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Gestão Compartilhada: A Experiência do Macrozoneamento da Região Metropolitana

de Belo Horizonte
Autoria: Ana Carolina Utsch Corrêa, Elisa Versiani Lustosa, Gustavo Batista de Medeiros, Kelly Cristina Silva

RESUMO
Este artigo se propõe a descrever o projeto do macrozoneamento da Região Metropolitana de
Belo Horizonte, enquanto uma experiência de planejamento e gestão de políticas públicas, no
formato de um arranjo compartilhado entre estado, municípios e sociedade civil. Após anos de
debate sobre o formato ideal de um arranjo metropolitano, Minas Gerais entra numa nova fase
em que o desafio é construir uma proposta de regulação do território metropolitano, expressa
no macrozoneamento. Para isto, a metodologia de trabalho adotada é fundamental, no sentido
de consolidar o pacto metropolitano e firmar uma cidadania metropolitana.

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1. INTRODUÇÃO

O arranjo metropolitano de Minas Gerais entra numa nova fase referente à execução de
políticas públicas, após anos de discussão sobre o modelo de gestão compartilhada. A
experiência do Plambel foi marcante, mas ocorreu em um contexto de ditadura militar e,
desde sua extinção, na década de 1990, ainda se buscava retomar o planejamento e gestão das
funções públicas de interesse comum. Atualmente, com um novo consenso sobre o formato
em que estado, municípios e sociedade civil colaboram para pensar politicas públicas
metropolitanas, estão em andamentos diversos projetos para a Região Metropolitana de Belo
Horizonte (RMBH), sendo que neste artigo será tratado especificamente o projeto do
Macrozoneamento Metropolitano, previsto no Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado –
PDDI da RMBH.

2. HISTÓRICO

A história das regiões metropolitanas no Brasil é classificada em três fases, segundo


estudiosos do tema (AZEVEDO e MARES GUIA, 2000) (MACHADO, 2009): a primeira
fase se inicia no governo militar quando há a promulgação de legislação que estabelece as
regiões metropolitanas no país. Em Minas Gerais, há atuação de um órgão estadual técnico, o
Plambel - Planejamento da Região Metropolitana de Belo Horizonte, que justifica nomear
essa primeira fase de “tecnocracia esclarecida”. Em resposta à primeira fase, com a
redemocratização segue-se uma fase de “retórica municipalista exacerbada” (Azevedo e
Mares Guia, 2000, p.8), ainda sem conseguir estabelecer um equilíbrio entre os entes
federativos na questão metropolitana. Essa resistência se expressou na Constituição Federal
de 1988 (Constituição do Brasil, 1988) que delegou aos estados legislar de modo flexível
sobre o tema. Esse segundo modelo não conseguiu responder adequadamente à questão
metropolitana, supramunicipal, portanto segue-se a terceira fase de “recentralização”,
atualmente vigente, em que há uma renegociação sobre os papéis do governo estadual e
governos municipais em relação à RMBH. A partir dos anos 90 surgem novos arranjos
institucionais, propondo formas de associação compulsórias entre municípios que enfrentam
uma mesma realidade (gestão das bacias hidrográficas) ou voluntárias (parcerias entre
municípios metropolitanos), permitindo que cada realidade componha seu próprio escopo de
atuação. Em Minas Gerais, a legislação estabeleceu um novo modelo compulsório em que
redimensionou os pesos da participação do governo estadual, municipal e da sociedade civil
sobre a questão metropolitana.

2.1 Primeira fase da questão metropolitana


O fenômeno das regiões metropolitanas surgiu com a intensificação do processo de
urbanização. No Seminário do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) de 1963, a questão
metropolitana foi largamente debatida (Azevedo e Mares Guia, 2000), bem como no
Seminário “Polos de Desenvolvimento”, ocorrido em 1966 no Recife (Davidovich, 2004,
p.198), demonstrando como no meio acadêmico e de estudiosos sobre o tema, as metrópoles
já estavam na pauta. Com o golpe militar, a questão metropolitana surgiu na Constituição
Federal de 1967 e na Emenda Constitucional nº1 de 1969, sendo que em 1973, a Lei
Complementar nº14 formalmente instituiu as primeiras regiões metropolitanas: São Paulo,
Belo Horizontei, Porto Alegre, Recife, Salvador, Curitiba, Belém e Fortaleza, e em 1974, Rio
de Janeiro. As regiões metropolitanas (RMs) foram compreendidas como áreas conurbadas e
se tornaram unidades de planejamento geridas pelo governo estadual. Contudo, havia um
plano do governo federal com este projeto das RMs, de desenvolvimento regional e ocupação
das áreas estratégicas do país, em tempos de preocupação com a ameaça comunista. Para isso,
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a União dava incentivos financeiros e impunha regras top-down, amarrando os atores
federativos. O modelo de gestão metropolitana desenhado segue o gosto militar, ou seja,
impõe a participação compulsória dos municípios e padroniza os “serviços comuns de
interesse metropolitano”: planejamento integrado do desenvolvimento econômico e social;
saneamento básico (água, esgoto e limpeza pública); uso do solo; transporte e sistema viário;
produção e distribuição de gás combustível canalizado (que somente existia no Rio de Janeiro
e São Paulo); aproveitamento dos recursos hídricos e o controle da poluição ambientalii. Na
mesma lei federal são instituídos o Conselho Deliberativo e o Conselho Consultivo, sendo o
primeiro constituído por ampla maioria de representação do governo estadualiii, e o segundo,
composto de um representante de cada município. As decisões do Conselho Deliberativo têm
força de lei e não precisam ser submetidas ao Legislativo (Fernandes, 2006). Esse aparato é
sustentado por aportes financeiros do governo federal, o que permitiu aos órgãos
metropolitanos desenvolver importantes atividades.
Em Minas Gerais, a Fundação João Pinheiro (FJP) deu suporte técnico à execução de estudos
metropolitanos, de tal modo que o grupo responsável pelo Plano Metropolitano de Belo
Horizonte se separou e formou o Plambeliv – Planejamento da RMBH, instituído pela Lei nº
6.303 de 1974, como uma Superintendência de Planejamento da Região Metropolitana de
Belo Horizonte. Esta mesma lei instituiu o Conselho Deliberativo e o Consultivo, formando o
Sistema de Administração Metropolitana, vinculado ao Sistema Estadual de Planejamento,
formado pelo Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), Instituto de
Desenvolvimento Integrado de Minas Gerais (INDI) e FJP (Tonucci, 2012).
O Plambel atuou com grande autonomia, sem necessidade de prestar contas aos Conselhos
instituídos, e teve recursos garantidos em tempos de crescimento econômico e fontes de
financiamento advindas do governo federal. Tornou-se um repassador de recursos federais aos
municípios, ganhando destaque neste arranjo metropolitano. Um dos grandes trabalhos do
Plambel foi a elaboração do Plano de Desenvolvimento Integrado Econômico e Social da
Região Metropolitana de Belo Horizonte (PDIES-RMBH) com recursos do Serfhau. Houve
outros diversos estudos urbanos realizados pelo Plambel e que ainda hoje são referências na
região. O primeiro macrozoneamento da RMBH foi realizado pelo Plambel, buscando
demarcar as áreas de preservação ambiental, as áreas de expansão urbana, bem como as zonas
industriais planejadas à época. O Plambel foi um laboratório de política metropolitana,
contudo, com o tempo, sua relação com as prefeituras se desgastou, pois seu papel era de uma
superprefeitura, comprometendo interesses locais. Terminou extinto em 1996.

2.2 Segunda fase da questão metropolitana


A segunda fase é conhecida como “municipalismo exacerbado”, pois a Constituição Federal
de 1988 (CF 88) delegou diversas atividades aos municípios, em resposta à invisiblidade deste
ente durante a ditadura. Em relação à questão metropolitana, a CF 88 é ambígua, pois há o
pressuposto de autonomia municipal conjugado à prerrogativa estadual de definir em lei a
gestão metropolitana. Soma-se a estes problemas a isenção da CF 88 em diferenciar
atividades municipais - “serviço público de interesse local”- das supramunicipais -“funções
públicas de interesse comum” (FPICs) (Machado, 2009), criando um vácuo sobre qual o
escopo de atuação de um governo metropolitano. Um arranjo que concerte estes entes
federativos, somado à dificuldade financeira e ainda à falta de definição de escopo de trabalho
caracteriza a questão metropolitana como de alta complexidade técnica e de baixa
centralidade política (Azevedo e Mares Guia, 2000).
A Constituição Mineira de 1989 contemplou a questão metropolitana delimitando o conceito
de funções públicas de interesse comum,v estabelecendo os critérios para definir uma região
metropolitana e definindo ainda qual deveria ser o arranjo de gestão metropolitana.
Regulamentado pela Lei Complementar (LC) nº 26 de 1993, o arranjo metropolitano trouxe
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características ainda hoje presentes, como um Fundo Metropolitano e um Plano Diretor.
Apesar da lei, sua efetivação não se deu por completo naquele momento. Criou-se a
Assembleia Metropolitana (Ambel), em substituição ao Conselho Deliberativo e com funções
que antes eram previstas ao Plambel. Num tom pós-88, a Ambel era composta por todos os
municípios da RMBH - prefeitos e vereadores, esses definidos por uma proporção da
população municipal - e pelo estado, com um representante do Poder Executivo e um do
Poder Legislativo. O peso municipal ficou equivalente, de modo que os três maiores
municípios – Belo Horizonte, Contagem e Betim – juntamente ao estado, financiador das
decisões, afastaram-se e assim, tornaram as reuniões espaçadas e inoperantes.

2.3 Terceira fase da questão metropolitana


Em 2003 uma nova proposta de arranjo metropolitano foi retomada, atendendo às
expectativas da Constituição Estadual de 1989. Neste ano, a Assembleia Legislativa de Minas
Gerais (ALMG) realizou o Seminário sobre Regiões Metropolitanas, marcando o tema na
agenda política estadual. O novo arranjo metropolitano é instituído pela Emenda
Constitucional nº 65 de 2004, sendo regulamentada pelas Leis Complementares nº 88 e 89 de
2006, que definem: a Assembleia Metropolitana, como órgão colegiado de decisão superior e
com representação do estado e municípiosvi; o Conselho Deliberativo de Desenvolvimento
Metropolitano como órgão colegiado e deliberativo, também de composição mistavii e com a
novidade de ter dois assentos para a sociedade civil - seguindo orientações do Estatuto das
Cidades de que a gestão metropolitana deve ser participativa-, a Agência de Desenvolvimento
(Agência RMBH), com caráter técnico e executivo, formalizada como autarquia responsável
pela condução dos instrumentos de gestão; o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado
(PDDI); e o Fundo de Desenvolvimento Metropolitano (FDM)viii. Esta terceira fase é
conhecida como “recentralização”, pois retoma o envolvimento do estado e dos municípios,
acrescentando a sociedade civil, para debater as FPICs.
No que se refere ao FDM, seu valor deve ser acordado no Conselho Metropolitano e cabe a
contribuição de 50% do valor por parte do governo estadual e os outros 50%, por todos os
municípios, sendo o valor proporcional à receita corrente líquida de cada município, conforme
definido pela Lei Complementar nº 88 de 2006. Atualmente o valor está definido como R$10
milhões anuais.

3 O PLANO DIRETOR DE DESENVOLVIMENTO INTEGRADO (PDDI)


Em 2009, os recursos do Fundo de Desenvolvimento Metropolitano foram utilizados para
contratar o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI). A Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG), tendo o Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional
(Cedeplar) como coordenador, foi a responsável pela elaboração do Plano. Houve ainda
parceria com a Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) - que ficou
responsável pela discussão da institucionalidade das propostas - e da Universidade do Estado
de Minas Gerais (Uemg) – responsável pelo material visual do Plano e pelas produções de
mídia. Na execução do trabalho, a equipe contratada selecionou dez áreas temáticas que
orientaram os primeiros estudos e debates com a sociedade civil, posteriormente agrupadas
em quatro grandes eixos temáticos integradores e um eixo estruturante de todos os quatro
anteriores. Eles são apresentados abaixo:

 Eixo de Acessibilidade entendido também em seu sentido amplo, compreende


propostas ligadas ao acesso dos mais diferentes tipos de serviços públicos, sobretudo
aos ligados à mobilidade intra e inter municipal na RMBH. Resultou nas Políticas de
Mobilidade Metropolitana; Direito ao Espaço Cotidiano: Acesso à Moradia e
Ambiente Urbano; Integração dos Serviços de Saúde; Assistência Social; Democracia
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Digital.
 Eixo de Sustentabilidade voltado, sobretudo às áreas de meio ambiente e
desenvolvimento econômico sustentável. Foram propostas oito políticas, quais sejam:
Desenvolvimento Produtivo Sustentável; Desenvolvimento de Territórios Minerários;
Gestão, Proteção e Recuperação de Recursos Hídricos; Resíduos Sólidos; Saneamento
Básico; Delimitação e Recuperação de Áreas de Interesse para Conservação
Ambiental; Compensação e Valoração de Serviços Ambientais; Mitigação de gases de
Efeitos Estufa para uma Economia de Baixo Carbono.
 Eixo de Urbanidade no qual estão mais diretamente envolvidas as áreas de cultura,
educação, democratização de uso dos espaços públicos e mobilização social. Sendo
assim, mostra-se relacionado à concessão de real direito à cidade. Em tal eixo foram
propostas pelo PDDI cinco políticas integradoras metropolitanas: Democratização dos
Espaços Públicos; Gestão da Paisagem e Valorização da Diversidade Cultural; Gestão
Territorial da Educação e Cultura; Promoção de Atividades Culturais e Criativas;
Financiamento da Cultura.
 Eixo de Seguridade que integra os aspectos econômicos, ambientais e sociais a fim de
promover a segurança aos moradores da Região nas mais diferentes áreas de sua
vivência ampliando o conceito de segurança para além do poder de polícia. Foram
sugeridas cinco políticas: Segurança Pública; Gestão dos Riscos Ambientais e de
Mudanças Climáticas; Segurança Alimentar e Nutricional; Formação e Qualificação
Profissional; Apoio à Produção em Pequena Escala.
 Dimensões Estruturantes da Territorialidade e da Institucionalidade que perpassam
todos os outros eixos, fornecendo um referencial territorial e institucional no processo
de planejamento metropolitano. Significa dizer que todas essas políticas
metropolitanas necessariamente devem trazer em si a lógica espacial/territorial, assim
como apontar para os arranjos institucionais necessários à sua execução. As políticas
propostas de territorialidade foram: Centralidades em Rede; Regulação do Uso e da
Ocupação do Solo. E na proposta institucional: Desenvolvimento Institucional,
Cooperação Interinstitucional e Intersetorial; Modernização e Atualização da Estrutura
Fiscal dos Municípios.

Tendo em vista a ocorrência de tais trabalhos, observou-se uma participação de mais de 2300
pessoas ao longo de todo processo dos quais aproximadamente 46% foram de componentes
do poder público nos diferentes níveis de governo e 28% da sociedade civil. Os outros 26%
representam os participantes das equipes técnicas de supervisão e elaboração do Plano, que
abarcou um amplo escopo, como se pôde deduzir dos eixos citados acima. O PDDI foi
elaborado durante o ano de 2010 e foi entregue no ano de 2011, ou seja, na mudança de
governo estadual. Apesar de ter sido a mesma legenda eleita, houve um certo rompimento
com o processo anterior, mas que atualmente tem sido retomado no projeto do
macrozoneamento metropolitano.
No final do ano de 2012, houve um edital de chamamento público de projetos a serem
financiados com 50% dos recursos do Fundo Metropolitano, o equivalente a R$5 milhões,
dentro de três macrodiretrizes que a Agência RMBH definiu como prioridade de atuação –
ordenamento territorial, mobilidade e saneamento básico. Foi a primeira vez que se adotou
esta metodologia e o resultado foi que 20 projetos se inscreveram, principalmente para o tema
ordenamento territorial, com recurso disponível de R$ 3 milhões, tendo R$1 milhão para cada
uma das demais macrodiretrizes. Foram eleitos os seguintes projetos e suas organizações,
segundo escala de prioridade dada pelas notas recebidas pelas comissões de análise:

1- Elaboração do Macrozoneamento da RMBH (Fundação IPEAD); 2- Plano de Mobilidade


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da RMBH (Setop); 3- Sustentabilidade: Melhor Qualidade de Vida na RMBH e Colar
Metropolitano (Asmare); 4- Implantação de saneamento ambiental em comunidades
quilombolas e tradicionais e pequenos povoados na RMBH (Fundação IBI); 5-Indicação de
áreas na RMBH para delimitação como ZEIS vazias (FIP); 6- Cartilhas para “mobilidade
urbana sustentável” (SINARQ-MG).

4. MACROZONEAMENTO METROPOLITANO
O projeto do Macrozoneamento Metropolitano é um programa previsto no PDDI, dentro da
Política Metropolitana Integrada de Regulação do Uso e da Ocupação do Solo, acrescido de
um esforço para territorializar outras políticas propostas no Plano Diretor. O projeto foi
apresentado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, Administrativas e Contábeis
de Minas Gerais (Fundação IPEAD), da UFMG, tendo a coordenação do Cedeplar, ou seja, a
mesma equipe que coordenou o PDDI. O projeto tem custo total de R$2.997.792,21 e
previsão de execução em 18 meses.
O Termo de Referência (TR.DR N°1, 2013) que orienta a elaboração do Macrozoneamento
Metropolitano contém as seguintes diretrizes gerais:

a) Criação e/ou fortalecimento de centralidades urbanas em rede: promoção de


melhor distribuição e descentralização do emprego, do comércio e dos serviços
públicos e privados, redução da dependência em relação ao núcleo central de Belo
Horizonte, criação de oportunidades de desenvolvimento para áreas periféricas;
b) Planejamento da expansão da ocupação do território levando em consideração a
necessidade de mobilidade intermodal que propicie a articulação e o deslocamento
em uma metrópole estruturada em rede;
c) Intensificação do uso do espaço urbano existente, a partir da recuperação de
edificações e áreas degradadas, aproveitamento de vazios urbanos e parcelamentos
vagos, abertura de áreas verdes, novas centralidades e espaços públicos destinados
ao lazer e recreação;
d) Redução da pressão da expansão urbana periférica sobre as áreas verdes, áreas
rurais e ambientalmente protegidas, com valorização e proteção das áreas destinadas
à produção agropecuária e artesanal, e estímulo a atividades produtivas sustentáveis
e criativas nas áreas de fronteira rural/urbana;
e) Ampliação das áreas permeáveis urbanas, restauração e revitalização de cursos
d’água, controle da expansão imobiliária, industrial e minerária sobre áreas de
interesse para abastecimento e conservação da biodiversidade;
f) Consolidação de um marco regulatório para o uso e ocupação do solo, que
expresse as políticas de reestruturação territorial do PDDI, possibilitando que os
municípios e o sistema de planejamento metropolitano possam exercer seu papel
regulando as disputas pelo espaço metropolitano, fazendo prevalecer o interesse
coletivo metropolitano (Termo de Referência, TR.DR N°1, 2013).

Quanto às diretrizes específicas, o Termo de Referência descreve os seguintes pontos:


promover a reestruturação territorial metropolitana com vistas à redução das desigualdades
socioespaciais; reconhecer o sistema viário e de transportes como indutores da ocupação e do
uso do solo; reforçar a organização espacial das centralidades em rede de modo a disseminar
ao máximo no território o acesso às oportunidades de desenvolvimento; estimular a criação de
novas centralidades de nível intermediário, para equilibrar a ocupação e o acesso a bens e
serviços públicos e privados; reconhecer o direito à cidade e ao espaço cotidiano, da garantia
da função social da propriedade e da recuperação para a coletividade da apropriação privada
dos investimentos públicos através da adoção integrada dos instrumentos do Estatuto da
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Cidade em nível metropolitano; garantir o uso habitacional como uso estruturante da
metrópole; promover a implementação dos Complexos Ambientais Culturais metropolitanos,
com usos de interesse coletivo, valorizando as três principais “unidades de paisagem” da
RMBH (Quadrilátero Ferrífero, Carste e a Depressão Belorizontina) com vistas a fortalecer
uma vocação metropolitana cultural e turística; valorizar as dimensões ambiental, cultural e
social no processo de disputa pelo espaço, para além da dimensão econômica; garantir a
proteção e a recuperação dos recursos hídricos das três bacias da RMBH (Velhas, Paraopeba e
Pará); garantir a previsão de espaços adequados para a instalação de novas atividades
produtivas compatíveis com o crescimento da RMBH e seu papel na rede urbana; garantir
localizações social, econômica e ambientalmente adequadas para as diversas atividades que
disputam e estruturam o território metropolitano – habitação, produção industrial, comércio,
serviços etc.; valorizar e proteger as áreas destinadas à produção agropecuária e artesanal, e
estimular atividades produtivas sustentáveis e criativas na fronteira rural/urbana;
compatibilizar a expansão imobiliária, industrial e minerária com a preservação das áreas de
interesse para abastecimento e conservação da geo e biodiversidade; intensificar o uso do
espaço urbano existente, recuperar edificações e áreas degradadas, aproveitar os vazios
urbanos e parcelamentos vagos, promover áreas verdes, novas centralidades e espaços
públicos; conter a expansão urbana periférica e reduzir a pressão sobre as áreas verdes, áreas
rurais e ambientalmente protegidas (Termo de Referência, TR.DR N°1, 2013).
Seguindo o tom do PDDI, o macrozoneamento tem o desafio de conciliar no território os
aspectos social, econômico e ambiental, uma vez que o ordenamento territorial é por si só
intersetorial e deixa expressa a necessidade de solucionar conflitos de uso que sinalizam qual
metrópole se deseja construir. Os eixos institucional e territorial perpassam todas as propostas,
assim como no PDDI. Dada a complexidade, a metodologia adotada se pauta na construção
do pacto metropolitano e da cidadania metropolitana, tão fortes ao longo da elaboração do
PDDI, e novamente no macrozoneamento, de modo a garantir a legitimidade do projeto. Além
disso, se no PDDI ainda se estava numa fase de planejamento de longo prazo, com o
macrozoneamento o desafio é maior, pois há uma proposta concreta que orientará a revisão
dos planos diretores municipais.
A proposta de execução do projeto está organizado em 7 produtos, quais sejam: Produto
preliminar, Produto intermediário, Produto I (Marco teórico-metodológico para elaboração do
macrozoneamento e definição das áreas temáticas afetas ao interesse metropolitano), Produto
II (Tendências recentes da dinâmica territorial da RMBH e identificação preliminar das Zonas
de Interesse Metropolitano), Produto III (Avaliação dos marcos normativos e projetos
estruturantes federais, estaduais e municipais referentes ao ordenamento territorial da
RMBH), Produto IV (Delimitação e definição das Zonas de Interesse Metropolitano) e
Produto V (Especificação dos parâmetros urbanísticos e de diretrizes específicas de
estruturação e desenvolvimento para as Zonas de Interesse Metropolitano). Há ainda o
calendário de ações de mobilização social, que permeia todo o projeto, de modo que a
sociedade civil participe antes da construção dos produtos, nas oficinas regionais e locais;
durante a construção das propostas, em seminários técnico-institucionais; bem como após a
elaboração dos produtos, em seminários metropolitanos de apresentação e validação dos
resultados.
Vale ressaltar que o projeto se iniciou com a visita da equipe da UFMG e membros da
Agência RMBH a todos os 34 municípios da região metropolitana, relatando aos prefeitos o
início dos trabalhos, a metodologia adotada e solicitando a indicação de membros para
compor uma equipe técnica de referência no município, bem como uma equipe de
mobilização social. Durante os meses de fevereiro e março, toda a equipe retornou a cinco
municípios da RMBH que se dispuseram a receber uma oficina regional. Até mesmo a
proposta de regionalização que orientou essas cinco oficinas foi discutida em grupo, sendo
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que ao final, todos os municípios tiveram oportunidade de debater com um grupo similar as
questões mais relevantes para o macrozoneamento. Nestas oficinas, a dinâmica era realizada
em torno de um mapa da região em questão, em que os participantes eram convidados a
demarcar: equipamentos e serviços metropolitanos existentes; projetos metropolitanos
planejados e pontos de conflito com impacto metropolitano. Um esquete teatral foi
apresentado, tornando clara a linguagem sobre o que são as zonas de interesse metropolitano
(ZIMs) e as áreas de interesse metropolitano (AIMs).
O principal objetivo do macrozoneamento metropolitano é organizar o território da RMBH de
modo a garantir melhor qualidade de vida para todos, expressos numa metrópole com melhor
mobilidade urbana, proteção ambiental e redução das desigualdades sociais. Para isso, serão
definidas Zonas de Interesse Metropolitano (ZIMs) que são zonas em que o interesse
metropolitano se sobrepõe ao interesse local. As ZIMs deverão delimitar parâmetros
urbanísticos de ocupação, sendo este o último produto a ser entregue pela UFMG. Serão
definidas também as Áreas de Interesse Metropolitano (AIMs) que são áreas demarcadas no
território para garantir a execução das políticas públicas metropolitanas. As AIMs são um
instrumento que a equipe do Cedeplar entendeu ser importante para garantir que este trabalho
contemple as demais propostas de políticas do PDDI.

PL 3078/2012

Talvez Minas Gerais seja o único estado em que já se tenha superado a discussão do arranjo
metropolitano mais adequado e de fato se esteja executando políticas públicas metropolitanas
Após a decisão do Supremo Tribunal Federal em 2013ix sobre a questão do saneamento básico
no Rio de Janeiro, sinalizando que o tema não é municipal ou estadual, mas que deve ser
compartilhado entre ambos, Minas Gerais confirmou estar no modelo mais adequado de
gestão. Agora o desafio é outro: verificar se tal arranjo se fortalece quando aspectos até então
tratados como exclusividade do município, serão agora definidos por este arranjo
compartilhado. Afinal, a proposta do macrozoneamento é definir zonas de interesse
metropolitano que terão seus parâmetros urbanísticos aprovados pelo Conselho Metropolitano
e que deverão ser seguidos por todos os municípios enquanto diretriz metropolitana. Ou seja,
será a primeira vez que de fato o uso do solo, enquanto função pública de interesse comum,
será gerido de modo compartilhado.
A resistência a essa proposta ficou clara durante os debates sobre o Projeto de Lei (PL)
estadual nº3078/2012, proposto pelo governador do estado à ALMG. Tal projeto “dispõe sobre
a gestão unificada da função pública de interesse comum de uso do solo metropolitano no
Estado de Minas Gerais e dá outras providências”, propondo instrumentos de gestão
urbanística em nível metropolitano, tal como o macrozoneamento da RMBH. A principal
resistência foi manifestar que o PL feria a autonomia municipal, uma vez que uso do solo se
trata de uma das prerrogativas de tal ente federativo e o zoneamento é definido nos planos
diretores municipais.
Em resposta a essa manifestação, a Agência Metropolitana organizou reuniões com o
Colegiado Metropolitano, grupo com representantes da sociedade civil organizada, formado
durante a eleição dos conselheiros na Conferência Metropolitana. O Colegiado questionou e
apresentou propostas ao Projeto de Lei nº3078/2012, de modo que, após reuniões com a
Agência RMBH, chegou-se a um consenso sobre o texto do PL. Houve ainda duas audiências
públicas na ALMG, uma delas contando com a presença do professor Edésio Fernandes,
referência em direto urbanístico e que deu apoio ao PL. O professor foi fundamental para
desfazer o argumento de que o projeto de lei fere a autonomia municipal. Vale relembrar: a
Constituição Federal estabelece no seu artigo 25, §3º que: “Os Estados poderão, mediante lei
complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões,
8
constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o
planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum”. (Constituição do Brasil,
1988)
Conforme a Lei Complementar nº 89 de 2006, o estado de Minas Gerais estabeleceu no seu
artigo 8º o uso do solo como uma função pública de interesse comum. Pois bem, a
Constituição Federal, no artigo 30, define as competências municipais: “Art. 30. Compete aos
Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; (...) VIII - promover, no que couber,
adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento
e da ocupação do solo urbano” (Lei Complementar nº 89, 2006, grifo nosso)
O entendimento, portanto, é que o ordenamento e uso do solo são competências do município
no que couber, ou seja, naquilo que for um assunto de interesse local. Atento a este ponto, o
texto do PL 3078/2012 diz que:

Art. 4º - O exercício da articulação regional, prevista no art. 41, I, da Constituição do


Estado, que visa integrar o planejamento, a organização e a execução de funções
públicas de interesse comum, deverá observar os seguintes princípios de regulação
do solo metropolitano:
I - a gestão unificada do solo nas zonas de interesse metropolitano;
II - a autonomia municipal no planejamento e na gestão do solo em áreas não
definidas como zonas de interesse metropolitano. (Projeto de Lei 3078, 2012)

O desafio do projeto macrozoneamento metropolitano é diferenciar zonas e áreas na RMBH


em que o interesse territorial vai além do local, demonstrando que ali o impacto do uso do
solo é metropolitano. Este desafio é inédito, pois no macrozoneamento realizado pelo
Plambel, os municípios não questionavam as propostas, vez que o modelo da época garantia
ao estado o poder de planejamento sobre todo o território da RMBH. Contudo, neste atual
projeto ainda não se sabe exatamente qual o nível de adesão ou rejeição dos municípios –
tanto no executivo quanto no legislativo – quando as ZIMs e seus parâmetros forem então
traçados e apresentados para debate.
A perspectiva da UFMG ao longo do processo de mobilização tem sido positiva: ao invés de
encontrar uma resistência dos municípios, tem-se observado a demanda por suporte técnico na
revisão dos planos diretores, sendo que as prefeituras avaliam que o macrozoneamento será
um instrumento fundamental para tanto. A delimitação preliminar das ZIMs e AIMs não
parece ser um problema, uma vez que todas as propostas terão por base os desejos expressos
nas oficinas públicas. Cabe aguardar a delimitação mais precisa e os parâmetros propostos,
para verificar se as ZIMs e AIMs irão contra os planos dos municípios. Enquanto isso, o que a
UFMG e a Agência RMBH têm feito é dar o máximo de transparência ao projeto e buscar
justificar cada uma das propostas de zoneamento, para que o aspecto metropolitano seja
evidenciado em contraposição à perspectiva local.

CONCLUSÃO
A questão metropolitana foi classificada pelos estudiosos como de alta complexidade técnica
e de baixa centralidade política, pelo seu histórico de dificuldade de formação de um modelo
de gestão consensado e efetivo. Mas aos poucos, Minas Gerais têm conseguido reverter esse
quadro. À medida que o arranjo de gestão proposto em Minas foi bem aceito – o que se pode
comprovar pela adesão ao FDM, bem como pela execução de projetos concretos -, permitiu-se
que um novo passo fosse dado, no sentido de tornar real um modelo de gestão compartilhada
de políticas públicas.
A função pública de interesse comum “uso do solo metropolitano“ é o tema em questão no
projeto do macrozoneamento metropolitano, que busca uma nova regulamentação para zonas
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que comprovadamente sejam de interesse metropolitano, e não apenas local. Este tema é um
desafio, pois sempre foi compreendido como exclusivo da competência municipal, o que não
é verdade, como se demonstrou. Contudo, até que a nova regra esteja de fato em andamento,
os desafios ainda parecem enormes, pois como pano de fundo do uso do solo está a questão da
terra, um passivo antigo e de difícil solução. O trabalho participativo, de construção de um
pacto metropolitano e de uma nova cidadania metropolitana, desenvolvido desde 2010 com o
PDDI, é o grande trunfo para que Minas Gerais enfrente esse desafio, com envolvimento do
governo estadual, municipal e sociedade civil, rumo a uma nova metrópole.

BIBLIOGRAFIA

AZEVEDO, Sérgio; GUIA, Virgínia R. dos Mares. A questão metropolitana no processo da


reforma do Estado no Brasil. Belo Horizonte, 2000. Disponível em:
<http://crab.rutgers.edu/~goertzel/sergio.doc>. Acesso em 12/04/2014.

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MACHADO, Gustavo Gomes. Gestão Metropolitana e autonomia municipal: dilemas das


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<http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16139/tde-23052012-151814/>. Acesso em:
11/04/2014.

i  Na LC nº14/73, a RMBH era composta inicialmente pelos seguintes municípios: Belo Horizonte,
Betim, Caeté, Contagem, Ibirité, Lagoa Santa, Nova Lima, Pedro Leopoldo, Raposos, Ribeirão das Neves, Rio
Acima, Sabará, Santa Luzia e Vespasiano.
ii  Art. 5 da Lei Federal n.14 de 1973.

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iii Art 2, § 1º da Lei Federal n.14 de 1973: O Conselho Deliberativo constituir-se-á de 5 (cinco) membros
de reconhecida capacidade técnica ou administrativa, nomeados pelo Governador do Estado, sendo um deles
dentre os nomes que figurem em lista tríplice feita pelo Prefeito da Capital e outro mediante indicação dos
demais Municípios integrantes da região metropolitana.
iv A Lei estadual de Minas Gerais nº 6.303 de 1974 regulamenta a RMBH e cria sob a forma de uma
autarquia estadual, o órgão gestor de planejamento metropolitano da RMBH denominado Plambel, mas que já
desenvolvia seus trabalhos como uma equipe dentro da Fundação João Pinheiro (Queiroz,2008).

v  No artigo 43 da Constituição Mineira, define-se função pública de interesse comum como a atividade ou
serviço cuja realização por parte de um Município, isoladamente, seja inviável ou cause impacto em outros
Municípios integrantes da região metropolitana.

vi A Assembleia é composta por 73 membros, sendo quatro representantes do Poder Executivo Estadual,
um representante da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, 34 Prefeitos da RMBH e 34 Presidentes das
Câmaras Municipais, conforme a Lei Complementar nº 88 de 2006.

vii A Lei Complementar nº 89 de 2006 definiu a seguinte composição para o Conselho RMBH: cinco
representantes do Poder Executivo estadual; dois representantes da Assembleia Legislativa do Estado de Minas
Gerais; dois representantes do Município de Belo Horizonte; um representante do Município de Contagem; um
representante do Município de Betim; três representantes dos demais Municípios integrantes da Região
Metropolitana de Belo Horizonte; dois representantes da sociedade civil organizada.

viii São gestores do FDM: 1 representante da Seplag; 1 representante do agente financeiro – BDMG; 1
representante da Secretaria de Estado da Fazenda (SEF); 2 representantes da região metropolitana a serem
indicados pelo respectivo Conselho Deliberativo de Desenvolvimento Metropolitano.

ix Ações de Inconstitucionalidade 1842, 1843, 1826 e 1906.

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