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Léo Peixoto Rodrigues
Daniel de Mendonça
( o r g a n iz a d o r e s )
Emesto Laclau
e
Niklas Luhmann
PÓS-FUNDACIONISMO,
ABORDAGEM SISTÊMICA
E AS
ORGANIZAÇÕES SOCIAIS
BDIPUCRS
ISBN 85-7430-590-1
CDD 301.04
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SUMÁRIO
I n tr o d u ç ã o
Léo P eixoto Rodrigues e D aniel de M en don ça............................................... 7
------------------------ ♦ -------------------------
Introdução 7
tanto da Cibernética com o da Biologia, além de várias outras disciplinas co
adjuvantes, numa intrincada cooperação interdisciplinar.
O estruturalismo, após sua crise com o movimento que se esforçava para
aglutinar determ inados interesses teóricos, sobretudo nas ciências huma
nas, pulverizou-se em diferentes direções teóricas e epistem ológicas, produ
zindo enfoques analíticos muito distintos uns dos outros. Aqueles que, mesmo
pertencendo a disciplinas de diferentes domínios, mas que adotaram elem en
tos de uma mesma matriz estrutural tais com o Barthes, Foucault, Lacan, De-
leuze, Derrida - inclusive aqueles mais detidos à teoria social, com o Pierre
Bourdieu, Anthony Giddens, Jeffrey Alexander e outros - migraram para di
m ensões teóricas de matizes tão distintas, que acabaram ficando acolhidos
num grande “guarda-chuva” denominado, genericamente, de pós-estrutu-
ralismo, embora muitos não se reconheçam nem com o estruturalistas, nem
com o pós-estruturalistas.
Em contraposição, a noção de sistema, principalmente se considerarmos
o que passou a ser chamado de “N ovo Pensamento Sistêm ico”, tem dem ons
trado ter percorrido, transdisciplinarmente, um caminho inverso àquele per
corrido pelo conceito de estrutura. A história do pensamento sistêm ico, no
decorrer do século X X , principalmente a partir da sua segunda metade - nos
anos 60, com a Teoria Geral dos Sistemas, de Ludwig von Bertalanffy e, nos
anos 70, com a noção de autopoiésis de Maturana e Varela - tem atestado
um deslocam ento epistem ológico e teórico em direção a uma crescente con
vergência. Essa convergência teórico-conceitual se traduz na admissão de que
sistemas são entidades- auto-referidas e que se distinguem do entorno em que
se encontram acopladas, possibilitando teorizar a diferença.
O paradigma sistêm ico, através da incorporação dos “giros epistem ológi-
cos” apresentados pelo desenvolvimento do conceito de sistema, no âmbito
de diferentes disciplinas, possibilitou renovadas abordagens sistêmicas con
temporâneas que passaram a ser paulatinamente adotadas por muitas discipli
nas do conhecimento científico tais com o Ciências Sociais, Psicologia, Peda
gogia, Biologia, Química, Física, Economia, dentre outras.
Como avisa o próprio título deste livro, a maioria dos trabalhos busca di
alogar com as teorias de Niklas Luhmann e de Ernesto Laclau. Estes dois au
tores, de renome internacional, de forma muito criativa, buscam não apenas
apresentar teorias bem estruturadas para responder a inquietações contem po
râneas no campo das ciências sociais, mas também oferecem ricas ferramen
tas epistem ológicas e m etodológicas para o enfrentamento de uma com plexi
dade sempre crescente nas sociedades contemporâneas.
Niklas Luhmann, considerado por alguns com o um dos sociólogos ale
mães mais criativos desde M ax Weber, em suas inúmeras obras, foça_a_noção
de_sislexna_comp_unidade.disctÊla, isto é, circunscrita a seus limites e,_portan-
to, uma unidade auto-referida, com o estratégia epistêm ico-m etodológica para
Introdução 9
de Laclau, infere também a negação de um outro estatuto do marxismo: aque
le que afirma ser um privilégio da classe operária a liderança da sociedade em
direção à sua própria emancipação. Assim, ambas as categorias marxistas são
fortemente abaladas pela noção de contingência, tendo em vista que só as
condições políticas e sociais reais e contingentes podem apontar qual é o gru
po político capaz de ser o ponto nodal mobilizador de outros grupos, forman
do-se, assim, uma situação de hegemonia. Já a noção de precariedade aponta
para a inexorável finitude de toda e qualquer constituição hegem ônica, uma
vez que a hegemonia de determinado grupo político está sempre tendente a
perder à suà força, tendo em vista que uma das essências da política reside
justamente êrri considerar que toda vitória política é sempre uma vitória par
cial e finita.
Se considerarmos as trajetórias intelectuais de Ernesto Laclau e Niklas
Luhmann, num primeiro momento, até porque estes autores nunca dialogaram
entre si, toma-se efetivamente muito difícil estabelecermos possíveis compa
rações entre ambos. O primeiro tem sua origem fundada no marxismo, princi
palmente althusseriano e gramsciniano, e que, num certo momento, mesmo
empregando ainda muitas categorias de origem marxista, abandonou o cem e
desta proposta teórica, filiando-se ao pós-estruturalismo, com o o próprio au
tor em muitos momentos afirma, utilizando-se, a partir daí, um cabedal con
ceituai oriundo das ciências sociais, da lingüística, da psicanálise, etc. Luh
mann, por outro lado, tem sua origem intelectual, pode-se dizer, numa corren
te teórica muito distinta da de Laclau, seja do ponto de vista epistem ológi-
co, seja do ponto de vista político: o autor de Sistem as Sociais construiu seu
arcabouço teórico na lógica própria da Teoria Sistêmica, primeiramente com
Parsons, mas após, com o desenvolvimento do próprio conceito de Sistema,
filiou-se epistem ologicam ente às noções mais contemporâneas deste debate,
mormente a partir das revolucionárias contribuições de Maturana e Varela.
Entretanto, a partir de intensos debates travados entre os organizadores
deste volume, verificou-se que, apesar de trajetórias teóricas tão distintas, a
Teoria do Discurso e a Teoria dos Sistemas Sociais podem dialogar entre si,
uma vez que apresentam pontos de convergência extremamente profícuos. N o
capítulo “Laclau e Luhmann: um diálogo p ossível”, buscamos estabelecer al
guns desses pontos de convergência entre tais projetos teóricos.
Assim , a presente obra tem por objetivo colocar à disposição do público
uma coletânea de contribuições de autores nacionais e estrangeiros, familiari
zados com a trajetória do pensamento sistêm ico e discursivo e com o trabalho
de teóricos que utilizam concepções sistêmicas e discursivas para pensar a re
alidade. N este sentido, este livro busca reunir as seguintes características: (a)
discutir a utilização jlc . uma_matriz sistêm ico-com plexa para a produção de
conhecimento fílosófico-científico; (b) problematizar a questão da fundamen-
i, dim ensões estas, vinculadas a uma matriz
Introdução 11
advindos da realidade atual. Por fim, Rodrigues destaca as potencialidades do
pensamento sistêm ico, principalmente nos seus aspectos epistem ológicos, de
senvolvidos principalmente a partir dos estudos cibem eticistas e, posterior
mente, com a revolucionária noção de autopoiésis, com o responsável pelo de
senvolvimento de uma teoria geral dos sistemas sociais, por Niklas Luhmann,
em que, diferentemente dos esforços pós-estruturalistas, tem por objetivo dar
conta da com plexidade dos fenômenos sociais.
N o instigante artigo de Marcelo Arnold Cathalifaud e Fernando Robles
Salgado, os autores estão preocupados em abordar os principais problemas
vinculados à atividade científica nas sociedades contemporâneas e com o estes
problemas renovaram o interesse pelas reflexões epistem ológicas. Para isto,
Arnold e Robles destacam as contribuições e conquistas do construtivismo,
argumentando que o construtivismo, ao contrário de suas principais críticas,
não abandona suas pretensões científicas no âmbito do que é relativo, frágil,
apontando que sua tarefa consiste em registrar distinções, identificando os ní
veis emergentes, e sempre dinâmicos, da com plexidade que se reduz através
dos conhecimentos. Em “O Construtivismo Sistêm ico nas Ciências Humanas
e Sociais” seus autores vão além dos debates meramente construtivistas; eles
se valem do paradigma sistêm ico-autopoiético, mais particularmente, de sis
temas sociais autopoiéticos, para descreverem com o o construtivismo propor
ciona respostas consistentes para indicar de onde emergem os conhecimentos
da realidade social. Em verdade, Arnold e Robles, buscam colocar em desta
que as principais características de um programa sistêmico-construtivista.
O artigo “Laclau e Luhmann: um diálogo p ossível”, dos autores Daniel
de Mendonça e Léo Peixoto Rodrigues, organizadores desta obra, foi apre
sentado, primeiramente, no Seminário Internacional de Ciência Política - Po
lítica desde el Sur, em 2001, em Porto Alegre. O artigo, bem com o muito des
ta obra, foi fruto de uma intensa interlocução entre os dois autores que à épo
ca, com o ainda o fazem, dedicavam suas pesquisas (respectivamente) sobre
Ernesto Laclau e Niklas Luhmann. N os debates que se travaram entre os dois
autores, eram flagrantes as congruências teóricas percebidas a partir da pers
pectiva do então chamado “novo pensamento sistêm ico”, sobretudo discutido
na Teoria dos Sistemas Sociais de Niklas Luhmann e muitos elem entos da es
trutura conceituai da Teoria do Discurso de Ernesto Laclau. A partir de uma
sistematização mais pormenorizada de tais congruências, os autores procura
ram, através da demarcação do campo da discussão acerca do pensamento sis
têm ico contemporâneo, colocar os "giros" epistem ológicos de uma tradição
fundacionalista para o chamado pós-fundacionalismo. Assim , M endonça e
Rodrigues apontaram possíveis relações, e mesmo comensurabilidades con
ceituais, de alguns conceitos-chave no âmbito da Teoria do Discurso de Er
nesto Laclau e da Teoria dos Sistemas Sociais de Niklas Luhmann.
Introdução 13
nhecimento científico. As diferentes teorias concorrentes no campo científico
para a representação abstrata de uma determinada “realidade”, portanto, po
deriam ser comparadas a imagens, a desenhos que retratam, expressam essa
realidade; imagens, essas, que se fossem m odelos teóricos tridimensionais,
poderiam ser estudadas pela Estética, com o a ciência da arte e do belo. No
seu sentido mais refinado, a Epistemologia confunde-se, metaforicamente,
com a Estética.
A Epistemologia, compreendida numa perspectiva filosófica coerentista,
pode ser vista com o uma disciplina que se preocupa, com o a harmonia do
conjunto de pressupostos, com a coerência interna da articulação lógico-
instrumental de termos e conceitos, em detrimento de um sólido e irrefutável
fundamento. Sendo assim, a teoria toma-se o “desenho”, a expressão modelar
qualitativa de uma realidade coletiva, com o objetivo de compreendê-la e ex
plicá-la (por vezes somente contemplá-la). A Epistemologia tem por finalida
de falar sobre a “estética” desse desenho, dessa representação.
Esta obra, pois, está voltada para uma reflexão teórico-epistem ológica
sistêmica, cuja preocupação, neste particular, está mais voltada para a coerên
cia dos argumentos que propriamente para o fundamento de uma verdade to-
talizante-, no que se refere aos diferentes enfoques da sociedade e de suas or
ganizações sociais. A lente (ou a arquitetura) que, de certo modo, é proposta
pelo conjunto dos autores para o conhecimento das múltiplas formas de com o
se organiza a sociedade é aquela que não permite o reducionismo a um fun
damento. Essa não-redução a uma fundamentação última, o pós-fundacio
nismo - título propositalm ente provocativo - em verdade, busca chamar a
atenção para a necessidade de que as organizações sociais sejam conhecidas a
partir de uma perspectiva de maior complexidade. Acreditamos que a Sistê
mica - em seus aspectos epistem ológicos, teóricos, e m etodológicos - possa
contribuir efetivamente para isto.
Outono de 2006.
Eduardo Luft
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In tro d u ção
O autor investiga posições filosóficas de destaque em epistem ologia que
poderiam ser agrupadas sob o título de criticism o, em oposição ao dogm a-
tism o e ao ceticism o . E xpõe os m éritos e os lim ites do racionalism o cri
tico inaugurado por K. Popper: apesar de revolucionar o m odo com o conce
bemos o conhecimento, Popper não levou às últimas conseqüências pressu
postos centrais de sua própria epistemologia; o privilégio dado às sentenças
de base no contexto da justificação crítica do conhecimento mantém sua pers
pectiva refém de postulados positivistas. A constatação, aceita pelo próprio
Popper, de que as sentenças de base (ou protocolares) estão sempre condicio
nadas por pressupostos teóricos conduz ao natural a uma compreensão da es
trutura circular do sistema de nossas convicções teóricas. O que poderíamos
denominar o caráter autárquico da linguagem teórica toma inevitável o diálo
go com o idealismo (intersubjetivo). H egel sabia disso, e propõe uma episte
mologia circular assentada na tese da possibilidade de uma autofundamenta-
ção absoluta do conhecimento. Todavia, os impasses na proposta hegeliana
exigirão um diálogo ainda mais franco com posições idealistas, particular
mente com o idealismo intersubjetivo que caracteriza a hermenêutica filosófi
ca. O presente trabalho termina com um breve esboço de uma possível supe
ração do idealismo intersubjetivo no contexto de uma nova metafísica.
16 Eduardo Luft
simples que podem ser consideradas como o passo definitivo para a comparação
entre sentença e fato disse M. Schlick (1986, p. 228).
Os empiristas dogmáticos procurarão encontrar nas sentenças protocola-
res fundamentos seguros do conhecimento, tomando-se reféns de pelo menos
duas dificuldades. Primeiramente, deve-se salientar que o passo definitivo pa
ra o encontro da verdade é, segundo Schlick, a “comparação entre sentença e
fato”. O autor entende “verdade” com o a propriedade de uma sentença en
quanto corresponde a um fato.1 Ao defender o realismo direto, a relação dire
ta e não problematizável entre sujeito cognoscente e objeto conhecido, S c
hlick precisará indicar quais as condições epistêmicas para a aferição da rela
ção entre sentença e fato. Tal aferição só pode ser realizada do exterior da lin
guagem, pois os eventos constatados do interior da linguagem são fenôm enos,
ocorrências lingüisticamente mediadas. Todavia, podem os transcender a lin
guagem? Como enfatiza O. Neurath, “sentenças somente podem ser compara
das com sentenças, e não com a ‘realidade’, com ‘coisas’” (1981, p. 618). O
sistema da linguagem é epistemicamente autárquico: não há um dentro ou fo
ra da linguagem, um dentro ou fora da razão enquanto discurso, do ponto de
vista teórico. Em segundo lugar, mesmo se supuséssem os possível a realiza
ção do píojeto de Schlick, determinando a verdade das sentenças protocolares
mediante o apelo direto aos fatos, como poderíamos transferir a sua verdade pa
ra as sentenças universais pressupostas por todo e qualquer saber que se preten
da ciência, ou seja, com o é possível a indução (Popper, 1994, p. 3 segs.)?
Diante do impasse, poderíamos propor o caminho inverso: se as senten
ças protocolares não garantem um conhecimento seguro, procuramos o fun
damento nas sentenças não-protocolares ou universais. Podem os encontrar
um exem plo dessa abordagem racionalista na filosofia de Platão: o fundamen
to último não reside na identidade entre uma sentença protocolar e um fato
empírico, mas é instaurado por um conhecimento direto de princípios eviden
tes por si m esm os.2 M esm o postulando a evidência com o critério de justifica
ção, a epistem ologia platônica não deixa de incorporar a noção de correspon
dência no contexto da definição de “verdade”. O discurso falso “[...] diz de ti
como se fosse distinto o que é idêntico, e com o não sendo o que de fato é
[...]” (Soph., 263d). O discurso falso está ancorado em uma confusão entre as
formas supremas m esmo e outro, se r e não-ser. falamos do se r com o se fosse
1 Temos aqui pressuposta a clássica noção de verdade como adaequniio rei et intellectus, se
gundo a expressão de Tomás de Aquino (J. Mittelstrass, Enz., v . 4, p. 584).
2 Para D. Ross, Platão recorre a uma forma de “[...] apreensão direta: a apreensão do primeiro
princípio não hipotético, que não se pode deduzir de nenhum outro, pois é superior a todos
os demais” (1993, p. 87). Do mesmo modo, Manfredo A. de Oliveira afirma que, “para os
gregos, o pensamento é concebido como uma espécie de visão, ou seja, a visão intelectual, a
contemplação do ser verdadeiro. O olho do espírito era capaz de captar a ordem objetiva, a
verdadeira ordem das coisas, e essa ordem percebida era, por sua vez, a medida, a norma de
retidão da linguagem" (1996, p. 19).
3 Como dizem W. Kneale e M. Kneale: “Platão parece manter que uma frase é verdadeira se o
arranjo das suas partes reflete ou corresponde à relação entre as formas” (1991, p. 22).
18 Eduardo Luft
D ificu ld ad es do criticism o no con texto
d e um a e p istem o lo g ia linear
Por outro lado, Platão era também o filósofo do diálogo, o herdeiro de
uma tradição capaz de abordar o problema do conhecimento não por m eio de
uma teoria da fundamentação última, cujas dificuldades acabaram de ser
mencionadas, mas através de uma abordagem crítica. O conhecimento não
deve estar ancorado em certezas inabaláveis, mas na atividade dubitativa ca
paz de evitar o erro: filósofo não é o sábio mas quem está em busca da sabe
doria. A criticidade é o elemento norteador não apenas do método dialógico
de Platão mas de uma antiga tradição dialética, cujas origens remontam a Ze-
não de Eléia e suas tentativas de provar indiretamente, mediante redução ao
absurdo, a tese parmenídea da existência exclusiva do Uno (cf. Enz., v .3,
p .5 16) e cujo ápice podem os encontrar no élenchos socrático, a refutação de
pontos de vista falsos mediante diagnóstico de incompatibilidade entre afir
mações opostas (Soph., 230 c-d). A postura de quem duvida é contrária ao
comportamento dogmático, seja de origem empirista ou racionalista: justa
mente porque desconfiam os da capacidade humana de atingir verdades inaba
láveis, não podem os permitir o estancamento do diálogo, permanecendo sem
pre dispostos a novos riscos. A s afirmações mais sólidas podem perder a fir
meza. Começam os a mirar além do fundamento.
Essa vigorosa tradição encontrou guarida na Filosofia da Ciência de Karl
Popper. A perspectiva popperiana visa abalar as tentativas tradicionais de
fundar o conhecimento em pressupostos certos e indubitáveis. A ciência dife
rencia-se da pseudociência não por fornecer certeza mas por sua abertura a
possíveis refutações. Quanto maior o conteúdo empírico de uma teoria, quan
to mais ela tem a dizer acerca da realidade empírica, tanto maior a sua vulne
rabilidade à refutação, e tanto mais determinado o seu caráter científico: as
“leis da natureza”, as sentenças científicas universalíssimas, dizem “[...] tanto
mais quanto mais elas proíbem” (Popper, 1994, p. 15). O falsificacionism o
popperiano permite ainda explicar a relação entre as sentenças protocolares e
as sentenças universalíssimas que sustentam a ciência. A indução não pode
realizar a esperada ponte, pois não som os capazes de estabelecer com rigor
lógico a transferência da verdade das sentenças singulares às sentenças uni
versais. Mas podem os estabelecer a falsidade de sentenças universais a partir
da detecção da falsidade de alguma sentença singular que, embora deduzida
daquelas, não foi corroborada empiricamente. A ciência está ligada à experi
ência negativamente, e não positivamente, com o pensava a tradição empirista.
Todavia, a universalização do criticismo não é isenta de dificuldades.
Crítica é atividade de julgar, de diferenciar o verdadeiro do falso. Quem criti
ca deve partir de algum lugar, tem de carregar consigo alguns pressupostos,
pois a crítica pela crítica, ancorada em um suposto vazio, é antes um tipo de
ceticism o arbitrário, uma forma velada de dogmatismo (Luft, 2001, p. 23). A o
20 Eduardo Luft
ram-se nas sentenças de base, ou seja, o sistema de nossas convicções suporta
a si mesmo. Veremos que o maior dos problemas a ser enfrentado por uma
perspectiva desse tipo é a má circularidade. E, mais decisivo para Popper,
uma epistem ologia circular aproximaria o falibilismo da posição idealista.
Um dos intuitos fundamentais do falibilism o popperiano é justam ente
evitar tal conseqüência. Não devem os subestimar a importância do confronto
com o convencionalism o para a construção da filosofia popperiana. Os con-
vencionalistas consideram a ciência, dirá Popper, não “[...] uma imagem da
natureza, mas uma pura construção conceituai; não são as propriedades do
mundo que determinam a construção, mas esta determina as propriedades de
um mundo conceituai produzido, artificial [...]” (1994, p. 48). D evem os des
tacar este ponto: o que diferencia o falibismo do convencionalism o é, segun
do Popper, o interesse pelo encontro da verdade: “Podemos, seguindo o con
vencionalismo, dizer: o destaque dado à teoria desse m odo privilegiada de
pende da ação prática. Mas tal ação prática é para nós aplicação da teoria e
determinação [F estsctzu n g] das sentenças de base em conjunto com essa
aplicação (com o motivo do encontro da verdade), enquanto para o conven
cionalismo estão em jogo m otivos estéticos [por exemplo: uma teoria é deci
dida com o mais adequada do que outra por sua sim plicidade]” (1994, p. 74).
Popper mantém a teoria da verdade com o correspondência, com o suporte da
tese de que uma teoria melhor corroborada estaria mais “próxima da verdade”
do que sua rival. Se uma nova teoria t l é capaz de resolver os m esm os pro
blemas já passíveis de resolução por uma teoria tO anteriormente aceita e,
além disso, permite a realização de novas previsões e, portanto, fornece res
posta a novos problemas cognitivos desconhecidos do ponto de vista de tO,
resistindo a novas provas empíricas, então t l está mais próxima à verdade do
que tO (cf. 1994, p. 428 segs.).
Ora, a tese da aproximação da verdade, aliada ao privilégio das sentenças
de base, só faz sentido sob a pressuposição de alguma forma de realismo in
gênuo (embora Popper pretenda o contrário), ou seja, a tese de que as senten
ças de base - e não as sentenças universais - fornecem o acesso à realidade
externa, correspondendo com fatos: “[...] uma teoria é verdadeira se ela con
corda com os fatos; ela está mais próxima da verdade do que uma teoria con
corrente quando concorda melhor com os fatos (ou concorda com mais fa
tos)” (1994, p. 433). Mas com o se dá a relação entre sentenças e fatos, ou
mesmo se ela é possível, permanece uma incógnita.4 O criticismo popperiano,
servação’. Como elas são sentenças singulares, esta exigência naturalmente só pode referir-se
àqueles ‘sujeitos que averíguam’, [sujeitos] que se encontram em uma correspondente pro
ximidade espaço-temporal [...]” (Popper, 1994, p. 68). O caminho para a metafísica dos três
mundos está aberto. Para o Popper de Objective Knowlecige, o mundo dos estados mentais é
o elemento mediador entre o mundo das teorias e o mundo dos estados físicos. Dito de outro
modo: a esfera dos atos observacionais realiza a mediação entre a esfera das sentenças e a
realidade física extramental (1989, p. 154). Mas nessas alturas a filosofia popperiana já está
distante demais da abordagem falibilista inicial para ainda poder sequer ser considerada uma
forma de criticismo.
22 Eduardo Luft
ção é uma propriedade relacionalmente instaurada. Se e enquanto considera
mos “ser” de modo isolado, o seu sentido se desfaz: queremos dizer algo mas
não dizem os nada.
O com eço revelou-se problema e não solução. Realizamos a crítica da
categoria “ser” enquanto concebida com o com eço absoluto. Para Hegel, a
transição pela atividade crítica é a primeira condição para legitimar qualquer
pressuposto. E certo que todo conhecimento parte de pressupostos. O próprio
Hegel, por exem plo, pressupõe certas categorias descobertas pela tradição de
pesquisa à qual ele pertence, com o “ser”, “devir”, “substância”, “sujeito”.
Mas, ao testá-las criticamente no decorrer da investigação, o filósofo não as
deixa com o estavam. Trata-se, na L ógica, não da construção de categorias a
partir de um postulado tomado com o certo e evidente nele mesmo, mas da re
construção crítica de seu sentido com o intuito de instaurar um sistema cate-
gorial coerente, livre de contradições. Hegel pretende realizar “[...] a trans
formação daquilo que é encontrado ou tomado por certo com o um fato ou
como uma afirmação da ciência ou com o filosofia ingênua, em uma recons
trução na forma de necessidade racional ou na forma a priori" (Hartmann,
1976, p. 103). A criticidade é a primeira característica da ciência. Evitá-la
significa tomar a ciência refém de uma pressuposição cega, com o bem viu
Kierkegaard.
Sendo assim, a ciência não pode estar orientada pela idéia de um com eço
evidente nele mesmo. Mas a ciência estaria orientada para onde? Para lugar
algum? Se a evidência do com eço não pode ser o fundamento que buscamos,
como podem os legitimar as nossas convicções? A resposta de Hegel: o siste
ma de nossas convicções deve ser legitimado por ele m esm o, deve ser auto-
justificado criticamente. Tudo o que podemos realizar é constituir um sistema
das categorias e investigar a sua coerência intema. A s diversas m ediações que
realizamos no decorrer do processo de elaboração do sistema são mutuamente
consistentes? A resposta positiva à questão deve ser suficiente para apaziguar
as nossas dúvidas, ao menos de modo provisório. Retomando ao problema de
Popper: se a determinação de certas sentenças com o verdadeiras (por exem
plo, as sentenças de base) depende do apelo a outras sentenças (por exem plo,
as sentenças universais que com põem uma dada teoria), então não tem os ou
tro recurso senão admitir o caráter autofundante e circular do sistema de nos
sas convicções - convicções são suportadas por convicções.
M as a estrutura circular da epistem ologia hegeliana não foi elaborada
apenas para enfrentar o problema do com eço. Ela deve responder a uma outra
indagação crucial. Podem os supor que a resistência do sistema das categorias
aos testes críticos sirva para apaziguar provisoriamente as nossas dúvidas.
Mas justamente a constante reatualização crítica do sistema não possibilita a
sua reconfiguração? A descoberta de novas categorias, de novas relações ca-
tegoriais, não exigiria a reproblematização das nossas convicções, talvez for
24 Eduardo Luft
fundamento, é pois aquele a partir do qual o primeiro surge [...]” (WL, 5, p.
70). O com eço problemático, meramente pressuposto, é agora posto e prova
do integralmente no interior da L ógica, absolutizando-se mediante a plenifí-
cação do fim: “O essencial para a ciência não é tanto que o início seja imedia
to, mas que a sua totalidade seja um círculo voltado sobre si mesmo, no qual
o primeiro é também o último e o último o primeiro” (WL, 5, p.70). D esse
modo, Hegel pretende ter resolvido ao mesmo tempo o problema da suposta
arbitrariedade do início - pois agora o início absoluto não surge com o mera
mente imediato, mas com o o resultado do próprio movimento lógico de cons
tituição do sistema de categorias com o totalidade acabada e as dificuldades
em tom o da fundamentação última da ciência. N esse sentido, H egel toma o
caminho exatamente inverso de Popper, terminando por privilegiar não as
“sentenças de base” (ou protocolares, segundo os positivistas), mas as senten
ças (ou categorias) universalíssimas que constituiriam a p rio ri o saber verda
deiro acerca das estruturas ontológicas últimas constituidoras de toda a reali
dade.6
Argumentamos em outra ocasião que a perspectiva hegeliana é autocon-
traditória, pois supõe a eliminação de uma das dimensões da própria dialética,
a sua face crítica (Luft, 2001). A crítica de um sistema de convicções somente
é viável se é possível - embora não necessária - a sua m odificação futura: o
que se supõe com o verdade e, portanto, se considera com o instância do siste
ma atual pode ser compreendido com o falso em nova circunstância, seja por
que novas construções teóricas tenham sido propostas, seja porque novas sen
tenças protocolares estejam agora à nossa disposição. Em um sistema plenifi-
cado todas as sentenças aparecem com o (supostamente) verdadeiras, e a con
traposição a ele não é mais possível. A Idéia Absoluta, o princípio último do
sistema hegeliano, precisaria realizar ambos os momentos, contendo em si
tanto o processo crítico quanto a exigência de uma plenificação do sistema
das categorias, o que é im possível. A realização da Idéia é sua autodissolu-
ção. Isso não significa que H egel tenha realizado efetivamente o que preten
dia - pois um saber absoluto é, diante de tudo o que conhecem os sobre o pró
prio conhecimento humano, inviável - , mas significa que, se o empreendi
mento pudesse ser realizado, ele teria de ser inconsistente.
Hegel, portanto, não realiza propriamente um m odelo alternativo ao fún-
dacionalismo. N o sistema hegeliano o fundamento absoluto é o fim desde
sempre predeterminado pelo processo, o que levará, na Ciência da Lógica, ao
impasse mencionado e, na Filosofia da História, a uma concepção de progres
6 Só podemos concordar com V. Hõste, quando afirma enfaticamente: “[...] que Hegel (com
Fichte c Schelling) é o mais radical apriorista da História da Filosofia, isto é, do ponto de
vista filológico, evidente [...]” (1988, p. 80, n. 50).
26 Eduardo Luft
zontes restritos em uma totalidade mais abrangente). Temos uma situação
singular: a totalidade de sentido funda-se na fala dos indivíduos, pois resulta
do diálogo concreto a própria constituição do sentido partilhado; mas também
ao inverso, pois cada indivíduo entra em diálogo pressupondo uma totalidade
de sentido previamente dada. Dirá Gadamer: “A antecipação de sentido, na
qual o todo é afirmado, vem a ser explicitamente compreendida na medida em
que as partes, que se determinam a partir do todo, determinam, por sua vez, o
próprio todo” (W M , p. 296). A autarquia da linguagem conduz à circularida
de da compreensão.
A dialética fundante/fundado solapa as premissas do fundacionalismo
clássico, com o aliás já havia ocorrido com Hegel. Todavia, Gadamer radica
liza o processo de superação do pensamento tradicional, recusando a noção
hegeliana do saber absoluto e inaugurando uma perspectiva só agora franca
mente antifundacionalista. Papel decisivo nesse contexto desempenha a tese
da finitude imanente da compreensão. A compreensão resulta de um processo
- a dialética entre o todo e as partes - banhado no tempo histórico. N isso re
side a novidade introduzida por Gadamer, seguindo as pegadas de M. Hei-
degger em Sein im d Zeit, no movimento circular já aventado por H egel.8
D evem os destacar sobretudo a concepção não-linear do tempo histórico
introduzida por Gadamer. A compreensão não se dá orientada pela noção de
um fim último do diálogo, nem no sentido de um esgotamento (a im possibili
dade de continuidade de qualquer diálogo) nem no sentido de um acabamento
(o encontro de um acordo definitivo entre os que dialogam). Pressupor uma
tal noção de fim seria introduzir, na outra ponta da cadeia do discurso, a idéia
de um início absoluto da compreensão. D esse modo, teríamos de pressupor,
ao início e ao fim, um momento onde não haveria mais nada a compreender.
Introduziríamos a noção insustentável de um com eço e um fim absolutos da
atividade de compreensão, o que é, do ponto de vista de quem já desde sem
pre está inserido na atividade de compreensão, uma impossibilidade. Gada
mer quer justamente superar o saber incondicionado proposto por H egel, ou
seja, o m odelo segundo o qual a problematicidade do com eço pode ser “re
solvida” na plenificação do fim: “[...] a hermenêutica não pode conhecer
qualquer p roblem a do com eço, com o a lógica hegeliana conhece o problema
do com eço da ciência. O problema do com eço, seja posto onde for, é na ver
dade um problema do fim. [...] Sob a pressuposição do saber infinito, a pres
suposição da dialética especulativa, isso pode conduzir ao seguinte problema,
por princípio insolúvel: com o que devem os começar” (Gadamer, 1990, p.
476).
A finitude gadameriana está sustentada na própria estrutura do m ovimen
to circular da compreensão: nenhum acordo, estabelecido por esta ou aquela
Para a explicitação dos vinculos do pensamento gadamcriano com a tradição dialética platô-
nico-hegeliana, cf. C.L.S. de Almeida (2000).
28 Eduardo Luft
de objetos, ou, dito de outra forma, por que nos movemos no mundo fazendo
uso da linguagem teórica?
Traduzindo-a à linguagem do idealismo fichteano, poderíamos expressar
a questão da seguinte forma: por que há em geral natureza? A natureza é
compreendida por Fichte com o um subsistema no todo da subjetividade, um
dos modos de configuração do próprio eu universal. Mas por que a subjetivi
dade se autodiferencia em um eu conhecido - o eu-objeto - e um eu conhece
dor - o eu-sujeito? Qual a gênese em mim mesmo dessa sensação de estar di
ante de uma esfera de objetos que não fazem parte da minha própria subjeti
vidade, m esm o se sustentarmos a idéia de que tal sensação seja, ao fim, ilusó
ria? Ainda assim reside a sensação: qual a sua proveniência? Fichte poderia
argüir que a gênese de todas as nossas representações é o princípio da auto-
consciência. Todo o ato de conhecer é um movimento em direção ao autoco-
nhecimento, e para que a autoconsciência possa se realizar é imprescindível a
mediação de uma consciência de objetos. Logo, a consciência de objetos tem
de ser produzida - sendo com ela produzida toda sensação de uma esfera de
objetos posta diante de nós - para a realização plena da autoconsciência (e,
ao final, para Fichte, um movimento na direção da auto-realização do eu co
mo sujeito livre). Como ela não pode ser pressuposta anteriormente à ativida
de do próprio eu, a consciência de objetos deve ser produzida pelo eu com o
condição para a realização da autoconsciência. Ocorre que a situação é exa
tamente inversa: por ser a autoconsciência im possível sem o acompanhamen
to da consciência de objetos, um idealismo centrado na noção de autocons
ciência não pode responder à pergunta pela gênese da consciência de objetos,
antes a pressupõe com o dada.
N ão é hora para analisarmos a fundo o idealismo fichteano, mas um pro
blema equivalente podem os encontrar na hermenêutica filosófica. D ois con
ceitos são decisivos para o estabelecimento da noção de “objetividade” em
Gadamer, Welt e Sache. O mundo gadameriano é mundo de sentido. M esm o o
que consideramos o mundo de objetos é apenas uma das dim ensões de uma
realidade constituída lingüisticamente. Podemos dizer que a linguagem assu
me em Gadamer o papel que o eu desempenhava no idealismo fichteano. O
importante é que, por ser constituído lingüisticamente, o mundo não aparece
ao homem com o uma totalidade fixa e imutável, mas com o o processo cir
cular da dialética do todo e da parte, com o vim os anteriormente, uma realida
de passível de assumir novas configurações, embora as mudanças não sejam
jamais arbitrárias. N isso o mundo humano (Welt) se distingue do m eio am
biente (Um welt) dos animais: “Animais podem abandonar o seu m eio ambien
te e vagar por toda a terra sem, desse modo, destacar-se de sua relação com o
meio am biente. A o contrário, para os homens a elevação sobre o mundo é
elevação p a ra o mundo e não significa um abandono do m eio ambiente mas o
30 Eduardo Luft
gem teórica a partir de linguagens diversas, com o a linguagem poética, e não
podemos explicar a sua gênese a partir dela mesma, pois todo discurso teórico
se realiza desde sempre sob a égide do interesse pela coisa mesma e, especifi
camente no contexto da filosofia gadameriana, sob a égide da pressuposição
do mundo com o totalidade de sentido. Como bem viu Gadamer, “não apenas
o mundo é mundo enquanto vem à linguagem - a linguagem tem sua existên
cia própria apenas enquanto apresenta nela mesma o mundo” (1990, p. 447).
Há um déficit de refiexividade na hermenêutica filosófica porque, a partir do
recurso único e exclusivo à própria linguagem com o fundo ontológico de toda
concepção de mundo, é im possível explicar os pressupostos mais básicos da
própria linguagem enquanto discurso teórico.
P en sam en to e ser
O déficit de refiexividade detectado na hermenêutica filosófica chama a
atenção a um outro problema crucial: as teorias da verdade centradas inte
gralmente na idéia da coerência na imanência do sistema da linguagem (teóri
ca) não são capazes de dar conta de elementos importantes da noção clássica
de verdade com o correspondência. Se não podemos falar de uma relação en
tre sentença e qualquer evento extralingüístico, não podem os tampouco aban
donar a função de apresentação própria ao discurso teórico, e o m odelo coe-
rencial intralingüístico é incapaz de dar conta do problema. Tudo o que se
exige no m odelo coerencialista mencionado é avaliar a coerência entre as sen
tenças que com põem um sistema de convicções, mas nada se diz sobre a fun
ção do sistema de convicções com o um todo enquanto discurso teórico. Po
demos pensar em um sistema de afirmações baseado no m esm o m odelo coe
rencialista, supondo-se cada uma das suas sentenças coerentes entre si, e, con
tudo, com função eminentemente estética: o seu intuito é somente expor-se a
si mesmo.
D evem os, portanto, recuperar o diálogo com Popper no sentido de res
guardar o elemento produtivo do m odelo correspondencialista sem cair em
seus mencionados erros. Isso é possível se considerarmos o sistema da lin
guagem teórica não com o sistema em última instância autárquico, mas com o
subsistema de sistemas mais abrangentes que, ao fim, devem ser tratados no
contexto de uma teoria geral da inteligibilidade, uma teoria da razão objetiva
que pervade e dota de sentido a totalidade do que é, e faz do universo um
cosmos, um mundo ordenado. É preciso superar o idealismo hermenêutico em
uma nova m etafísica concebida com o cosm ologia crítica,9 uma abordagem
apenas implícita no esboço a ser realizado nas notas que seguem.
9 Quer dizer, uma verdadeira cosmologia, uma teoria do universo como um todo e, portanto,
uma teoria que envolva também a tcmatizaçüo do próprio sujeito cognoscente.
32 Eduardo Luft
linguagem, mas a todos os eventos no universo que se apresentam com o sis
temas ou instâncias de sistem as.10 “Coerência” vem do latim "cohaerentia ”,
significando “união”, “ligação”, “proporção das partes com o todo”. Por sua
vez, o conceito “sistema” tem a sua origem no grego: system a consta da jun
ção do advérbio syn - “todos juntos”, “juntamente” - com o verbo hístem í -
“colocar”. “Sistem a” significa, portanto, “colocar junto”, “dar unidade”. Co
mo vemos, os termos “coerência” e “sistema” têm, em sua origem etim ológi-
ca, significados muito próximos. Um sistema cognitivo ou sistema teórico
(sistema de linguagem teórica) é o conjunto de relações que unifica sentenças
em um todo. Um sistema prático (sistema ético) é o conjunto de relações que
unifica as condutas de vários indivíduos em suas relações mútuas e com o
ambiente, as normas por todos pressupostas e suas convicções teóricas.
4. Estas relações unificadoras e estáveis são justamente a manifestação
da coerência inerente ao sistema. Se e quando estas relações forem perturba
das, a unidade do sistema estará em risco. Tudo o que permanece, permanece
em um sistema, e a perturbação das relações que constituem um dado sistema
implica a sua instabilidade e tendência à dissolução. Poderíamos dizer que
não há propriamente coerência mas a coerência está sendo constantemente
reatualizada no interior de cada sistema estável.
5. D e tudo o que foi dito se segue que não podem os saber de fato se o
presente esboço, e m esm o a possível teoria abrangente que se possa dele de
rivar, é verdadeiro. D o ponto de vista epistêm ico, nos m ovem os praticamente
às cegas. E, ainda assim, nos movemos.
R eferên cias
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34 Eduardo Luft
2
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Intro d u ção
M esm o a noção de sistema tendo despontado - e de certa forma se de
senvolvido - dentro das ciências em geral antes da noção de estrutura, foi o
termo estrutura (e seus derivativos) que ganhou uma “coesa” adesão, nas Ci
ências Sociais, além da lingüística, com o movimento, no final da primeira
metade e início da segunda do século passado. A s noções de estrutura e de
sistema têm sido utilizadas, muitas vezes, principalmente até o início dos anos
70 recém-passados, de forma sinônima. N ão raramente, a noção de sistema é
utilizada nos textos estruturalistas para reforçar, complementar e até m esm o
explicar o próprio conceito de estrutura. Piaget, por exem plo, em O estrutura-
lismo (1979), no item das definições, argumenta: “Em uma primeira aproxi
mação, uma estrutura é um sistem a de transformações que comporta leis en
quanto sistem as..." (grifos nossos) (p. 8). Bastide (1971), em sua Introdução,
que visa mostrar as diferentes acepções do termo estrutura diz: “A noção de
estrutura poderia, então, ser assim definida: Sistema integrado, de m odo que
a mudança produzida num elemento provoca uma mudança nos outros ele
mentos [...] Mas esse sistema (o que distingue da organização) está ‘latente’
nos objetos” (grifos nossos) (p. 9). D o mesmo m odo, o termo estrutura tam
bém tem sido, muitas vezes, utilizado para o entendimento da noção ou do
conceito de sistema; isso vai depender da época, da disciplina e do tipo enfo
que - estrutural ou sistêm ico - adotado no texto. Capra (1990), ao se referir
sobre as características de um sistema, assevera: “U m outro aspecto importan
te dos sistemas é a sua natureza intrinsecamente dinâmica. Suas formas não
são estruturas rígidas, mas manifestações flexíveis, embora estáveis de pro
cessos subjacentes” (grifos nossos) (p. 261).
2 Trata-se do número 246, publicado em novembro de 1966 (Paris), e foi integralmente tradu
zido para o português, pela Zahar (Rio de Janeiro) em 1968. Nossa citação, entretanto, refe-
re-se ao mesmo artigo publicado em uma antologia de textos teóricos sobre o estruturalismo,
ver Coelho, E. P. 1967.
Conforme Fages (1969, p. 189-190) Símbolo é “o signo no qual as relações entre significan-
tes e significados encerram uma certa analogia. Signo no qual o significado ultrapassa o sig
nificante, donde o uso freqüente do termo para caracterizar a atividade literária” .
9 Para Lacan - estruturalista porque concebia o inconsciente como uma linguagem estruturada
- , o significado constituía-se em algo hermeticamente fechado, impossível de ser acessado
de forma denotativa, ou seja, pela linguagem objetiva.
[...] em Lacan, e tam bém em outros estruturalistas, o sim bólico com o elem ento da
estrutura está no princípio de um a gênese: a estrutura se encarna nas realidades e
nas im agens segundo séries determ ináveis; m ais ainda, ela se constitui encarnando-
se, m as não deriva delas, sendo m ais profundas que elas, subsolo para todos os so
los do real com o para todos os céus da im aginação (D eleuze, 1982, p. 274).
Acrescenta:
Para esse autor é mais fácil apontar aquilo que o sim bólico não é do que
propriamente no que vem a se constituir. O sim bólico não é redutível à ordem
C lausius definiu a en tropia gerada num processo térm ico com o a energia d issip a
da div id id a p ela tem peratura na qual o processo ocorre. D e acordo com a seg u n
da lei, essa en tro p ia se m antém aum entando à m edida que o processo térm ico
continua; a energia d issip ad a nunca pode ser recuperada; e esse sentido em d ire
ção a um a e n tro p ia sem pre crescente define a flecha do tem po.
Isso significa dizer que todo sistem a físic o isolado ou “fech a d o ” (má
quinas térmicas, com o denominou Carnot) tenderá espontaneamente a dissi
par calor de forma sempre crescente. Esta dissipação de energia (calor) do
sistema passou a se r associada com desordem do sistem a. A quantidade de
10 No sentido empregado por Bertalanffy (1975), constitui-se num neologismo, inclusive man
tido no português. O termo constante em dicionários de Biologia e de Filosofia é “organi-
cismo”, cujo sentido em que está sendo utilizado tanto por Bertalanffy, como por nós, é o da
doutrina biológica que rejeita a explicação dos fenômenos biológicos meramente mecanicis
ta. Entretanto não adere ao vitalismo; ou seja, a admissão de um “principio vital” ; uma força
que não pode ser reduzida aos processos fisico-químicos dos organismos.
11 A formalização matemática da concepção sistêmica, em Bertalanffy, pode ser vista em: Ber
talanffy (1975, p. 82-122).
12 A formalização físico-química dos processos sistêmicos abertos, em Bertalanffy, pode ser
vista em: Bertalanffy (1975, p. 166-189).
U m passo nessa direção foi a cham ada teoria dos sistem as abertos e dos estados es
táveis, que é essencialm ente um a extensão d a físico-quím ica, d a cinética e d a ter
m odinâm ica convencionais. A conteceu, porém que não pude deter-m e no cam inho
que havia tom ado e assim fui conduzido a um a generalização ainda m ais am pla, a
que dei o nom e de ‘T eoria Geral dos Sistem as.’ Esta idéia rem onta h á m uito tem po
Bertalanffy (1975) afirma que a teoria dos sistemas, num sentido amplo,
deve ter um caráter de ciência e que os motivos que postulam a necessidade de
uma teoria geral dos sistemas podem ser resumidos nos seguintes itens: (a) cons
truir uma direção contrária ao reducionismo, e generalizar os conceitos científi
cos; (b) superar a noção clássica de sistema e introduzir, dada a necessidade do
aumento de complexidade do conhecimento, novas categorias analíticas não
contempladas, tais com o organização, autoconservação, direção e teleologia; (c)
superar a perspectiva linear da ciência clássica e introduzir uma perspectiva
complexa; nesse caso, considerando sempre um número crescente de variáveis
implicadas no fenômeno; (d) possibilitar a construção de novos modelos concei
tuais nas ciências biológicas, sociológicas e psicológicas, e preterir, assim, os
modelos hegemônicos (principalmente o mecanicismo) propostos pela Física;
(e) contemplar modelos isomórficos em diferentes ciências, e ampliar o campo
interdisciplinar da pesquisa e do conhecimento científico.
A perspectiva sistêmica, na teoria dos sistemas de Bertalanffy, sem que
tivesse incorporado a visão desenvolvida pela Cibernética, ficou, então, assim
colocada: se por um lado a termodinâmica concebia os sistemas fisico-
químicos, com o sistemas que não podiam permanecer fechados, pois tendiam
à dissipação contínua, por outro lado, Bertalanffy (1975) trouxe o conceito de
sistemas abertos, para enfocar os organismos vivos (sistemas vivos), uma vez
que estes “trocavam” matéria/energia com o meio e tendiam a manter, por al
gum tempo, um determinado estado de ordem; com o ele m esm o denominou,
constituíam-se em sistemas “quase-estáveis”.
13 Silva (1974), resgatando o uso clássico do termo, afirma que: “[...] Norbert Wiener exumou
e lançou em circulação [o termo cibernética] com roupagem nova. A palavra cibernética
[foi] usada por Platão, cerca de 26 séculos antes, e, mais tarde, em 1843, por André Ampère,
o famoso físico francês [...] Platão empregou-a no sentido de ‘a ciência utilizada pelo timo
neiro para pilotar o navio’.”
Embora, von Bertalanffy (1975) aponte que a idéia de uma teoria geral dos
sistemas tenha sido, pela primeira vez, introduzida por ele antes mesmo do sur
gimento da Cibernética e da Engenharia dos sistemas, incluindo campos afins,
foi a Cibernética que de fato deu uma resposta definitiva para o problema da
“abertura” e do “fechamento” do sistema, levantado anteriormente. A Cibernéti
ca teve sua data de nascimento em 1943, conforme nos relata Latil (1959, p. 8),
“sua certidão de nascimento foi um artigo publicado em 1943, sem que a pala
vra Cibernética nele figurasse, em Phylosophy o f Science, por Rosenbluetli, W i
ener e Bigelow, sob o título: Behaviour, purpose and teleology. Jean-Pierre Du-
puy (1996), um dos principais pesquisadores da história da Cibernética, ao se
referir sobre o nascimento dessa disciplina, aponta o surgimento de dois artigos
no ano de 1943, com o os precursores da nova ciência; diz ele: “Estabelecer uma
origem é sempre arbitrário, mas neste caso, menos do que em outros. Neste ano
[de 1943] fasto para a ciência da mente, eram publicados, independentemente,
dois artigos cujos autores, três no caso do primeiro, dois no outro caso, constitu
irão o núcleo duro do movimento cibernético.” O segundo artigo, a que se refere
Dupuy, intitulava-se A logical calculus o f the ideas immanent in nervous acti-
vity, publicado em 1943, por Warren McCulloch e Walter Pitts, neurocientista e
matemático respectivamente.
A primeira Conferência de M acy14 aconteceu em março de 1946 e o seu
título era F eedback mechanisms and circular cau sai system s in b iological
and so cia l system s; a segunda, aconteceu em outubro do m esm o ano, com o
título Teleological mechanisms an d circular cau sai system s. Foi a partir des
tas reuniões que o termo feedback, também proposto por Norbert Wiener,
consolidou-se na ciência Cibernética. Esta concepção de retroalimentação,
que eqüivale ao próprio termo cibernética, ambos propostos por Norbert W i
ener, trouxe à luz a noção de “circularidade alimentativa”; ou seja, “um m e
canismo que faz retroagir um efeito sobre uma de suas causas e permite, as
sim, a esse efeito, atingir um fim determinado” (Latil, 1959, p. 6); ou, mais
detalhadamente, com o define Capra: “um laço de realimentação é um arranjo
circular de elem entos ligados por vínculos causais, no qual uma causa inicial
se propaga ao redor das articulações do laço, de m odo que cada elem ento te
14 Constituíram-se em dez reuniões organizadas pela fundação filantrópica Josiah Macy Jr., de
1946 a 1953, em Nova York (nove delas) e a última em New Jersey, cuja pretensão de seus
idealizadores - matemáticos, lógicos, engenheiros, neurofisiólogos psicólogos, antropólogos,
economistas - era a de fundar a ciência geral do funcionamento da mente. Este grupo fecha
do foi chamado de Cibernética.
15 Esta noção, segundo Idatte (1972, p. 11-12), “fora posta em evidência na Biologia, desde
1867, por dois fisiologistas franceses de origem russa, os irmãos Scyon, numa comunicação
à Academia de Ciências apresentada por Claude Bemard. No ano seguinte, agora no plano
da mecânica, o célebre físico Maxwell publicava uma nota sobre os sistemas de retomo [...]
Já antes disso, em 1810, Watt munira a máquina a vapor com o seu famoso regulador”.
16 Embora o termo homeostase tivesse sido desenvolvido por Cannon (1939) uma década antes,
em seu livro The wisdom o f the body, a noção de retroalimentação não estava presente na
descrição de seus diversos processos bioquímicos. Homeostase, nos termos definidos por
Cannon, traz a idéia de uma adaptação tendo em vista a sua finalidade (uma dimensão teleo-
lógica). Posteriormente, é redefinido de diferentes formas, mas sempre apresentando as no
ções de adaptação, equilíbrio, reequilíbrio. Weiner (1984, p. 94) elabora e amplia a defini
ção, afirmando que “o processo pelo qual nós, seres vivos, resistimos ao fluxo geral de cor
rupção e desintegração [...] em que a vida é uma ilha, aqui e agora, num mundo agonizante”.
Para um exame mais profundo sobre o conceito ver Ashby (1960, p. 58-70), que amplia e
discute o conceito proposto por Cannon.
17 Dupuy (1996, p. 46-47) adverte, entretanto, que o exame detalhado do artigo mencionado,
surpreende “pelo acanhamento da terminologia, que resulta do fato de que as categorias de
informação, de comunicação e de organização ainda não haviam sido esclarecidas. O feed
back é descrito como um retomo de energia do output sobre o input
23 A palavra “autopoiésis” tem sua origem do grego: auto (por si só) + poiesis (produção). Este
termo foi proposto por Humberto Maturana e Francisco Varela. A história de sua concepção,
como conceito e como neologismo, encontra-se contada pelos próprios autores em Maturana
e Varela (1979, 1995, 1997). Os autores conservaram, em espanhol, os dois termos gregos:
autopoiésis; em inglês, da mesma forma: autopoiésis; em português, encontramos grafadas
de duas formas: autopoiese e autopoiésis, optamos pela segunda.
25 Este conceito foi introduzido por Humberto Maturana e tem a missão de indicar como é pos
sível que sistemas autopoiéticos, operativamente fechados, possam manter-se dentro de um
entorno (meio ambiente) que, por um lado é precondição da autopoiésis do sistema e, por
outro lado, não intervém nesta autopoiésis.
O construtivismo sistêmico
nas ciências humanas e sociais*
------------ ♦------------
Introd ução
Esta apresentação explora os aspectos epistem ológicos subjacentes às
com unicações especializadas das ciências humanas e sociais. Descreveremos
com o o construtivismo proporciona respostas consistentes para indicar de on
de emergem nossos conhecimentos da realidade social, concentrando-nos nos
princípios construtivistas de uma teoria da sociedade atribuída ao paradigma
dos sistemas sociais autopoiéticos (Luhmann, 1991; 1998).
Como capítulo das teorias do conhecimento, a epistem ologia inclui tanto
aqueles mecanismos poderosos com o os quotidianos que são construtores de
realidade. Suas discussões envolvem contribuições da antropologia cultural,
da sociologia do conhecimento, da neurofisiologia, da filosofia analítica e da
psicologia cognitiva. Recentemente, devido à centralidade de sua matéria, em
tom o dela reuniram-se novas (re)organizações do pensamento científico: as
ciências cognitivas, as teorias de sistemas, as filosofias da linguagem, as tecno
logias baseadas na inteligência artificial e os princípios do novo management.
Os debates sobre a epistem ologia ocorrem em todas as áreas nas quais a
produção e circulação do conhecimento são centrais. Mas, embora a episte-
3 De certa maneira, o Metálogo de Bateson (1993) que trata da questão: "Por que as coisas se
desorganizam? " serve para experimentar estas idéias: as “arrumações” não são possibilida
des naturais, não refletem nenhuma organização antes de sua observação como tal. Um escri
tório pode parecer caótico para qualquer pessoa que não seja aquela que habitualmente o o-
cupa. Ainda mais, qualquer tentativa de organizá-lo, que parta de alguém que não o usuário,
significará a introdução de um fator desconhecido, ou seja, desorganização. Visto de outro
modo, existem "infinitas bagunças " c, somente uma "arrumação Então: sobre que bases
opera a ordem que surge do conhecimento?
4 Em programas terapêuticos nos quais as mudanças pessoais pressupõem mudanças nas es
truturas de conhecimento, ou seja, nos processos que dão origem aos construtos pessoais.
Seus seguidores afirmam que os pacientes procuram as terapias porque sua realidade, da
maneira como eles próprios a construíram, toma-se inviável e sua tarefa como terapeutas,
nesta modalidade, consiste em agir como facilitadores para a reconstrução ou recomposição
de tais realidades.
5 Onde se assume que os processos de aprendizagem não se explicam com a metáfora da
transmissão de conhecimentos, mas com processos ativos de construção de conhecimentos.
6 Da periferia, juntamente com Dano Rodríguez, há mais de dez anos afirmamos a mesma
coisa (1990b). Por isso, aqueles que parecem estar falando de novidades são os que susten
tam que nada aconteceu nas ciências sociais depois dos alicerces lançados por Durkheim,
Marx e Weber.
7 Foi o cibernético Heinz von Foerster que introduziu este lógico britânico no foco dos teóri
cos de sistemas. Com o reconhecimento de Bertrand Russel, George Spencer-Brown desen
volveu em breves demonstrações os princípios que assumem a tautologia e o paradoxo como
seus componentes explicativos (vide Rodriguez e Amold, 1991).
8 De fato, são processos de codificação de sinais eletroquímicos que originam nossos mundos
perceptivos. Isto significa que as percepções estão muito além da estimulação sensorial (ou
vimos que estão nos chamando e não sons!). Por isso, entre outras funções, as organizações
perceptivas apresentam constâncias, ainda que os estímulos estejam sempre variando. Em
outro sentido, não é possível prever percepções, conhecendo somente as características do
estímulo.
9 Embora errem suas interpretações mais comuns, pois o que para alguns é simplesmente a
perda de toda razão, somente é efeito de processos de diferenciação social. A única coisa que
acontece é uma fragmentação de razões e, portanto, de epistemologias. Antes bastava-nos
um par delas, agora temos dúzias!
10 Tudo isto projeta a individualidade a um status social onde a noção de pessoa surge como
uma de suas conseqüências mais evidentes e com todas as complicações que isso acarreta,
por exemplo, sua “dessubjetivação” e transformação em “ente” jurídico, ou político, ou eco
nômico, dependendo do caso.
11 Mas, quais seriam as características distintivas das diferenças? Não são materiais, não po
dem ser localizadas, não podem ser situadas no tempo, não são quantidades, carecem de di
mensão, não é energia, pois a energia está ali antes da chegada da informação ou que uma
resposta seja ativada, e para os órgãos sensoriais uma diferença é um sinal digital. Em con
clusão: uma diferença é uma idéia nas mãos de um observador (Bateson, 1993).
12 Não se pode esperar de quem se perguntar sobre o ambiente e a participação cidadã, que
preste informações sobre outros eventos em suas respostas.
13 Isto pode implicar que um observador desapareça sem se dar conta de seu erro epistemológi-
co. Por outro lado, premissas erradas podem funcionar bem, assim nossos "erros " epistemo
lógicos podem reforçar-se e autovalidar-se (lembre-se Mr. Gardiner de Kosinski, notavel
mente interpretada no cinema por Peter Sellers).
14 Como já foi dito: que alguém tente preencher um formulário de apresentação de projetos sem
prestar atenção nas suas instruções!
15 Por isso as considerações ao destinatário da pesquisa social (Amold, 1999b).
D uras B randas
C o n s t r u t iv is m o FENOMENÓLOGOS/PEDAGOGOS
OPERATIVO
Socioconstm tivism o
Sociais
Teoria de sistemas (Schütz, Berger e Luckmann)
sociais (Luhmann) Construtivismo pedagógico
(Ausubel et al.)
CONSTRUTIVISMO RADICAL PSICOCONSTRUTIVISMO
16 Seus conflitos, às vezes, estão mais relacionados, como destacam os estudos foucaultianos,
com as estruturas de dominação onde circulam, mas também, num nível mais básico, com os
estados de ânimo.
17 Conceito de Luhmann, em alemão "Entparadoxienmg"
18 ...E muitos, muitos céticos diante dos resultados dessa forma de operar!
19 A assimilação confere significados aos fatos e é transformadora destes através desta incorpo
ração, mas, por sua vez, o objeto exigirá modificações no esquema assimilador (ver noção de
realidade objetiva em Piaget)
Este fenômeno tem relação com o fato de que todo observador comporta-se como um siste
ma fechado e determinado estruturalmente e, como tal, somente pode observar o que pode, e
somente issol
22 Nada foge desta abordagem desde indicar as “formas de ver o desenvolvimento e a moderni
zação” até discutir acerca das “bases de confiança que operam em nossa sociedade” (núme
ros e não quantidades).
23 Esse olhar estimula nosso interesse em conhecer as diversas formas através das quais pessoas
(projetos de vida), grupos (cultura mineira; visão dos jovens), comvnidades (autopercepção
das classes médias), organizações (critérios de focalização dos serviços públicos) e outras
formas de sistemas sociais produzem seus conhecimentos (como são vistos hoje os meca
nismos de articulação politica).
24 Essa perspectiva teórica, inaugurada pelos antropólogos Ward Goodenough e Floyd Louns-
bury (1962, Universidade de Yale), enfatiza a identificação e descrição dos meios - cultu
ralmente disponíveis - que estão à disposição dos membros de um sistema social para cate
gorizar suas experiências, enquanto que a Antropologia simbólica coloca sua atenção na sig
nificação de tais categorias (Amold, 1987).
25 E sugestivo como através da produção e reprodução de leis, crenças, conhecimentos, do
cumentos, declarações, receitas, conselhos, comentários e estereótipos, a cultura, montada
em seu veículo lingüístico, modela determinadas formas de reconhecimento. Estas, em sua
aplicação são reintroduzidas na sociedade e ao fazê-lo, dão início a um plano operativo de
objetividade que, em alguns casos, num franco hiperetnocentrismo, é concebido como o úni
co possível.
Daniel de Mendonça
Léo Peixoto Rodrigues
------- ♦-------
In tro d u ção
A ssim com o o termo “estrutura”, que no início da segunda metade do sé
culo passado suscitou uma multiplicidade de significados em diferentes áreas
do conhecimento científico, ocasionando inclusive um Colóquio interdiscipli
nar em Paris1 para discutir o seu sentido, o termo sistema tem apresentado
uma vasta possibilidade de significados e entendimentos entre os seus interlo
cutores.
Em outro trabalho, realizamos o resgate de alguns aspectos teórico-
históricos do pensamento sistêm ico,2 que sofreu diferentes e radicais acep
ções, desde seu marco referencial iluminista, com o desenvolvim ento da S e
gunda Lei da Termodinâmica. O chamado “novo pensamento sistêm ico” teve
origem, pois, na abordagem desenvolvida pelos cibem eticistas, na década de
40, que desenvolveram, num primeiro momento, o importante conceito de re-
troalimentação ou feedback, que revolucionaria mais tarde a informática.
Num segundo momento, outro importante conceito, também desenvolvido pe
la Cibernética, foi o de auto-organização, posteriormente incorporado pela
Biologia da Cognição, com a Teoria de Santiago, proposta por Humberto M a
turana e Francisco Varela, na década de 70, com o desenvolvim ento do con
ceito de “autopoiésis”.
3 Todas as citações em língua estrangeira foram traduzidas livremente pelos autores exclusi
vamente para este trabalho.
4 Na verdade, a perspectiva epistemológica que norteia este capítulo é a da “Nova Teoria dos
Sistemas Sociais”, sendo que, a partir desta, propomos um exercício entre as Teorias de La
clau e Luhmann. Desta forma, estamos plenamente cientes que tanto as nomenclaturas como
propriamente os sentidos das categorias utilizadas por estes autores possuem, em muitos
momentos, importantes discrepâncias, tendo em vista que tais autores chegaram ao desen
volvimento de suas teorias partindo de caminhos diversos. Apesar disso, nos trabalhos que
temos desenvolvido individualmente sobre cada um destes autores, verificamos muitas con
gruências entre diversas categorias e, por isso, uma rica possibilidade de diálogo entre os
mesmos.
5 Sobre tais conceitos, específicos das teorias de Laclau e de Luhmann, ver: Laclau (1996) e
Luhmann (1991 e 1985).
6 Referimo-nos a uma epistemologia de cunho analítico, inscrita em uma tradição fundaciona-
lista, cujo conceito de verdade é sustentado por uma perspectiva ‘linear’ dos fenômenos, em
contraposição a uma abordagem complexa.
7 Não estamos esquecendo que o exterior discursivo está também constituído por discursos an
tagônicos que são, segundo Laclau, ao mesmo tempo, condição de possibilidade e de impos
sibilidade de uma formação discursiva.
8 Na designação de Laclau Mouffe(1985), “momentos” são posições diferenciais articuladas
no discurso.
T e le o lo g ia e co n tin g ên cia
Como havíamos m encionado, na abordagem sistêmico-auto-referenciada
proposta por Luhmann (1998b), o sistema obrigatoriamente diferencia-se do
meio em que está acoplado. Essa diferenciação leva em conta exclusivamente
os processos “internos” do sistema que se retroalimentam, se auto-organizam
e se autoproduzem (autopoiésis)11 configurando, assim, o chamado fechamen
to operacional que independe de uma relação de input e output (trocas) ou
mesmo de qualquer tipo de nexos funcionais com o m eio ambiente. Quando
consideradas as características desse tipo de sistema, é colocada, de imediato,
uma importante questão de cunho epistem ológico com relação não apenas ao
pensamento sistêm ico tradicional, mas também em relação às perspectivas
9 Na terminologia de Laclau (1985), “elemento” é qualquer diferença que não está discursi-
vamente articulada.
10 Conforme Maingueneau, o campo discursivo “não é uma estrutura estratégica, mas um jogo
de equilíbrios instáveis entre diversas forças [...]. Um campo não é homogêneo: há sempre
dominantes e dominados, posicionamentos centrais e periféricos” (2000, p. 19).
11 Do grego, auto = por si só, poesis = produção. Maturana e Varela (1979), criadores deste
conceito, explicam que sistemas autopoiéticos são sistemas fechados que se auto-
referenciam. A auto-referência, neste caso, não significa simplesmente feedback. Na idéia de
feedback existe uma informação circular que “nasce” e “morre” num mesmo ponto, sempre
do mesmo modo; ou seja, ao considerarmos o conhecido exemplo do termostato (Ashby,
1970) como um feedback system, temos que: um dado ambiente aquece, a cápsula do ter
mostato expande, controla o fluxo de gás, o gás diminui, a cápsula esfria e contrai, ativando
também com a contração o fluxo de gás para mais. Neste caso, o termostato é um feedback
system, mas não um sistema autopoiético. A autopoiésis requer produção, transformação,
adaptação do sistema em relação às transformações do seu meio (entorno). A autopoiésis re
quer sempre uma interpretação semântica do sistema em relação ao meio ambiente. Isto dife
re de uma mera circularidade informacional repetitiva.
12 É pertinente salientarmos que Maturana, et al. começaram seus estudos, que deram origem
ao conceito de autopoiésis, com os processos cognitivos da cor. Tais estudos fizeram-nos
conceber a autopoiésis no próprio sistema nervoso, em que a “imagem” e a percepção da cor
dependiam de um processo auto-organizativo do sistema nervoso. Para Maturana, et. al. o
processo de cognição é dado exclusivamente no sistema nervoso, que é um sistema fechado
autopoiético. Para um maior aprofundamento ver: Biology and cognition (1970); De máqui
nas y seres vivos (1995) A árvore do conhecimento (1995); Ontologia da realidade (1997);
Da biologia à psicologia (1998).
Como vim os acima, Laclau argumenta que são suficientes “certas regula
ridades” para que possam os falar de uma formação discursiva. Isso porque,
apesar da busca que um sistema discursivo incessantemente faz em direção a
uma fixação última de seus sentidos, tal busca sempre será em vão tendo em
vista às constantes suturas que esta formação discursiva sofrerá na sua relação
com o campo da discursividade. Contudo, com o estamos diante de uma teoria
das diferenças, esta fixação, mesmo de forma parcial é requerida, uma vez
que se esta não existisse, não haveria o porquê de se falar mesmo na idéia de
sistema, a qual pressupõe, a partir do estabelecimento de seus limites, aquilo
que é interno e, portanto, constituinte deste, e aquilo que lhe é externo e, por
tanto, estranho a este.
N esse sentido, os limites do sistema discursivo se dão a partir do estabe
lecimento de seus sentidos que, com o afirmamos, são sempre parciais. Esta
fixação parcial é dada por um ponto discursivo privilegiado chamado de pon
to nodal13, o qual articula os diferentes momentos constituintes de uma for
mação discursiva e, por conseqüência, acaba por os diferenciar, bem o discur
so como um todo, de outras formações discursivas, de elementos e de discur
sos antagônicos dispersos no campo da discursividade.
S en tid o
Para Luhmann, tanto a sociedade com o o indivíduo devem ser vistos co
mo sistemas. A sociedade constitui-se num sistema social e o(s) indivíduo(s)
em sistema(s) p síqu ico(s).14 Os sistemas, em Luhmann, são incom unicáveis
diretamente. Para um sistema auto-referenciado, tudo o que não for ele m es
mo é m eio ambiente, inclusive os demais sistemas, imaginando-se um siste-
ma-mundo. Tudo o que o m eio ambiente faz é irritar o sistema que pode res
ponder auto-organizando-se e, neste caso, estaríamos frente a uma comunica
ção indireta, ou uma autocomunicação. E neste sentido que Luhmann (1988)
se refere à improbabilidade da comunicação e também é aí que se dá o espa
ço, não-determinista com o afirmam alguns, mas justamente construtivista da
13 Laclau e Mouffe (1985) atribuem à psicanálise de Lacan a origem da categoria “ponto no
dal” na teoria do discurso, quando incorporam do psicanalista francês a noção de points de
capiton que são significantes privilegiados que fixam sentidos numa cadeia significante.
14 Maturana (1970), ao estudar o sistema nervoso, constatou que a cognição, o processo de per
cepção, o conhecimento davam-se de maneira sistêmica e operativamente fechada. Para ele,
o sistema nervoso é um sistema autopoiético. Não entraremos nessa questão —freqüente nos
atuais debates epistemológicos - sobre este assunto ver: Maturana e Varela (1970), (1979);
Maturana (1997).
O sentido comporta sempre focalizar a atenção sobre uma possibilidade entre ou
tras muitas [...] O sentido, portanto mantém-se rodeado por possibilidades. Sua
estrutura será [a estrutura] da diferença entre atualidade e potencialidade. O sen
tido, em definitivo, é a conexão entre o atual e o possível; não é nem um nem ou
tro (Luhmann, 1998b, p. 28).
N a co n stru ção de p o n to s n odais que fixam parcialm ente sentidos; o caráter par
cial d e ssa fixação procede d a abertura do social, resultante, p o r sua vez, de um
co n stan te tran sb o rd am en to de todo discurso p ela infinitude do cam po da discur-
sividade (L aclau e M ouffe, 1985, 1 13).
N o contexto d essa d iscussão, nós cham arem os articulação q u alq u er p rática que
estabeleça um a relação entre elem entos tal q u e suas id entidades sejam m odifica
das com o um resultado d a prática articulatória. A to talid ad e estru tu rad a resultan
te d a prática articu lató ria nós cham arem os discurso. A s po siçõ es diferenciais, na
m edida em que elas apareçam articuladas num d iscurso, nós cham arem os m o
m entos. P o r contraste, cham arem os elem ento q u alq u er d iferen ça q u e não está
discursivam ente articu lad a (L aclau e M ouffe, 1985, p. 105).
Mirta A. Giacaglia
------------ ♦------------
1 Slavoj Zizek, The iicklish subject, It’s the Political Economy, Stupid, Verso, London, 1999,
p. 353.
2 Também designada Análise política de discurso.
D iscu rso
Para refletir sobre os temas que nos preocupam, a partir da proposta de
Emesto Laclau, analisaremos, em primeiro lugar, seu conceito de discurso,4
cuja compreensão consideramos chave, já que seu pensamento articula-se em
tomo dessa noção.
A concepção do espaço social com o discurso parte da idéia de que toda
configuração social é uma configuração significativa. Tomando um exem plo
inspirado em Wittgenstein, Laclau desenvolve sua concepção de discurso. Na
construção de um muro, diz ele, o ato de pedir um tijolo é lingüístico, o ato de
colocá-lo na parede é extralingüístico. Mas esta distinção não esgota a reali
dade de ambos atos. A s duas ações compartilham uma operação total que é a
construção da parede.
Como caracterizamos essa totalidade que inclui, com o momentos par
ciais, elem entos lingüísticos e não-lingüísticos? Esta totalidade é o que cha
mamos de discurso. Por discurso não entendemos, então, uma combinação de
fala e escrita, mas, pelo contrário, a fala e a escrita são apenas componentes
internos das totalidades discursivas. Por exem plo, se dou um pontapé num ob
jeto esférico na rua ou se dou um pontapé numa bola durante um jogo de fu
3 Emesto Laclau, “Política y los limites de la modemidad” en VVAA, Debates Políticos Con
temporâneos, Plaza y Valdés, México, 1998, p. 56-57.
4 Emesto Laclau, Nuevas rejlexiones sobre In revolución de nuestro tiempo, Nueva Vision,
Bs. As., 1993, p. 114.
H eg em o n ia
Outro conceito central para Laclau é a categoria de hegemonia, já que a
expansão da lógica implícita no conceito de hegemonia oferece novas ferra
mentas teóricas para pensar as atuais lutas sociais na sua especificidade e es
5 Este pensador inglês tem estudado o surgimento e desenvolvimento desta categoria em suas
obras C onsideraciones sobre el marxismo Occidental, Siglo XXI, México, 1987 e Las anti
nomias d e Gramsci, México, Era, 1979.
6 Perry Anderson, C onsideraciones sobre e l marxismo Occidental, Siglo XXI, México, 1987,
p. 100.
7 Ernesto Laclau y Chantal Mouffe, Hegemonia y estralegia socialista. Hacia una radicaliza-
cián de la democracia, Siglo XXI, Madrid, 1987, p. 80.
12 Ernesto Laclau, Nuevas reflexiones sobre la revolución de nuestro tiempo .Nueva Vision,
Bs. As., 1993, p. 51.
13 Emesto Laclau, Nuevas reflexiones sobre la revolución de nuestro tiempo, Nueva Visión,
Bs. As., 1993, p. 226.
14 Emesto Laclau, “Poder y representación”, em Emancipación y diferencia. Ariel, Argentina,
1996.
15 Emesto Laclau, Nuevas rejlexiones sobre la revolución de nuestro tiempo. Nueva Vision,
Bs. AS., 1993, p. 15.
Sem objetivo?
Movimentos sociais vistos
como sistema social
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1 Luhmann destaca mais a reflexividade que a autonomia dos movimentos sociais modernos.
6 Mesmo que, como enfatiza a definição clássica de Raschke, o objetivo pode ser evitar ou
reverter mudança social (cf. Raschke, 1988, p. 77).
7 Uma questão a ser ainda melhor pesquisada é em que medida a concepção luhmanniana da
dinâmica interna do sistema que leva a mudanças em sua estrutura operacional tem
parentesco com o estruturalismo genético.
8 En un sistema autopoiético diferenciado con base en un código binário, el código dirige las
operaciones que reproducen la unidad dei sistema: regula la producción de diferencias y con
ello la elaboración de información por parte dei sistema. Las operaciones proceden siempre
ciegamente y en su nivel no existe ninguna forma de control dei sistema sobre su proceder: el
código, en efecto, no aporta directivas para la acción, sino que se limita a orientar las
operaciones asegurando que se relacionen con las subsecuentes. La autorregulación y el
autocontrol dei sistema se desarrollan en cambio en el âmbito de los programas, que dirige la
observación de las operaciones por parte dei sistema mismo, con base en distinciones
distintas de aquella a la que tales operaciones se orienta. Los programas fijan las condiciones
que deben darse para que una determinada operación pueda acontecer: por ejemplo,
establecen que la atribución dei valor positivo dei código es correcta solo en circunstancias
especificas. [...] Los programas son los que dan cabida al excluido tercer elemento, al que es
extraflo a la composición entre los valores dei código, al interior dei sistema que se orienta
hacia éste, y de esta manera mitiga la unilateralidad dei código. Aun orientándose
unicamente con su código, el sistema considera en el âmbito de los programas algunos
critérios que rigen en otros âmbitos sociales. (Corsi et al., 1996, p. 132).
5 Uma proposta digna de nota por sua consistência e abrangência, apresentada como tese de
doutorado e que obteve parecer favorável do próprio Luhmann, foi feita por Hellmann
(1996). Ela aprofunda a função dos movimentos sociais como sinalizadores precoces de
risco no sistema social. O autor, no entanto, não inova muito no aspecto teórico, preferindo
ater-se e, freqüentemente, expandir teses e indicações já feitas por Luhmann.
C o d ifican d o a o b servação
Partimos da postulação de que com o teoria sociológica pretensamente
universal, a teoria dos sistemas de Luhmann deveria ser capaz de servir de
instrumento teórico também para a análise de m ovimentos sociais, sem
desprezar as questões da determinação humana por tomar as rédeas de seu
destino nas próprias mãos e a permanente busca por legitimidade em um
programa que não esteja delimitado pelo rígido esquema da legalidade, que
lhe são tão características.
A tematização dos movimentos sociais pelo próprio Luhmann foi
recorrente em escritos sobretudo ocasionais. Algumas decisões sobre a
arquitetura de sua teoria, com o a de relacionar os m ovimentos sociais com o
sinalizadores precoces de conflitos, foram interessantes, a despeito do juízo
R eferên cias
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------------------------ ♦ -------------------------
In tro d u ção
D esde o final dos anos 60, com a publicação da obra Legitim ation durch
Verfahren,1 até sua morte, em 1998, Niklas Luhmann (1927-1998) foi res
ponsável por uma construção teórica original, que acabou por influenciar de
maneira decisiva os estudos sociojurídicos neste final de século. Formulando
sua proposta teórica no curso de quase quarenta anos de vida acadêmica dedi
cada à teoria sociológica, desde os seminários de Talcott Parsons no início
dos anos 60 (onde foi colega daquele que viria a ser seu maior opositor, na
defesa da tradição emancipatória da Teoria Crítica, Jürgen Habermas) Luh
mann acabou por formular uma ampla, generalizante e singular teoria da soci
edade, no interior da qual pretendeu dar conta da com plexidade e da contin
gência com que nos deparamos na época contemporânea.
Incorporando a herança das correntes funcionalistas e evolucionistas da
sociologia moderna, reinterpretadas em um quadro conceituai interdisciplinar
(cibernética, biologia) e voltado para a construção de um novo paradigma ci
entífico, a perspectiva teórica de Luhmann, a par do sucesso obtido pelo alto
potencial descritivo do funcionamento do sistema jurídico, bem com o de ou
tros subsistemas sociais, foi também alvo de pesadas críticas, chegando a ser
caracterizada com o n eocon servadora.' Tendo em conta a advertência haber-
Estado e Direito como sistemas autopoiéticos: uma abordagem da Teoria de Sistemas de Niklas... 129
masiana de que o ganho obtido por Luhmann em termos de conceitualização,
imaginação teórica e capacidade de elaboração paga um preço excessivam en
te alto, ao eliminar o mundo da vida com o resíduo indigesto, através da dis
sociação entre sistemas pessoais e sistemas e subsistemas sociais que formam
mundos circundantes uns para os outros, a nossa pretensão no presente traba
lho não é a de explorar as limitações metateóricas da perspectiva luhmannia-
na, e sim a de apresentar, de forma sistemática, os principais conceitos e cate
gorias com as quais procura descrever o funcionamento do Estado e do siste
ma jurídico.
Pretendemos, com isso, apreender a lógica interna da construção concei
tuai da nova teoria de sistemas sociais, especificamente no que diz respeito à
caracterização dos subsistemas político e jurídico nas sociedades contempo
râneas. Para tanto, partimos de uma análise dos conceitos mais abrangentes da
teoria sistêmica, com o a noção de sistemas sociais autopoiéticos, operacio
nalmente fechados e auto-referenciados. Em seguida, são analisados os sub
sistemas político e jurídico, tomando com o referência as obras do Luhmann
“maduro”, posteriores a 1984, em que se vislumbram os pontos de contato en
tre a teoria de Luhmann e a chamada corrente pós-m odem a do pensamento
sociojurídico, particularmente em relação à autonomia do Direito frente a ou
tras dim ensões da prática social, à capacidade autonormativa do quotidiano,
ao pluralismo jurídico e ao caráter local do saber jurídico.
tivos mentais de Kant e Nietzsche num jogo de linguagem cibernético caracteriza o nível em
que ele instala a teoria sistêmica da sociedade. Luhmann transfere as mesmas propriedades,
que Foucault tinha atribuído com a ajuda de um conceito de poder histórico-transcendental
às formações discursivas, para sistemas que operam de modo auto-referencial e que elabo
ram o sentido. Uma vez que, ao mesmo tempo que abandona o conceito de razão, também
abandona a intenção da crítica à razão, ele pode orientar para o descritivo todas as afirma
ções que Foucault ainda formulava de modo denunciador. Neste sentido, Luhmann conduz
ao extremo a afirmação neoconservadora da modernidade social, por conseguinte também a
um nível da reflexão onde tudo o que os defensores da pós-modemidade poderiam alegar, já
foi ponderado anteriormente sem acusação e de modo mais diferenciado” (p. 324-325).
A partir da obra S ocial System (1995), Luhmann vai consolidar o seu dis
tanciamento da concepção de sistemas de Parsons, especificam ente na forma
como compreende a relação entre sistema e entorno. Conforme Pissarra, a
versão parsoniana da Teoria dos Sistemas, aplicada à realidade social, conce
beu a sociedade com o uma espécie de sistema soberano, com capacidade ili
mitada de modelação do seu meio ambiente. Em Luhmann, na relação siste-
ma-meio, o m eio ambiente do sistem a (U m w elt) não se limita à função de
apoio ou base do sistema, definindo também os seus limites de racionalidade.
D aqui resulta, p o r conseqüência, a redefinição d a p ró p ria ra cio n alid ad e sistêm ica
(systcm rationalitât): j á não um a racionalidade hegem ônica (com o W eb er e n te n
dia a racio n alid ad e form al), m as antes “defen siv a”, um a racio n alid ad e que p re
tende apenas aco lh er e neutralizar, tanto qu an to possível, as am eaças p ro v e n ie n
tes do m eio (sem n u n c a chegar a dom iná-lo). N esta m edida, ela perde tam b ém o
seu carácter norm ativo e ideal-típico; to m a -se c o n tin g en te e o pera com o um a es
pécie d e rede p luridim ensional e p o lim órfica (P issarra in L uhm ann, 1992, p. 14).
3 Para uma ampla apresentação de seu conceito de sociedade, vide Luhmann, “O Conceito de
Sociedade”, in: Baeta Neves e Samios (org.), Niklas Luhmann: a nova Teoria dos Sistemas
(1997).
Estado e Direito como sistemas autopoiéticos: uma abordagem da Teoria de Sistemas de Niklas.., 131
os subsistemas com o garantia da ordem social; e sociedades de diferenciação
funcional, pelo desenvolvim ento de subsistemas operativamente autônomos,
com critérios e códigos próprios (Herrera, 1998, p. 92). A evolução é uma
conseqüência da necessária adaptabilidade dos sistemas sociais, que os leva à
permanente tentativa de redução da com plexidade do entomo, selecionando e
traduzindo as potencialidades indefinidas em expectativas previsíveis (Tre-
ves, 1988, p. 214). A auto-referência é a tomada de consciência subjetiva da
diferença do sistema em relação ao seu entomo, que garante a superioridade
evolutiva dos sistemas diferenciados funcionalmente.4
A lém da com plexidade, o mundo social está também caracterizado pela
contingência, derivada tanto do fato de que as possibilidades selecionadas pe
lo sistema podem realizar-se de um m odo distinto do previsto, com o da pos
sibilidade sempre existente de alternativas funcionalmente equivalentes para
lidar com uma realidade complexa. Frente à com plexidade e à contingência,
somente se poderia neutralizar os perigos que derivam das expectativas frus
tradas mediante duas estratégias, incompatíveis entre si: corrigir a expectativa
frustrada de m odo a que se conforme com a nova realidade (estratégia cogni
tiva), ou negar-se a aprender e manter a mesma expectativa, embora frustrada
(estratégia normativa).
A formulação mais acabada da teoria de Luhmann passa a adotar como
central a noção de sistem as autopoiéticos, inspirada pelos trabalhos dos bió
logos chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela,5 desenvolvendo-a pa
ra os domínios das ciências sociais e do Direito. A teoria dos sistemas auto
poiéticos tenta descrever o m odo de funcionamento de todos os sistemas que
reproduzem a si mesm os, ou seja,
4 Para uma critica da noção de evolução em Luhmann, vide Habermas (1990), História e Evo
lução (p. 163/218).
5 Sobre a caracterização feita por esses autores dos sistemas vivos como produtores de si
mesmos, vide Maturana e Varela, “De maquinas y seres vivos” (1973).
A ssim , em b o ra h aja um a ab ertu ra no sistem a (que perm ite que receba elem entos
“em b ru to ” do exterior), a p ró p ria existên cia de um sistem a do tad o de um a g ra
m ática p ró p ria im p lica o seu fe ch am en to . P o d e d ize r-se , p o rta n to , q u e a um a
ab ertu ra in fra-sistêm ica co rresp o n d e um fecham ento sistêm ico (H espanha, 1998,
p. 261).
Estado e Direito como sistemas autopoiéticos: uma abordagem da Teoria de Sistemas de Niklas.., 133
e com o m eio ambiente. Cada subsistema pode operar com diferentes aco
plamentos estruturais, com o no caso do sistema jurídico, acoplado ao sistema
político através das normas constitucionais e ao sistema econôm ico pelas
normas relativas à propriedade e ao contrato (Luhmann, 1990, p. 154). As
formas altamente seletivas de acoplamento estrutural, na medida em que não
abrangem o ambiente total do sistema, dão conta da canalização das situações
de irritação do sistema pelo entomo, influenciando o processo histórico evo
lutivo de auto-estruturação dos sistemas autopoiéticos (Luhmann in N eves e
Samios, 1997, p. 67-68).
A partir dessa base conceituai, Luhmann vai sustentar que a diferencia
ção dos sistemas funcionais na sociedade moderna criou condições que se
manifestam na sua própria ordem interna, formando subsistemas funcionais
autopoiéticos, com plexos e dinâmicos, operativamente fechados, que são o
entom o uns para os outros e estabelecem relações de forte dependência recí
proca. A unidade do sistema social global é vista com o reprodução autopoié-
tica, no interior da qual todas as distinções através das quais essa unidade po
de ser observada e descrita se apresentam ao observador por meio de um có
digo binário (sistem a/entomo, centro/periferia) (Luhmann, 1990, p. 168).
cisão sobre atribuições de status. Todos estes fenômenos levam à questão dos limites da poli-
tização do poder” (Luhmann, 1992, p. 76).
Estado e Direito como sistemas autopoiéticos: uma abordagem da Teoria de Sistemas de Niklas... 135
mana, a liberdade, a igualdade, a solidariedade e a justiça não ofereceriam
uma orientação suficiente e efetiva para a ação política.
N a teoria de Luhmann, toda ação política é vista com o comunicação. A
questão é: se o entorno do sistema político, quer seja a economia, a motivação
da população, o desenvolvim ento científico ou o limite dos recursos mate
riais, adquire uma com plexidade crescente, com o se pode aumentar a capaci
dade de comunicação do sistema político para dar conta desse aumento de
complexidade? A resposta a esta questão envolve a diferenciação interna do
sistem a p o lítico e as form as de decisão vinculante apropriadas para que a po
lítica possa atuar sobre a vida social.
A diferenciação interna leva o sistema político-partidário (periferia) a
privilegiar determinadas formas de orientação para o exterior, filtradas pela
opinião pública,7 pelas possibilidades de consenso, pelo incremento da carrei
ra política das personalidades políticas e pelo direito. As informações que não
podem satisfazer nenhuma destas condições de recepção, isto é, que não pas
sam por nenhum destes filtros, não têm possibilidade de encontrar atenção
política.
A questão das decisões vinculantes diz respeito ao centro do sistema po
lítico (administração pública), e tem com o limitação o fato de que para a de
cisão política eficaz no Estado moderno somente se dispõe de dois m eios de
ação/comunicação: o Direito e o dinheiro. Na situação atual, ambos os meios
(Direito e dinheiro) mostram sinais claros de uma utilização excessiva (sobre
carga), que aparecem com o hiperjuridificação e crise fiscal do Estado. O
quadro que se apresenta, portanto, é de uma sobrecarga do sistema político
sobre si mesmo, provocada por m otivos socioestruturais que são praticamente
Estado e Direito como sistemas autopoiéticos: uma abordagem da Teoria de Sistemas de Niklas... 137
erarquicamente superior, articulando-se horizontalmente em sistemas funcio
nais, e o sistema político passa a operar com esta lógica binária autônoma.
Com isso, a política perde a possibilidade de representação do todo, mas
alcança o seu próprio código de funcionamento auto-referenciado. Precisa
mente porque não governam ambos, não há nenhuma im posição de consenso,
fato que produz continuamente informações internas ao sistema, que regula o
que se atribui ao governo e à oposição, graças a uma pequena diferença tem
poral: a possibilidade de que os partidos no governo e na oposição troquem
seus postos nas eleições seguintes. Este código binário é reconhecido por
Luhmann com o um ganho evolucionário altamente improvável, e a sua falta
de ambigüidade constitui o motor e a meta de um sistema político autônomo.
Para Luhmann,
Esta diferenciación significa que el sistem a político no debe o perar sobre un sis
tem a social altam ente com plejo, en constante m utación a través de la dinâm ica
autônom a de los sistem as funcionales, sino d entro de él. La econom ia fluetúa; la
ciên cia inventa bom bas atôm icas, píldoras anticonceptivas, transform aciones
quím icas de todo tipo; las fam ilias y las escuelas no producen ya los jó v e n e s que
d esearía el ejército. En sum a: son tiem pos revueltos para la p o lítica, y precisa
m ente p o r ello sólo puede operar com o un sistem a cerrado o, com o a mí m e gus-
ta decir, autopoiético: que d ebe codificarse y program arse hacia la contingência.
La invención estructural resultante de ello ha recibido, por m otivos históricos ac-
cidentales, el nom bre de dem ocracia (L uhm ann, 1997, p. 164-165).
Estado e Direito como sistemas autopoiéticos: uma abordagem da Teoria de Sistemas de Niklas... 139
Para Luhmann, o crescimento da com plexidade social é a causa de uma
transformação das estruturas jurídicas, a fim de que possam exercer sua fun
ção de redução da complexidade. Essa transformação ocorre, com o mostrou
Weber, através do processo de positivação do Direito, que desvincula o sis
tema jurídico de sua tradicional vinculação com o sagrado, substituído pela
decisão obtida por procedimentos preestabelecidos. Dessa forma, a eficácia
do sistema de Direito positivo depende não tanto da adequação de um conte
údo das normas jurídicas às exigências concretas dos particulares, quanto da
adequação dos m odos de produção dessas normas às exigências de racionali
dade e de controle que o nível de complexidade alcançado pelo sistema social
e pelo seu entomo requerem em cada momento.8 Um sistema jurídico que
funcione adequadamente obtém a sua legitimidade na medida em que é capaz
de produzir uma prontidão generalizada para a aceitação de suas decisões, a-
inda indeterminadas quanto ao seu conteúdo concreto, graças a um procedi
mento judicial que imuniza a decisão final contra as decepções inevitáveis.
Essa capacidade é garantida, a partir do século XIX, pela separação estri
ta de dois subsistemas, legislação e jurisprudência, acoplados estruturalmente,
com o periferia (legislação) e centro (juizes e tribunais) do sistema jurídico.
Essa separação permite a canalização diferencial de influências (irritações)
externas, e a sua dissolução levaria ao colapso do sistema jurídico e da pró
pria diferenciação entre política e economia. Segundo Luhmann, essa diferen
ciação
fornece, na sua ação con ju n ta com outras d istinções, sobretudo nas d istinções en
tre co d ificação bin ária e program ação, igualm ente n a d iferença entre D ireito e
n ão-D ireito, p o r um lado, e norm as ju ríd ic o -p o sitiv as, de outro lado, o pressu
posto para que o p róprio sistem a ju ríd ic o se possa diferen ciar do seu m undo cir
cundante e para que ele possa, enquanto sistem a operativam ente fechado, repro
d u z ir suas pró p rias operações através d a rede de operações p róprias (L uhm ann,
1990, p. 155).
9 Embora aqui se sustente a vinculação da Teoria Social Sistêmica a uma perspectiva pós-
modema do direito, o próprio Luhmann não aceita essa vinculação, ao criticar o que deno
mina vale-tudo pós-moderno (Neves e Samios, 1997, p. 73). No entanto, no mesmo sentido
de Hespanha é a opinião de Pissarra (in Luhmann, 1992), quando afirma: “Mantém, assim,
também algum significado a inclusão desta teoria no quadro do que se convencionou chamar
‘pós-modemidade’ (Bednarz, 1991, 423-32) - a expressão, no entanto, não pertence ao vo
cabulário do autor e é mesmo objeto da sua ironia corrosiva (Luhmann, 1987, 231). A cono
tação surge em virtude do interesse prestado à tendência deslegitimizante presente nas socie
dades mais desenvolvidas, com a crise das ‘metanarrativas’ (do ‘Espírito’ ou da ‘Humanida
de’), que formavam o quadro teleológico de referência da politica modema, e a emergência
de um critério puramente performativo (autolegitimante), de optimização da relação input-
Estado e Direito como sistemas autopoiéticos: uma abordagem da Teoria de Sistemas de Niklas... 1 41
Quanto à autonomia do Direito, a teoria luhmanniana justifica a resistên
cia que o sistema jurídico apresenta frente às intenções ou projetos oriundos
de outros universos com unicacionais (subsistemas), adotando a noção de sis
tema autopoiético com o uma alternativa frente às perspectivas que dissolvem
o Direito em uma lógica do social, com o nos determinismos economicistas,
que consideram o Direito apenas na sua dimensão de instrumento de engenha
ria social.
Por outro lado, a noção de autopoiésis apresenta um interessante viés ex
plicativo para as resistências dos sistemas com unicacionais do quotidiano em
relação ao Direito oficial, na medida em que a causalidade inter-sistêmica
nunca é direta, e sim mediada. Um sistema apenas pode “irritar” o outro, pro
vocando nele reações internas que respondem a essa irritação de acordo com
a sua própria gramática interna. Portanto, uma política jurídico-legislativa de
ve ser duplamente reflexiva, no sentido de avaliar as conseqüências de uma
inovação jurídica sobre o seu entorno, e o resultado dessa inovação em face
da estrutura e gramática interna do sistema jurídico.
Quanto à idéia de pluralismo jurídico, a teoria dos sistemas autopoiéticos
permite compreender porque não basta ao sistema de Direito oficial declarar
que o Direito se aplica igualmente a todos os cidadãos, já que na prática ten
dem a formar-se diversos sistemas de comunicação jurídica (direito oficial,
direitos populares, direitos das profissões, direitos das comunidades cultural
mente diferenciadas) fechados entre si. Frente a essa pluralidade de sistemas
jurídicos, que constitui a descrição fenom enológica do Direito em sociedades
com plexas, são evidentes as dificuldades de “tradução” das normas, institutos
e conceitos de um sistema jurídico para outro. D e fato, a comunicação jurídi
ca intra e inter-sistêmica é feita através de suportes infrajurídicos (com o a
linguagem do senso comum), e se estes são culturalmente muito diferentes, a
comunicação é atravessada por ambigüidades e mal-entendidos com repercus
são no plano normativo.
Estado e Direito como sistemas autopoiéticos: uma abordagem da Teoria de Sistemas de Niklas... 143
tos, sem considerar o conteúdo das decisões adotadas. É im possível pensar no
sistema jurídico das modernas democracias ocidentais, sem levar em conta a
delegação conferida aos tribunais para dirimir todo um conjunto de questões
de profunda relevância moral para o conjunto da sociedade, traduzidas em
decisões judiciais universalizantes, orientadas pela legislação e pela jurispru
dência. Questões com o o direito ao aborto, os níveis de poluição ambiental, a
responsabilidade por danos ao patrimônio e violência contra a pessoa, a fun
ção social da propriedade, a relação de reciprocidade nos contratos formais e
informais que fazem parte do quotidiano das sociedades contemporâneas, o
alcance dos direitos e garantias individuais, têm sempre uma relevância do
ponto de vista ético e moral que não pode ser reduzida ao código legal/ilegal,
com o seria a pretensão de uma teoria pura do direito de origem kelseniana.
Como coloca Boaventura de Sousa Santos (2000), a teoria da autopoiése do
direito levanta importantes questões a respeito de problemas operacionais
particulares, com o a demora e os custos da justiça, a brutalidade policial, o
congestionam ento dos tribunais e das prisões, a discrepância entre Direito le
gislado e Direito aplicado, etc. “N o entanto, para além do limitado - mas im
portante - nível ‘operacional’, esses problemas não são jurídico-técnicos: são
problemas políticos (Santos, 2000, p. 161).
Como conclusão, e sem esgotar de forma alguma as questões suscitadas
pela riqueza da obra luhmaniana, cumpre apenas destacar a contribuição por
ela aportada em um momento de transição paradigmática. Com a exaustão do
paradigma moderno, pelo colapso e transformação das energias emancipató-
rias em energias regulatórias, ingressamos em um período de transição para
digmática, no qual surgem novos riscos e inseguranças, mas também oportu
nidades para a inovação, a criatividade e as escolhas morais. Se a teoria de
Luhmann não reconhece a importância destas últimas, não deixa de contribuir
para que as mesmas sejam tomadas, colocando a nu a lógica sistêmica que re
gula e coloniza o mundo da vida de 6 bilhões de seres humanos. Ela nos aler
ta, no mínimo, para o seguinte dilema: quanto maior for a correspondência
entre a descrição luhmanniana dos sistemas sociais, cegos e surdos aos valo
res humanos, maior a tragédia para a emancipação humana. N ão há com o ne
gar a centralidade desse debate no delineamento de possíveis configurações
societais futuras.
R eferên cias
BRUNKHORST, Hauke. T eoria de sistemas. In: OU TH W A ITE et al. D icionário do p e n
sam ento social do século XX. Rio de Janeiro: Zahar, 1996, p. 692-694.
GUERRA FILHO, W illis Santiago. A utopoiese do D ireito na sociedade pós-m oderna.
Porto Alegre: L ivraria do Advogado, 1997.
HA BERM AS, Jürgen. O discurso filo só fico da modernidade. Lisboa: Dom Quixote, 1998.
Estado e Direito como sistemas autopoiéticos: uma abordagem da Teoria de Sistemas de Niklas... 145
8
Daniel de Mendonça
------------------------ ♦ -------------------------
A n o ç ão de s ig n ific a n te vazio
N o âmbito da Teoria do Discurso, um significante vazio é um significan-
te sem significado. Contudo, um significante vazio é um significante sem sig
nificado, conforme aponta Laclau (1996), não por não fazer parte de um sis
tema de significações - o que conseqüentemente o impediria de produzir
qualquer sentido - mas justamente pelo fato do significante vazio representar
um sistema de significações que, devido ao seu caráter polissêm ico, acaba por
perder qualquer possibilidade de produzir sentidos específicos.
Tom em os um exem plo da constituição de uma prática articulatória dis
cursiva para buscar esclarecer o ponto. “A ”, “B ” e “C” são elem entos diferen
tes que num primeiro momento (M l) não estão relacionados entre si. Num
momento seguinte (M 2), surge o elem ento “D ”, que passa a estabelecer rela
ções com “A ”, “B ” e “C ”. Portanto, em M 2, “D ” consegue ser o ponto nodal'
entre os elem entos “A ”, “B ” e “C”, criando uma “ordem”, ou uma articula
ção, entre os três elem entos. O resultado desta articulação é o discurso, cujo
sentido principal, mas não o único, é o produzido pelo ponto nodal “D ”. “D ”,
portanto, passa a representar um sentido com um em relação aos elem entos
unificados, alterando suas especificidades e ampliando seus próprios limites
de significação. “D ” constitui uma cadeia de equivalências, na qual as dife
renças entre “A ”, “B ” e “C”, perante “D ”, desaparecem. “D ” suporta os três
elem entos em questão, ou seja, “D ” significa mais do que a singularidade de
cada um dos elem entos articulados.
D e forma simplificada, apresentamos acima a noção de prática articulató
ria, cujo resultado é o discurso.2 “D ” pode, ainda, articular mais elem entos do
que os dessa limitada cadeia de equivalências formada por “A ”, “B ”, “C” e
“D ”. “D ” pode ser um elem ento de convergência de tantas identidades a pon
A condensação do “imaginário popular oposicionista” num significante vazio: as “diretas já" 147
to de perder qualquer possibilidade de significação específica e se tomar um
significante sem significado, um significante vazio. Essa perda de significa
ção específica é o resultado do esvaziamento dos sentidos identitários de “D ”
e essa é a razão desse elemento conseguir suportar (no sentido de representa
ção, ou de supplêm ent em Derrida) a presença dos demais elem entos inseri
dos na estrutura articulatória. Conforme Laclau (1996), a função do signifi
cante vazio reside justamente em renunciar sua identidade diferencial para re
presentar o espaço comunitário, ou seja, o sistema de diferenças.
Céli Pinto (1999), num importante artigo que tem por objetivo apresentar
as principais categorias da Teoria do Discurso de Em esto Laclau e Chantal
M ouffe, destaca o sentido de significante vazio quando apresenta, no terreno
do político, o exem plo do esvaziamento dos conteúdos da democracia liberal:
A dem ocracia liberal se constitui em um a cadeia de equivalência com : liberdade
de expressão; igualdade perante a lei; eleições dos g overnantes e representantes,
na qual a dem ocracia liberal é o term o que perm ite equivalência. O ra, a partir das
lutas d a décad a de 60, este term o vai g anhando cada vez m ais eq uivalências c
perd en d o cada vez m ais con teú d o s particulares. C om põem esta cadeia de direitos
im pensáveis antes d a II G uerra, tais com o: voto universal (ho m en s/m u lh e
res/analfabetos), d ireito das m inorias, exp eriên cia de dem ocracia participativa,
direito s sociais, etc. A dem o cracia p aulatinam ente se to rn a um significante vazio
(P in to , 1999, p. 85).
3 A expressão “lugar vazio” é utilizada por Laclau (1996), para caracterizar a noção de Uni
versal e de significante vazio.
4 Laclau, em A morte e a ressurreição da Teoria da Ideologia (2000) demonstra com precisão
os limites de qualquer formação discursiva: “uma cadeia de equivalências pode, em princi
pio expandir-se indefinidamente, mas, uma vez que um conjunto de relações centrais está es
tabelecido, essa expansão é limitada. Certas novas relações seriam simplesmente incompatí
veis com as particularidades integrantes da cadeia” (Laclau, 2000, p. 140-141).
A noção de dem o cracia com o um processo sem pre em construção, que, p o r sua
natureza, tem poten cialid ad es m uito alargadas de incorporação e inclusão, ape
nas com um lim ite fundam ental e constituidor: [...] a dem ocracia, para não perder
a razão de existir, não pode incorporar a sua negação, isto é, d iscu rso s que p re
tendam legitim ar a exclusão (P in to , 1999, p. 97).
5 Em outro momento desenvolvemos de forma mais aprofundada a discussão acerca dos limi
tes de um sistema discursivo. Na verdade, introduzimos ao debate da Teoria do Discurso o
que denominamos de a “dupla impossibilidade de objetivação discursiva” , dada, por um la
do, pelo corte antagônico e, por outro, pelas próprias características de funcionamento da
prática articulatória (Mendonça, 2003).
6 Em “Nuevas reflexiones sobre la revolución de nuestro tiempo” , Laclau enfatiza o sentido
que deve ser entendido a categoria de antagonismo: “o ponto fundamental é que o antago
nismo é o limite de toda a objetividade. Isto deve ser entendido em seu sentido mais literal:
como afirmação de que o antagonismo não tem um sentido objetivo, de sorte que é aquilo
que impede a constituição da objetividade como tal” (1993, p. 34).
A condensação do “imaginário popular oposicionista” num significante vazio: as “diretas já" 149
Em nossa análise, o “imaginário popular oposicionista” constituiu-se
numa série de demonstrações de insatisfação política oriundas da população
em relação ao governo autoritário, dispersas durante o período de transição.
Este sentimento oposicionista manifestou-se, sobretudo, de duas formas: I)
pela via eleitoral e; II) a partir da emergência dos “novos movimentos soci
ais” no final da década de 1970. Vejamos cada uma dessas formas de senti
mento oposicionista, iniciando pela insatisfação popular manifestada nos re
sultados das eleições de 1974, 1976, 1978 e 1982.
7 Acerca da busca de legitimidade pelo regime autoritário no pleito de 1974, veja-se a posição
de Lamounier: “[...] no Brasil, começando em 1974, o processo eleitoral foi de fato um teste
de forças e de legitimidade, e não o símbolo e o coroamento de um pacto de transição já
acertado noutras bases entre os atores relevantes” (Lamounier, 1985, p. 127).
A condensação do “imaginário popular oposicionista" num significante vazio: as “diretas já” 151
da AR EN A em 1966 e 1970 não poderiam também justificar previamente
uma vitória govem ista em 1974, haja vista que, além dessas eleições terem
sido inegavelmente viciadas em legitim idade,12 não foi realizado nenhum
pleito legislativo em níveis estadual e federal no Brasil entre 1970 e 1974, pe
ríodo marcado pelo alto grau de repressão política. A realidade que parecia
óbvia, mas que em 1974 ninguém percebeu, era a de que não havia m eios de
se precisar qual era o grau de legitimidade do regime autoritário, tendo em
vista que o termômetro social mais eficaz, o processo eleitoral, não fora sido
realizado no ápice do período de repressão.13 M esmo considerando os resul
tados de 1970, amplamente favoráveis à ARENA, não se pode, ainda assim,
ter segurança do grau de legitimidade autoritária, tendo em vista que as cir
cunstâncias eleitorais de 1970 não podem ser minimamente comparadas com
as do pleito de 1974, cujo grau de liberalismo político-eleitoral foram muito
maiores.
A segunda constatação decorrente da derrota da ARENA em 1974 é a de
que, uma vez instaurado o “projeto de abertura”, pelo presidente G eisel, e o
conseqüente “processo de abertura”, 14 esses fugiram ao controle, tanto do go
verno, com o da oposição. O “processo de abertura” adquiriu uma dinâmica
própria que foi muito além de uma estratégia inicial concebida pelo governo.
Esse argumento está em conformidade com o de Lamounier, uma vez que, se
gundo este autor, “eleições com petitivas podem exercer efeitos liberalizantes
mesmo dentro de sistemas políticos não-com petitivos” (Lamounier, 1988, p.
96). Lamounier explica ainda a importância das eleições de 1974 para a di
nâmica da abertura: “o mínimo que se pode dizer dessa eleição [...] é, pois,
que ela deu início à autonomização da abertura com o processo político, trans-
formando-a em algo bem m enos reversível do que o inicialmente antevisto na
estratégia governamental” (Lamounier, 1988, p. 111). A reversibilidade do
processo representaria um novo fechamento do regime, o que comprometeria
em boa medida a legitimidade política que buscava o governo autoritário.
A condensação do “imaginário popular oposicionista" num significante vazio: as “diretas já” 153
tos indiretamente por colégios eleitorais estaduais, bem com o os efeitos da
Lei Falcão permaneceriam vigentes. O “pacote de abril” representou clara
mente a admissão de que o regime autoritário carecia de legitimidade politica,
tendo em vista que, para manter maioria no Senado e o controle dos poderes
executivos estaduais, era necessário recorrer às eleições indiretas que, na prá
tica, representava a escolha de membros do regime para a ocupação dessas
cadeiras.
Apesar dessas medidas casuisticas visando à vitória da ARENA, o MDB
obteve ainda um excelente desempenho eleitoral. Na disputa pelo Senado, por
exem plo, o partido oposicionista conquistou 4,3 m ilhões de votos a mais do
que a ARENA. Contudo, apesar desta importante diferença pró-oposição, o
M DB conquistou apenas nove cadeiras no Senado contra 36 da ARENA.
D essas 36 cadeiras conquistadas pela ARENA, “21 foram ganhas nas eleições
indiretas dos colégios eleitorais aumentados nos estados” (A lves, 1984, p.
200). Na Câmara dos Deputados, a ARENA elegeu 231 deputados contra 189
do M DB. O “pacote de abril” conseguiu, assim, conter o avanço da oposição
emedebista e garantir a maioria da ARENA no Congresso Nacional.
Já o processo eleitoral de 1982 - o primeiro desde a volta do pluriparti-
darismo em 1979 - representou um passo decisivo no processo de redemocra-
tização. O governo, prevendo mais uma derrota, editou, em novembro de
1981, outro subterfiigio eleitoral que ficou conhecido por “pacote de novem
bro”. Esse conjunto de medidas restringia a participação dos partidos de opo
siç ã o ,15 que excluindo o PM D B , ainda eram organizações d éb eis e sem
abrangência nacional.
A resposta imediata da oposição a mais uma medida legal restritiva foi a
incorporação do Partido Popular ao PM DB. Com isso, o PM DB ganhou im
portante reforço eleitoral para enfrentar o pleito de novembro de 1982. A in
corporação do PP pelo PM DB reinstituiu, na prática, em quase todas as dis
putas estaduais, o bipartidarismo presente durante praticamente todo o regime
autoritário. Assim , a campanha eleitoral foi extremamente competitiva, com a
realização de intensos debates entre partidos e candidatos, principalmente às
vagas ao Senado Federal e aos governos dos estados. A campanha foi mar
cante também pelo grande envolvimento da sociedade civil.
O resultado eleitoral foi novamente positivo para a oposição. Entretanto,
o PD S, justamente em função das medidas restritivas do “pacote de novem
bro”, conseguiu ainda manter sua maioria no Congresso Nacional: 235 depu
tados federais e 46 senadores, contra 200 deputados e 21 senadores do
A condensação do “imaginário popular oposicionista” num significante vazio: as “diretas já” 155
civil. Organizações estudantis, sindicatos e protopartidos se formam do dia
para a noite” (Przeworski, 1989, p. 27).
É importante ainda salientarmos que se, por um lado, a emergência des
ses movimentos se deu em conseqüência de uma maior liberalização politica,
por outro, restou claro que o acolhimento de suas demandas específicas por
parte do Estado era extremamente limitado em função da estrutura estatal au
toritária que impedia a participação popular.17
Desta forma, entendemos que não é necessário que um movimento social
reivindique diretamente o fim do regime autoritário para que este ameace a
existência do autoritarismo. Isso porque o que era comum a todos os m ovi
mentos sociais do final da década de 1970 era que suas demandas específicas
entravam em constante choque com um regime que, conforme de Forget,18 via
“todos os brasileiros” da mesma forma, ou seja, com o membros de uma idên
tica nação, não reconhecendo, portanto, m ovimentos que reivindicassem de
mandas específicas. O não-atendimento das demandas desses movimentos so
ciais favoreceu em muito o desenvolvimento do “imaginário popular oposi
cionista” em relação ao regime autoritário. Inúmeros m ovim entos sociais
emergiram nesse período. Mencionaremos, contudo, somente três deles, par
tindo das greves operárias do A BC paulista, entre os anos de 1978 e 1980,
passando pelos m ovimentos populares e pelo movimento feminista.
A s greves operárias da região do A BC paulista foram lideradas por uma
corrente do movimento sindical brasileiro que ficou conhecida por “sindica
lismo autêntico” ou “novo sindicalismo”. Os “autênticos” formavam um gru
po de novos sindicalistas oriundos principalmente de indústrias de setores pe
sados e de ponta da econom ia brasileira, com o metalúrgicas, siderúrgicas, re
finarias de petróleo e petroquímicas. Esse grupo de sindicalistas representou
uma nova visão na relação existente entre capital e trabalho em contraposição
ao sindicalismo tradicional brasileiro instituído no período populista.19 Os
A condensação do “imaginário popular oposicionista" num significante vazio: as “diretas já" 157
lhista vigente e, com isso, o ingresso das relações de trabalho na pauta da
transição politica, ponto que até então, tanto govem o, com o oposição partidá
ria, negligenciavam o debate.
Já os m ovimentos de 1979 e 1980 caracterizaram-se por uma maior cen
tralização das greves por parte dos sindicatos. Representou, também um au
mento significativo no número de paralisações: 224 em 1979 contra 136 no
ano anterior (Almeida, 1982, p. 94). A lém do aumento significativo no núme
ro de paralisações, essas atingiram também outras categorias laborais, princi
palmente nas grandes cidades do centro-sul, com o rodoviários, bancários, li
xeiros, m édicos, professores, entre outros. O comportamento, tanto dos em
presários, com o do govem o, também se alterou. Por parte dos empresários,
ocorreu um aumento da resistência em negociar com os trabalhadores. Um
m otivo importante para o aumento dessa resistência se deu pelo fato de que as
greves de 1979 e 1980 caracterizaram-se pela paralisação de categorias intei
ras, contrastando com as paralisações localizadas de 1978. A s negociações,
portanto, alteraram suas características. Como os sindicatos estavam mais
bem preparados e organizados para enfrentar as greves, eles conseguiram
condensar as reivindicações gerais de cada categoria. Isso representava um
aumento substancial do poder e do papel dos sindicalistas na mesa de nego
ciação com o empresariado. D o lado do govem o, voltou-se a aplicar a legis
lação trabalhista vigente, que previa a intervenção do Ministério do Trabalho,
e que considerava a greve com o um instrumento ilegal de manifestação dos
trabalhadores. Essa intervenção governamental resultou em medidas autoritá
rias com o a intervenção de sindicatos e a destituição e prisão de líderes e de
diretores sindicais.
Assim , a expectativa de um novo tempo nas relações de trabalho no Bra
sil vislumbrada pelo “novo sindicalism o”, principalmente após os resultados
positivos do m ovimento sindical em 1978, foi abandonada com as malogradas
experiências grevistas de 1979 e 1980. A lém disso, o poder do movimento
sindical em mobilizar protestos e greves diminuiu substancialmente no início
da década de 1980, tendo em vista o crescimento dos níveis de desemprego
em função da recessão econôm ica do período (Almeida, 1982).
A ssim com o o m ovimento sindical, os movimentos populares foram tam
bém importantes na contestação do regime autoritário e na constituição do
“imaginário popular oposicionista”. Os “m ovimentos populares”20 que esta
mos tratando aqui são organizações locais que reivindicam do Estado (em to
dos os níveis e esferas de competência) questões pontuais atinentès às comu
nidades suburbanas das grandes cidades, com o implantação de redes de água
e esgoto, fornecimento de luz elétrica, asfaltamento de ruas, construção de es
20 Para um pertinente estudo de caso acerca dos movimentos populares, ver a análise de Scott
Mainwaring sobre o Movimento de Amigos de Bairro (MAB) de Nova Iguaçu - RJ (Main-
waring, 1988).
21 Os três primeiros momentos históricos das relações entre a Igreja Católica e o Estado autori
tário são: o primeiro, entre 1964 e 1968-69, marcado por divisões ideológicas e políticas no
clero entre “conservadores” e “progressistas”, com maior influência dos “conservadores”. O
segundo momento, iniciado em 1968-69, teve duração até o final de 1973 e ficou marcado
por um crescente movimento de oposição do clero ao regime autoritário que estava no auge
da repressão política. O terceiro momento, entre 1973/74 a 1978, ficou conhecido pelas po
sições e ações da Igreja profundamente criticas ao autoritarismo.
A condensação do “imaginário popular oposicionista” num significante vazio: as ‘diretas já" 159
A ssim com o os movimentos populares, nesse mesmo período, surgiram
também vários m ovimentos de mulheres por todo o país. Em meados da dé
cada de 1970, portanto, tanto mulheres de classe média e nível superior, como
mulheres pobres e com pouca instrução formal, organizaram m ovimentos pa
ra pressionar o governo autoritário com reivindicações políticas específicas
de gênero. A luta das mulheres foi difundida em vários setores da sociedade,
com o na formação de inúmeras entidades civis feministas, no engajamento
nos partidos políticos de oposição e na participação ativa no m ovimento sin
dical também nascente no período.22
O surgimento dos movimentos de mulheres desafiava o regime autoritá
rio, pois restava claro, pelo m enos aos grupos feministas mais intelectualiza
dos, que a luta política em direção à redcmocratização era o primeiro cami
nho que deveria ser percorrido para após, numa sociedade mais democratiza
da, reivindicarem políticas específicas de gênero.
Com isso não estamos afirmando que as feministas, durante o período au
toritário, anularam suas demandas de gênero para apenas se incorporarem na
luta mais geral pela redemocratização. Creches, planejamento familiar, m éto
dos de controle de natalidade, igualdade em relação ao homem no contrato
matrimonial, luta contra a violência em casa, salários iguais e redistribuição
do trabalho dom éstico (Alvarez, 1988), eram algumas demandas que o m ovi
mento feminista no Brasil reivindicava ao Estado brasileiro. Ocorre que o re
gim e autoritário não reconhecia tais demandas de gênero com o legítimas.
Ademais, quaisquer demandas específicas não tinham o mínimo reconheci
mento institucional, com o demonstra C éli Pinto:
Buscam os demonstrar até aqui que, tanto pela via eleitoral, com o a partir
da em ergência dos novos movimentos sociais, o governo militar assistiu o
crescimento do “imaginário popular oposicionista” e o conseqüente decrés
cim o de sua legitimidade política. E leições de 1974, 1976, 1978, movimentos
sociais no final da década de 1970, restabelecim ento do pluripartidarismo,
eleições de 1982. O caldeirão oposicionista estava esquentando. Contudo, a
grande explosão de participação e ânimo popular contra o regime ainda esta
va por vir. A Campanha das “diretas já ” representou o coroamento e o ponto
nodal de múltiplas demandas, constituindo-se num significante vazio como
demonstraremos na próxima seção.
22 Para uma análise das relações de gênero no seio do movimento sindical brasileiro no período
do surgimento do “novo sindicalismo”, ver Brito (1986).
A condensação do “imaginário popular oposicionista” num significante vazio: as “diretas já” 161
às pressões externas. D essa forma, é interessante notar que o apoio ao projeto
das diretas por parte de entidades da sociedade civil organizada com o a Igreja
Católica, os sindicatos e as entidades de profissionais liberais passou objeti
vamente a pressionar os parlamentares a aprovarem tal emenda em pleno au
toritarismo, ou seja, durante um regime político que, apesar de claros sinais
de liberalização, representava inequivocamente uma ideologia política que
vedava a participação popular nas decisões públicas.
Assim , com o afirmamos acima, as primeiras pressões populares pró-
diretas remontam a abril de 1983, através das manifestações de entidades da
sociedade civil organizada. O início oficial da Campanha ocorreu, contudo,
somente em janeiro de 1984. N esse período - entre o protocolo do projeto de
emenda constitucional e o com ício realizado em Curitiba23 - registrou-se o
recebimento de várias adesões da sociedade civil ao movimento que ainda es
tava por acontecer.24
Em novembro de 1983, por exem plo, a revista “V eja” registrou que o
projeto do deputado Dante de Oliveira havia recebido o apoio de todos os dez
governadores oposicionistas. Positivam ente sintom ático à campanha foi o
anúncio da revista do apoio à emenda de nove dos 13 governadores do então
partido govem ista, o PDS (Veja n2 794, 23/11/83, “Uma Direta no P D S”, p.
37). N a mesma matéria, a revista destaca ainda que Joaquim dos Santos An
drade, o Joaquinzão, presidente do Sindicato dos M etalúrgicos de São Paulo,
reuniu sindicalistas “para levar a campanha pela direta para a porta das fábri
cas” (p. 37). Outras manifestações pró-diretas ocorreram no mês de novem
bro, com o o ato público e o abaixo-assinado de artistas, realizado nas escada
rias do Teatro Municipal de São Paulo (Veja n- 795, 30/11/83, “Diretas já ou
em 1986”, p. 36).
Tanto a revista “V eja”, com o a “Isto É”, divulgaram dados de pesquisas
de opinião favoráveis à realização de eleições diretas. A “V eja” divulgou a
enquete realizada pelo Instituto Gallup que apontou, em junho de 1983, que
79% dos paulistas e cariocas preferiam a realização de eleição direta à Presi
dência da República (Veja ns 796, 07/12/83, “A direta pára no P D S”, p. 42).
A condensação do “imaginário popular oposicionista” num significante vazio: as “diretas já” 163
N esse sentido, para muitos grupos - e esta é a questão fundamental - lu
tar por eleições diretas para presidente da República, um expediente que mui
tos países democráticos dispensam e nem por isso deixam de ser considerados
democráticos, representava muitas vezes um pretexto para demandarem suas
questões pontuais, as quais não vinham tendo espaço de em ergência naquela
situação autoritária. Como vim os acima, havia manifestantes que, além das
diretas, reivindicavam, dentre muitas outras questões específicas, a democra
tização nas universidades, mais direitos civis às mulheres, ou seja, questões
que não possuíam nenhuma ligação direta com a regra formal de votar para
presidente.
O que deve ser percebido nestas manifestações para além das “diretas já”
é que somente derrotando o regime autoritário - o corte antagônico e amea
çador das identidades constituidoras do sistema discursivo “diretas já ” - e re-
instituindo a democracia, esses movimentos viam a possibilidade de deman
dar suas políticas específicas que só poderiam ser reconhecidas por um regi
me político que admitisse a existência de diferenças, contrariamente a um re
gime autoritário que, por definição, tende a igualar todos os “cidadãos” do
Estado sob os preceitos e bases de sua “revolução”.
O grupo político contrário às “diretas já” restringia-se ao govem o federal
e à maioria do PDS. O interesse imediato desse grupo era o de eleger o suces
sor do presidente João Figueiredo. Acreditavam que, para isso, era necessário
que a eleição presidencial se mantivesse indireta.
Já o grupo pró-diretas não pode ser dimensionado com clareza, nem no
que tange o número de identidades envolvidas, nem em relação aos seus múl
tiplos objetivos condensados em tom o da idéia que a todos abrigava: o direito
de votar para presidente. Podem os exemplificar, mais uma vez o sentido he
gem ônico da campanha das diretas através da seguinte constatação registrada
num editorial da revista “V eja”:
25 Na análise de Brasilio Sallum Jr.: “Antes de mais nada, a Campanha das Diretas, ligando a
palavra à ação, consolidou e ampliou a posição da grande maioria da população, contrária ao
regime militar e a seus mecanismos de dominação. Nesse sentido, cumpriu de forma mais in
tensa função similar à desempenhada pelos processos eleitorais no processo político” (1996,
p. 99).
26 Das mais de cinco dezenas de comícios pelas diretas realizados em todo Brasil, o número de
manifestantes de três deles merece especial destaque. Em 25 de janeiro de 1984, em São
Paulo, reuniram-se mais de 200 mil pessoas para reivindicarem eleições diretas. Em Belo
Horizonte, em 24 de fevereiro, 250 mil manifestantes aglomeram-se para defender a aprova
ção da emenda Dante de Oliveira. Impressionante mesmo, contudo, foi a monstruosa cifra de
mais de um milhão de pessoas reunidas na Praça da Sé, no Rio de Janeiro em 10 de abril de
1984, momento que se constituiu na maior manifestação pública da história do Brasil.
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U m significante vazio é, ainda, um discurso capaz de se impor no campo
da discursividade a ponto de poder representar uma idéia hegem ônica. A for
ça de um significante vazio está na própria possibilidade que essa categoria
tem de explicar um determinado imaginário social, com o o imaginário das
“diretas já ”. N as palavras de Em esto Laclau:
A condensação do “imaginário popular oposicionista” num significante vazio: as “diretas já” 167
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iklas Luhmann, sociólogo alemão, é um dos mais proeminentes e polêmicos pensa
trabalho de Ernesto Laclau nos últimos 30 anos tem representado um dos mais
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