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Atividade apresentada no curso "Introdução aos Estudos Africanos e da Diáspora".

Universidade de Santa Catarina - UEDESC , Centro de Educação à Distância.


Aluna: JESUS, Daniela Moreira de. Sala 8.
Coordenadora: Claudia Mortari Malavota.
Tutor: Willian Robson Soares Lucindo.

A discussão sobre a questão da importância da oralidade, da tradição e da memória para


as populações africanas, realizadas no capítulo II do módulo que estamos estudando,
permite refletir sobre a constituição das diferentes identidades dos sujeitos históricos
pois evidentemente que todos nós, possuímos nossas referências de ancestralidade, de
história, de família, de experiências que nos faz quem somos. Para as populações
africanas questões como a palavra, o mito, o tempo, a memória servem de base para o
seu ser, estar e explicar o mundo. Um poema ritual do Mali diz o seguinte: “A fala é
divinamente exata, convém ser exato para com ela. A língua que falsifica a palavra vicia
o sangue daquele que mente”.

Tal poema contêm em si alguns princípios que norteiam a tradição oral. Quais são esses
princípios? Qual a importância ritual e as funções sociais que as palavras e o ato da fala
possuem para as tradições orais africanas?

E a palavra, não vale nada?

“Ògbèri nko mo màrìwo”

“O não iniciado não pode conhecer os segredos do mariwo”.

(Mãe Stella de Oxossi).

As religiões africanas e das diásporas promovem um aprendizado para a vida e,


“é preciso ter em mente que, de modo geral, todas as tradições africanas postulam uma
vida religiosa do mundo. (...) No interior dessa vasta unidade cósmica, tudo está ligado,
tudo é solidário” (Bâ, 1974:18) Assim, nesse aprendizado incluem-se além das
intelectualidades, as práticas manuais, através do cultivar a terra; da forja do ferro; do
colher das folhas. O corpo, a mente e o espiritual não estão dissociados. Tudo está
ligado e, cada palavra que se pronuncia, cada compromisso que se sela através da
palavra é fortalecida a ligação do individuo com a família escolhida, a família de Axé.

De acordo com PETIT & CRUZ (?), “diante do esfacelamento dos laços
familiares e da desterritorialização forçosa” houve uma recriação desses laços forjados
nos terreiros de candomblé, nas grandes famílias que escolhem e são escolhidas,
independentemente dos laços sanguíneos imediatos1. Assim, o Axé, força vital de
concretização das ações, que se fortalece com a prática, tem que ser referendado a todo
tempo e momento através da palavra. “A fala (a palavra) é um dom divino que tanto
pode criar harmonia como destruir, segundo o uso que é feito dela” (PETIT & CRUZ
(?)).

O ensinamento nos terreiros de candomblé promove aos sujeitos um


conhecimento para além do meramente didático e se dá a todo o momento nos rituais
realizados. O falar, o calar, o cantar, o gestual tudo se precede da palavra. Da palavra
que é dita por quem pode dizê-la e que permite que ela se repita. A palavra que é
segredo e que ao ser pronunciada evoca coisas boas ou ruins.

O segredo está ligado a todos os âmbitos da religiosidade africana e da diáspora,


pois através dele se mantem guardadas palavras de grande importância para a segurança
da comunidade. As palavras ditas corretamente permitem que as folhas sejam retiradas
da natureza sem provocar danos; permite “chamar” para nosso plano as divindades, bem
como permite afasta-las, caso venha provocar uma desarmonia.

Ser fiel e verdadeiro para com a palavra é o principio de tudo. Nas religiões
africanas e da diáspora a palavra dita em seu anverso, ou seja, a mentira, pode provocar
um grande dano não só a pessoa que a disse, mas como a toda comunidade a qual ela
pertence. De acordo com Hampaté Bâ (1974:19), “Na África tradicional, quem falta à
própria palavra mata sua pessoa civil, religiosa e oculta. Afasta-se de si mesmo e da
sociedade. Para si mesmo e para os seus, seria preferível sua morte a sua
sobrevivência”.

É possível perceber diante das “falas” dos autores o quanto a palavra possui
credibilidade, diferentemente do que sancionou as civilizações que utilizam a escrita

1
Aqui me referencio as famílias no formato europeu em que são considerados família um núcleo que se
inserem pai, mãe e filhos. Diferentemente da concepção de família africana onde esses laços podem
estender-se aos vizinhos, seja, a comunidade inteira é uma família.
como meio de credibilidade para se dizer do que é verdadeiro. Nesse âmbito, o que se
deve ter como verdadeiro é o que se está no papel, assim, a palavra não vale nada.
Levando-se em conta que na diáspora os negros não tiveram acesso à escrita, acredita-se
que suas palavras não passam de meras estórias ao invés de histórias.

Disponibilizar e utilizar de ferramentas que valorizem essas falas desacreditadas,


como as rezas, os cantos, o chamamento das divindades, as histórias de família, os
mitos contados pelos mais velhos a luz da lua cheia, o acreditar nos males causados por
coisas que não devem ser feitas no momento errado é possibilitar que essas falas
também seja consideradas como parte da história da vida humana.

Referências:

BÂ, Amadou Hampaté. A palavra, memória viva na África. 1974.

BERGAMIM, Claudia Regina. O beijo da palavrinha: um conto mágico à luz da


cosmovisão africana.

LEITE, Fábio. Valores civilizatórios em sociedades negro-africanas. África: Revista


do Centro de Estudos Africanos. USP, SP, 18-19 (1), 1995-1996.

PETIT, Sandra Haydée & CRUZ, Norval Batista. Arkhé: corpo, simbologia e
ancestralidade como canais de ensinamento da educação.

OXOSSI, Mãe Stella. Provérbios. Salvador, Bahia. 2007.

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