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Resumo: O caminho para a autoestruturação da Teologia enquanto conhecimento acadêmico reconhecido no Brasil
ainda é recente, perspectiva sobre a qual a ambiguidade do título está baseada. Não obstante, ela está se
desenvolvendo de forma promissora, perceptível pelo Parecer CNE/CES 60/2014, aprovado, mas ainda aguardando
homologação, que visa implantar diretrizes transreligiosas que direcionem o desenvolvimento de cursos superiores
de graduação em Teologia com o objetivo essencial de sua contribuição mais ampla à sociedade. A partir da
exposição introdutória de alguns dos principais objetivos do Parecer para tornar a Teologia pública, o intento do
artigo é apresentar o que poderia ser um pressuposto metateórico para construções teológicas multimetodológicas
com tal teleologia. O ponto de partida será apresentar o conceito contemporâneo de Hermenêutica Filosófica, a partir
da reviravolta ontológica e linguística, como ethos, ou seja, um modo de viver que está consciente da dialética
relação entre o ser e o pensar, e, portanto, não apenas do desenvolvimento do ser enquanto um ser histórico, mas
também da historicidade dos próprios métodos e do subsequente conhecimento. Gianni Vattimo, examinado neste
primeiro ponto, desenvolve as consequências essenciais de tal conscientização com a noção de “enfraquecimento do
pensamento”, o que é proposto por este artigo como um ethos hermenêutico, um modo de existência a partir de e
para a sociedade globalizada e plural contemporânea. Busca-se ter essa perspectiva não como tentativa de inserção
de uma teoria ocidentalista e eurocêntrica pós ou hipermoderna, mas como chave de leitura para a complexa
pluralidade intrínseca à própria construção cultural brasileira. Num segundo momento, como princípio de estruturação
de uma sociedade na condição plural, este ethos hermenêutico, a partir do diálogo com Vattimo e Richard Rorty, é
exposto como fundamento para a democracia política e acadêmica. Como terceiro ponto, este mesmo ethos
hermenêutico, que é a descrição da situação histórica do ser (e do conhecer deste ser) e o fundamento da
democracia, é exposto, utilizando de Vattimo, David Tracy e a noção da “fraqueza” do pensamento teológico, como
base para o diálogo inter-religioso, imperativo para a com-vivência numa sociedade plurirreligiosa. Num diálogo
conclusivo com as propostas do Parecer CNE/CES 60/2014, este artigo ressaltará que, apesar da possibilidade de
manutenção da Tradição nos cursos de Teologia, o que constitui sua especificidade, é imprescindível que estes, no
âmbito acadêmico, dialoguem com o ethos hermenêutico, como meio de “autoenfraquecimento” interno, numa
relação dialógica consciente entre ortodoxia e heterodoxia. Assim, a possibilidade da publicidade da Teologia, como
um diálogo interdisciplinar, inter-religioso, democrático e humanitário, pressupõe que este conhecimento seja visto,
como o teólogo Rudolf von Sinner salienta, não como Religião, mas, apesar do relacionamento intrínseco com as
tradições religiosas, como reflexão metódica, crítica, cidadã, e, como contribuição deste artigo ao diálogo, “fraca”.
Palavras-chave: Teologia Acadêmica; Teologia Pública; Hermenêutica; Pensamento Fraco; Teologia Fraca.
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Perceptível já no desenvolvimento por Friedrich Schleiermacher do estudo teológico para a Universidade de
Berlim, que partiu do pressuposto do diálogo interdisciplinar com a filosofia como base para o desenvolvimento do
conhecimento, resultando na percepção da necessária relação entre ortodoxia e heterodoxia que resulta na Teologia
como um fazer teológico. Ver: ZILSE, Raphaelson. A Teologia enquanto estudo acadêmico a partir de Friedrich
Schleiermacher. In: Anais do II Congresso Internacional da Faculdades EST, 2014, São Leopoldo. Disponível em:
<http://anais.est.edu.br/index.php/congresso/article/view/399/268>. Acesso em: 12 mai. 2015.
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No fundamento da cultura brasileira está uma pluralidade religiosa, e, com isto, requer-se também na academia,
como espaço público de reflexão do conhecimento, a representação dessa pluralidade religiosa na abertura da noção
de Teologia, anteriormente dominada pela tradição cristã, para outras tradições religiosas, o que pressupõe, todavia,
uma teoria de Teologia que, enquanto legitime a existência acadêmica, não se feche a um único desenvolvimento.
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O “consenso dialético” como construção dialógica do conhecimento. VATTIMO, 2004, p. 12.
ENFRAQUECIMENTO TEOLÓGICO
A aceitação da teologia na academia pressupõe o reconhecimento da pluralidade
das formas com as quais o ser humano pode expressar as interpretações da existência.
Contudo, a teologia, para fazer parte construtiva da reflexão acadêmica, cujo objetivo
não é apenas acumulação de conhecimento interno, mas a estruturação e
transformação social, necessita uma autocompreensão de sua própria estrutura a partir
dessa pluralidade de expressões (o que requer uma [re]construção fundamental a partir
da consciência plural), caso contrário, ainda recairá numa noção de conhecimento
como apreensão e exposição da estrutura metafísica da realidade, reduzindo todo o
conhecimento a uma única forma de expressão legítima. Levando a descrição da
condição do ser e do conhecimento produzido por este ser para a reflexão teológica,
utilizando da terminologia de Vattimo de “pensamento fraco”, pode-se pensar em uma
noção de “teologia fraca” como expressão das estruturas teológicas a partir dessa base
metateórica (que pode ser denominada de ethos hermenêutico), que permearia o fazer
teológico em suas mais distintas tradições, que, pressupondo as três implicações do
ethos hermenêutico mencionadas no primeiro ponto desse artigo, contribuiriam de
forma interdisciplinar, ecumênica e inter-religiosa em sua abertura interna pública (nos
níveis acadêmico, social e eclesiástico) em meio a pluralidade.
Apesar de não utilizar o conceito vattiminiano de enfraquecimento do
pensamento, portanto, não desenvolvendo explicitamente a partir da fórmula “teologia
fraca”, a noção por detrás dessa fórmula está presente no pensamento do teólogo
David Tracy. Para Tracy, a condição do conhecimento hoje é plural, onde até mesmo as
ciências naturais “começaram a entrar no estágio pós-positivista” (TRACY, 33). Para
ele, o problema da reflexão teológica hoje é que os pensadores religiosos não
CONCLUSÃO
A noção de “teologia fraca” não pretende ser uma estrutura ou um método a
partir do qual trabalhar, mas uma forma de consciência da reflexão teológica baseada
na universalidade da radicalidade histórica da linguagem a partir da qual se constrói as
visões de mundo, possuindo confluências concretas na atitude para com o outro,
portanto, um ethos hermenêutico que implica numa com-vivência em meio à
pluralidade. Este ethos hermenêutico, assim, deve ser visto como um pressuposto
metateórico transdisciplinar (e transreligioso), como ressaltado pela própria
compreensão da Hermenêutica por Vattimo, Rorty e Tracy, que pode servir para
estabelecer os três objetivos que estão essencialmente presentes nas Diretrizes
apresentadas pelo Parecer: a abertura intrínseca para uma pluralidade de visões, neste
caso, das tradições religiosas; em consequência com a anterior, a expansão da noção
de teologia, segundo Rudolf von Sinner, como “reflexão crítica, inclusive autocrítica,
metodologicamente transparente e refletida, sobre uma religião específica” (von
SINNER, apud: BRASIL, p. 27), para além do âmbito cristão, possibilidade a construção
de estruturas teológicas a partir de diversas tradições religiosas; e uma abertura interna
para o diálogo interdisciplinar (imprescindível na com-vivência acadêmica).
Utilizando da definição de Teologia por von Sinner como exemplificação do
intento das Diretrizes, onde “teologia acadêmica propõe-se precisamente a mediar
entre sua tradição específica e outras ciências, outras confissões ou religiões e a
sociedade mais ampla” (von SINNER, apud: BRASIL, p. 27), busca-se ressaltar o ethos
hermenêutico como possível pressuposto metateórico na conscientização da
pluralidade das formas com as quais o conhecimento pode ser desenvolvido, definindo
uma predisposição interna das teologias à democracia não apenas política, mas
Referencail
RORTY, Richard. Uma ética laica: introdução de Gianni Vattimo. São Paulo: WMF
Martins Fontes, 2010.