidas dos
habitantes dos territórios, perpetua esquemas patriarcais, racistas e heteronormativos. Crentes que
a realidade pulsante da experiência de Jesus, diante de um império que se autoproclamava o pro-
dutor da paz, mas que sobrevivia da constante produção da guerra, tem algo a nos dizer hoje. Dai
a César o que é de César, disse Jesus, em suas palavras que hoje soam submissas a um poder impe-
rial, mas que na verdade são um micro-manifesto, não só a insubmissão diante de um estado
opressor, mas um convite a devolver, ou seja, não compactuar com as dinâmicas impostas por esse
império. O convite de Jesus, que nesse manifesto estendemos a nós e a todas e todos, é de não
aceitar o poder do estado/império com fonte ultima e única de poder e de tranformação. Dai a
Deus o que é de Deus, ou seja, nossas vidas não pertencem a um sistema políticos que nos domina,
é a proclamação de um “reino que não é desse mundo”. É, por fim, mais do que um convite a um
tipo de anarquismo, que também dogmatiza-se a partir de experiências de sociedade os padrões
de ação e de possibilidade de organização, mas sim, inspirados pelo favelado da galileia, convida-
mos todas e todos a engajar-se em experiências plurais não autoritárias. Enquanto o estado seria a
centralização das possibilidade de ser e fazer, o convite anunciado por Jesus é da abertura radical
as muitas possibilidades de experiência no mundo. Nesse sentido, a desobediência e a desautor-
ização do estado e das suas formas de imposição e gestão são, na verdade, um imperativo da
vivência de uma espiritualidade inspirada em Jesus.
1 - Nota sobre “estado”:
Não é erro de português, trata-se de desobediência linguística,
de vandalismo das formas e das técnicas.

A grafia em letra maiúscula confere sacralidade,


aqui o desejo e dessacralizar.

Como quando queremos falar em divindades que não acreditamos:


usamos “deus” ao invés de “Deus”.

Esta manifesto rejeita a sacralidade do estado.

Ele é um falso-deus.
E qualquer devoção a um falso-deus configura idolatria.
As igrejas também deveriam ser ocupadas
por Ronilso Pacheco

Todo esse movimento de ocupação das escolas me fez pensar o quão lindo seria se, com
este mesmo ímpeto juvenil, as igrejas também fossem ocupadas. Seria lindo ver pastores
desesperados negociando, com a galera da ocupação, o que sua igreja poderia fazer para
servir melhor a comunidade, ao povo, quais as necessidades.

Podíamos ocupá-las porque a maioria delas trai o chamamento de Jesus, quando o que ele
nos convida a viver como uma comunidade aberta, coletiva e acolhedora, cuja força está na
fragilidade da sensibilidade que evoca o amor, é transformado em uma espécie de comuni-
dade segura e exclusivista, pesadamente institucionalizadaSilas Malafaia, que quer decidir
quem tem acesso a Deus e quem não tem, controlando comportamentos e fomentando a
superioridade dissimulada de “certeza da salvação”.

Podíamos ocupá-las para que elas não matem o surgimento de uma juventude atuante,
potente, crítica, ousada, combativa, livre, criativa. Quem sabe a experiência da ocupação não
gera uma juventude confrontada com a urgência de uma transformação social baseada na
justiça, com a construção de novas narrativas libertadoras, ao invés de encontros e retiros
improdutivos, individualistas, jovens desconectados da juventude do mundo lá fora e repeti-
dores dos mesmos vícios denominacionais conservadores e teologicamente moralistas.

Mas como nem tudo é tão simples e perfeito assim. Ainda existe, sempre existirá, o receio
daquela liderança que vai preferir garantir o seu poder e as coisas como estão. Esta liderança
certamente irá recorrer ao estado policial, exigindo, “em nome de Jesus”, a reintegração de
posse do seu pequeno império.

Mas vale o risco.

Podíamos ocupar.
OCUPAR
RESISTIR
SUBVERTER
O silêncio em face do mal
é o mal em si;
Deus não irá nos inocentar.
Não falar é falar;
não agir é agir.

Dietrich Bonhoeffer
Notificações Desobedientes
O Jesus indisciplinar e sua mística política contra o Império

por Fellipe dos Anjos

Jesus é um acontecimento revolucionário que – radicado na teopoética econômica do Jubi-


leu e identificado com a tradição de justiça social e o espírito rebelde/contestatório dos pro-
fetas populares de Israel – condenou o arranjo governista hipócrita, violento aos pobres e
militarizado que colonizava a sociedade de seu tempo. A história de Jesus entre nós jamais
pode ser esvaziada de sua implicação política e social. Ele não realizou sua jornada de serviço
ao próximo num buraco negro histórico, num vácuo político, num lapso temporal. A saber,
o império romano – que exercia domínio sobre a palestina dos tempos de Jesus – em articu-
lação estratégica com a aristocracia religiosa judaica utilizava suas instituições legais para
estigmatizar, marginalizar, oprimir, violentar e finalmente eliminar pessoas. Leis religiosas,
tradições populares e acordos políticos eram manipulados pelo poder de um modo tão
diabólico a ponto de produzir morte, exclusão e discriminação em larga escala. Experiências
religiosas foram tornadas em mecanismos eficientes de injustiça política, transformadas em
máquinas de medo, juízo e exclusão social nas mãos de poderosos inescrupulosos e impie-
dosos. O poder criava áureas de santidade em torno de estruturas mortas e mortificantes.
Não fosse por sua crítica persistente a esta sistemática maligna, Jesus jamais teria sido assas-
sinado da forma marginal como foi. Alvo de conspiração, torturado na casa do governador
e crucificado no monte caveira. Uma pessoa criativa e eticamente inovadora que não consti-
tuísse uma ameaça inédita ao status quo imperial, não receberia as acusações que recebeu,
nem seria contada entre os bandidos, criminosos, hereges e subversivos de sua geração.
Jesus não se deixou governar pelo Império, antes, subverteu, desobedeceu, venceu o mal
pela potência e pelo escândalo de um amor mais forte que a morte. A menos que a má-fé
interpretativa e teológica perverta as tradições culturais dos evangelhos para manter a
memória de Jesus domesticada e adestrada a um sistema religioso que se privilegia das lógi-
cas do poder, cada gesto de solidariedade, cada palavra profética, cada postura pública,
cada história criativa contada e cada manifestação de espiritualidade de Jesus de Nazaré
condenava a ordem instituída, o pecado em suas mecânicas estruturais e sinalizava para a
possibilidade de uma nova vida fora daqueles limites institucionais corrompidos – políticos,
religiosos e econômicos.
A conversa fundamental dos evangelhos é sobre como Jesus está articulando um novo
êxodo em seu tempo. Trata-se da Paixão de Jesus por uma vida livre e libertadora, a nova
páscoa, a reedição universalizante da libertação da opressão imperial. A fuga da escravidão,
da exploração do trabalho e da idolatria de estado. Um êxodo espiritual, existencial, religio-
so, econômico, social e político que atende pela insígnia do Reino de Jesus: uma experiência
comunitária de justiça, paz e alegria contra o modelo de opressão, medo e violência como
percebido em seu lugar histórico e horizonte vivencial. “Deixo-vos a paz, a minha paz vos
dou. E não a dou como a Paz romana a dá: à força de suas armas e ao som horripilante
da morte de muitos”.

Portanto, seguir a Jesus aqui e agora significa encarnar coletivamente a


forma de vida profética que condena os governantes, seus sistemas de pro-
dução de mortes em escala genocida e suas negociações sórdidas que expõe
os mais empobrecidos a condições desumanas de sobrevivência. Seguir a
Jesus é desmascarar a face horrível do Poder, seu terrorismo institucional e
sua paixão pela violência.

Devemos construir uma relação com os evangelhos de Jesus que fomente resistência às lógi-
cas de controle social e dominação tal como operacionalizadas pelas formas sagazes de
imperialismos contemporâneos. Sugiro que consideremos:

a recusa de Jesus em aquiescer as modalidades violentas do Império como


fonte de inspiração de resistência às formas injustas de atuação do Estado e
capitalismo global em seu estágio religioso mais avançado. Ao renunciar
qualquer possibilidade de idolatria ao império romano – culto ao imperador
e demais liturgias do poder – Jesus consolidava uma proposta de espirituali-
dade política de contestação e rebeldia à colonização militarizada que
ignorava a justiça e o direito dos pobres, violava a santidade ontológica da
vida humana, em nome de privilégios econômicos, políticos e religiosos.

A partir deste exemplo subversivo de Jesus, questiono quando as igrejas brasileiras que
evocam sua memória libertadora vão se posicionar contra o status divinizado do Estado e
denunciar o estágio do capitalismo que globalizou desigualdades sociais, injustiças ambien-
tais-econômicas e instalou crises humanitárias e psico-políticas às margens do mundo?
Quando vamos denunciar com ousadia espiritual os arranjos diabólicos que normatizam as
mecânicas e ideologias do capitalismo contemporâneo? Quando vamos nos rebelar contra
as formas religiosas de um capitalismo que evangelizou as igrejas evangélicas brasileiras e as
colocou para produzir pessoas produtivas, disciplinas e sujeitadas a um individualismo
corrosivo?

Cientes dos abusos da obediência demandada pelo e stado, temos que retomar uma
questão central no cotidiano dos discípulos de Jesus: quando nossa obediência aos homens
e seus governos iníquos se torna, conjuntamente, desobediência a Deus e aos seus propósit-
os de justiça e beleza? Ou, ao contrário, quando eu tenho que desobedecer aos homens para
prosseguir coerente com a mensagem dos evangelhos? Definitivamente, é tempo de
desobediência discipular.
Insisto em dizer – contra os abusos que a ideia da obediência produziu – que o Espírito per-
manece indomável, Jesus permanece ingovernável e que a leitura da Bíblia não está cativa as
ideologias que sacralizam o Poder. Lemos a bíblia na perspectiva indisciplinar do Espírito e,
por isso, falamos de uma palavra sensível à história e suas opressões e de uma teologia
comunitária que sempre escapa às tentativas de capturação promovidas pelo poder. Lemos
a Bíblia a partir dos profetas menores e minoritários, a partir das comunidades empobrecidas
onde foi revelado o evangelho, a partir dos órfãos, dos sem-terra e das viúvas, dos
imigrantes, também das mulheres invisivilizadas, das crianças exploradas, dos favelados, das
mães de jovens mortos pela polícia, da comunidade LGBT violentada existencialmente pelos
fundamentalistas evangélicos, dos indígenas massacrados pelo agronegócio de Dilma e
Katia Abreu, dos poetas hereges, dos doentes terminais, da escória de um mundo doente,
mas nunca, definitivamente nunca, a partir do poder e das lógicas complacentes com o
Estado Tirânico. Falamos partir da experiência do povo, da multidão dos que creem, dos
marginais da história contra o Estado.

Este lugar nos provoca a imaginar uma ecologia política do Espirito da Vida, dentro da qual
os sonhos de justiça e beleza são realizados. E o que quero dizer com esta ecologia política
do Espírito?

Uma experiência comunitária essencialmente anárquica. Impossível de ser normatizada!


Tomás de Aquino errou feio. Deus não precisa da ordem para governar o mundo porque o
amor não é uma experiência de governo e sim uma condição de liberdade generalizada
sobre os amados amantes dele e de seu evangelho libertador. Norma? Estado? Lei? Quem
precisa desses aparatos quando foi profundamente afetado por um amor revolucionário que
o fez enxergar a santidade da criação e de cada novo rosto com o qual se depara, se desar-
ma. Uma ecologia política do espírito, um novo tempo-espaço onde as relações não se
baseiem mais por comando-obediência, mas por alteridade radical, generosidade criativa e
liberdade indomável. Que ser humano será capaz desta ecologia? Aquele que se colocar no
seguimento amigável de Jesus, a humanidade perfeita, porque ingovernável, e, ainda assim,
justa, bela e bondosa. A fundação deste lugar sagrado onde a relação de amizades é tudo
que importa, depende da destruição das contenções existenciais e comunitárias produzidas
pelo Estado capitalista, desmilitarizar a Alma, des-economicizar a Vida e lutar contra a aus-
teridade do Amor.

Há os que nos chamarão de loucos. Estes sempre existiram. De Jesus de Nazaré, passando
por Paulo Apostolo, Luther King, Bonhoeffer, Rubem Alves. Richard Shaull, Marcela
Althus-Reid, Andre Muskopf, Nancy Cardoso, até a teologia protestante da libertação, todos
os questionadores das sabedorias do mundo foram considerados loucos por este mesmo
mundo, que tenta perpetuar suas lógicas ridicularizando e criminalizando seus críticos.

Éramos, somos, seremos. Loucos do tipo jamais vistos, para referenciar Francisco de Assis.

Diremos: a sabedoria de Deus é loucura para os homens.

E que Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias.

Quero atualizar o "jogo de loucuras", tal como elaborado por Paulo Apóstolo no primeiro
capítulo da sua primeira carta aos Coríntios.
Em que contexto se insere esta crítica do Apóstolo Paulo?

A sabedoria do mundo - categoria paulina para definir a ordem complexa das sociedades,
que é tramada a partir de violências, injustiças e opressões sistêmicas - julga nossa rebeldia
institucional como loucura sempre a partir de uma contabilidade da utilidade da nossa
vida livre a um sistema que pretende controlar todas as coisas, um cálculo consenquencialis-
ta. É essa lógica utilitarista que máquina a morte dos inadequados que o Apóstolo Paulo
chama de sabedoria do mundo. (1.Cor 1.20-21) Paulo caracteriza a sabedoria do mundo
como loucura para Deus. E apresenta uma sabedoria de Deus que, além de revelar a índole
hipócrita e violenta da sabedoria do mundo, julga, condena e quebra as aparências de
pureza e honestidade de suas linguagens e processos. O "mundo" parece sensato e lúcido,
mas no fundo é apenas uma máquina de gerenciar mortes desde que estas atendam suas
necessidades táticas e operacionais.

Paulo opera, portanto, um jogo de inversões e deslocamentos a partir de uma metáfora


psico-política. Eis o jogo das loucuras. À luz da sabedoria do mundo, a sabedoria de Deus é
uma loucura. À luz da sabedoria de Deus, a sabedoria do mundo é uma loucura. (1.Cor
3.18-19)

E como o apóstolo demonstra o significado da sabedoria de Deus, a loucura do mundo?


Na imagem de Jesus crucificado. Escândalo para normatividade religiosa dos judeus e para
as lógicas filosófico-políticas dos gentios. Jesus é Deus crucificado. (1.Cor 1.25) E esta loucu-
ra está em nós, que vivemos, nos movemos e existimos a partir da vida escandalosa de Jesus
de Nazaré. A loucura de Jesus é a nossa vocação. (1.Cor 1.26)

Aqui encontramos o nexo do circuito de afetos políticos do jogo das loucuras, a sabedoria
de Deus. (1.Cor 1.27-28)

Isso significa:

Na fraqueza está a força, sendo os desprezíveis do Estado os escolhidos de Deus.

Isso implica a dialética do que é e do que não é; o que é e todas as suas lógicas é reduzido
a nada pela potência dos fracos. O que não é, o Nada, os Nadas, os Loucos, são estes os que
mudam o mundo. Isto é o que Paulo chama de Reino de Deus - o que não é, o crido como
o Nada, mas que reduz a nada o que se julga ser alguma coisa. A queda da arrogância insti-
tucional e da santificação do poder. O Tudo reduzido a Nada.

A sabedoria de Deus é portanto este lugar teológico, epistemológico e político a partir do


qual nós julgamos a realidade. Um lugar entre os fracos e desprezíveis, que não reconhece
o Poder no poder, mas na fraqueza e que faz da fraqueza, ou daquilo que não se constitui
poder institucional, a crítica permanente daquele que se arroga ser alguma coisa. Um lugar
que reduz ao nada aquilo que diz ser tudo. É desta sabedoria que deriva justiça, santificação
e redenção. (1.Cor 1.30) E afirmar está sabedoria de Deus notada no messianismo
desprezível de Jesus de Nazaré é, também, defender que Jesus tem um projeto de libertação
para o mundo contra o qual os impérios conspiram. (1.Cor 2.6-9)

~ Quando se cristianiza o império, o império imperializa o cristianismo. - Hinkelammert


.
“quando se cristianiza o império,
o império imperializa o cristianismo”

Franz Hinkelammert
Rebeldia e RESISTência
Evangélicos contra estado criminal carioca e o golpe
por Fábio Py

Pensar a desobediência civil sob a ótica do Evangelho. Esse foi o polêmico tema da aula-ato,
realizada no último dia cinco de setembro, em plena escadaria da Câmara de vereadores do
Rio de Janeiro, na Cinelândia. O evento contou com a participação de quase cem pessoas. A
maioria dos participantes se identifica de alguma forma com a identidade protestante/evan-
gélica em sua vertente mais progressista. Na aula-ato, os religiosos rechaçaram as Unidades
de Políticas Pacificadoras(UPP) e rejeitaram o impeachment de Dilma Rousseff.

Contra UPP e o estado criminal, o ativista e pastor Fellipe dos Anjos, utilizando-se de pas-
sagens da Bíblia (1Cor 1,27-28), destacou que levantar-se contra a opressão estatal é uma
atitude legítima para os cristãos. Fellipe indicou que a leitura dos evangelhos mostra que
Jesus não se deixou dominar pelo império romano. Ao contrario, lutou junto com os meno-
res da época (órfãos, viúvas, prostitutas, pedreiros, pescadores, etc) contra o imperialismo
romano. O também ativista Ronilson Pacheco, além de lembrar o sofrimento das vítimas das
UPPs, abordou a segregação racial, destacando as lutas dos líderes religiosos negros, entre
os quais, o norteameriacano Martin Luther King e o sulafricano Desmund Tutu.
Um dos momentos mais importantes da aula-ato, foi a leitura do “Manifesto Evangélico
contra a legitimidade do Estado”. O documento indica que o impedimento de Dilma Rous-
seff seria um teatro armado pelo próprio estado brasileiro formalizando um ritual que com-
bina uma série de gritos irreais, articulações obscuras, e de intencionalidade impenetráveis.
O documento salienta que, assim como foi denunciado por Jesus, os mandatários do poder
são um sepulcro caiado e, dessa forma, a desobediência civil é uma atitude legítima
“desobediência e a desautorização do estado e das suas formas de imposição e gestão são,
na verdade, um imperativo da vivencia de uma espiritualidade inspirada em Jesus”, afirma
um dos trechos do manifesto.

Embora de tônica nitidamente evangélica, na aula-ato, houve participações de pessoas de


outras tradições religiosas, como personalidades católicas e do candomblé do Rio de Janei-
ro, mostrando que o diálogo entre os diferentes setores religiosos se faz necessário.

O evento foi organizado por cristãos membros de comunidades circulantes do Grande Rio,
que apresentam um caráter inclusivo e progressista. Aceitam pessoas de identidade LGBTT,
assumem a responsabilidade social do cristianismo, lutam contra o racismo, questionam a
estrutura fundiária brasileira, a mobilidade urbana e a assumem a discussão ecológica e em
favor das populações empobrecidas urbanas. O setor também contraria as estruturas religio-
sas locais que apoiaram (por seus religiosos) a política higienista do governo explanado
pelas mídias e empresários cariocas que tentam pacificar o cotidiano.

O seguimento não se identifica com as agendas evangélicas ligadas à bancada BBBB do con-
gresso (Banqueiros, Biblia, Bala e Boi,) um braço responsável pelas ações que afunilaram com
o impedimento da presidenta Dilma Rousseff – apelidado de ‘golpe-gospel’. No entanto,
rejeitam também a política de implementação/consolidação das UPPs, que se formalizaram
na coligação PMDB-PT. Acredita-se que as UPPS representam, de fato, invasão militar nas
favelas cariocas no qual se tornou laboratório de políticas de exceção e de violações de
direitos humanos e sociais.

Com a Aula-Ato do dia cinco, mostra-se que o setor evangélico é muito mais vasto do que a
mídia oficial explora, diferente do que o senso comum quer crer. Existe uma fração de evan-
gélicos que apóia políticas mais sociais, chegando a questionar o estado criminal carioca.
Leva-nos a perceber que o que as mídias oficiais pintam seria uma caricatura antiquada
recheada pelos bufões de intransigência: Marcus Feliciano, Silas Malafaia e Eduardo Cunha.
Quando se percebe que nem mesmo os fieis das próprias igrejas desses lideres apóiam
(todas) suas falas e/ou votam cegamente nos políticos por eles indicados.

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Vanda Lizandro
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Vanda Lizandro
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