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tanto, esse limite etário pode ser menor, como no por publicação similar na Itália em 1498. Tais
caso da modelo estadunidense JonBenet Ramsey, acontecimentos expressam a instituição da idéia
assassinada, no auge da fama, aos seis anos. Ou- de que as crianças são seres frágeis que necessitam
tro exemplo é o aumento dos crimes cometidos de proteção por parte dos adultos. O autor asse-
por adolescentes menores de 15 anos, cuja puni- gura que a construção social da infância levou
ção se faz com penas idênticas às que são atribuí- aproximadamente duzentos anos para se firmar
das aos adultos. Ainda podemos acrescentar os como um valor socialmente compartilhado.
atos violentos ocorridos com freqüência no am- Entrelaçada com estas mudanças, o autor nos
biente escolar, seja nos países ricos ou pobres do trás uma reflexão sobre os limites temporais da
hemisfério ocidental. Os jogos infantis também infância: como estabelecer os limites de passagem
mudaram substancialmente, tornando-se mais do mundo infantil ao adulto? Para Rousseau, um
semelhantes ao gosto dos adultos. Com a habili- filósofo dedicado ao tema da educação, o desen-
dade de quem articula vários fios dispersos e de volvimento do hábito da leitura, que se consegue
natureza distinta para compor um único tecido, por volta dos sete anos, significa o fim da infân-
o autor enfatiza a queda das barreiras ou dos li- cia e o ingresso na idade adulta. Para a Igreja Ca-
mites entre o mundo dos adultos e das crianças. tólica, o marco dos sete anos vale como a idade
O percurso argumentativo inclui a recupera- da razão, o saber discernir entre o certo e errado,
ção dos sentidos atribuídos à infância nos gran- ou a virtude e o pecado. O Estado brasileiro tam-
des períodos históricos. Deste modo, o lugar da bém utilizou a idade dos sete anos para o ingres-
criança na sociedade da Antiguidade clássica pou- so no sistema educacional público.
co se sabe, mas assinala-se que entre os gregos e Para além da idade, o que mais diferencia a
os romanos se desenvolveu uma concepção de criança do adulto? O conhecimento de certas fa-
educação. Nesta época, surgiram interditos na cetas trágicas da vida como as guerras faz parte da
convivência entre adultos e crianças, ou seja, res- experiência dos adultos, mas não do universo in-
trições do que falar e como proceder na presença fantil. Aí cabe fazer um lembrete sobre a partici-
das crianças, indicando a existência do sentimen- pação dos meninos soldados em guerras civis nos
to de vergonha. Este descortinar de uma atenção países africanos. Seria esta uma distinção válida
diferenciada dos adultos para com os imaturos, apenas para os países ricos e industrializados?
no entanto, se perdeu durante a Idade Média. E, Quanto a isso, o autor reafirma que os signifi-
após as invasões bárbaras, houve também uma cados da infância, longe de expressar apenas uma
retração do hábito da leitura, dos propósitos da fase biológica do desenvolvimento humano, são
educação e mudanças de postura dos adultos em moldados na esfera da cultura. A infância com suas
relação às crianças. distinções face à vida adulta é um produto cultu-
Deste modo, no período medieval, as crian- ral, histórico e passível de transformações radi-
ças eram adultos pequenos; estes só não estavam cais. Nesta linha de argumentação, a base materi-
prontos para a guerra e para manter relações se- al para o surgimento da infância e também para o
xuais. Predominava no ambiente doméstico uma seu declínio está articulada às mudanças nas tec-
intimidade considerada hoje como promíscua nologias de comunicação, uma vez que esses mei-
entre os adultos e entre eles e as crianças. Neste os tecnológicos disponíveis passam a modificar a
ambiente, era praticado sem censura o hábito dos nossa própria estrutura de interesses, a esfera sim-
adultos brincarem com os órgãos genitais das cri- bólica e o contexto no qual pensamos. Ou seja, à
anças. A mudança deste hábito só veio a ocorrer medida que nós consumimos livros, jornais, rá-
na Modernidade por força do avanço do proces- dio e televisão (a Internet não entrou nas referên-
so civilizatório, que compreende o exercício do cias do autor), estamos nos adequando às possi-
autocontrole da pulsão sexual por parte dos adul- bilidades dadas pela comunicação e, simultanea-
tos e atitudes discretas em relação ao sexo na pre- mente, transformando a nossa consciência.
sença dos jovens. No início da Idade Moderna, a tipografia
Ao longo da Idade Média, o autor assinala que auxiliou na expansão do conhecimento e insti-
só a partir do século XVI começaram a ser im- tuiu o hábito individual da leitura e esse fato rom-
pressos livros relativos à criação de filhos e orien- peu com a longa tradição de transmissão oral do
tações dirigidas às mães. E vale lembrar as altas saber. Essa mudança veio a fundar uma outra eta-
taxas de mortalidade infantil do período em que pa no desenvolvimento infantil, significando que
se combinava analfabetismo e falta de um concei- após o domínio da linguagem oral, a criança ti-
to de educação. O primeiro livro pediátrico em nha que desenvolver as habilidades para domi-
língua inglesa foi publicado em 1544, antecedido nar a escrita. Só desta forma ela poderia ter aces-
1399
Costa MCO, Souza RP, editores. Semiologia e mais do que conceitos básicos, apesar de seu for-
atenção primária à criança e ao adolescente. 2ª mato conciso; e – sobretudo – ensina de modo
edição. Rio de Janeiro: Revinter; 2005. 534 p. abrangente e operacional o que é e por que é tão
importante a interdisciplinaridade.
Danilo Blank Por um lado, perpassa por todos os capítulos
Professor do Departamento de Pediatria e de “Semiologia e atenção primária à criança e ao
Puericultura da Faculdade de Medicina da adolescente” um olhar que é a síntese do que
UFRGS, Editor Associado do Jornal de Eduardo Marcondes definiu como aquelas per-
Pediatria, Sociedade Brasileira de Pediatria. cepções de caráter formativo sem as quais não se
é um verdadeiro pediatra2. (Entenda-se aqui pe-
No prefácio desta segunda edição de uma obra diatria como a área da medicina especializada no
cuja antecessora já extravasara do campo de in- ser humano em fase de desenvolvimento, da con-
teresse exclusivamente médico1, Maria Conceição cepção até o fim da adolescência, conforme pres-
Oliveira Costa e Ronald Pagnoncelli de Souza rei- creve a Sociedade Brasileira de Pediatria3.) De
teram que o seu objetivo principal é apresentar a acordo com a aplicação do modelo das sete per-
estudantes e recém-formados de diferentes cur- cepções no ensino da pediatria, vale muito pou-
sos na grande área da saúde uma coletânea mul- co transmitir simplesmente informações – ainda
tiprofissional dos conteúdos básicos de atenção à mais hoje em dia, que com dois cliques se enfia
saúde da criança e do adolescente. Trata-se de tudo num palmtop. É imprescindível à formação
uma concepção muito modesta, pois o livro é completa do médico de crianças e jovens assimi-
mais do que uma coletânea de artigos; aborda lar as noções de que os seus pacientes têm um