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WANESSA WENDT
Mestranda PUCRS – Bolsista CNPq.
wanessa.wendt@acad.pucrs.br
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Este trabalho aborda parte de minha dissertação de mestrado em desenvolvimento sob orientação do
Prof. Dr. Luciano Aronne de Abreu (PUCRS).
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Além de uma série de outras associações estaduais, nacionais e internacionais de estudos históricos.
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Cargo que ocupava desde 1926.
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Cargo ocupado entre 1916 e 1937.
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Tendo sido subdiretor técnico de instrução do distrito Federal entre 1928 e 1930.
diversos projetos da pasta5. Documentação presente no arquivo Capanema, sob guarda
do CPDOC6, comprovam ter sido de autoria de Serrano os programas de História do
Brasil e de História Geral de 1940 e as instruções metodológicas de 1942. Além disso,
Serrano foi um dos professores mais ativos do projeto “Universidade do Ar”, iniciativa
federal de formação de professores secundaristas por meio das ondas da Rádio
Nacional. Sua trajetória como profissional da educação se deu em um contexto propício
a utilização do ensino, principalmente, de história na formação da nação brasileira e de
aproveitamento dos intelectuais no aparelho estatal.
Nesse sentido, ainda que preocupações em definir os rumos da nação brasileira
tenham sido registradas desde a independência do país, ações concretas sobre isso só
foram colocadas em prática durante o período varguista (1930 – 1945), quando se
constituiu o “[...] momento privilegiado no qual ocorreu uma discussão profunda sobre
nação, nacionalidade e nacionalismo, no Brasil, envolvendo agentes do Estado e
intelectuais” (GERTZ, 2013, p. 19). Momento privilegiado em que a discussão do
modelo educacional que deveria ser implantado e da pedagogia que deveria ser adotada
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para que se construísse essa nação passaram à prática.
Foi nesse momento que o Estado brasileiro assumiu o sistema educacional
passando a legislar e fiscalizar a matéria, trabalhando na construção da pátria, para que
o país encontrasse seu lugar no concerto das nações, agindo enfim como unidade coesa.
É Daniel Pécaut quem nos diz que “o ensino representava um dos campos onde foi mais
sistemático o esforço do regime [varguista] para criar a mentalidade do ‘homem do
povo’(1990, p. 67)”.
Neste sentido, aliando o discurso nacionalista e autoritário do regime às ideais
do grupo conhecido como “profissionais da educação”, o qual defendia “[...] uma rede
de ensino público, obrigatório, leigo e gratuito” (PEIXOTO, 1983, p. 199), o novo
governo instituiu o ensino primário e secundário como um dos principais meios pelos
quais se construiria a nação brasileira e o sentimento de pertencimento a ela. Como
meio de uniformizar o ensino, o Ministério da Educação, além de instituir uma gama de
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Membro do Conselho Nacional de Educação, da Comissão de Ensino Secundário do Plano Nacional de
Educação, da Comissão Nacional do Livro Didático, exerceu os cargos de membro do Conselho de
Ensino do Estado do Rio de Janeiro, do Conselho de Educação do Distrito Federal, da Comissão Nacional
de Censura Cinematográfica e juiz do Tribunal Eleitoral do Distrito Federal.
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FGV, CPDOC, FUNDO GC 1940.02.01, rolo 55, f. 358.
reformas concernentes a esses níveis de ensino; determinou a utilização de manuais
didáticos previamente aprovados por órgão estatal. Em razão disso, o ensino de história
mereceu especial atenção do Ministério da Educação, posto que por meio da disciplina
os ideais nacionalistas e autoritários da Era Vargas poderiam ser justificados e incutidos
na mentalidade do povo. Afinal, para o Ministério da Educação e Saúde “a constituição
da nacionalidade deveria ser a culminação de toda a ação pedagógica [...] em seu
sentido mais amplo” (SCHWARTZMAN & BOMENY & COSTA, 1984, 141).
E os livros didáticos de história escritos no período, em consonância com as
diretrizes educacionais, contribuíram nesse processo, pois, como nos diz Ângela de
Castro Gomes, tais obras fazem parte da cultura Histórica de uma época e por meio,
especificamente, dos da disciplina de História poderemos entender o debate que se
estabeleceu no período acerca da concepção da escrita da História e do projeto de nação
proposto pelos anos Vargas (1996, p. 10). De acordo com a mesma autora ainda, o
estudo do período Vargas e, em especial, do papel da concepção de História ao longo
dele, e da sua apropriação pelo ensino, merecem destaques e estudos aprofundados uma
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vez que as diretrizes deste regime deixaram marcas identificáveis ainda hoje (p. 208).
Vejamos então, de que forma Jonathas Serrano contribuiu nesse processo por
meio de suas obras didáticas.
Tal prerrogativa entra em contraste com a afirmação do autor que prega que o
ensino de história não deveria servir aos ardores patrióticos de governantes e deveria
evitar o culto às personalidades. Em seus manuais didáticos e nos futuros programas da
disciplina que viria a entregar ao ministro da educação, elege de acordo com métodos
não explicados, primordialmente personalidades políticas, para que os alunos biografem
e discutam feitos históricos, adotando em parte o método biográfico-episódico. Afirma
também ser favorável à utilização do ensino de história como parte da disciplina de
moral e cívica. Justifica dizendo:
Prossegue:
[...] cada volume é escrito de acordo com o nível mental da média dos alunos
da respectiva série. [...] E além da idade, há que se considerar o
conhecimento menor ou maior das outras disciplinas, das línguas estrangeiras
e do próprio idioma vernáculo” (p. XVI).
Porém, o autor não apresentou em seu manual textos dessa literatura nem
indicações mais profundas de leituras aos alunos. Nesse sentido, o que notamos nos
trechos destacados foi a constante preocupação de Serrano em frisar a importância do
conhecimento histórico no ensino secundário. 8
Na obra em questão, a crítica ao programa oficial feita pelo autor se refere à
recapitulação do ensinado anteriormente, item esquecido pelos legisladores. Ao sugerir
meios para que os professores efetuem a ação, Serrano crítica o pouco tempo semanal
disponível para ensino de história (p. XVIII).
Ao descrever os tópicos para exercício Serrano deixa clara sua posição quanto
ao papel do ensino de história. Nas palavras do autor:
Ou seja, a escrita da história proposta por Serrano faz referências aos grandes
homens e aos grandes acontecimentos. Tal perspectiva serviria aos interesses do regime
no sentido de proporcionar a construção de uma nação que têm fatos e homens que
merecem destaque. A educação serviria para incutir na população que grandes
personalidades se sacrificaram em prol da nação, despertando o nacionalismo e o
patriotismo. E que os grandes fatos, tais como as guerras, e os movimentos
revolucionários foram necessários para garantir o bem do povo.
Nesse sentido, o autor apresenta já nos resumos iniciais dos capítulos opiniões
concernentes às questões políticas, econômicas e sociais do período. É o que podemos
notar no resumo apresentado na introdução do capítulo referente à primeira república
brasileira, denominado “O Brasil até 1930”, quando o autor afirma que
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Essa é a perspectiva adotada em Skidmore (1988); Carone (1976), Fausto (1994), Gomes (1999). É
interessante ressaltar que em 2004, cinquentenário da morte de Vargas, em seminário proposto pelo
Memorial do Ministério Público do Rio Grande do Sul, grande parte dos autores convidados a
palestrarem, reafirmou, por meio de suas pesquisas, ter sido a Era Vargas um momento de ruptura no
Brasil. Ver mais em: Axt; Barros Filho; Seeling; Bojunga, 2005.
A abundância de dados do recém-instaurado governo Vargas contrasta também
com as miseras três linhas que Serrano dedica ao governo de Washington Luís “O
sucessor do dr. Arthur Bernardes foi o dr. Washington Luís, deposto pela Revolução de
Outubro de 1930” (p. 309). Ou melhor, na omissão que o autor faz ao não descrever os
acontecimentos que levaram ao movimento de 1930, tais como as revoltas dos tenentes
que iniciaram em 1918. Serrano apenas cita a revolta do forte de Copacabana em 1922 e
1924, não fazendo nenhuma referência a Luís Carlos Prestes e sua coluna
revolucionária. O autor também faz breve referencia ao movimento revolucionário
paulista que explodiu em 1932, não citando características, motivos, participantes e
consequências. Poderíamos interpretar tais omissões como censura estatal varguista a
escrita da história? Quer como tentativa de silenciar os opositores do regime quer como
uma espécie de conciliação com a elite paulista, incorporando o movimento como
pertencente à revolição de 1930? A construção didática dessa conciliação poderia servir
às prerrogativas varguistas de união da nação e centralização do governo, pois apagaria
a insurreição paulista das páginas da história gerando no grosso da população a ideia de
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que todo o país estaria a favor de Vargas, da revolução e do regime instaurado.
Outro dado interessante são as conceituações diferenciadas que Serrano faz entre
a tentativa de Deodoro da Fonseca de dissolver o Congresso em 03 de novembro de
1891 e o movimento de outubro de 1930. Ao primeiro o autor denomina golpe, ou
“como tentativa de infringir a constituição” (p. 304). Já ao segundo de “triunfante
revolução” (p. 309) e “revolução nacional” (p.311). Podemos interpretar também aqui
indício de sua aprovação e ação propagandista do movimento varguista, pois como
sabemos, o governo provisório varguista dissolveu o Congresso assim que assumiu a
presidência e sobre isso, Serrano não faz nenhuma referência. A utilização da expressão
“revolução nacional” também pode ser um indício de que Serrano compactou com o
projeto varguista de construção da nação no sentido de que esse é o único movimento
político ao qual o autor alia mudança ao caráter patriótico.
Para concluir, é interessante analisarmos o trecho de leitura que fecha o capítulo
de análise. Intitulado “O Brasil dos nossos dias” o texto foi elaborado pelo próprio
Serrano e publicado em obra anterior, em desacordo com o que o autor proporá na
introdução da obra, como referido. Pretendendo-se imparcial, Jonathas Serrano avalia os
estados do Rio de Janeiro e de São Paulo principalmente após os “[...] recentes
melhoramentos destes últimos anos” (p. 310) cidades maravilhosas de progresso
inteligente e rápido, afirmando ainda que “[...] o resto do país só espera os impulsos da
energia competente, em sólidas bases financeiras” (p. 310).
Em seguida, ainda que diga que há elementos “[...] para que se possa afirmar que
os trinta anos do século atual representam para o Brasil um progresso notável em todos
os aspectos da sua atividade” Serrano afirma que teriam sido nos últimos anos que os
“sintomas de inquietação, de exagero, que revelam as forças novas impacientes de agir e
rebeldes à repetição mecânica e servil do passado” teriam se manifestado e conduzido o
país ao progresso. E graças a elas “O nível de cultura média vai subindo, apesar da
proporção ainda vergonhosa de analfabetos. [E] Em todos os assuntos se vão formando
estudiosos bem informados” (p. 310). Como podemos notar o discurso do autor aqui
conflui com os ideais da reforma educacional proposta por Francisco Campos em 1931,
por meio do decreto nº 19. 890.
Por meio da legislação referida, Campos estabelecia um ensino secundário “[...]
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para a vida pública, para aqueles que deveriam orientar e definir as grandes decisões
coletivas, estabelecer a organização política que viria dar sentido e direção à economia
nacional, as ‘nossas elites’, enfim” (MORAES, 1992, p. 304). Era nas mãos dessa elite
formada de acordo com os preceitos do novo sistema de ensino que seria posto então a
obra de organização e de racionalização da economia nacional e das leis do país.
Postura partilhada por Serrano como vimos ao longo desse texto. Nessa confluência de
pensamentos é que acreditamos estar a chave para explicar a liderança exercida por
Serrano na adoção de manuais didáticos no período.
Considerações finais
Como se pode notar pelo exposto, ainda que tenha se posicionado contrário à utilização
da matéria histórica como meio de despertar o nacionalismo exacerbado, Jonathas Serrano ao
adotar a onomástica contribuiu para tal utilização. Além disso, preconizou a história política e
classificou como heróis aqueles que venceram disputas políticas, em especial personagens
importantes após a Revolução de 1930. Revolução essa classificada pelo autor como marco de
modernização e melhora de aspectos sociais e econômicos do país. Por meio desse discurso nos
manuais didáticos, Serrano contribuiu na construção de um modelo de nação idealizado pelos
revolucionários varguistas. Em muitas passagens das duas obras do autor é possível constatar
que Serrano aderiu ao discurso nacionalista e autoritário do governo elogiando atos dos
revolucionários e omitindo e deturpando ações desfavoráveis aos varguistas. Em relação ao
período anterior, o autor deixou claro que a revolução fez-se necessária em um contexto
turbulento, colocando os revolucionários como guardiões da nação, tal qual o discurso estatal e
de justificação da revolução e posteriormente, do período ditatorial.
Conforme constatamos pela análise de conteúdo, as obras aqui discutidas
contribuíram também na ascensão profissional de Jonathas Serrano junto ao governo
Varguista. O autor ao defender principalmente a incontestabilidade do alto valor
educativo da disciplina histórica e a importância de seu ensino no ciclo primário e
secundário além é claro, de evitar críticas contundentes e pontuais às figuras e fatos
centrais do novo regime costurou alianças que o levaram ao Ministério da Educação e
Saúde Pública, bem como à Comissão Nacional do Livro Didático. À frente desse
órgão pode constatar que grande parte dos manuais de história do período seguiram à
risca as instruções presentes em “Como se ensina História”. Em análise parcial de seus
pareceres e possível constatar que as alterações que sugeria aos autores como critério 13
para aprovação seguem as instruções presentes na obra.
De acordo com Hollanda, as obras de Serrano
Bibliografia
AXT, Gunter; BARROS FILHO; Omar L, SEELING, Ricardo Vaz, BOJUNGA, Sylvia. Da
Vida para a História: Reflexões sobre a Era Vargas. Porto Alegre: Procuradoria Geral de
Justiça e Memorial do Ministério Público, 2005.
CARONE, Edgard. O Estado Novo (1937 – 1945). Rio de Janeiro: Difel, 1977.
FAUSTO, Boris. A Revolução de 1930. 14ª Ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.
GERTZ, René. Intelectuais gaúchos e o Estado Novo brasileiro. In: Debates e Tendências.
V.13, n.1, jan./jun. 2013, p. 19 – 32.
SKIDMORE, Thomas. A Era Vargas (1930 – 1945). In: Brasil: de Getúlio a Castelo. 9ª Ed. Rio
de Janeiro, 1988. pp.21 – 71
Fontes documentais
Fundo Jonathas Serrano – SDP 055. Arquivo Nacional – Rio de Janeiro.
Arquivo Gustavo Capanema. GCg 1940.02.01, rolo 55, fls. 290 – 363. CPDOC – FGV – RJ.
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