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Violência Doméstica contra Crianças e

Adolescentes: modalidade física


Marco científico e conceitual
Professora Maria Leolina Couto Cunha

Centro de Combate à Violência Infantil (Cecovi)

Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) – PUCweb

Copyright - PUCPR - Versão 1.0 - agosto 2009


Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes: modalidade física 2

INTRODUÇÃO
A violência doméstica contra crianças e Justamente em 1860 a França vive uma
oposição reprimida, uma imprensa
adolescentes na modalidade maus-tratos
censurada, um controle político sobre as
físicos tem grande incidência no Brasil. Por universidades, bem como uma manifestação
isso, vamos estudar esse assunto durante a favor do reforço da autoridade paterna,
este módulo. emanada de Napoleão III e por ele
manifestada no Conselho Privado, já em
1858. Não devemos também nos esquecer
OBJETIVO do grande ideólogo desse período, Frederic
Le Play, que colocava a autoridade paterna
Analisar o marco científico e conceitual do como natural, bem como a consequente
submissão de mulheres e crianças,
fenômeno da violência doméstica contra
pressupondo que através do aprendizado e
crianças e adolescentes na modalidade da autoridade familiar se aprende também a
maus-tratos físicos, destacando as principais conservar o Estado. Assim, com todo um
correntes de pensamento que tentam defini- movimento de ideias estimado a preservar a
lo. autoridade da família, seja a que preço
fosse, dificilmente o trabalho de Tardieu
A dedicação dá aos nossos sonhos as asas
para se erguerem e a força para voarem. encontraria um campo fecundo em termos de
achar adeptos, uma vez que ele procurava
Herbert. mostrar que a família, em muitos momentos,
era extremamente perigosa para as crianças,
podendo inclusive levá-las à morte.

Em 1929, Parrissot e Caussade lançaram, em


Paris, um importante trabalho na área da
1. Marco científico Medicina Legal, cujo título era “As sevícias
nas crianças”, o qual contribuiu para que o
fenômeno, embora de forma ainda muito
Em 1860, o médico francês Ambroise Tardieu, tímida, tivesse alguma visibilidade na fechada
presidente da Academia de Medicina de sociedade da época.
Paris, desenvolveu o conceito de criança
maltratada. Ele realizou estudos de 32 casos Em 1946, Caffey, médico americano
(18 óbitos) de crianças submetidas a sevícias especializado em radiologia infantil, publicou
pelos próprios pais, constatando a presença um trabalho que contribuiu de forma definitiva
de fraturas, queimaduras, hematomas e para o estudo do fenômeno. Ele descreveu o
equimoses, cujas causas alegadas pelos pais atendimento a seis lactantes que
não coincidiam com as características das apresentavam fraturas múltiplas de ossos
lesões examinadas (WOLFE, 1988). longos e hematoma subdural e concluiu que
as causas das lesões não correspondiam às
Segundo Guerra (2000), explicações dadas pelos pais dos bebês.

Em 1962, a questão da violência doméstica


O trabalho de Tardieu não teve repercussão
nos meios científicos da época porque a voltou a ser alvo de estudo da Medicina. Nos
França daquele período era governada por Estados Unidos, os Drs. Kempe, Silverman e
Napoleão III, instaurador do 2o Império, Steel (1962) atribuíram uma nova
organizador de um governo forte, que terminologia para o fenômeno, batizando-o
preservou os interesses de alguns em de Síndrome da Criança Maltratada, ou
detrimento de muitos. Síndrome de Caffey.

Profa. Maria Leolina Couto Cunha


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Marco científico e conceitual 3

Essa síndrome se refere às crianças de


baixa idade que sofrem ferimentos 2. Marco conceitual
inusitados, fraturas ósseas e queimaduras
ocorridas em épocas diversas, bem como
em diferentes etapas, e sempre inadequada
ou inconsistentemente explicadas pelos Pelo que foi exposto até aqui, percebemos
pais. O diagnóstico tem que se basear em que as bases conceituais do fenômeno são
evidências radiológicas dos repetidos
ferimentos (AZEVEDO & GUERRA, 1997).
complexas e, por vezes, conflitantes. Para
uma corrente de pensadores só haverá
Em 1971, o médico Fontana definiu o violência física quando estiver presente o
fenômeno como a Síndrome do Maltrato, dano anatômico (OCHOTORENA). Já para
ampliando o conceito de Kempe. Pela sua outros estudiosos do assunto, se da ação
descrição, para que o fenômeno se resultar dor, mesmo que não produza dano
caracterizasse bastava a comprovação da físico, a violência já estará consumada
existência de múltiplas e menores privações (GELLES).
emocional, nutricional, negligência e abuso,
sendo o espancamento da criança a última Este último ponto de vista tem aberto um
fase da Síndrome. debate e incentivado uma militância no
sentido de que as punições corporais sejam
No Brasil, o primeiro caso notificado foi feito abolidas tanto no espaço familiar como na
por Canger Rodrigues (1974). escola.
A legislação e a doutrina do Direito Penal
O sociólogo Gelles (1979) inovou ao brasileiro não consideram crime a punição
considerar como violência física todo tipo de corporal moderada de crianças e
ação que provoque dor, inclusive a palmada. adolescentes quando aplicada pelos pais.

Foi estabelecida pelas Nações Unidas a meta


Violência física é considerada um ato de proibir os castigos corporais contra
executado com intenção ou intenção crianças e adolescentes. Atualmente existem
percebida de causar dano físico a outra 19 países em todo o mundo que já proíbem
pessoa. O dano físico pode ir desde a
totalmente os castigos físicos, o que
imposição de uma leve dor, passando por
um tapa e podendo chegar ao assassinato. representa 2,3% da população infantil
A motivação para esse ato pode ir desde mundial.
uma preocupação com a segurança da
criança (quando ela é espancada por ter ido Segundo dados publicados em um relatório
para a rua, por exemplo) até uma hostilidade elaborado pelo governo sueco, em conjunto
tão intensa que a morte da criança é com as Nações Unidas, intitulado “Global
desejada (GELLES, 1979). Initiave To End All Corporal Punishement of
Children”, 178 países ainda permitem os
Em 1988, o psicólogo Ochotorena definiu castigos corporais, sendo que 100 proibiram
violência física não pela ótica da dor, mas toda a punição corporal na escola, o que
pela capacidade que ela tem de provocar representa 41,2% da população infantil.
dano físico.
Qualquer ação não-acidental por parte dos Veja a cronologia dos países que proibiram
pais ou responsáveis que provoque dano totalmente os castigos corporais em crianças
físico ou enfermidade na criança no âmbito doméstico:
(OCHOTORENA, 1988).

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Tabela 1. Países em que a violência infantil é proibida


Países Ano
Suíça 1979

Finlândia 1983

Noruega 1987

Áustria 1989

Chipre 1994

Dinamarca 1997

Letônia e Croácia 1998

Israel, Alemanha e Bulgária 2000

Islândia 2003

Hungria e Romênia 2004

Grécia, Portugal, Nova Zelândia e Holanda 2006

No Brasil, infelizmente, ainda não chegamos a esse grau de conscientização. Nossa lei penal
proíbe apenas os castigos imoderados, ficando, portanto, legitimada em nosso país a prática do
castigo corporal como método de disciplina e educação de crianças e adolescentes.

Figura 1. Conceito de maus-tratos físicos


Ação disciplinar e coativa

Tendo como pólo ativo Tendo como pólo passivo

Pais Responsáveis Crianças Adolescentes

Provocando danos físicos, que podem levar à morte

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AZEVEDO, M.; GUERRA, V. Crianças vitimizadas: a síndrome de pequeno poder. São Paulo:
Iglu, 1989.

BUENO, F. S. Dicionário Escolar da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Fename, 1973.

CUNHA, Maria Leolina Couto. Curso de Capacitação: violência doméstica contra crianças e
adolescentes. Curitiba: Cecovi/Unicef, 2003.

DOBSON, J. C. Ouse Disciplinar. Florida: Vida, 1995.

EWING, C.P. In: CLARKSON, W. Whatever Mother Says. Nova Iorque: St. Martin’s Press, 1995.

GELLES, R. J. Child Abuse as Psychopathology: a sociological critique and reformulation.


American journal of Orthopsychiatry, 1973.

GRUNSPUN, H. A Autoridade dos Pais e a Educação da Liberdade. São Paulo: Sedes


Sapientiae, 1968.

KEMPE, R. S.; KEMPE, C. H. Child Abuse. Londres: Fontana Open Books, 1978.

WATSON, John. B. Psychological Care of Infant and Child. Norton & Company, 1928.

WOODWARD, Luther (com EDWARDS, Norton como editor). Your Child from Two to Five. Nova
York: Permabooks, 1955.

ZAGURY, T. Limites Sem Traumas. Rio de Janeiro: Record, 2003.

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