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A TENTAÇÃO DO MERCADO
Atos 20.28-35

Não é mais possível ignorar a presença e o crescimento da igreja evangélica no país.


Muitos estudiosos de diferentes organismos e instituições vêm pesquisando os
motivos dessa atividade religiosa que atrai multidões em toda parte. De um lado, há
grande euforia e entusiasmo porque a igreja evangélica cresce, conquistando maior
espaço, e batizando importantes personalidades. De outro, cresce a preocupação e o
questionamento em torno das motivações que levam as pessoas a abraçarem essa
causa.

Enquanto isto, grandes eventos e shows gigantescos são realizados em diferentes


locais públicos, obrigando os organizadores a contratar pessoal qualificado e a investir
milhões. Muitas empresas (algumas evangélicas) patrocinam espetáculos, ou os
próprios participantes pagam o seu ingresso, e aproveitam para fazer compras nas
"feiras evangélicas" que são adaptadas para completar a captação de recursos.

Observa-se que continuam em evidência "os negócios do reino", em que as bênçãos


materiais e físicas e o sucesso profissional são oferecidos e garantidos a "preços
promocionais" ou trocados por dízimos e ofertas (Mq 3.11).

Tudo indica que a filosofia ou a lógica do mercado é aplicada sobre a religião e, com o
auxílio da técnica, ou do marketing, ou da mídia, atinge-se o resultado esperado. E o
pior é verificar que neste "negócio", a espiritualidade cristã é relegada a plano
secundário.

Este complexo assunto merece a atenção e a análise da Igreja. E aqui pretende-se


discuti-lo sem paixões e sem preconceitos, com o coração e mente abertos, mas
também com a devida honestidade.

Para tanto, devem-se considerar os seguintes aspectos:

1 - O MERCADO RELIGIOSO
O mercado religioso tornou-se muito atraente e competitivo, disputando consumidores
evangélicos e de outros credos. Há uma infinidade de produtos que atendem a um
público bastante exigente: desde gravações (discos, cassetes, vídeos, CD-ROM),
Bíblias, livros, camisetas, adesivos, souvenires, bolsas, cadernos etc., até os
congressos, consórcios, viagens internacionais, condomínios etc, elaborados só para
os "crentes".

Os conjuntos musicais e os shows de artistas evangélicos são uma das opções mais
lucrativas. Bons músicos cobram altos cachês e alcançam a fama com "discos de
ouro" que passam a ser o cartão-de-visitas dos evangélicos. Como tudo é legitimado
em nome de um ministério cristão, os crentes compram os produtos para incentivar os
artistas que se dizem "missionários" da obra.

Esses "artistas" geralmente se apresentam em shows e programas evangélicos,


superlotando teatros, cinemas, ginásios, templos etc. Muitos, lamentavelmente, nem
mesmo respeitam os direitos autorais ou alvarás e impostos previstos pela legislação.

Recentemente, a revista VINDE divulgou alguns nomes famosos que se converteram


e passaram a viver da carreira religiosa.

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O título da matéria era "testemunheiros profissionais". São "estrelas" que, para dar o
seu testemunho, cobram milhares de reais, e exigem mais: passagens aéreas,
acompanhante, hotel ("o melhor da cidade"), som profissional etc. Ao que tudo indica,
esta "música" segue as tendências do mercado.

2 - OS BASTIDORES DO MERCADO

Por incrível que pareça, religião e economia encontram-se profundamente interligadas.


Os crentes vêm se tornando vítimas das propostas de sucesso, saúde, dinheiro,
melhoria de vida, vitória sobre as forças do mal etc, que se apresentam em nome de
Deus.

Verifica-se que, no modelo neoliberal, "a teologia da prosperidade" atrai as pessoas


que, inconscientemente, estão "negociando" com Deus. Muitos autores vêm
observando que, enquanto os economistas utilizam bases teológicas para
fundamentar os seus planos, a religião utiliza as técnicas do mercado para tirar
proveito da situação.

Observa o pastor Ricardo Barbosa, que "o Evangelho foi transformado em um produto,
a Igreja num grande supermercado, o homem num consumidor e o pastor num
gerente, administrador e empreendedor. A grande preocupação da Igreja hoje, dentro
dessa cultural neoliberal, é de como vender esse produto".

Atualmente, fala-se muito em qualidade total, eficiência, competitividade. Esses


valores vêm influenciando profundamente as igrejas evangélicas. Nesse ambiente
"comercial", os pastores são cobrados como administradores de empresas,
conhecedores das ciências contábeis e das técnicas de comunicação, marketing etc.

Eles se obrigam a abandonar o contato com o rebanho e se tomam especialistas nos


negócios da religião, tornando-se dependentes, não mais da ação de Deus, mas de
recursos e técnicas que produzem efeito rápido e enchem a igreja. Aliás, templos
cheios, independente dos meios utilizados, demonstra, aos olhos de muitos, que existe
um ministério abençoado.

E, por causa disso, são ministrados cursos de capacitação para obreiros, tais como:
Como melhorar a receita de sua igreja? Como fazer a igreja crescer? Como
desenvolver um ministério eficiente? etc.

Nesses casos, a relação da comunidade não é mais de comunhão fraternal entre


irmãos e irmãs, nem de louvor e serviço a Deus, e muito menos com objetivos
evangelísticos, mas sim, de "clientes", "consumidores" e "empresários" ou
"comerciantes" evangélicos.

Essa tendência constitui-se em afronta a Deus, apre-sentando-se como uma nova


forma de idolatria. Hugo Asmann e Franz Hinklammert escreveram um interessante
trabalho cujo título é "A Idolatria do Mercado", analisando a relação entre Eco-nomia e
Teologia. Os textos bíblicos mencionados, principalmente do apóstolo Paulo,
pretendem combater a tendência de pregadores que comercializam as bênçãos de
Deus (II Co 2.17).

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3 - ENFRENTANDO O MERCADO
Infelizmente, tem havido uma profissionalização dos ministérios da Igreja. 0 que era
feito pelo Espírito Santo, nascendo do coração, da experiência profunda com Deus,
torna-se mecânico, vazio, técnico, sem qualquer envolvimento de alma. Alguns
parecem representar papéis, tirando vantagens dessas situações, e explorando a
crença das pessoas mais simples.

A Igreja jamais poderá ser confundida com uma empresa (Mt 21.12,13). Ela possui
uma origem e missão divinas que a distinguem de todos os demais grupos sociais.
Alerta o teólogo Jung Moo Sung, que "a grande diferença entre as empresas e a
Igreja, é que as primeiras não têm princípios ou valores a preservar, existem para
atender os desejos mutantes dos consumidores.

A Igreja, ao contrário, tem, independentemente da vontade dos 'consumidores',


algumas verdades e valores que não pode e nem deve renunciar". Semelhantemente,
o cientista político Robinson Cavalcanti, diz que "as igrejas evangélicas no Brasil
correm o risco de viver o apogeu do seu mundanismo. E, o que é surpreendente, os
que estão na linha de frente desse preocupante fenômeno, são justamente os que
mais combatiam o mundo.

O mundo em que vivemos é o do neoliberalismo, e é ele que dá as cartas às igrejas


(...) O capitalismo vai se tornando 'natural', 'inevitável', 'insubstituível' e, até sagrado
(...) No lugar da obediência, valoriza-se a eficiência. No lugar da santidade, valoriza-se
a qualidade total. O culto, antes que um ato de adoração, é uma apresentação de
produtos religiosos a serem consumidos".

Todo este "esquema" comercial faz parte de um jogo de interesses que comprometem
a genuína espiritualidade descrita nesta revista. 0 nosso compromisso cristão é com o
Senhor, e não com as pessoas; com a Bíblia, e não com o mercado; com a genuína
espiritualidade, e não com a técnica; com a fé, e não com os artifícios.

Os cristãos precisam aprender a viver com simplicidade de coração, pureza de alma,


não ostentando grandes realizações, mas sim, cultivando vida de intimidade com Deus
(I Tm 6.6-19).

Ao se levantar esta análise, crítica sim, mas muito sincera, espera-se que o Senhor
abra os olhos de sua Igreja, ajudando-a a combater as forças do Mal. Que esse alerta
nos ajude a servir melhor ao Senhor.

DISCUSSÃO
1. O que você pensa dos pagamentos e cachês que são cobrados pelos artistas
evangélicos?
2. Será que a comercialização da fé está ligada ao consumismo de nossa sociedade?

AUTOR: REV. WILSON EMERICK DE SOUZA

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