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ato-aula pública
edição #01
05.09.2016
Cinelândia, Rio
Evangelho
e a desobediÊncia
CIVIL
[ato-aula pública]
O Evangelho e a Desobediência Civil
05 de Setembro de 2016, Cinelândia, Rio de Janeiro.
SUMÁRIO
Manifesto............................................................................Isaac Palma
Vanda Lizandro
comunidades_circulantes
apresentação-Manifesto
Cada um de nós traz efetivamente em si, interiorizada como a fé do crente, essa certeza de que a
sociedade existe para o Estado.” {Pierre Clastres}
O grande erro, de grande parte da atuação politica, é ter o estado, necessariamente, como foco das
nossas ações. Tudo, ou praticamente tudo, do debate público sobre politica no Brasil parece estar
centrado na atuação do estado e seus vários mecanismo burocráticos. Dessa forma, o que chama-
mos de estado encerra em si, não só toda a fonte de poder, mas também quase toda a possibili-
dade de poder ou mesmo de transformação da sociedade. Se entendermos os agrupamentos terri-
toriais, numa perspectiva que possibilite uma complexidade maior, perceberemos que o estado
funciona muito mais como um Teatro, do que como um fonte ou possibilidade de poder e transfor-
mação efetiva. Muitas vezes a sustentação do poder do estado está na própria ideia que se dissem-
ina sobre. O estado se retroalimenta da própria narrativa que cria e impregna em nós, e sem nos
darmos conta, muitas vezes ao critica-lo, estamos, na verdade, fortalecendo a própria narrativa de
poder absoluto construída historicamente. É preciso, portanto, desmascarar a pretensão estatal, de
abarcar tudo e todos, explicitar não só que o Rei está nu, mas que todo controle e segurança que
o estado investe na sua consolidação ininterrupta é a maior prova de sua fragilidade.
O teatro, que já existiu como forma de denuncia das estruturas de poder, representa nessa reflexão
a forma mais inflexível de gestão das vidas, diante da sua própria falência. O exercício do poder
através do estado, como forma de gestão de territórios, corpos e pessoas, é, na verdade a gestão
ininterrupta da miséria do próprio mecanismo. Ou seja os estados promovem guerras, genocídios,
desigualdades externas e internas, não porque existem intencionalidades ocultas que promovem a
maldade, mas porque a falência dessa forma de gestão é o que promove as rachaduras que
expõem sobretudo os indivíduos marginalizados pelas narrativas hegemônicas. Mais do que isso,
essa formas específicas de gestão das vidas esmagam formas de sociabilidade e de organização,
que comumente são criminalizadas, quase ninguém pode ser nada que não seja previamente per-
mitido pelo estado, e qualquer grupo que fizer uma tentativa vai ser constantemente reprimido. Os
estados, ainda, impedem outras formas de resolução de conflitos que não seja pelo uso de sua
própria força. O fato dos estados necessitarem do uso da força constantemente deveria ser enten-
dido como um mecanismo de auto-denuncia.
Isso é ainda mais problemático se pensarmos que o estado-nação é uma construção europeia e
que serviu como mecanismo de controle e extermínio de diversos grupos não-europeus ao longo
da modernidade. Podemos concluir, em sintese, que essa forma de gestão, que produziu entre
outras coisas as várias colonizações, é também uma forma de produção de uma sociabilidade espe-
cífica com recorte racial, de gênero e de expressão de sexualidade, em outras palavras, é a
imposição de formas de viver para indivíduos de várias experiências distintas. Mais do que a cen-
tralização do poder politico, é a tentativa ininterrupta da centralização da experiência total de vida.
Diante disso, que na verdade representa centenas de outras coisas, nós evangélicas e evangélicos,
conclamamos a todas e todos à desobediência civil. Não se trata, entretanto, apenas de uma
desobediência das leis. E sim do não reconhecimento do estado como fonte única emanadora dos
sentidos da sociedade. O estado, essa ritualização teatral das nossas desigualdades. Que por meio
da dramatização de si, simulando controvérsias para seguir retendo o domínio sobre as vidas dos
habitantes dos territórios, perpetua esquemas patriarcais, racistas e heteronormativos. Crentes que
a realidade pulsante da experiência de Jesus, diante de um império que se autoproclamava o pro-
dutor da paz, mas que sobrevivia da constante produção da guerra, tem algo a nos dizer hoje. Dai
a César o que é de César, disse Jesus, em suas palavras que hoje soam submissas a um poder impe-
rial, mas que na verdade são um micro-manifesto, não só a insubmissão diante de um estado
opressor, mas um convite a devolver, ou seja, não compactuar com as dinâmicas impostas por esse
império. O convite de Jesus, que nesse manifesto estendemos a nós e a todas e todos, é de não
aceitar o poder do estado/império com fonte ultima e única de poder e de tranformação. Dai a
Deus o que é de Deus, ou seja, nossas vidas não pertencem a um sistema políticos que nos domina,
é a proclamação de um “reino que não é desse mundo”. É, por fim, mais do que um convite a um
tipo de anarquismo, que também dogmatiza-se a partir de experiências de sociedade os padrões
de ação e de possibilidade de organização, mas sim, inspirados pelo favelado da galileia, convida-
mos todas e todos a engajar-se em experiências plurais não autoritárias. Enquanto o estado seria a
centralização das possibilidade de ser e fazer, o convite anunciado por Jesus é da abertura radical
as muitas possibilidades de experiência no mundo. Nesse sentido, a desobediência e a desautor-
ização do estado e das suas formas de imposição e gestão são, na verdade, um imperativo da
vivência de uma espiritualidade inspirada em Jesus.
1 - Nota sobre “estado”:
Não é erro de português, trata-se de desobediência linguística,
de vandalismo das formas e das técnicas.
Ele é um falso-deus.
E qualquer devoção a um falso-deus configura idolatria.
As igrejas também deveriam ser ocupadas
por Ronilso Pacheco
Todo esse movimento de ocupação das escolas me fez pensar o quão lindo seria se, com
este mesmo ímpeto juvenil, as igrejas também fossem ocupadas. Seria lindo ver pastores
desesperados negociando, com a galera da ocupação, o que sua igreja poderia fazer para
servir melhor a comunidade, ao povo, quais as necessidades.
Podíamos ocupá-las porque a maioria delas trai o chamamento de Jesus, quando o que ele
nos convida a viver como uma comunidade aberta, coletiva e acolhedora, cuja força está na
fragilidade da sensibilidade que evoca o amor, é transformado em uma espécie de comuni-
dade segura e exclusivista, pesadamente institucionalizadaSilas Malafaia, que quer decidir
quem tem acesso a Deus e quem não tem, controlando comportamentos e fomentando a
superioridade dissimulada de “certeza da salvação”.
Podíamos ocupá-las para que elas não matem o surgimento de uma juventude atuante,
potente, crítica, ousada, combativa, livre, criativa. Quem sabe a experiência da ocupação não
gera uma juventude confrontada com a urgência de uma transformação social baseada na
justiça, com a construção de novas narrativas libertadoras, ao invés de encontros e retiros
improdutivos, individualistas, jovens desconectados da juventude do mundo lá fora e repeti-
dores dos mesmos vícios denominacionais conservadores e teologicamente moralistas.
Mas como nem tudo é tão simples e perfeito assim. Ainda existe, sempre existirá, o receio
daquela liderança que vai preferir garantir o seu poder e as coisas como estão. Esta liderança
certamente irá recorrer ao estado policial, exigindo, “em nome de Jesus”, a reintegração de
posse do seu pequeno império.
Podíamos ocupar.
OCUPAR
RESISTIR
SUBVERTER
O silêncio em face do mal
é o mal em si;
Deus não irá nos inocentar.
Não falar é falar;
não agir é agir.
Dietrich Bonhoeffer
Notificações Desobedientes
O Jesus indisciplinar e sua mística política contra o Império
Devemos construir uma relação com os evangelhos de Jesus que fomente resistência às lógi-
cas de controle social e dominação tal como operacionalizadas pelas formas sagazes de
imperialismos contemporâneos. Sugiro que consideremos:
A partir deste exemplo subversivo de Jesus, questiono quando as igrejas brasileiras que
evocam sua memória libertadora vão se posicionar contra o status divinizado do Estado e
denunciar o estágio do capitalismo que globalizou desigualdades sociais, injustiças ambien-
tais-econômicas e instalou crises humanitárias e psico-políticas às margens do mundo?
Quando vamos denunciar com ousadia espiritual os arranjos diabólicos que normatizam as
mecânicas e ideologias do capitalismo contemporâneo? Quando vamos nos rebelar contra
as formas religiosas de um capitalismo que evangelizou as igrejas evangélicas brasileiras e as
colocou para produzir pessoas produtivas, disciplinas e sujeitadas a um individualismo
corrosivo?
Cientes dos abusos da obediência demandada pelo e stado, temos que retomar uma
questão central no cotidiano dos discípulos de Jesus: quando nossa obediência aos homens
e seus governos iníquos se torna, conjuntamente, desobediência a Deus e aos seus propósit-
os de justiça e beleza? Ou, ao contrário, quando eu tenho que desobedecer aos homens para
prosseguir coerente com a mensagem dos evangelhos? Definitivamente, é tempo de
desobediência discipular.
Insisto em dizer – contra os abusos que a ideia da obediência produziu – que o Espírito per-
manece indomável, Jesus permanece ingovernável e que a leitura da Bíblia não está cativa as
ideologias que sacralizam o Poder. Lemos a bíblia na perspectiva indisciplinar do Espírito e,
por isso, falamos de uma palavra sensível à história e suas opressões e de uma teologia
comunitária que sempre escapa às tentativas de capturação promovidas pelo poder. Lemos
a Bíblia a partir dos profetas menores e minoritários, a partir das comunidades empobrecidas
onde foi revelado o evangelho, a partir dos órfãos, dos sem-terra e das viúvas, dos
imigrantes, também das mulheres invisivilizadas, das crianças exploradas, dos favelados, das
mães de jovens mortos pela polícia, da comunidade LGBT violentada existencialmente pelos
fundamentalistas evangélicos, dos indígenas massacrados pelo agronegócio de Dilma e
Katia Abreu, dos poetas hereges, dos doentes terminais, da escória de um mundo doente,
mas nunca, definitivamente nunca, a partir do poder e das lógicas complacentes com o
Estado Tirânico. Falamos partir da experiência do povo, da multidão dos que creem, dos
marginais da história contra o Estado.
Este lugar nos provoca a imaginar uma ecologia política do Espirito da Vida, dentro da qual
os sonhos de justiça e beleza são realizados. E o que quero dizer com esta ecologia política
do Espírito?
Há os que nos chamarão de loucos. Estes sempre existiram. De Jesus de Nazaré, passando
por Paulo Apostolo, Luther King, Bonhoeffer, Rubem Alves. Richard Shaull, Marcela
Althus-Reid, Andre Muskopf, Nancy Cardoso, até a teologia protestante da libertação, todos
os questionadores das sabedorias do mundo foram considerados loucos por este mesmo
mundo, que tenta perpetuar suas lógicas ridicularizando e criminalizando seus críticos.
Éramos, somos, seremos. Loucos do tipo jamais vistos, para referenciar Francisco de Assis.
E que Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias.
Quero atualizar o "jogo de loucuras", tal como elaborado por Paulo Apóstolo no primeiro
capítulo da sua primeira carta aos Coríntios.
Em que contexto se insere esta crítica do Apóstolo Paulo?
A sabedoria do mundo - categoria paulina para definir a ordem complexa das sociedades,
que é tramada a partir de violências, injustiças e opressões sistêmicas - julga nossa rebeldia
institucional como loucura sempre a partir de uma contabilidade da utilidade da nossa
vida livre a um sistema que pretende controlar todas as coisas, um cálculo consenquencialis-
ta. É essa lógica utilitarista que máquina a morte dos inadequados que o Apóstolo Paulo
chama de sabedoria do mundo. (1.Cor 1.20-21) Paulo caracteriza a sabedoria do mundo
como loucura para Deus. E apresenta uma sabedoria de Deus que, além de revelar a índole
hipócrita e violenta da sabedoria do mundo, julga, condena e quebra as aparências de
pureza e honestidade de suas linguagens e processos. O "mundo" parece sensato e lúcido,
mas no fundo é apenas uma máquina de gerenciar mortes desde que estas atendam suas
necessidades táticas e operacionais.
Aqui encontramos o nexo do circuito de afetos políticos do jogo das loucuras, a sabedoria
de Deus. (1.Cor 1.27-28)
Isso significa:
Isso implica a dialética do que é e do que não é; o que é e todas as suas lógicas é reduzido
a nada pela potência dos fracos. O que não é, o Nada, os Nadas, os Loucos, são estes os que
mudam o mundo. Isto é o que Paulo chama de Reino de Deus - o que não é, o crido como
o Nada, mas que reduz a nada o que se julga ser alguma coisa. A queda da arrogância insti-
tucional e da santificação do poder. O Tudo reduzido a Nada.
Franz Hinkelammert
Rebeldia e RESISTência
Evangélicos contra estado criminal carioca e o golpe
por Fábio Py
Pensar a desobediência civil sob a ótica do Evangelho. Esse foi o polêmico tema da aula-ato,
realizada no último dia cinco de setembro, em plena escadaria da Câmara de vereadores do
Rio de Janeiro, na Cinelândia. O evento contou com a participação de quase cem pessoas. A
maioria dos participantes se identifica de alguma forma com a identidade protestante/evan-
gélica em sua vertente mais progressista. Na aula-ato, os religiosos rechaçaram as Unidades
de Políticas Pacificadoras(UPP) e rejeitaram o impeachment de Dilma Rousseff.
Contra UPP e o estado criminal, o ativista e pastor Fellipe dos Anjos, utilizando-se de pas-
sagens da Bíblia (1Cor 1,27-28), destacou que levantar-se contra a opressão estatal é uma
atitude legítima para os cristãos. Fellipe indicou que a leitura dos evangelhos mostra que
Jesus não se deixou dominar pelo império romano. Ao contrario, lutou junto com os meno-
res da época (órfãos, viúvas, prostitutas, pedreiros, pescadores, etc) contra o imperialismo
romano. O também ativista Ronilson Pacheco, além de lembrar o sofrimento das vítimas das
UPPs, abordou a segregação racial, destacando as lutas dos líderes religiosos negros, entre
os quais, o norteameriacano Martin Luther King e o sulafricano Desmund Tutu.
Um dos momentos mais importantes da aula-ato, foi a leitura do “Manifesto Evangélico
contra a legitimidade do Estado”. O documento indica que o impedimento de Dilma Rous-
seff seria um teatro armado pelo próprio estado brasileiro formalizando um ritual que com-
bina uma série de gritos irreais, articulações obscuras, e de intencionalidade impenetráveis.
O documento salienta que, assim como foi denunciado por Jesus, os mandatários do poder
são um sepulcro caiado e, dessa forma, a desobediência civil é uma atitude legítima
“desobediência e a desautorização do estado e das suas formas de imposição e gestão são,
na verdade, um imperativo da vivencia de uma espiritualidade inspirada em Jesus”, afirma
um dos trechos do manifesto.
O evento foi organizado por cristãos membros de comunidades circulantes do Grande Rio,
que apresentam um caráter inclusivo e progressista. Aceitam pessoas de identidade LGBTT,
assumem a responsabilidade social do cristianismo, lutam contra o racismo, questionam a
estrutura fundiária brasileira, a mobilidade urbana e a assumem a discussão ecológica e em
favor das populações empobrecidas urbanas. O setor também contraria as estruturas religio-
sas locais que apoiaram (por seus religiosos) a política higienista do governo explanado
pelas mídias e empresários cariocas que tentam pacificar o cotidiano.
O seguimento não se identifica com as agendas evangélicas ligadas à bancada BBBB do con-
gresso (Banqueiros, Biblia, Bala e Boi,) um braço responsável pelas ações que afunilaram com
o impedimento da presidenta Dilma Rousseff – apelidado de ‘golpe-gospel’. No entanto,
rejeitam também a política de implementação/consolidação das UPPs, que se formalizaram
na coligação PMDB-PT. Acredita-se que as UPPS representam, de fato, invasão militar nas
favelas cariocas no qual se tornou laboratório de políticas de exceção e de violações de
direitos humanos e sociais.
Com a Aula-Ato do dia cinco, mostra-se que o setor evangélico é muito mais vasto do que a
mídia oficial explora, diferente do que o senso comum quer crer. Existe uma fração de evan-
gélicos que apóia políticas mais sociais, chegando a questionar o estado criminal carioca.
Leva-nos a perceber que o que as mídias oficiais pintam seria uma caricatura antiquada
recheada pelos bufões de intransigência: Marcus Feliciano, Silas Malafaia e Eduardo Cunha.
Quando se percebe que nem mesmo os fieis das próprias igrejas desses lideres apóiam
(todas) suas falas e/ou votam cegamente nos políticos por eles indicados.
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Vanda Lizandro
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