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O ENSINO E OS MANUAIS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA NA ERA VARGAS:

AS CONCEPÇÕES PEDAGÓGICAS DE JONATHAS SERRANO E A SUA


INFLUÊNCIA NA CONSTRUÇÃO DA NAÇÃO

WANESSA WENDT
Mestranda PUCRS – Bolsista CNPq.
wanessa.wendt@acad.pucrs.br

Afinal, quem é Jonathas Serrano e qual o papel do ensino de História na


construção do modelo de nação Varguista?

Discutir a influência de Jonathas Serrano no ensino de história e na escrita dos


manuais didáticos durante a Era Vargas (1930 – 1945) é o objetivo deste trabalho*. Para
isso, centraremos a discussão nas obras didáticas “Como se ensina História” (1935),
definida por Guy de Hollanda como “[...] uma das raríssimas obras nacionais publicadas
sobre tal matéria, que merecem ser lidas” (1957, p. 10) e “História Contemporânea”
1
para a 5ª série secundária do ciclo fundamental (1938). Ainda que em sua quase
totalidade os manuais submetidos ao crivo da Comissão Nacional do Livro Didático
fossem aprovados, uma vez que, caso esses não estivessem de acordo com os programas
oficiais não encontravam editores nem adotantes (Hollanda, 1957, p. 196 - 197) as obras
elaboradas pelo autor gozavam de prestígio entre adotantes e críticos, sendo líderes de
venda no período.
Jonathas Serrano (1885 – 1944) formou-se em Direito na Faculdade de Ciências
Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro. Há época do lançamento das obras em questão,
era membro ativo do Instituto Histórico Brasileiro1 e professor de História da
Civilização do Colégio Pedro II2 e do Instituto de Educação do Rio de Janeiro3. O autor
participou ativamente da discussão acerca dos assuntos educacionais4 no país e quando
da ascensão de Gustavo Capanema a ministro da Educação e da Saúde trabalhou em

*
Este trabalho aborda parte de minha dissertação de mestrado em desenvolvimento sob orientação do
Prof. Dr. Luciano Aronne de Abreu (PUCRS).
1
Além de uma série de outras associações estaduais, nacionais e internacionais de estudos históricos.
2
Cargo que ocupava desde 1926.
3
Cargo ocupado entre 1916 e 1937.
4
Tendo sido subdiretor técnico de instrução do distrito Federal entre 1928 e 1930.
diversos projetos da pasta5. Documentação presente no arquivo Capanema, sob guarda
do CPDOC6, comprovam ter sido de autoria de Serrano os programas de História do
Brasil e de História Geral de 1940 e as instruções metodológicas de 1942. Além disso,
Serrano foi um dos professores mais ativos do projeto “Universidade do Ar”, iniciativa
federal de formação de professores secundaristas por meio das ondas da Rádio
Nacional. Sua trajetória como profissional da educação se deu em um contexto propício
a utilização do ensino, principalmente, de história na formação da nação brasileira e de
aproveitamento dos intelectuais no aparelho estatal.
Nesse sentido, ainda que preocupações em definir os rumos da nação brasileira
tenham sido registradas desde a independência do país, ações concretas sobre isso só
foram colocadas em prática durante o período varguista (1930 – 1945), quando se
constituiu o “[...] momento privilegiado no qual ocorreu uma discussão profunda sobre
nação, nacionalidade e nacionalismo, no Brasil, envolvendo agentes do Estado e
intelectuais” (GERTZ, 2013, p. 19). Momento privilegiado em que a discussão do
modelo educacional que deveria ser implantado e da pedagogia que deveria ser adotada
2
para que se construísse essa nação passaram à prática.
Foi nesse momento que o Estado brasileiro assumiu o sistema educacional
passando a legislar e fiscalizar a matéria, trabalhando na construção da pátria, para que
o país encontrasse seu lugar no concerto das nações, agindo enfim como unidade coesa.
É Daniel Pécaut quem nos diz que “o ensino representava um dos campos onde foi mais
sistemático o esforço do regime [varguista] para criar a mentalidade do ‘homem do
povo’(1990, p. 67)”.
Neste sentido, aliando o discurso nacionalista e autoritário do regime às ideais
do grupo conhecido como “profissionais da educação”, o qual defendia “[...] uma rede
de ensino público, obrigatório, leigo e gratuito” (PEIXOTO, 1983, p. 199), o novo
governo instituiu o ensino primário e secundário como um dos principais meios pelos
quais se construiria a nação brasileira e o sentimento de pertencimento a ela. Como
meio de uniformizar o ensino, o Ministério da Educação, além de instituir uma gama de

5
Membro do Conselho Nacional de Educação, da Comissão de Ensino Secundário do Plano Nacional de
Educação, da Comissão Nacional do Livro Didático, exerceu os cargos de membro do Conselho de
Ensino do Estado do Rio de Janeiro, do Conselho de Educação do Distrito Federal, da Comissão Nacional
de Censura Cinematográfica e juiz do Tribunal Eleitoral do Distrito Federal.
6
FGV, CPDOC, FUNDO GC 1940.02.01, rolo 55, f. 358.
reformas concernentes a esses níveis de ensino; determinou a utilização de manuais
didáticos previamente aprovados por órgão estatal. Em razão disso, o ensino de história
mereceu especial atenção do Ministério da Educação, posto que por meio da disciplina
os ideais nacionalistas e autoritários da Era Vargas poderiam ser justificados e incutidos
na mentalidade do povo. Afinal, para o Ministério da Educação e Saúde “a constituição
da nacionalidade deveria ser a culminação de toda a ação pedagógica [...] em seu
sentido mais amplo” (SCHWARTZMAN & BOMENY & COSTA, 1984, 141).
E os livros didáticos de história escritos no período, em consonância com as
diretrizes educacionais, contribuíram nesse processo, pois, como nos diz Ângela de
Castro Gomes, tais obras fazem parte da cultura Histórica de uma época e por meio,
especificamente, dos da disciplina de História poderemos entender o debate que se
estabeleceu no período acerca da concepção da escrita da História e do projeto de nação
proposto pelos anos Vargas (1996, p. 10). De acordo com a mesma autora ainda, o
estudo do período Vargas e, em especial, do papel da concepção de História ao longo
dele, e da sua apropriação pelo ensino, merecem destaques e estudos aprofundados uma
3
vez que as diretrizes deste regime deixaram marcas identificáveis ainda hoje (p. 208).
Vejamos então, de que forma Jonathas Serrano contribuiu nesse processo por
meio de suas obras didáticas.

As obras didáticas de Serrano

Como se ensina História (1935):


Dentre as obras didáticas da era varguista, “Como se ensina história”, de
Jonathas Serrano merece um estudo detalhado. Única obra de didática de história
publicada no período que se tenha notícia, o livro discute de maneira clara o programa
oficial em vigência, trabalha dicas de ensino para os professores, apresentando modelos
e exemplos; além de contar com extensa bibliografia de apoio, em que se sobressaem os
clássicos historiográficos da época. Por meio da obra, é possível entender também o
papel do ensino de história no modelo de nação proposto pelos anos Vargas.
Uma leitura pormenorizada, ainda que inicial, da documentação citada, nos
permiti concluir que as bases da legislação elaborada por Serrano encontram-se nessa
obra do autor publicada em 1935, como parte da coleção “Biblioteca de Educação”,
organizada pelo professor Lourenço Filho para a editora Melhoramentos de São Paulo.
O organizador também é o prefaciador da obra, a qual destaca como “[...] uma obra
simples, ao alcance de todos os nossos mestres, [que serviria] [...] às escolas brasileiras,
na realidade de suas condições presentes” (p. 10). Lourenço Filho elogia a capacidade
de Serrano por ter escrito um livro em que “Tudo enfim, [...] demonstra a segurança das
ideias e da experiência do mestre que o compôs. É uma obra sentida e pensada e, por
isso mesmo, de inestimável valor para os nossos mestres” (1935, p. 12).
Serrano afirma que o livro fora um desenvolvimento de discursos apresentados
em conferências na Associação Brasileira de Educação do Rio de Janeiro, declarando
ainda que escrevera tal obra não como uma tentativa abstrata de aplicação de ideais
estrangeiros no sistema educacional brasileiro, e sim com “[...] o propósito de elevar o
nível e aumentar o rendimento intelectual dos nossos cursos de história, dentro dos
limites das nossas possibilidades” (1935, p.14). Por fim, declara ser a obra um “[...]
livro de experiência, mais do que obra de erudição abstrata [...]” (1935, p.15) que tem
como alvo os militantes do ensino.
4
Assim, nos três primeiros capítulos de “Como se ensina História”, Serrano
aborda as transformações atuais pelas quais passava o campo historiográfico mundial,
discutindo a cientificidade da disciplina. De antemão, deixa claro que a história não
pode ser apenas a “[...] enumeração de vultos e episódios sem concatenação lógica, sem
nexos causais, sem critério psicológico” (1935, p. 18), especificando que a disciplina
está no grupo de maior complexidade das ciências sociais ou psicossociais o que torna
sua renovação complicada, bem como a renovação de seus programas escolares.
Serrano demonstra que o rigor histórico alcançado pela disciplina atualmente não
encontra precedente, o que se deve, principalmente, à discussão bibliográfica de alto
nível e ao emprego das ciências auxiliares.
Contudo, de acordo com o autor: “infelizmente [...] a História corre em nossos
dias o grave risco de ser levada em direção errônea e anticientífica” (1935, p. 21). Tal
risco derivaria de três desvios que os profissionais estariam cometendo: encarar a
disciplina apenas como uma reconstrução histórica, esquecendo sua estrutura narrativa;
romanceando-a em demasia, ou deixando-se influenciar por doutrinas políticas,
religiosas e nacionalistas, transformando-a em arma de combate. Nas palavras de
Serrano

Que doloroso contraste o da nossa época, em que de um lado ainda há quem


viva obsesso do perigo da intolerância medieval, das fogueiras da Inquisição
e até da profilaxia psicológica do Index no século da reforma, e não verbere,
em pleno século XX, a concepção estreita do materialismo histórico, a
tentativa até de uma literatura dirigida, consoante às diretrizes de Marx,
Engels ou Lenine, a coação que é asfixia da ciência, em nome de um
hipernacionalismo doentio, a fim de querer demonstrar-se uma pretensa
superioridade étnica, ou a missão providencial de tal ou tal nação moderna ou
contemporânea (p. 27 – 28).

O autor condena ainda a transformação do ensino de história em exposição de


belos fatos de efeitos oratórios fáceis e argumentos patrióticos em oposição ao caráter
científico, imparcial e objetivo da disciplina. Em seguida, discute a abordagem dos
programas oficiais de História propostos pela reforma Francisco Campos, em 1931.
Afirma que falta exequibilidade, crítica o método biográfico-episódico destinado às
turmas iniciais do primeiro ciclo, afirmando não ser história propriamente dita, e a
diminuição das horas-aula da disciplina. Atribui tais erros à falta de preparo e
5
experiência pedagógica dos legisladores. O erro dos legisladores resulta, na fala de
Serrano em que “[...] os alunos concluam [...] o curso de História com proveito mínimo,
senão quase nulo, salvo os que, por esforço pessoal, suprem as deficiências dos
programas” (1935, p. 30).
Além disso, o autor apresenta como medidas paliativas a adoção criteriosa da
cronologia e dos questionários metódicos, por meio de diversos tipos de quadros; a
onomástica; a uniformização de dados históricos por meio da utilização do alfabeto da
sociedade fonética internacional; a utilização constante da causalidade histórica; o
incentivo à criticidade e à pesquisa bibliográfica, à preleção, à leitura graduada, aos
exercícios de exposição oral e às projeções fixas e animadas. Tais prerrogativas
posteriormente apareceriam na reforma Capanema, nas instruções metodológicas e nos
programas da disciplina de história.
Cabe aqui ressaltar, que ainda que condene o método biográfico-episódico,
Serrano defende a onomástica, afirmando que
Nem todos [personagens históricos] interessam igualmente. Cumpre que os
alunos desde cedo compreendam porque certos indivíduos se tornam mais
dignos da atenção dos estudiosos do passado humano [...] Ao lado dos
monarcas e grandes conquistadores – às vezes tão prejudiciais ao progresso
humano – é indispensável apresentar desde cedo os construtores, os que
trabalharam para o bem da Humanidade, inventores, cientistas, homens de
pensamento e de ação, missionários, apóstolos, educadores de todos os
tempos (1935, p. 48 – 49).

Tal prerrogativa entra em contraste com a afirmação do autor que prega que o
ensino de história não deveria servir aos ardores patrióticos de governantes e deveria
evitar o culto às personalidades. Em seus manuais didáticos e nos futuros programas da
disciplina que viria a entregar ao ministro da educação, elege de acordo com métodos
não explicados, primordialmente personalidades políticas, para que os alunos biografem
e discutam feitos históricos, adotando em parte o método biográfico-episódico. Afirma
também ser favorável à utilização do ensino de história como parte da disciplina de
moral e cívica. Justifica dizendo:

Estudada e ensina à luz dos métodos racionais, pode a história contribuir de


modo apreciável para a grande obra da educação nacional. A primeira 6
condição para defender os altos interesses da Pátria é conhecê-la bem no seu
passado, a fim de compreender como, do que foi, veio a ser o que hoje é. O
patriotismo não deve ser amor cego, ignorante, exagerado, sistematicamente
laudativo de quando diga respeito ao seu país, sem exame prévio dos fatos,
sem critério na apreciação dos valores. Muito ao contrário. Reconhecer os
erros, as deficiências, as necessidades do meio social a que pertencemos é
estímulo para que nos esforcemos, na esfera de nossa influência, por minorar
ou corrigir tais males. Fora deplorável equívoco supor que um curso de
história pátria deveria ser, da primeira à última lição, um panegirico
hiperbólico, Cumpre dizer sempre a verdade. Traçando o perfil dos grandes
vultos, não há mister hipertrofia-los: apresentemo-los quais foram –
humanos, falíveis, com as inevitáveis fraquezas dos seres reais.

Prossegue:

Sublinhemos, porém, o que fizeram de bom e de sutil para o progresso do


Brasil. Principalmente os que construíram devem ser apontados, para
admiração e exemplo. Bem difícil é estudar a história pátria sem que o
sentimento perturbe a serenidade das apreciações. Afinal é a nossa terra e a
nossa gente, ou, como da sua França escreveu Lavisse ‘a carne da nossa
carne, o sangue do nosso sangue’. Mas há de ser um entusiasmo de amor
esclarecido, que estuda que raciocina e que pondera. Dado que não fosse
plenamente realizável, muito seria já conhece-lo e propugná-lo (1935, p.
140).
Logo, ainda que tenha criticado inicialmente a reforma Campos opta por ajudar
na consolidação de suas principais prerrogativas. A respeito das obras didáticas, Serrano
se posicionou também na obra aqui trabalhada. Defendeu que não era possível a
qualquer professor, embora competente, a redação de um bom manual, em condições
desejáveis (1935, p. 74), alertando ainda para a má qualidade de muitas obras que
circulavam então no mercado brasileiro, sem dar-lhes nomes, nem autores.
Nesse sentido, seria interessante então, entendermos o que Serrano considerava
uma obra didática de qualidade analisando sua principal obra com esse caráter,
“História Contemporânea” para a 5ª série secundária do ciclo fundamental (1938).

“História Contemporânea” para a 5ª série secundária do ciclo fundamental


(1938):
A obra “História da Civilização” insere-se em uma coletânea elaborada por
Serrano em cinco volumes, que o autor denominou “Curso de História” e que foram
publicados a partir de 1933. As obras contemplam o conteúdo específico para o ensino
de história em cada ano escolar, conforme a legislação do período. Nesse sentido, o 7
volume trabalhado aqui corresponde ao período contemporâneo, com capítulos de
história mundial, americana e brasileira, intercalados. Os conteúdos abordam temas que
vão da Revolução Francesa ao momento atual de publicação da obra. De acordo com o
autor, tal organização didática fora adotada a fim de fugir do

[...] erro de justapor a história da América e do Brasil à história geral. [Pois]


O aluno deve compreender a sequencia no tempo e no espaço, as causas e as
consequências, e como a história americana e, especialmente para nós, a
brasileira, reflete a ação poderosa de fatores da história geral (p. XVII).

Assim, os volumes apresentam organização didática idêntica, contendo no início


de cada capítulo um breve resumo do conteúdo abordado, tópicos gerais dos assuntos,
sinopse cronológica e tópicos para exercício. Na introdução da obra, Serrano justifica
que este último volume apresenta uma inovação:

[...] um trecho de leitura tirado de autor nacional ou estrangeiro. Não nos


limitamos a inserir trechos de historiadores especializados: às vezes uma
página de escritor ou publicista não tem menor interesse para tal ou tal
assunto, do que a erudita contribuição de um especialista eminente (p. XVI).
A escolha desses trechos de leitura acompanhava a lógica de que

[...] cada volume é escrito de acordo com o nível mental da média dos alunos
da respectiva série. [...] E além da idade, há que se considerar o
conhecimento menor ou maior das outras disciplinas, das línguas estrangeiras
e do próprio idioma vernáculo” (p. XVI).

O autor afirma ainda que aos alunos do 5º ano além de excelentes


conhecimentos adquiridos nas séries anteriores, seria

[...] indispensável [...] [a iniciação] na questão fundamental e complexa da


boa bibliografia e da crítica objetiva. Ao menos os melhores alunos da turma
devem ficar sabendo que não se pode discutir um assunto histórico sem
conhecimento da respectiva literatura, como dizem os alemães (p. XIX).

Porém, o autor não apresentou em seu manual textos dessa literatura nem
indicações mais profundas de leituras aos alunos. Nesse sentido, o que notamos nos
trechos destacados foi a constante preocupação de Serrano em frisar a importância do
conhecimento histórico no ensino secundário. 8
Na obra em questão, a crítica ao programa oficial feita pelo autor se refere à
recapitulação do ensinado anteriormente, item esquecido pelos legisladores. Ao sugerir
meios para que os professores efetuem a ação, Serrano crítica o pouco tempo semanal
disponível para ensino de história (p. XVIII).
Ao descrever os tópicos para exercício Serrano deixa clara sua posição quanto
ao papel do ensino de história. Nas palavras do autor:

Os tópicos para exercícios, - que são, compreenda-se bem, exemplificativos e


não exaustivos, insistem, sobretudo, nas questões de causas e efeitos, no
papel dos grandes vultos, na significação dos fatos mais importantes. Isto é
que é história, máxima para alunos da última série (p.XVII).

Ou seja, a escrita da história proposta por Serrano faz referências aos grandes
homens e aos grandes acontecimentos. Tal perspectiva serviria aos interesses do regime
no sentido de proporcionar a construção de uma nação que têm fatos e homens que
merecem destaque. A educação serviria para incutir na população que grandes
personalidades se sacrificaram em prol da nação, despertando o nacionalismo e o
patriotismo. E que os grandes fatos, tais como as guerras, e os movimentos
revolucionários foram necessários para garantir o bem do povo.
Nesse sentido, o autor apresenta já nos resumos iniciais dos capítulos opiniões
concernentes às questões políticas, econômicas e sociais do período. É o que podemos
notar no resumo apresentado na introdução do capítulo referente à primeira república
brasileira, denominado “O Brasil até 1930”, quando o autor afirma que

Findo o Governo provisório consequente à proclamação da república, entrou


o país na fase política definitiva, com a Constituição de 1891. Aceitas as
bases do regime norte-americano, passava o Brasil a ser uma federação de
estados autônomos, sob o governo de um presidente escolhido por eleição
direta. Foram ainda agitados os primeiros quatriênios, mas dominadas as
tentativas revolucionárias, começou uma fase de relativa calma e
reconstrução financeira. Após a fecunda presidência Rodrigues Alves, foram-
se acumulando erros e motivos de descontentamento, que explodiram na
Revolução de outubro de 1930 (p. 304).

Como se depreende do texto, Serrano afirma que o início da república foi


agitado e que dominadas as primeiras revoltas entrou em uma fase de relativa calmaria
9
socioeconômica, contudo após 1906 a situação alterou-se e sucederam-se diversos erros
e descontentamentos que contribuíram para a tomada do poder em 1930 pelos
revolucionários. Acreditamos aqui já estar uma evidência de um posicionamento do
autor que contribuiria para a justificação do novo regime uma vez que a revolução era
inevitável devido ao acúmulo de erros e descontentamentos.
Em seguida, nós tópicos abordados o autor destaca, como já referido
anteriormente, os grandes atos e os grandes homens, construindo uma narrativa
permeada por juízos de valor acerca desses. Assim, temos destaque às personalidades
dos primeiros presidentes do país. Enérgico e imparcial fora Floriano Peixoto (p. 305),
ponderado e honesto Prudente de Moraes (p. 305) e personalidades brilhantes, “[...] [os]
homens de valor excepcional” (p. 307) que compuseram os ministérios nacionais até o
fim do mandato de Rodrigues Alves, tais como Joaquim Murtinho, Barão do Rio
Branco, Pereira Passos e Osvaldo Cruz.
Na sequência histórica, os elogios às personalidades políticas cessam então
dando lugar a resumos mais curtos e objetivos sobre os próximos presidentes do
período. Serrano apenas cita o nome dos eleitos e ações esparsas, sem aprofundar
assuntos. Por exemplo, o governo de Hermes da Fonseca foi marcado pelas Revoltas da
Chibata, do Contestado e de Juazeiro, além das constantes intervenções nos estados.
Sobre o último dado, o manual não faz nenhuma referência. Acerca das revoltas,
Serrano afirma que aconteceram algumas “[...] sem maiores consequências” (p. 308).
Os tópicos governamentais permanecem pobres de informações até o autor
manifestar-se sobre os feitos do movimento de 1930. Temos então uma descrição
detalhada dos atos do novo regime tais como a elaboração do código eleitoral, à
concessão do direito ao voto às mulheres, a elaboração de um novo tipo de alistamento
eleitoral e promulgação da nova Constituição de 1934. O espaço que utiliza para
escrever os feitos modernizantes do novo regime contrasta com a falta de citação acerca
de meios autoritários utilizados pelos revolucionários. Entre esses atos que não
encontramos referências na obra, podemos citar a manipulação eleitoral que levou ao
movimento de 1930, a abolição do Congresso Nacional e das Câmaras municipais e a
criação dos cargos de interventor estadual escolhido pelo governo provisório
(SKIDMORE, 1982, p. 32 – 33).
10
Serrano parece-nos justificar o regime a partir de seus bons atos, omitindo os
processos que levaram a ascensão e manutenção de Vargas no poder. Essas parecem ser
evidências já de um discurso nacionalista que anos depois seria encampado pela
historiografia de referência7 que tende a interpretar a Revolução de 1930 como uma
ruptura entre o Brasil arcaico e descentralizado da República Velha e um novo país
moderno, industrializado e centralizado surgido durante a Era Vargas. Ou seja, uma
espécie de apoio ao discurso estatal de nacionalização e modernização da sociedade
brasileira por meio de medidas políticas autoritárias. Essas omissões históricas e o apoio
ao regime explicitados no manual didático fazem parte do projeto de construção da
nação elaborado nos anos Vargas à medida que contribuíram para consolidar na
população o sentimento de que a revolução era verdadeiramente nacional e defendia os
interesses públicos, ou seja um movimento nacionalista e patriótico.

7
Essa é a perspectiva adotada em Skidmore (1988); Carone (1976), Fausto (1994), Gomes (1999). É
interessante ressaltar que em 2004, cinquentenário da morte de Vargas, em seminário proposto pelo
Memorial do Ministério Público do Rio Grande do Sul, grande parte dos autores convidados a
palestrarem, reafirmou, por meio de suas pesquisas, ter sido a Era Vargas um momento de ruptura no
Brasil. Ver mais em: Axt; Barros Filho; Seeling; Bojunga, 2005.
A abundância de dados do recém-instaurado governo Vargas contrasta também
com as miseras três linhas que Serrano dedica ao governo de Washington Luís “O
sucessor do dr. Arthur Bernardes foi o dr. Washington Luís, deposto pela Revolução de
Outubro de 1930” (p. 309). Ou melhor, na omissão que o autor faz ao não descrever os
acontecimentos que levaram ao movimento de 1930, tais como as revoltas dos tenentes
que iniciaram em 1918. Serrano apenas cita a revolta do forte de Copacabana em 1922 e
1924, não fazendo nenhuma referência a Luís Carlos Prestes e sua coluna
revolucionária. O autor também faz breve referencia ao movimento revolucionário
paulista que explodiu em 1932, não citando características, motivos, participantes e
consequências. Poderíamos interpretar tais omissões como censura estatal varguista a
escrita da história? Quer como tentativa de silenciar os opositores do regime quer como
uma espécie de conciliação com a elite paulista, incorporando o movimento como
pertencente à revolição de 1930? A construção didática dessa conciliação poderia servir
às prerrogativas varguistas de união da nação e centralização do governo, pois apagaria
a insurreição paulista das páginas da história gerando no grosso da população a ideia de
11
que todo o país estaria a favor de Vargas, da revolução e do regime instaurado.
Outro dado interessante são as conceituações diferenciadas que Serrano faz entre
a tentativa de Deodoro da Fonseca de dissolver o Congresso em 03 de novembro de
1891 e o movimento de outubro de 1930. Ao primeiro o autor denomina golpe, ou
“como tentativa de infringir a constituição” (p. 304). Já ao segundo de “triunfante
revolução” (p. 309) e “revolução nacional” (p.311). Podemos interpretar também aqui
indício de sua aprovação e ação propagandista do movimento varguista, pois como
sabemos, o governo provisório varguista dissolveu o Congresso assim que assumiu a
presidência e sobre isso, Serrano não faz nenhuma referência. A utilização da expressão
“revolução nacional” também pode ser um indício de que Serrano compactou com o
projeto varguista de construção da nação no sentido de que esse é o único movimento
político ao qual o autor alia mudança ao caráter patriótico.
Para concluir, é interessante analisarmos o trecho de leitura que fecha o capítulo
de análise. Intitulado “O Brasil dos nossos dias” o texto foi elaborado pelo próprio
Serrano e publicado em obra anterior, em desacordo com o que o autor proporá na
introdução da obra, como referido. Pretendendo-se imparcial, Jonathas Serrano avalia os
estados do Rio de Janeiro e de São Paulo principalmente após os “[...] recentes
melhoramentos destes últimos anos” (p. 310) cidades maravilhosas de progresso
inteligente e rápido, afirmando ainda que “[...] o resto do país só espera os impulsos da
energia competente, em sólidas bases financeiras” (p. 310).
Em seguida, ainda que diga que há elementos “[...] para que se possa afirmar que
os trinta anos do século atual representam para o Brasil um progresso notável em todos
os aspectos da sua atividade” Serrano afirma que teriam sido nos últimos anos que os
“sintomas de inquietação, de exagero, que revelam as forças novas impacientes de agir e
rebeldes à repetição mecânica e servil do passado” teriam se manifestado e conduzido o
país ao progresso. E graças a elas “O nível de cultura média vai subindo, apesar da
proporção ainda vergonhosa de analfabetos. [E] Em todos os assuntos se vão formando
estudiosos bem informados” (p. 310). Como podemos notar o discurso do autor aqui
conflui com os ideais da reforma educacional proposta por Francisco Campos em 1931,
por meio do decreto nº 19. 890.
Por meio da legislação referida, Campos estabelecia um ensino secundário “[...]
12
para a vida pública, para aqueles que deveriam orientar e definir as grandes decisões
coletivas, estabelecer a organização política que viria dar sentido e direção à economia
nacional, as ‘nossas elites’, enfim” (MORAES, 1992, p. 304). Era nas mãos dessa elite
formada de acordo com os preceitos do novo sistema de ensino que seria posto então a
obra de organização e de racionalização da economia nacional e das leis do país.
Postura partilhada por Serrano como vimos ao longo desse texto. Nessa confluência de
pensamentos é que acreditamos estar a chave para explicar a liderança exercida por
Serrano na adoção de manuais didáticos no período.

Considerações finais
Como se pode notar pelo exposto, ainda que tenha se posicionado contrário à utilização
da matéria histórica como meio de despertar o nacionalismo exacerbado, Jonathas Serrano ao
adotar a onomástica contribuiu para tal utilização. Além disso, preconizou a história política e
classificou como heróis aqueles que venceram disputas políticas, em especial personagens
importantes após a Revolução de 1930. Revolução essa classificada pelo autor como marco de
modernização e melhora de aspectos sociais e econômicos do país. Por meio desse discurso nos
manuais didáticos, Serrano contribuiu na construção de um modelo de nação idealizado pelos
revolucionários varguistas. Em muitas passagens das duas obras do autor é possível constatar
que Serrano aderiu ao discurso nacionalista e autoritário do governo elogiando atos dos
revolucionários e omitindo e deturpando ações desfavoráveis aos varguistas. Em relação ao
período anterior, o autor deixou claro que a revolução fez-se necessária em um contexto
turbulento, colocando os revolucionários como guardiões da nação, tal qual o discurso estatal e
de justificação da revolução e posteriormente, do período ditatorial.
Conforme constatamos pela análise de conteúdo, as obras aqui discutidas
contribuíram também na ascensão profissional de Jonathas Serrano junto ao governo
Varguista. O autor ao defender principalmente a incontestabilidade do alto valor
educativo da disciplina histórica e a importância de seu ensino no ciclo primário e
secundário além é claro, de evitar críticas contundentes e pontuais às figuras e fatos
centrais do novo regime costurou alianças que o levaram ao Ministério da Educação e
Saúde Pública, bem como à Comissão Nacional do Livro Didático. À frente desse
órgão pode constatar que grande parte dos manuais de história do período seguiram à
risca as instruções presentes em “Como se ensina História”. Em análise parcial de seus
pareceres e possível constatar que as alterações que sugeria aos autores como critério 13
para aprovação seguem as instruções presentes na obra.
De acordo com Hollanda, as obras de Serrano

Com efeito, não facilitavam tanto a memorização pelo discente e podiam


obrigar o docente a dar explicações complementares, para as quais nem
sempre estava preparado ou desejoso. Isto decorria de uma expansão, ou
melhor, inflação, do nosso ensino secundário, que seria um sintoma de
ascensão social das massas, causada pela industrialização rápida e
desordenada do nosso País (p. 137).

Nesse sentido, Serrano aproveitou a expansão do ensino e sua utilização


política pela Era Vargas para, por meio de seu prestígio como docente e autor de
manuais didáticos, ingressar nos órgãos de administração federal dos assuntos
educacionais. Em pleno exercício das atividades administrativas imprimiu sua marca
nas metodologias e nos programas para o ensino de História bem como se tornou porta-
voz dos ideais políticos dessa matéria por intermédio de suas aulas na “Universidade do
Ar”. No decorrer das palestras que proferiu na iniciativa federal de formação de
professores discorreu sobre seus pontos de vista históricos, como os professores
deveriam orientar suas aulas e quais materiais adotar.
O autor aliou assim seu discurso educacional aos ideais do regime galgando
postos na administração federal contribuindo para o discurso de ruptura e de construção
nação propagado pela Era Vargas.

Bibliografia

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