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Freud

Pulsões e Destinos
da Pulsão

1915
TRIEBE UND TRIEBSCHICKSALE

Edições alemãs:
1915 • Int. Z. Ärztl. Psychoanal., 3 (2), 84-100.
1918 • S.K.S.N., 4, 252-278. (1922, 2ª ed.)
1924 • G.S., 5, 443-465.
1924 • Technik und Metapsychol., 165-187.
1931 • Theoretische Schriften, 58-82.
1946 • G.W., 10, 210-232.

P Comentários editoriais da Standard Edition of the


Complete Psychological Works of Sigmund Freud

Freud começou a escrever este artigo em 15 de março de 1915 e o concluiu


junto com o seguinte (“O Recalque”) em 4 de abril.
Deve-se observar, à guisa de prefácio, que aqui (e através de toda a Standard
Edition) o termo inglês “instinct” representa o alemão “Trieb”. A escolha desse equi-
valente inglês de preferência a possíveis alternativas, tais como drive (“tendência”)
ou urge (“ânsia”), vem examinada na Introdução Geral ao primeiro volume da edi-
ção. A palavra “instinct”, de qualquer maneira, não é empregada aqui no sentido
que no momento parece ser o mais corrente entre os biólogos. Mas Freud assinala,
no decorrer deste artigo, o significado que atribui à palavra assim traduzida. A prin-
cípio, na p. 230 [ESB, vol. XIV] de “O Inconsciente”, ele próprio utiliza o termo
alemão “Instinkt”, embora possivelmente em sentido bem diferente.
Verifica-se, contudo, uma ambigüidade de Freud no uso do termo “Trieb”
(“instinct”) e “Triebrepräsentanz” (“instinctual representant”), para a qual se deve cha-
mar a atenção, a fim de assegurar uma melhor compreensão. Nas pp. 127-8 [ESB,
vol. XIV], ele descreve “instinto” [Trieb] como “um conceito situado na fronteira
entre o material e o somático, o representante psíquico dos estímulos que se origi-
nam de dentro do organismo e alcançam a mente”. Em duas ocasiões anteriores, ele
Freud Pulsões e Destinos da Pulsão
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já havia apresentado descrições quase com as mesmas palavras. Alguns anos antes,
perto do final da Seção III de seu exame do caso Schreber (1911c), descreveu o
“instinto” [Trieb] como “o conceito na fronteira entre o somático e o mental,
o representante psíquico das forças orgânicas (…)”. E num trecho provavelmente
escrito alguns meses antes do presente artigo, e acrescentado à terceira edição
(publicada em 1915, mas com prefácio datado de outubro de 1914) de seus Três
Ensaios (1905d), Edição Standard Brasileira, vol. VII, p. 171, IMAGO Editora,
1972, descreveu o “instinto” [Trieb] como “o representante psíquico de uma
fonte de estímulo endossomática, continuamente a fluir (…) um conceito que se
acha na fronteira entre o mental e o físico”. Essas três descrições parecem tornar
claro que Freud não estabelecia nenhuma distinção entre um “instinto” [Trieb] e
seu “representante psíquico”. Aparentemente, considerava o próprio “instinto”
[Trieb] como o representante psíquico de forças somáticas. Se agora, contudo,
passarmos aos artigos ulteriores dessa série, teremos a impressão de que Freud
traça uma distinção muito acentuada entre o “instinto” [Trieb] e seu represen-
tante psíquico. Isso talvez seja indicado com o máximo de clareza num trecho de
“O Inconsciente” (p. 182): “Um “instinto” [Trieb] jamais pode tornar-se um
objeto da consciência — somente a idéia [Vorstellung] que representa o instinto é
que pode fazê-lo. Além disso, no inconsciente um “instinto” [Trieb] não pode ser
representado de outra forma senão por uma idéia (…). Quando, não obstante,
falamos de um impulso instintual [Triebregung] inconsciente ou de um impulso
instintual [Triebregung] recalcado (…), referimo-nos apenas a um impulso instin-
tual [Triebregung] cujo representante ideacional é inconsciente. Esse mesmo con-
ceito aparece em muitos outros trechos. Por exemplo, em “O Recalque” (p. 153)
Freud refere-se ao “representante (ideacional) psíquico do “instinto” [Trieb]” e
prossegue: “(…) o representante em questão persiste inalterado e o instinto [Trieb]
permanece ligado a ele”; e de novo, no mesmo artigo (p. 157), escreve sobre o
representante do “instinto” [Trieb] como “uma idéia”, ou grupo de idéias, investida
com uma quota definida de energia psíquica (libido, interesse) proveniente de um
“instinto” [Trieb], e continua, dizendo que “além da idéia, algum outro elemento
que representa o ‘instinto’ [Trieb] tem de ser levado em conta (…)”. Nesse segundo
grupo de citações, portanto, o “instinto” [Trieb] não é mais considerado o represen-
tante psíquico de impulsos somáticos, mas antes como sendo ele próprio algo
não-psíquico. Esses dois conceitos aparentemente divergentes da natureza de um
“instinto” [Trieb] encontram-se em diversas passagens dos escritos subseqüentes de
Freud, embora o segundo predomine. Pode ser, contudo, que a contradição seja
mais aparente do que real, e que sua solução esteja precisamente na ambigüidade do
próprio conceito — um conceito-limite entre o físico e o mental.
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OBRAS PSICOLÓGICAS DE Freud

Reiteradas vezes Freud expressou sua insatisfação diante do estado do conhe-


cimento psicológico sobre os “instintos” [Triebe]. Não muito antes, por exemplo,
em seu artigo sobre o narcisismo (1914c, p. 100, nesse volume), ele se queixava da
“ausência total de qualquer teoria dos ‘instintos’ [Triebe] que nos oriente”. Também
depois, em “Além do Princípio do Prazer” (1920g), Standard Edition, 18, 34, des-
creveu os “instintos” [Triebe] como “o elemento ao mesmo tempo mais importante
e mais obscuro da pesquisa psicológica”; em seu artigo na Encyclopaedia Britannica
(1926f), confessou que “também para a psicanálise a teoria dos “instintos” [Triebe] é
uma região obscura”. O presente artigo é uma tentativa relativamente antiga de
lidar com o assunto de maneira abrangente. Seus muitos sucessores corrigiram-no e
suplementaram-no em vários pontos; não obstante, o texto permanece invicto
como o relato mais claro da visão que Freud tinha dos ‘instintos’ [Triebe] e da forma
pela qual ele pensava que atuavam. Sem, dúvida, reflexões subseqüentes levaram-no
a alterar seus conceitos sobre a classificação dos “instintos” [Triebe], bem como
sobre seus determinantes mais profundos, mas este artigo constitui a base indispen-
sável para a compreensão dos desenvolvimentos que se seguiriam.
O curso das alterações pelas quais passaram as opiniões de Freud sobre a clas-
sificação dos “instintos” [Triebe] talvez possa ser apropriadamente resumido aqui.
É surpreendente que os “instintos” [Triebe] apareçam explicitamente num ponto
relativamente tardio da seqüência de seus escritos. O termo “instinto” [Trieb] quase
não é encontrado nas obras do período de Breuer, ou na correspondência com
Fliess, ou mesmo em A Interpretação dos Sonhos (1900a). Só a partir dos Três Ensaios
(1905d) é que o “instinto sexual” [Sexualtrieb] é livremente mencionado como tal;
os “impulsos instintuais” [Triebregungen], que iriam tornar-se um dos termos mais
comuns de Freud, parecem não ter aparecido antes do artigo “Obsessive Actions and
Religious Practices” (1907b). Mas isso é em essência apenas um aspecto verbal: é
claro que os instintos já existiam antes, se bem que sob outro nome. Emprega-
vam-se amplamente em seu lugar expressões como “excitações”, “idéias afetivas”,
“impulsos anelantes”, “estímulos endógenos”, e assim por diante. Por exemplo, tra-
ça-se adiante (p. 146, nesse volume) uma distinção entre um “estímulo”, que atua
como uma força geradora de um impacto isolado, e um “instinto” [Trieb], que sem-
pre atua como constante. Essa distinção precisa fora traçada por Freud vinte anos
antes com palavras quase idênticas, salvo que, em vez de “estímulo” e “instinto”, ele
se referiu a excitações “endógenas” e “exógenas”. De modo semelhante, ele ressalta
adiante (pp. 146-7, nesse volume) que o organismo primitivo não pode atuar de
forma evasiva contra as necessidades instintuais como o faz contra estímulos exter-
nos. Também nesse caso ele previra a idéia vinte anos antes, embora mais uma vez a
expressão empregada fosse “estímulos endógenos”. Esse segundo trecho, na Seção I da
Parte I do “Projeto” (1950a [1895]), continua dizendo que esses estímulos endógenos
Freud Pulsões e Destinos da Pulsão
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“têm origem nas células do corpo e dão lugar às necessidades principais: fome, respira-
ção e sexualidade”, mas em nenhuma parte aparece o termo “instinto” [Trieb].
O conflito subjacente às psiconeuroses foi, nesse período inicial, às vezes
descrito como situado entre “o Eu” e a “sexualidade”, e, embora o termo “libido”
fosse com freqüência empregado, o conceito era o de uma manifestação de “ten-
são sexual somática”, que por sua vez era considerada um processo químico. Só
nos Três Ensaios é que a libido foi explicitamente estabelecida como uma expres-
são do instinto sexual. O outro elemento do conflito, “o Eu”, permaneceu indefi-
nido por muito tempo. Foi examinado sobretudo em relação a suas funções —
em particular o “recalque”, a “resistência” e o “teste da realidade” —, mas (à parte
uma tentativa muito antiga na Seção XIV da Parte I do “Projeto”) pouco se disse a
respeito de sua estrutura ou de sua dinâmica. Quase não se fez referência aos “ins-
tintos de autopreservação” [Selbsterhaltungstriebe], salvo indiretamente, em rela-
ção à teoria de que a libido se ligara a eles nas fases iniciais de seu desenvolvi-
mento; e parecia não haver razão óbvia para se estabelecer uma conexão entre eles
e o papel desempenhado pelo Eu enquanto agente repressivo em conflitos neu-
róticos. Então, de modo aparentemente repentino, num breve artigo sobre per-
turbações psicogênicas da visão (1910i), Freud introduziu a expressão “instintos
do Eu” [Ichtriebe], identificando-os, por um lado, com os instintos de autopre-
servação e, por outro, com a função do recalque. A partir dessa época, o conflito
foi sempre representado como competição entre dois conjuntos de “instintos”
[Triebe] os “instintos” da libido e os “instintos” [Triebe] do Eu.
A introdução do conceito de “narcisismo”, contudo, originou uma com-
plicação. Em seu artigo sobre essa teoria (1914c), Freud apresentou a idéia da
“libido do Eu” (ou “libido narcisista”), que investe o Eu, em contraste com a
“libido objetal”, que investe os objetos (p. 99, neste volume). Um trecho desse
artigo (loc. cit.), bem como uma observação no presente artigo (pp. 150-1), já
revela uma inquietação de sua parte com a possibilidade de sua classificação dua-
lista dos instintos [Triebe] perdurar. É verdade que na análise de Schreber (1911c)
ele insistia na diferença entre “investimentos do Eu” e “libido”, e entre “interesse
que emana de fontes eróticas” e “interesse em geral” — distinção que reaparece na
réplica a Jung no artigo sobre narcisismo (pp. 102-3). O termo “interesse” é tam-
bém empregado no presente artigo (p. 155); e, na Conferência XXVI das Confe-
rências Introdutórias (1916-17), “interesse do Eu” ou simplesmente “interesse” é
em geral posto em contraste com “libido”. Não obstante, a natureza exata desses
instintos [Triebe] não-libidinais era obscura. O ponto crucial da classificação dos
instintos [Triebe] feita por Freud foi alcançado em “Além do Princípio do Prazer”
(1920g). No Capítulo VI dessa obra, ele reconheceu com franqueza a dificuldade
da posição que fora alcançada, declarando explicitamente que a “libido narcisista
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OBRAS PSICOLÓGICAS DE Freud

era, sem dúvida, uma manifestação da força de instintos [Triebe] sexuais, no sen-
tido analítico, que tinham de ser identificados desde o início com os instintos
[Triebe] de autopreservação permitidos” (Standard Edition, 18, p. 50 e segs.).
Contudo, sempre sustentou que, além dos instintos libidinais, existem instintos
[Triebe] do Eu e instintos objetais; e foi aqui que, ainda vinculado a um ponto de
vista dualista, introduziu a hipótese do instinto [Trieb] de morte. Um relato do
desenvolvimento de seus conceitos sobre a classificação dos instintos [Triebe] até
aquele ponto foi apresentado na longa nota de rodapé no final do Capítulo VI de
“Além do Princípio do Prazer”, Standard Edition, 18, pp. 60-1, e uma ulterior
discussão do assunto, à luz de seu recém-concluído quadro da estrutura da mente,
ocupou o Capítulo IV de O Eu e o Id (1923b). Tratou mais uma vez da matéria
com todos os pormenores no Capítulo VI de O Mal-Estar na Civilização (1930a)
(Edição Standard Brasileira, vol. XXI, IMAGO Editora, 1974), dispensando ali,
pela primeira vez, especial consideração aos instintos agressivos e destrutivos.
Antes prestara pouca atenção a eles, exceto nos casos (como no sadismo e no
masoquismo) em que se achavam fundidos com elementos libidinais, mas agora
os examinava em sua forma pura e os explicava como derivados do instinto
[Trieb] de morte. Uma revisão ainda ulterior do assunto será encontrada na
segunda metade da Conferência XXXII das Novas Conferências Introdutórias
(1933a) e num resumo final no Capítulo II da obra póstuma Esboço de Psicanálise
(1940a [1938]) (Edição Standard Brasileira, vol. XXIII, IMAGO Editora, 1974).

P Comentários do Editor Brasileiro


O termo Trieb, traduzido habitualmente por “pulsão” ou “instinto”, apre-
senta diversas dificuldades para a tradução e merece algumas considerações
devido ao papel central que ocupa na teoria de Freud.
Trieb é um termo corriqueiro do alemão, com múltiplos significados, que
giram todos em torno de um mesmo núcleo semântico, e que pode ser descrito
como “força impelente” ou “força que coloca em movimento”. É usado em diver-
sas acepções próximas umas das outras: “vontade intensa”, “ímpeto”, “impulso”,
“necessidade”, “carência”, “desejo”, “instinto”, “disposição”, “tendência/inclina-
ção”, “energia”. Em composição com outras palavras, designa sentidos derivados
das acepções acima, tais como Treibstoff (“combustível”, literalmente “material
que impele”), Vertrieb (“vendas”, literalmente “o que foi impelido, movimen-
tado”), Triebkraft (“força motriz” na física e na engenharia) etc.
Freud Pulsões e Destinos da Pulsão
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O termo resulta da fusão de duas palavras do médio-alemão, “o que


impele”, trip, e “o que é impelido”, trift. Essa dupla origem contribuiu não só para
que a palavra abrangesse um arco de sentidos mais amplo do que suas possíveis
traduções para o português, mas também para que diversas polaridades opostas e
aparentemente incompatíveis estivessem contidas no termo Trieb.
Trieb pode designar um pólo impelente ou um pólo atrator; pode situar-se
como algo externo ou interno e, ainda, manifestar-se como aquilo que quer se
externalizar ou como aquilo que quer se internalizar; também pode ter a conota-
ção de algo agradável e atraente ou de algo desagradável, e pode pertencer à esfera
da necessidade fisiológica ou da necessidade psíquica (desejo). Essa reunião de
polaridades condensadas em um mesmo termo não é estranha ao português,
embora ocorra em menor escala. Por exemplo, o verbo “emprestar” pode tanto se
referir ao ato de dar como de receber; a palavra “ansiedade” pode denotar algo
agradável (expectativa prazerosa, excitação) ou desagradável (expectativa me-
drosa, preocupação); “estímulo” pode referir-se a um incentivo externo que atrai
ou a uma motivação interna que impele.
Fora do campo psicanalítico, em dicionários da época de Freud, Trieb figura
como um termo cujos sentidos envolvem a filosofia da natureza, a biologia, a fisio-
logia, a mecânica (excluída da tabela abaixo), os sentimentos e afetos ou os desejos.
Alguns desses usos foram organizados na tabela abaixo:

Usos do termo Trieb antes de Freud

è Natureza em geral Nas espécies Na fisiologia No psiquismo via No psiquismo via


Patamares de afetos e imagens pensamentos e
manifestação da linguagem
pulsão
è Como lei ou força Como disposição Como estímulo Como vontade, Como vontade,
Formas de mani- ou como princí- (tropismo ou ten- ou como impulso desejo, necessida- desejos e necessi-
festação pio que regula as dência) ou ins- que percorre vias des intensas dades expressos
grandes escalas da tinto que cumpre nervosas e tecidos, expressos por ima- como raciocínios
natureza. finalidades in- emana de muco- gens e afetos ime- controlados.
trínsecas àquela sas, órgãos etc. diatistas.
espécie.
è Por exemplo, pul- Por exemplo, pul- Por exemplo, pul- Por exemplo, pul- Por exemplo, pul-
Exemplos de são de autoconser- são de reprodu- são de respirar, de são de comer são de conheci-
designações de vação. ção, pulsão gregá- expelir etc. (fome), pulsão de mento, pulsão de
pulsões utilizadas ria. auto-afirmação. contemplar.
na época.
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OBRAS PSICOLÓGICAS DE Freud

Por vezes utiliza-se em português corrente o termo “necessidade” para des-


crever um arco de acepções semelhante: fala-se em “necessidades da espécie”,
“necessidades fisiológicas”, “necessidades emocionais” e “necessidades psíquicas”,
englobando tanto as imposições biológicas, fisiológicas, como os desejos e as
demandas.
O termo Trieb já era amplamente empregado antes de Freud e já havia diver-
sas concepções biológicas, filosóficas e psicológicas sobre Trieb. A inovação de Freud
não reside em ter teorizado o conceito de Trieb, mas em tê-lo inserido no arcabouço
de uma teoria do conflito psíquico e, portanto, psicodinâmica. Embora já empre-
gasse o termo ocasionalmente, só a partir de 1905, no trabalho intitulado “Três
Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade”, é que Freud passa a se servir mais sistemati-
camente da palavra Trieb e dos diversos termos equivalentes utilizados na literatura
religiosa, filosófica e científica alemã. Se desde o início o conflito psíquico era enten-
dido por Freud como um conflito entre idéias/representações (Vorstellungen)
incompatíveis, agora esse conflito será conceptualizado em suas raízes mais pro-
fundas e compreendido como um conflito entre pulsões (Triebkonflikt). Ao
empregar na psicanálise a palavra Trieb, Freud optou por utilizar um termo de
ampla abrangência, que incluía também a história da espécie (a pulsão como
depósito da evolução filogenética e sua fixação na fisiologia), as leis da natureza (a
pulsão como expressão de princípios e leis) e a noção de “vontade” (segundo
Freud, a “herdeira da pulsão” no âmbito psíquico). Integrar todos esses aspectos
com uma teoria psicodinâmica do inconsciente fazia parte da busca de Freud de
uma teoria mais abrangente e “livre de contradições”.
Freud ressalta a natureza inerentemente conflituosa já presente no próprio
processo fisiológico de brotamento das unidades simples que compõem a pulsão (as
moções das pulsões parciais). Em seu nascedouro a pulsão é por ele equiparada a
uma tensão (Spannung), a uma diferença de potencial que encerra vetores opos-
tos: a tendência a se tensionar/brotar e a contratendência a distensionar/descarregar.
Embora ambas as tendências possam articular-se em um fluxo vital de brota-
mento/escoamento, trata-se de tendências opostas e potencialmente conflitantes.
Freud sustenta tais idéias lançando mão de pressupostos físico-químicos, bem como
de uma visão teleológica que engloba o “princípio de inércia” e o “princípio de cons-
tância”, precursores das noções de pulsão de morte e de vida. Entretanto, o pressu-
posto de um conflito inerente aos processos vitais não se restringe ao brotar da
moção pulsional, permeia toda a sua teoria das pulsões e se expressa de formas
diferenciadas, combinadas e complexas, conforme o patamar de manifestação da
pulsão considerado. Assim, essa energia ou força que circula de forma contraditó-
ria e conflituosa — condição inerente ao ser vivo — se manifesta no âmbito psí-
Freud Pulsões e Destinos da Pulsão
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quico de modo particular, por ser marcada pelos afetos, pelas imagens e sobretudo
pela linguagem.
O Trieb, como Freud o concebe na dimensão humana, tem alguns aspec-
tos em comum com os de sua manifestação nos animais, pois nossas pulsões são
portadoras das leis da natureza em geral e das leis da espécie em particular, e
também veiculamos em nosso corpo as leis dos ciclos químicos e fisiológicos
(organische Triebe e biologische Triebe). Como espécie humana, também traze-
mos em nós um modo de representar psiquicamente as pulsões através de repre-
sentações primitivas e disposições para certas fantasias e neuroses que são depó-
sitos de experiências arcaicas de nossos ancestrais que se fixaram na filogênese
(a hipótese lamarckista de Freud era de que as pulsões seriam também “precipita-
dos” de vivências da espécie que se cristalizaram). Para descrever os percursos e os
destinos da pulsão em seu processo de circulação por esses diferentes patamares de
manifestação, Freud refere-se com freqüência a diferentes “pontos de vista” ou
“ângulos” a partir dos quais se pode analisar a pulsão. Cada patamar de circulação
pulsional contém contradições específicas: por exemplo, no âmbito biológico
encontra-se o conflito entre as pulsões de reprodução da espécie e as pulsões de
conservação do indivíduo; no nível do funcionamento fisiológico os conflitos sur-
gem nos movimentos opostos e por vezes contraditórios entre carga e descarga —
necessários ao funcionamento dos órgãos —; e na dimensão do processo psíquico
primário a polaridade reside na oposição entre prazer e desprazer. Contudo, para
além dessa adesão à visão embriológica da época (a ontogênese repete a filogê-
nese), Freud destaca uma especificidade humana e cultural que altera profunda-
mente o percurso, interfere na síntese e fusão entre pulsões e retroage sobre todo o
arco pulsional: as pulsões aderem (binden sich, ligam-se, enlaçam-se) a representa-
ções e afetos organizados como linguagem, de modo que o conflito pulsional se
expressa na dimensão humana como desejos opostos que englobam as camadas
anteriores e estão ancorados na história biológica, sendo determinados não só por
esta, mas também por significações.
No presente artigo Freud sugere “que abordemos os destinos das pulsões
relacionando-os com as forças motivacionais que se contrapõem ao avanço das
pulsões, o que nos permite tratar tais destinos como se fossem modos de defesa
contra as pulsões”. Assim, o conceito de Trieb permite a Freud integrar todas essas
camadas e vetores em um sistema complexo e abrangente em que pulsões se fusio-
nam (e se desfusionam), se enlaçam (e se liberam), progridem (e regridem), se
deslocam (e se distorcem), se condensam, mudam de direção e sofrem transfor-
mações de natureza, transitando entre o corpo, a psique, o consciente e o incons-
ciente, assumindo diferentes roupagens (Umkleidungen) nos processos psicodinâ-
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OBRAS PSICOLÓGICAS DE Freud

micos. Enquanto dura a vida, esse sistema está entrecortado por inúmeras formas
de Regulierung (regulação), todas precárias, pois trata-se sempre de bewältigen
(lidar, enfrentar) pulsões que não se deixam domar, estando sempre em processo
de Drang (ânsia por se manifestar e se extinguir), e Freud atribui ao próprio cará-
ter essencial da pulsão esse aspecto “pressionante” [drängend]. Daí a importância
de se evitar o equívoco de cindir o termo Trieb e tratá-lo como referente ao bioló-
gico ou só ao que é humano e considerar que Freud tivesse superado uma fase bio-
lógica ingênua na qual os liames do Trieb com o biológico, o fisiológico, o quí-
mico e o animal tenham sido deixados para trás. Freud aborda intensamente esses
temas até os últimos artigos, bem como em diversos casos clínicos. O termo
Trieb, tanto no idioma alemão como no uso em Freud, possui simultaneamente
uma carga de arcaísmo e de determinações da natureza, como também aspectos
impulsivos da vontade irrefreável e de inclinação psíquica. Manter esses nexos da
palavra permite elucidar diversas dificuldades. Os textos de Freud tornam-se
incoerentes entre si e desconectados do idioma alemão se utilizarmos Trieb como
referido somente ao psíquico, à demanda e ao humano. Essa conexão refere-se
apenas ao momento de circulação psicodinâmica entre o consciente e o incons-
ciente. Como se verá neste artigo e em muitos outros, Freud repassa todos esses
nexos a que aludimos acima — por exemplo, no manuscrito redigido na mesma
época e não publicado em vida, “Neuroses de Transferência: Uma Síntese”
(1915) (IMAGO Editora, 1985), e em textos tão diversos como “Além do Princí-
pio do Prazer” (1920) (ESB, vol. XVIII, 1987), “O Problema Econômico do
Masoquismo” (1923) (ESB, vol. XIX, 1987), “Análise Terminável e Interminá-
vel” (1937) (ESB, vol. XXII, 1987).
Muitos dos obstáculos à leitura da teoria das pulsões decorrem também de
como os diversos sinônimos de Trieb são utilizados por Freud. Termos alemães
como “carência/necessidade” (Bedürfnis), “pressão” (Drang), “estímulo” (Reiz),
“compulsão” (Zwang), “prazer/desejo” (Lust), “vontade” (Wille), “desejo” (Wunsch),
que constavam como ocasionais sinônimos de Trieb nos dicionários de época, são
empregados por Freud ora como equivalentes a Trieb e, portanto, de modo mais
frouxo e pouco rigoroso, ora de forma mais sistemática, diferenciando-os entre si.
Esses termos, quando utilizados como equivalentes a Trieb, formam no texto de
Freud tramas semânticas cuja função é enfatizar determinados aspectos, marcar
uma idéia-força martelando por meio de palavras diferentes uma mesma noção.
Freqüentemente, após utiliza-los desse modo, Freud adota poucas linhas abaixo,
ou nos parágrafos seguintes em um mesmo artigo, outra forma de designação dos
conceitos, trata como distintos termos que antes eram equivalentes e passa então a
utilizar cada termo como elos e unidades que compõem determinadas cadeias do
Freud Pulsões e Destinos da Pulsão
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percurso pulsional (agora, portanto, em seqüências de palavras que formam tra-


mas de articulação; ver tramas semânticas enfáticas e de articulação neste volume,
p. 18-21). Assim, essas alternâncias de uso não são equívocos de Freud ou mudan-
ças na acepção que ele dá ao termo Trieb, mas apenas movimentos estilísticos e
retóricos comuns em qualquer idioma. Em coerência com a polissemia alemã de
Trieb, Freud com freqüência emprega o termo para referir-se aos diferentes
momentos desse arco de sentidos: utiliza a palavra Trieb, por exemplo, para desig-
nar um “estímulo pulsional”, ou define a sensação de “fome” como um Trieb, ou,
ainda, usa o termo Trieb para referir-se a um “impulso” ou “intenção” agressiva,
ou para referir-se à “libido”, ao “sentimento de amor”, à “vontade” e ao “desejo”,
entre outros tantos termos que ele alterna na trama enfática de “pulsão”. Em
outros trechos, como se verá no presente texto, Freud diferencia os termos rigoro-
samente entre si, dissecando a pulsão em seus componentes.
É preciso ainda abordar um trecho do presente artigo referente à caracteri-
zação de pulsão como um “conceito de fronteira”. Conforme mencionado, Freud
repassa o conceito de Trieb, em suas diversas dimensões, pelas esferas fisiológica,
biológica e psíquica (quando a pulsão assume o formato de afeto, imagem e even-
tualmente desejo). Na p. 144, Freud afirma que, se observarmos a vida psíquica
“do ponto de vista biológico”, veremos que o Trieb nós aparece sob a forma de um
“conceito de fronteira entre o psíquico e o somático”. Seguindo sua estratégia de
circunscrever o conceito através de diversas facetas ou “ângulos”, ele se refere aqui
ao Trieb do ponto de vista biológico, e especificamente nessa dimensão biológica
trata-se de uma função ou finalidade biológica do Trieb que tem raízes na impor-
tante temática freudiana do “pressuposto biológico da psicanálise” (ver o artigo
anterior “À Guisa de Introdução ao Narcisismo” (1914), p. 106, neste volume, e,
no presente artigo, p. 147). Trata-se de uma função que filogeneticamente se
depositou e critalizou na história evolutiva de nossa espécie (e de nosso sistema
nervoso), visando a encaminhar o excesso de Reize (estímulos) para o aparelho
nervoso e deste para a ação motora, ou para outros modos de processamento
(Verarbeitung). No âmbito das pulsões, Freud diferencia Zweck, “finalidade”, sem-
pre vinculada à evolução e à biologia, de Ziel, “meta”, vinculada ao princípio do
prazer ou a metas derivadas deste e ligadas ao princípio da realidade. Por isso
Freud enfatiza esse papel do Trieb no âmbito da interligação do somático ao psí-
quico e ressaltando que essa ligação da psique ao corpo cobra ao sistema nervoso
um preço, na forma psíquica de Drang (ânsia) e na forma energética de um traba-
lho de busca de objetos. Assim, do mesmo modo como seria incorreto reduzir e
fixar o Trieb às definições que Freud lhe dá alguns parágrafos antes, ao referir-se ao
“ponto de vista da fisiologia”, também não se pode adotar como uma definição
143
OBRAS PSICOLÓGICAS DE Freud

abrangente e geral de Trieb aquilo que é uma função de interligação a partir do


ângulo biológico. Trata-se, portanto, apenas de um momento dentro da seqüên-
cia de argumentos que Freud constrói ao longo do artigo. Definir Trieb como
“conceito de fronteira entre o somático e o psíquico” seria tão reducionista quanto
afirmar que Trieb é uma “força química”, ou que é “um Bedürfnis” (necessi-
dade/carência). É preciso lembrar que, se por um lado o Trieb emana da natureza,
precipita-se historicamente nas espécies, ancora-se no somático e invade a vida psí-
quica arcaica como imperativo, por outro lado, no psiquismo humano e na esfera
da linguagem, embora continue a carregar essas dimensões anteriores, ele as ultra-
passa e se ressignifica, alterando-se profundamente, sem contudo jamais desligar-se
do corpo. Daí Freud nesse trecho observar que se trata “de uma medida da exigên-
cia de trabalho imposta ao psíquico em conseqüência de sua relação com o corpo”, e
também que, embora se trate de um tema fora do alcance da psicanálise, a fonte
(Quelle) somática é o elemento “decisivo” para a pulsão, p. 149.
Finalmente, quanto à diferença entre os termos Trieb e Instinkt, esclarece-
mos que nossa preferência em português pela palavra “pulsão” em vez de “ins-
tinto” não se deve ao temor de que “instinto” pudesse induzir a uma leitura bioló-
gica da psicanálise. Seria arbitrário e injusto atribuir ao termo “instinto” uma
carga reducionista que ele não tem nem em seu uso corrente, nem na biologia.
Cabe lembrar que de modo algum na biologia o “instinto” está vinculado a um
comportamento estereotipado e voltado a um objeto fixo; portanto, desse ponto
de vista, sua rejeição não se justificaria. A plasticidade do Trieb em relação aos
objetos a que alude Freud no presente artigo não é colocada em contraposição ao
termo Instinkt, certamente não é essa a característica que diferencia os Triebe/
Instinkte animais dos Triebe humanos. Além disso, conforme já mencionado, no
texto de Freud Trieb é empregado, tanto para referir-se a animais como a seres
humanos. A favor da adoção de “instinto” haveria também o fato de que o termo
sempre foi utilizado em nosso idioma de modo amplo e até literário, referindo-se
também a tendências e disposições altamente plásticas e de cunho psíquico. Além
disso, os defensores da opção pelo termo “instinto” podem evocar o fato de que
nossa língua não possui um termo equivalente a Trieb, de modo que “instinto”
seria a opção mais natural. Entretanto, algumas questões precisam ser considera-
das. Embora utilize o termo Trieb para referir-se a seres humanos e a animais,
Freud tende a reservar o emprego da palavra Instinkt para os animais, pois, como
anteriormente mencionado, Instinkt enfatiza o aspecto impositivo ou imperativo
da biologia sobre o comportamento. Em alemão, Trieb e Instinkt são sinônimos
ocasionais, mas Instinkt padece do problema de enfatizar a articulação entre o bio-
lógico e o fisiológico com o psíquico como um imperativo, ao passo que o termo
Freud Pulsões e Destinos da Pulsão
144

Trieb, além desse imperativo presente na vida das espécies e dos seres humanos,
engloba outros elementos. Refere-se a um patamar mais arcaico e geral, isto é, a
uma escala dos grandes princípios ou leis que regem a natureza, temas da filoso-
fia, da biologia e da metafísica (nesse sentido, Freud por vezes alude a uma
“manifestação do instinto” [Instinktäusserung] que seria a expressão, nos ani-
mais, da natureza dos Triebe em geral), mas sobretudo o arco de sentidos de
Trieb abrange também a esfera mais volitiva ligada ao pensamento e às represen-
tações e que ultrapassa as determinações “naturais”. Trieb não é representado
apenas por imperativos compulsivos (como Freud exemplifica com a pseudopul-
são e a fome no artigo “O Recalque”, deste volume), mas também por desejos,
carências e outras representações e afetos menos investidos e mais deslocáveis, que
por isso podem conhecer destinos tais como a sublimação, o recalque etc. O ter-
mo “instinto” não foi adotado nesta tradução por ser mais estreito que Trieb e
levar a uma compreensão mais desligada dos aspectos volitivos e representacio-
nais também presentes em Trieb e fundamentais para uma compreensão psico-
dinâmica e metapsicológica do inconsciente. Por esse motivo a escolha recaiu
sobre um neologismo oriundo do francês e já usual na psicanálise brasileira,
“pulsão”, que, apesar de menos compreensível do que “instinto”, tem a vanta-
gem de remeter foneticamente a algo que “pulsa” e a “impulsão”.
145
OBRAS PSICOLÓGICAS DE Freud

Ouvimos muitas vezes a opinião de que uma ciência deve se edificar sobre concei-
tos básicos claros e precisamente definidos, mas, na realidade, nenhuma ciência,
nem mesmo a mais exata, começa com tais definições. O verdadeiro início da ati-
vidade científica consiste muito mais na descrição de fenômenos que são em
seguida agrupados, ordenados e correlacionados entre si. Além disso, é inevitável
que, já ao descrever o material, apliquemos sobre ele algumas idéias abstratas obti-
das não só a partir das novas experiências, mas também oriundas de outras fontes.
Tais idéias iniciais — os futuros conceitos básicos da ciência — se tornam ainda
mais indispensáveis quando mais tarde se trabalha sobre os dados observados. No
princípio, as idéias devem conter certo grau de indefinição, e ainda não é possível
pensar em uma delimitação clara de seu conteúdo. Enquanto elas permanecem
nesse estado, podemos concordar sobre seu significado remetendo-nos repetida-
mente ao material experiencial a partir do qual elas aparentemente foram deriva-
das; contudo, na realidade, esse material já estava subordinado a elas. Em rigor,
essas idéias iniciais possuem o caráter de convenções. Entretanto, é preciso que
não tenham sido escolhidas arbitrariamente, e sim determinadas pelas relações
significativas que mantêm com o material empírico. É comum que imaginemos
poder intuir tais relações antes mesmo de podermos caracterizá-las e demons-
trá-las, mas só depois de termos investigado mais a fundo determinado campo de
fenômenos é que poderemos formular com mais precisão seus conceitos básicos e
modificá-los progressivamente, até que se tornem amplamente utilizáveis e, por-
tanto, livres de contradição. É apenas então que talvez tenha chegado a hora de
confinar os conceitos em definições. Entretanto, o progresso do conhecimento
não suporta que tais definições sejam rígidas, e como ilustra de modo admirável o
exemplo da física, mesmo os “conceitos básicos” que já foram fixados em defini-
ções também sofrem uma constante modificação de conteúdo.1 SA.1

Um conceito convencional desse gênero, no momento ainda bastante obs-


curo, mas que não podemos dispensar na psicologia, é o de pulsão [Trieb].2 Tente- T.2

mos dar-lhe um conteúdo a partir de diversos ângulos.


Freud Pulsões e Destinos da Pulsão
146

Comecemos com a fisiologia. Esta nos fornece o conceito de estímulo


3
T.3 [Reiz] e o esquema do arco reflexo, segundo o qual um estímulo vindo do exterior
T.4 que atinge o tecido vivo da substância nervosa é novamente reconduzido4 para o
exterior por meio de uma ação. Essa ação se mostrará eficaz na medida em que
logre retirar a substância estimulada do raio de influência do estímulo, ou seja, a
afaste do raio de ação do estímulo.
T.5 Então, como se relaciona a “pulsão” com o “estímulo”?5 Nada nos impede
de subsumir o conceito de pulsão no do estímulo: a pulsão seria um estímulo para
o psíquico. Mas somos imediatamente advertidos de não colocar como equiva-
lentes pulsão e estímulo psíquico. É evidente que existem para o psíquico, além
T.6 dos estímulos pulsionais [Triebreize],6 outros estímulos que se comportam de
maneira muito mais parecida com a dos estímulos fisiológicos. Por exemplo: uma
luz forte que atinge o olho não é um estímulo pulsional, estaremos diante de um
estímulo pulsional quando algo como a secura da membrana mucosa da faringe
F.7 ou a irritação da membrana mucosa do estômago7 se fizer perceptível.
Portanto, agora, já temos alguns elementos para distinguir um estímulo
pulsional de outro estímulo (fisiológico) que atua sobre o psíquico. Em primeiro
lugar, o estímulo pulsional não provém do mundo externo, mas do próprio inte-
rior do organismo. Por essa razão, ele também age diferentemente no psíquico e
requer outras ações para eliminá-lo. O essencial do estímulo é que ele age como
num único impacto e também pode ser neutralizado por uma única ação apro-
priada; o protótipo de uma ação desse tipo é a fuga motora diante de uma fonte de
estímulos. É claro que esses impactos podem se repetir e se somar, mas isso em nada
muda a compreensão que temos do processo e as condições necessárias para a sus-
pensão do estímulo. A pulsão, ao contrário, nunca age como uma força momentânea
de impacto, mas sempre como uma força constante. Como não provém do exterior,
mas agride a partir do interior do corpo, a fuga não é de serventia alguma. A melhor
T.8 denominação para o estímulo pulsional é o termo “necessidade” [Bedürfnis],8 e a
tudo aquilo que suspende essa necessidade denominamos “satisfação” [Befriedi-
T.9 gung].9 Essa satisfação só pode ser alcançada por meio de uma alteração direcionada
e específica (isto é, adequada) da fonte interna emissora de estímulos.
Imaginemo-nos agora no lugar de um ser vivo vulnerável e desamparado, e
ainda desorientado no mundo, mas que já comece a receber estímulos captados
SE.10 por sua substância nervosa.10 Esse ser em breve poderá efetuar uma primeira dife-
renciação e obter uma primeira orientação. Por um lado, perceberá que existem
estímulos de cujo campo de influência ele pode se afastar por meio de uma ação
muscular (fuga), estímulos esses que atribui então a um mundo externo. Por
outro lado, perceberá que também existem estímulos contra os quais uma ação
147
OBRAS PSICOLÓGICAS DE Freud

como essa resultará inútil, pois, apesar da fuga, eles continuam a exercer uma
pressão constante [drängenden].11 Esses outros estímulos são o sinal característico T.11

da existência de um mundo interno, são a evidência das necessidades pulsionais


[Triebbedürfnisse].12 A substância perceptiva do ser vivo terá assim obtido, a partir T.12

da eficácia de sua atividade muscular, um ponto de referência para diferenciar


entre um “externo” e um “interno”.13 SE.13

Portanto, inicialmente podemos descrever a essência da pulsão a partir de


suas principais características: sua proveniência de fontes de estímulo no interior
do organismo e sua manifestação como força constante. Daí podemos deduzir
uma de suas outras marcas distintivas, isto é, que mesmo as ações de fuga não con-
seguem eliminá-la, ela é irremovível. Contudo, no curso dessas discussões, não
pudemos deixar de notar algo que nos força a fazer agora outra admissão: além de
termos aplicado ao nosso material experiencial certas convenções na forma de
conceitos básicos, também nos servimos de algumas premissas complexas. Tais
premissas são úteis para melhor nos orientarmos na investigação do mundo dos
fenômenos psicológicos; a mais importante delas já foi mencionada, e só nos falta
agora explicitá-la com mais clareza. Ela é de natureza biológica, trabalha com o
conceito de tendência (talvez o de finalidade [Zweckmässigkeit])14 e se enuncia do T.14

seguinte modo: o sistema nervoso é um aparelho ao qual foi conferida a função de


livrar-se dos estímulos que lhe chegam, de reduzi-los a um nível tão baixo quanto
possível, ou, se fosse possível, de manter-se absolutamente livre de estímulos.15 SE.15

Não nos choquemos, por ora, com a generalidade e indeterminação dessa idéia e
prossigamos. Podemos atribuir ao sistema nervoso a tarefa — em termos gerais —
de lidar16 com os estímulos. Vemos então como a introdução das pulsões complica T.16

o esquema do reflexo fisiológico. Os estímulos externos impõem ao organismo


uma única tarefa, a de subtrair-se deles. Isso acontece por meio de movimentos
musculares, um dos quais afinal alcança a meta e se mostra como o movimento
mais apropriado, tornando-se uma disposição hereditária.17 Contudo, os estímu- T.17

los pulsionais que se originam no interior do organismo não podem ser elimina-
dos por esse mecanismo. Eles impõem ao sistema nervoso exigências muito mais
elevadas. Incitam-no a assumir atividades complexas e articuladas umas com as
outras, as quais visam a obter do mundo externo os elementos para a saciação das
fontes internas de estímulos, e para tal interferem no mundo externo e o alteram.
Todavia, acima de tudo, os estímulos pulsionais obrigam o sistema nervoso a
renunciar a seu propósito ideal de manter todos os estímulos afastados de si, pois
os estímulos de natureza pulsional prosseguem afluindo de modo contínuo e ine-
vitável. Podemos então concluir que são as pulsões, e não os estímulos externos, os
verdadeiros motores dos progressos que levaram o sistema nervoso, com sua capa-
Freud Pulsões e Destinos da Pulsão
148

cidade de realizações ilimitadas, a seu atual nível de desenvolvimento. É claro que


nada nos impede de considerar que as próprias pulsões, ao menos em parte, sejam
os precipitados da ação de estímulos externos que, no curso da filogênese, modifi-
caram a substância viva.
E mais, se chegarmos à conclusão de que mesmo a atividade do aparelho
psíquico mais altamente evoluído está submetida ao princípio do prazer, ou seja, é
regulada automaticamente pelas sensações da série prazer-desprazer, então dificil-
mente poderemos negar a hipótese subseqüente de que sensações de prazer e des-
prazer devem estar reproduzindo o modo como o aparelho efetivamente lida com
os estímulos. Nesse sentido, a sensação de desprazer está sem dúvida relacionada
com um aumento dos estímulos, assim como a sensação de prazer se relaciona
com uma redução destes. Mas, por ora, iremos manter esta hipótese em sua gene-
ralidade, até que mais adiante nos seja possível enunciar de modo mais preciso
como o prazer-desprazer se relaciona com as oscilações das magnitudes de estímu-
los que agem sobre a vida psíquica. Com certeza essas relações são extremamente
SE.18 variadas e nada simples.18
Se abordarmos agora a vida psíquica do ponto de vista biológico, a “pul-
T.19 são” nos aparecerá como um conceito-limite19 entre o psíquico e o somático,
T.20 como o representante20 psíquico dos estímulos que provêm do interior do corpo e
alcançam a psique, como uma medida da exigência de trabalho imposta ao psí-
quico em conseqüência de sua relação com o corpo.

Podemos agora passar a discutir alguns termos utilizados em conexão com o con-
ceito de pulsão, tais como: pressão [Drang], meta [Ziel], objeto [Objekt] e fonte
[Quelle] da pulsão.
T.21 Por pressão21 de uma pulsão entendemos seu fator motor, a soma da força ou
a medida de exigência de trabalho que ela representa. Esse caráter de exercer pressão
é uma propriedade universal das pulsões, na verdade, sua própria essência. Toda
pulsão é uma parcela de atividade; assim, quando, de maneira menos rigorosa,
T.22 falamos de pulsões passivas, estamos nos referindo a pulsões cuja meta [Ziel]22 é
SE.23 passiva.23
T.24 A meta de uma pulsão é sempre a satisfação,24 que só pode ser obtida
quando o estado de estimulação presente na fonte pulsional é suspenso. Embora a
meta final de toda pulsão seja sempre a mesma, são diversos os caminhos que
podem conduzir a essa meta. Portanto, uma pulsão pode ter numerosas outras
metas mais próximas e metas intermediárias, que se combinam ou até se permu-
tam entre si antes de chegarem à meta final. A experiência também nos autoriza a
falar de um gênero de pulsões que denominamos “inibidas quanto à meta”, o que
149
OBRAS PSICOLÓGICAS DE Freud

ocorre no caso de processos que foram tolerados enquanto avançavam apenas um


pouco em direção à satisfação pulsional, mas que em seguida sofreram uma inibi-
ção ou um desvio de percurso. Contudo, cabe supor que também nesses casos
ocorra ao menos alguma satisfação parcial.
O objeto da pulsão é aquilo em que, ou por meio de que, a pulsão pode
alcançar sua meta. Ele é o elemento mais variável na pulsão e não está originaria-
mente vinculado a ela, sendo-lhe apenas acrescentado em razão de sua aptidão
para propiciar a satisfação. Em rigor, não é preciso ser um outro [fremd ] objeto
externo,25 pode muito bem ser uma parte de nosso próprio corpo. Ao longo dos T.25

diversos destinos26 que a pulsão conhecerá, o objeto poderá ser substituído por T.26

intermináveis outros objetos, e a esse movimento de deslocamento27 da pulsão T.27

caberão os mais significativos papéis. Pode também acontecer que um mesmo


objeto sirva ao mesmo tempo à satisfação de várias pulsões, o que, segundo Alfred
Adler [1908], ocorre quando há um entrecruzamento das pulsões [Triebverschrän-
kung].28 Cabe também destacar que, quando há uma aderência [Bindung]29 parti- SE.28/T.29

cularmente estreita da pulsão ao objeto, utilizamos o termo fixação [Fixierung]


para designá-la. Essa fixação ocorre com freqüência em períodos muito iniciais do
desenvolvimento da pulsão, opõe-se então intensamente à separação entre pulsão
e objeto30 e põe fim à mobilidade da pulsão. SE.30

Por fonte da pulsão entendemos o processo somático que ocorre em um


órgão ou em uma parte do corpo e do qual se origina um estímulo representado
na vida psíquica pela pulsão. Não se sabe se esse processo é sempre de natureza
química,31 ou se também pode corresponder à liberação32 de outras forças, por T.31/T.32

exemplo, mecânicas. Todavia, o estudo das fontes pulsionais já não compete à psi-
cologia, e muito embora o elemento mais decisivo para a pulsão seja sua origem
na fonte somática, a pulsão só se faz conhecer na vida psíquica por suas metas.
Além disso, o conhecimento mais exato das fontes pulsionais não é rigorosamente
necessário para fins da pesquisa psicológica. Mas, apesar dessas limitações, muitas
vezes, a partir das metas pulsionais, é possível inferir retroativamente quais são as
fontes da pulsão.
Quanto às diferenças qualitativas33 entre as diversas pulsões que se origi- T.33

nam no corpo e atuam no psíquico, devemos supor que seus comportamentos


qualitativamente diversos na vida psíquica se devem ao fato de serem efetiva-
mente de qualidades diferentes? Esta não parece ser uma hipótese que se justifi-
que. É preferível adotar a hipótese mais simples de que todas as pulsões são quali-
tativamente da mesma espécie e de que as diferenças de seus efeitos se devem às
magnitudes de excitação que cada pulsão veicula ou, talvez, a certas funções dessa
quantidade. A diferença entre as capacidades de desempenho psíquico de cada
Freud Pulsões e Destinos da Pulsão
150

uma das pulsões pode ser atribuída à diversidade das fontes pulsionais; contudo,
só em um contexto posterior será possível esclarecer o que está implicado no pro-
SE.34 blema da qualidade das pulsões.34

Que pulsões devemos supor existam e quantas? É evidente que esta questão dá
margem a respostas bastante arbitrárias. Embora não se possa objetar se alguém
empregar, por exemplo, o conceito de uma pulsão lúdica, ou de uma pulsão de
destruição, ou ainda de uma pulsão gregária, isso só pode ser feito quando o con-
texto o exigir e as limitações da análise psicológica o permitirem. No entanto,
cabe nos perguntarmos se esses conteúdos temáticos pulsionais tão especializados
não deveriam ser retroativamente decompostos na direção das fontes pulsionais, a
fim de se chegar às pulsões originais, àquelas não mais divisíveis, e atribuir apenas
a estas uma efetiva importância.
Propus uma classificação para essas pulsões originais diferenciando-as em
dois grupos: o das pulsões do Eu, ou de autoconservação, e o das pulsões sexuais.
Mas essa classificação não é uma premissa necessária, como, por exemplo, a hipó-
SE.35 tese a respeito da tendência biológica do aparelho psíquico.35 Ela é uma simples
construção auxiliar que apenas será mantida enquanto se mostrar útil; sua substi-
tuição por outra fará pouca diferença nos resultados de nosso trabalho de descri-
ção e categorização. Essa classificação decorreu da própria história do desenvolvi-
mento da psicanálise, que tomou como primeiro objeto as psiconeuroses, ou,
mais precisamente, o grupo descrito como “neuroses de transferência” (histeria e
T.36 neurose obsessivo-compulsiva [Zwangsneurose]).36 Na raiz de cada uma dessas
afecções, havíamos encontrado um conflito entre as reivindicações da sexualidade
e as do Eu. É sempre possível que um estudo mais exaustivo das outras afecções
neuróticas (sobretudo das psiconeuroses narcísicas: as esquizofrenias) obrigue a
uma modificação dessa fórmula e, com isso, a outro modo de agrupamento das
pulsões originais. Mas, neste momento, não sabemos de nenhuma proposição a
respeito desta questão, e ainda não encontramos nenhum argumento desfavorá-
SE.37 vel à hipótese da oposição entre as pulsões do Eu e as pulsões sexuais.37
Entretanto, parece-me pouco provável que, a partir da análise do material
psicológico, se possam obter dados e indicações decisivos que nos permitam fazer
uma distinção e classificação das pulsões. Pelo contrário, o próprio estudo do
material psicológico parece exigir que nós mesmos aportemos determinados pres-
supostos sobre a vida pulsional. Penso também que seria desejável que pudésse-
mos tomar esses pressupostos emprestados de outro campo e transferi-los à psico-
logia. Nesse sentido, cabe mencionar que da biologia provém uma contribuição
que corrobora a idéia de uma separação entre as pulsões do Eu e as pulsões sexuais.
151
OBRAS PSICOLÓGICAS DE Freud

A biologia ensina que a sexualidade não pode ser equiparada às outras funções do
indivíduo, pois suas tendências vão além dele e têm por conteúdo a produção de
novos indivíduos, portanto, a conservação da espécie. Além disso, a biologia nos
mostra que duas concepções a respeito da relação entre o Eu e a sexualidade coexis-
tem lado a lado, com igual direito. Uma concepção reza que o indivíduo é o ele-
mento principal e a sexualidade, uma de suas atividades, e que a satisfação sexual é
uma das necessidades [Bedürfnisse] do indivíduo. A outra concepção afirma que o
indivíduo é um apêndice temporário e transitório do plasma germinal — quase
imortal — que lhe é confiado de geração a geração.38 Pelo que sei, a suposição de SE.38

que a função sexual se diferencia dos outros processos corporais por meio de uma
química própria também é uma premissa da pesquisa biológica de Ehrlich.39 SE.39

Contudo, levando-se em conta que o estudo da vida pulsional a partir da


esfera da consciência oferece dificuldades quase insuperáveis, nossa principal
fonte de conhecimento continua sendo a pesquisa psicanalítica sobre as perturba-
ções psíquicas. Entretanto, em seu percurso até o presente momento, a psicanálise
só pôde nos fornecer informações razoavelmente satisfatórias a respeito das pul-
sões sexuais. Isso porque é justamente esse o único grupo de pulsões que ela pôde
observar isoladamente entre as psiconeuroses. Com a ampliação da psicanálise às
outras afecções neuróticas, com certeza também encontraremos um fundamento
para nosso conhecimento sobre as pulsões do Eu, embora pareça temerário espe-
rar nesse campo de pesquisa condições de observação igualmente favoráveis.
Para uma caracterização geral das pulsões sexuais, pode-se afirmar então o
seguinte: são numerosas, provêm de múltiplas fontes orgânicas, exercem de início
sua atividade independentemente umas das outras e só bem mais tarde são amalga-
madas em uma síntese mais ou menos completa. A meta que cada uma delas perse-
gue40 é obter o prazer do órgão.41 Só depois de completada a síntese é que elas T.40/SE.41

entram a serviço da função da reprodução, tornando-se então reconhecíveis como


pulsões sexuais. Em sua primeira manifestação, ainda se veiculam apoiadas nas pul-
sões de autoconservação, das quais só se separam pouco a pouco. O mesmo ocorre
com a busca do objeto, atividade para a qual se servem das trilhas que as pulsões do
Eu42 lhes deixaram indicadas. Uma parte das pulsões sexuais permanece por toda a SE.42

vida abrigada nas pulsões do Eu, emprestando-lhes componentes libidinais que


passam despercebidos durante o funcionamento normal das pulsões do Eu, e só se
revelam de modo inequívoco quando do adoecimento.43 As pulsões sexuais são SE.43

ainda caracterizadas pelo fato de substituírem-se de forma vicariante umas pelas


outras e de poderem trocar seus objetos com facilidade. Devido às propriedades
supracitadas, elas são capazes de realizar ações que se encontram muito afastadas
das ações dirigidas inicialmente a determinadas metas (sublimação).
Freud Pulsões e Destinos da Pulsão
152

Uma investigação sobre os diferentes destinos que as pulsões poderão ter


ao longo de seu desenvolvimento e de sua vida terá de se limitar às pulsões sexuais,
pois são estas que conhecemos melhor. A observação mostra que os destinos de
tais pulsões podem ser:

A transformação em seu contrário.


O redirecionamento contra a própria pessoa.
O recalque.
A sublimação.

SE.44 Como não tenho a intenção de tratar da sublimação44 neste capítulo, e já


SE.45 que o recalque merecerá um capítulo à parte,45 iremos descrever e discutir apenas
os dois primeiros tópicos. Sugiro também que abordemos os destinos das pulsões
T.46 relacionando-os com as forças motivacionais46 que se contrapõem ao avanço das
pulsões, o que nos permite tratar tais destinos como se fossem modos de defesa
contra as pulsões.
A transformação em seu contrário, se observada mais de perto, se desmancha
em dois processos distintos: no redirecionamento de uma pulsão da atividade para
a passividade e na inversão do conteúdo. Como os dois processos são essencialmente
diferentes, também devem ser tratados em separado.

Exemplos do primeiro processo são fornecidos pelos pares de opostos: sadismo —


T.47 masoquismo e vontade de olhar47 — exibição. A transformação em seu contrário
só se refere às metas da pulsão; a meta ativa: torturar, ficar olhando, é substituída
pela passiva: ser torturado, ser olhado. A inversão do conteúdo pode ser encon-
trada apenas no caso de transformação do amor em ódio.
O redirecionamento contra a própria pessoa se torna mais plausível se consi-
derarmos que, afinal, o masoquismo é um sadismo voltado contra o próprio Eu e
que a exibição inclui a contemplação do próprio corpo. A observação analítica
também mostra, sem deixar margem para dúvidas, que o masoquista compartilha
T.48 o gozo48 [mitgeniesst] implicado na agressão contra a sua pessoa e que o exibicio-
nista se compraz com seu próprio desnudamento. O essencial nesse processo é,
portanto, a troca do objeto sem alteração da meta.
Não podemos deixar de notar que nesses exemplos o redirecionamento
contra a própria pessoa e o redirecionamento da atividade para a passividade con-
vergem ou coincidem. Para uma apresentação mais clara dessas relações, é indis-
pensável passar agora a um exame mais aprofundado.
153
OBRAS PSICOLÓGICAS DE Freud

No caso do par de opostos sadismo–masoquismo, podemos apresentar o


processo do seguinte modo:

a) O sadismo consiste em violência, em exercício de poder contra outra pessoa


tomada como objeto.
b) Esse objeto é deixado de lado e substituído agora pela própria pessoa. O redi-
recionamento contra a própria pessoa transforma, ao mesmo tempo, a meta pul-
sional ativa em passiva.
c) Novamente outra [fremde]49 pessoa é procurada como objeto, a qual, devido à T.49

transformação ocorrida na meta, tem então de assumir o papel de sujeito.50 SE.50

O caso c é o do assim chamado masoquismo. Também aqui a satisfação


ocorre pela via do sadismo original; nesse caso, o Eu passivo se transporta fantasis-
ticamente a seu lugar anterior, o qual havia sido deixado ao encargo de outro
[fremd] sujeito que agora o ocupa.51 É muito duvidoso que além desta exista SE.51

alguma satisfação masoquista obtida por via mais direta. Não parece haver um
masoquismo original que não derive do sadismo, tal como descrito acima.52 F.52

Como o revela o comportamento da pulsão sádica na neurose obsessivo-compul-


siva,53 a suposição do caso b não é supérflua. Na neurose obsessivo-compulsiva, SE.53

encontramos o redirecionamento contra a própria pessoa, sem fazer-se acompa-


nhar da passividade perante outra pessoa. A transformação vai somente até a etapa
b. A compulsão [-Sucht]54 de atormentar se transforma em autotormento, auto- SE.54

punição, mas não em masoquismo. O verbo na voz ativa não se transforma na voz
passiva, mas na voz reflexiva média.55 SE.55

A compreensão do sadismo também fica prejudicada pelo fato de que a


pulsão sádica parece perseguir, em paralelo à sua meta genérica (ou melhor: no
interior desta meta), uma ação dirigida bastante específica além de humilhar e
subjugar: infligir dores. Ora, a psicanálise parece mostrar que infligir dor não
desempenha nenhum papel entre as ações dirigidas à meta originalmente perten-
centes à pulsão. A criança sádica não leva em consideração o fato de que inflige
dor e tampouco tem a intenção de infligi-la. Mas, uma vez que a transformação
em masoquismo se tenha completado, as dores tornam-se apropriadas para servir
de meta masoquista passiva, pois temos boas razões para supor que as sensações de
dor, bem como as outras sensações de desprazer, transbordam para a excitação
sexual e produzem um estado prazeroso, em nome do qual o desprazer da dor
também pode ser aceito.56 Assim, uma vez que sentir dores se tenha tornado uma SE.56

meta masoquista, também pode ocorrer que retroativamente surja a meta sádica
Freud Pulsões e Destinos da Pulsão
154

de infligir dores, pois, à medida que provocamos dores nos outros, nós mesmos,
em nossa identificação com o objeto que sofre, poderemos fruí-las [geniesst], de
modo masoquista. Em ambos os casos, é claro, não é a dor em si que é fruída
[geniesst], mas a excitação sexual concomitante, o que é muitíssimo cômodo para
o sádico. Sentir prazer com a dor seria então uma meta original de cunho maso-
quista; entretanto, esse comprazer-se com a dor só pode tornar-se meta pulsional
na pessoa sádica.
Para não deixar esta exposição incompleta, devo acrescentar ainda algo
sobre a compaixão e dizer que ela não pode ser descrita como um resultado da
transformação pulsional ocorrida no sadismo; é preciso que a concebamos como
SE.57 uma formação reativa contra a pulsão.57
Resultados um pouco diferentes e mais simples se obtêm quando se inves-
tiga outro par de opostos, as pulsões que têm por meta o ato de ficar olhando e o
de se mostrar (voyeur e exibicionista na linguagem das perversões). Aqui também
podem ser consideradas as mesmas etapas que encontramos no caso anterior: a) o
ato de ficar olhando como atividade voltada para um objeto estranho [fremd]; b) a
renúncia ao objeto, a reorientação da pulsão de olhar agora voltada em direção a
uma parte do próprio corpo e, com isso, a transformação da atividade em passivi-
dade e a escolha de uma nova meta: a de ser olhado; c) a introdução de um novo
SE.58 sujeito,58 ao qual nos mostramos para sermos contemplados por ele. Praticamente
não resta dúvida de que a meta ativa surge antes da meta passiva, de que o ato de
olhar precede o de ser olhado. Mas há uma importante diferença com relação ao
caso do sadismo: trata-se do fato de que a pulsão de olhar contém uma fase ainda
anterior àquela apresentada no item a. No início de sua atividade, a pulsão de
olhar é auto-erótica, isto é, tem um objeto, mas o encontra no próprio corpo. Só
mais tarde ela se vê levada (pela via da comparação) a trocar esse objeto por um
objeto análogo situado em outro [fremd] corpo (fase a). O que torna essa fase pre-
liminar interessante é que dela se derivam as duas posições contidas no par de
opostos, conforme a troca se efetue em um ou em outro pólo. O esquema para a
pulsão de olhar poderia ser:

α) a própria pessoa ficar contemplando = órgão sexual ser olhado pela


um órgão sexual própria pessoa

β) a própria pessoa ficar contemplando γ) o objeto situado na própria pessoa


outro [fremdes] objeto ser olhado por outra pessoa
(prazer ativo de olhar) (prazer de mostrar, exibição)
155
OBRAS PSICOLÓGICAS DE Freud

Falta ao sadismo uma fase preliminar como esta, que desde o princípio se
dirige a um objeto estranho [fremd], embora não fosse de todo absurdo supor
que, a partir dos esforços da criança para obter controle sobre seus próprios
membros,59 uma fase assim pudesse se constituir. SE.59

Para os dois exemplos de pulsão aqui considerados, vale a observação de


que a metamorfose ocorrida na pulsão pela transformação da atividade em passi-
vidade e pelo redirecionamento contra a própria pessoa nunca abarca a totalidade
da moção pulsional. Em certa medida, mesmo nos casos em que o processo de
transformação da pulsão tenha sido muito profundo, a orientação pulsional ativa,
mais antiga, subsiste ao lado da mais recente, passiva. Assim, a única afirmação
correta que poderia ser feita a respeito da pulsão de olhar seria a de que todas as
etapas de desenvolvimento da pulsão, tanto a etapa preliminar auto-erótica
quanto sua configuração final, ativa e passiva, continuam subsistindo lado a lado.
Isso fica evidente se, em vez de basearmos nossa análise nos atos pulsionais,
tomarmos o mecanismo de satisfação. Contudo, talvez se justifique buscar ainda
outra forma de conceber e expor os fatos. Poderíamos decompor o percurso de
vida de cada pulsão em ondas agrupáveis dentro de diferentes intervalos de tempo
(adotando unidades de tempo quaisquer). Consideremos que cada intervalo de
tempo contenha séries de ondas homogêneas entre si. Assim, essas séries podem
ser concebidas relacionadas umas com as outras de modo análogo a sucessivas
erupções de lava. Podemos então imaginar que a primeira e mais original erupção
pulsional tenha continuado a ocorrer sem alteração e sem sofrer nenhum tipo de
evolução. A série de ondas seguinte experimentaria, desde o início, uma modifica-
ção, talvez a transformação em passividade, e, tendo incorporado essa nova carac-
terística, ela se somaria à onda anterior, e assim por diante. Se considerarmos
então o percurso da moção pulsional desde o início até determinado ponto, vere-
mos que a sucessão de ondas nos fornece o quadro de determinado desenvolvi-
mento da pulsão.
E, para sublinharmos o fato de que em um momento mais tardio do
desenvolvimento pulsional já se pode observar, ao lado da moção pulsional, a pre-
sença de seu oposto (passivo), podemos utilizar um feliz termo introduzido por
Bleuler: ambivalência.60 SE.60

O desenvolvimento da pulsão se tornou mais compreensível para nós após


termos nos voltado para a história de seu desenvolvimento e levado em conta que
há uma permanência e coexistência continuada das fases intermediárias. A expe-
riência também nos mostra que há uma extrema variação no grau em que a ambi-
valência ocorre entre os indivíduos, os grupos ou as raças. Uma eventual grande
ambivalência pulsional observada em um indivíduo da atualidade pode ser enten-
Freud Pulsões e Destinos da Pulsão
156

dida como uma herança arcaica, já que temos motivos para supor que, em épocas
primitivas, moções ativas e que ainda não haviam conhecido mudanças participa-
SE.61 vam muito mais da vida pulsional do indivíduo do que ocorre em média hoje.61
Habituamo-nos a denominar narcisismo a fase inicial de desenvolvimento
do Eu, durante a qual suas pulsões sexuais se satisfazem de maneira auto-erótica;
falta, contudo, abordarmos a relação entre auto-erotismo e narcisismo. Segue-se
então que a etapa preliminar da pulsão de olhar — na qual o prazer de olhar tem o
próprio corpo como objeto — pertence ao narcisismo, ou seja, é uma formação
narcísica. A pulsão de olhar ativa se desenvolve justamente pelo abandono dessa
etapa narcísica, ao passo que a pulsão de olhar passiva manterá o objeto narcísico
aprisionado. De modo análogo, pode-se dizer que a transformação do sadismo
em masoquismo significaria um retorno ao objeto narcísico. Em ambos os casos,
por meio da identificação, o sujeito narcísico sofre uma troca por outro Eu estra-
nho [fremd]. Portanto, considerando também a etapa preliminar do sadismo que
aqui construímos, chegamos a uma visão mais abrangente, segundo a qual os des-
tinos pulsionais de redirecionamento contra o próprio Eu e de transformação de
atividade em passividade são dependentes da organização narcísica do Eu e carre-
gam a marca dessa fase. Talvez esses destinos correspondam a tentativas de defesa
que, em etapas mais avançadas de desenvolvimento do Eu, são efetuadas com
SE.62 outros recursos.62
Neste ponto nos damos conta de que até agora só examinamos dois pares de
opostos: sadismo — masoquismo e vontade de olhar [Schaulust] — vontade de
T.63 mostrar [Zeigelust]. Estas são as mais conhecidas entre as pulsões63 sexuais que se
manifestam de forma ambivalente. Os outros componentes que mais tarde farão
parte da função sexual ainda não estão suficientemente acessíveis à análise para que
possamos discuti-los. Todavia, podemos genericamente dizer que as atividades des-
ses componentes são auto-eróticas, isto é, que o aspecto mais importante é o órgão
do qual emanam, sua fonte, e que o objeto é o elemento de menor importância, e
quase sempre coincide com o próprio órgão. Entretanto, no caso da pulsão de olhar,
cabe mencionar que, embora o objeto também seja, no início, uma parte do pró-
prio corpo, ele não é o olho em si. Também no sadismo, a fonte orgânica, que pro-
vavelmente é a musculatura capaz de excercer uma ação, remete diretamente a
outro objeto, ainda que situado no próprio corpo. Assim, entre as pulsões auto-eró-
ticas, o papel da fonte orgânica é tão decisivo que, seguindo a hipótese muito suges-
tiva de P. Federn (1913) e L. Jekels (1913), diremos que a forma e a função do órgão
é que decidirão a respeito da atividade e passividade da meta pulsional.
A transformação do conteúdo de uma pulsão em seu oposto só pode ser
SE.64 observada no caso de conversão de amor em ódio.64 Como esses dois sentimentos
157
OBRAS PSICOLÓGICAS DE Freud

com freqüência se dirigem simultaneamente ao mesmo objeto, essa coexistência


nos fornece também o exemplo mais significativo de uma ambivalência de senti-
mento.65 SE.65

O caso de amor e ódio torna-se de especial interesse para nós, porque não
se encaixa em nossa explanação das pulsões. Não duvidamos de que exista a mais
estreita relação entre a vida sexual e esses dois sentimentos opostos. Porém, se
tivéssemos de considerar o amar como sendo apenas um tipo de pulsão parcial
figurando lado a lado com as outras pulsões parciais também pertencentes à se-
xualidade, com razão teríamos dificuldades em aceitar essa idéia. Tendemos
muito mais a enxergar no amar a expressão da vertente sexual inteira. Entretanto,
isso não nos forneceria uma explicação satisfatória e ainda nos deixaria sem saber
como deveríamos conceber um conteúdo oposto dessa vertente sexual.
O amar admite não apenas um par de opostos, mas três. Além da oposição
entre amar — odiar, existe outra, amar — ser amado, e, ademais, se tomarmos o
amor e o ódio em conjunto, poderemos opô-los ao estado de indiferença. Desses
três pares de opostos, o segundo par, amar — ser amado, corresponde ao redire-
cionamento da atividade para a passividade, e, tal como ocorreu com a pulsão de
olhar, também este pode ser remetido a uma situação básica anterior. Essa situa-
ção básica é: amar-se a si mesmo, o que é a característica distintiva do narcisismo.
Assim, dependendo de o objeto ou o sujeito ter sido trocado por um elemento
estranho [fremd], teremos como resultante uma vertente [Strebung] amorosa66 T.66

ativa dirigida à meta ou uma vertente amorosa passiva de ser amado, e esta última
se situa próximo ao narcisismo.
Talvez possamos compreender melhor os diversos pares de oposições do
amar se nos lembrarmos de que toda a vida psíquica é dominada por três polarida-
des, as oposições entre:

Sujeito (Eu) — Objeto (mundo exterior)


Prazer — Desprazer
Ativo — Passivo

Conforme já mencionado,67 a oposição Eu — não-Eu (exterior) (sujeito SE.67

— objeto) impõe-se ao indivíduo já desde o início da vida. Isso ocorre a partir da


experiência de que, se por um lado por meio de sua ação muscular ele pode fazer
cessar o afluxo dos estímulos externos, por outro ele não tem defesa contra o
afluxo dos estímulos pulsionais. Essa oposição Eu — não-Eu continuará prepon-
derante sobretudo na atividade intelectual, e é essa polaridade que gera a situação
básica para a atividade de pesquisar, situação essa que não pode ser alterada, não
Freud Pulsões e Destinos da Pulsão
158

importa o esforço que se faça para tal. No que tange à polaridade prazer — des-
prazer, está aderida a uma seqüência de sensações, cuja importância é fundamen-
SE.68 tal para as decisões de nossas ações (vontade), e já o frisamos anteriormente.68
Quanto à oposição ativo — passivo, não deve ser confundida com a do Eu-sujeito
— exterior-objeto. O Eu recebe estímulos do mundo externo e comporta-se de
maneira passiva com o exterior e de maneira ativa quando reage a esses estímulos;
entretanto, na verdade são as pulsões que forçam o Eu a uma atividade toda espe-
cial em relação ao mundo externo, de modo que poderíamos dizer que a questão
essencial é: o Eu-sujeito é passivo em relação aos estímulos externos e ativo por
meio de suas próprias pulsões. Essa oposição ativo — passivo mais tarde se funde
com a do masculino — feminino, embora antes dessa fusão a oposição masculino
— feminino não tivesse nenhum significado psicológico. Apesar de o amalga-
mento da atividade com a masculinidade e da passividade com a feminilidade
apresentar-se como um fato biológico, ele não é nem tão amplo nem tão exclusivo
SE.69 como estamos inclinados a pensar.69
As três polaridades psíquicas estabelecem entre si as mais significativas cone-
xões. Há uma situação psíquica inicial, na qual duas das polaridades coincidem.
Bem no início da vida psíquica, o Eu se encontra totalmente tomado por pulsões
T.70 [triebbesetzt]70 e em parte é capaz de satisfazer tais pulsões em si mesmo. Denomina-
mos esse estado de narcisismo e para designar essa possibilidade de satisfação
F.71/SE.72 empregamos o termo “auto-erótico”.71, 72 O mundo externo não está, neste
momento, investido de interesse (falando de modo geral); para a satisfação pulsio-
nal ele é irrelevante. Portanto, neste momento, o Eu-sujeito coincide com tudo
aquilo que é prazeroso e o mundo externo, com tudo o que é indiferente (e even-
tualmente, como fonte de estímulos, com o que é desprazeroso). Se definíssemos
o amar como a relação do Eu com suas fontes de prazer, então a situação em que
ele só ama a si mesmo e permanece indiferente para com o mundo reproduziria o
SE.73 primeiro tipo das relações de polaridade nas quais havíamos situado o “amar”.73
Na medida em que é auto-erótico, o Eu não necessita do mundo externo.
Entretanto, devido às experiências das pulsões de autoconservação, o Eu passa a
receber objetos do mundo externo. Por outro lado, também não pode evitar, por
um tempo, perceber as moções pulsionais internas como desprazerosas. Assim,
sob o domínio do princípio do prazer, ocorrerá nele agora outro desenvolvi-
mento. Na medida em que os objetos externos oferecidos sejam fontes de prazer,
eles são recolhidos pelo Eu, que os introjeta em si (de acordo com a expressão de
SE.74 Ferenczi [1909]74), e, inversamente, tudo aquilo que em seu próprio interior seja
SE.75 motivo de desprazer75 o Eu expele de si.
159
OBRAS PSICOLÓGICAS DE Freud

Assim, desse Eu-real inicial, que pôde diferenciar76 o interno do externo a SE.76

partir de marcas distintivas objetivas, deriva-se agora um Eu-prazer purificado,


que coloca a característica de prazer acima de qualquer outra. O mundo externo é
decomposto agora em uma parcela prazerosa, que ele incorpora em si, e em um
resto, que lhe parece estranho [fremd]. De seu próprio Eu ele extraiu uma parte
que expeliu para o mundo externo e que passa a sentir como hostil. Assim, após
esse reordenamento, se recompõe a superposição das duas polaridades:

Eu-sujeito — com o prazer


Mundo exterior — com o desprazer (anteriormente indiferença).

Quando o objeto entra em cena na etapa do narcisismo primário, desenca-


deia-se também o pleno desenvolvimento77 da segunda oposição ao amar, o já SE.77

mencionado odiar.
Conforme já vimos, é por meio das pulsões de autoconservação que pri-
meiramente o objeto do mundo externo é trazido ao Eu. O mundo externo é per-
cebido como estranho [fremd] e como um aportador de afluxos de estímulos,78 e T.78

sem dúvida a relação do Eu com o mundo externo tem o sentido primordial do


odiar. Aqui, embora a indiferença tenha sido antes a precursora do ódio, ela deve
ser inserida como um caso especial do ódio, da aversão. Em rigor, não há, de iní-
cio, diferença entre o externo, o objeto e o odiado. Se mais tarde o objeto se revelar
como uma fonte de prazer, ele passará a ser amado, mas também será incorporado
ao Eu, de modo que para o Eu-prazer purificado, mais uma vez, o objeto coinci-
dirá com o que é estranho e odiado.
Mas agora também percebemos que, assim como o par de opostos amor
— indiferença reflete a polaridade Eu — mundo exterior, a segunda oposição,
amor — ódio,79 reflete a polaridade prazer — desprazer, vinculada à primeira. SE.79

Quando a etapa puramente narcísica dá lugar à etapa objetal, prazer e desprazer


passam a significar as relações do Eu com o objeto. Se o objeto se torna a fonte de
sensações prazerosas, instala-se uma tendência motora que vai tentar trazer o
objeto ao Eu e incorporá-lo; então, nesse caso, passamos também a falar da “atra-
ção” que o objeto promotor de prazer exerce sobre nós, e dizemos que “amamos”
o objeto. Inversamente, se o objeto for fonte de desprazer, haverá uma tendência
que se esforça por aumentar a distância entre o objeto e o Eu e por repetir, em rela-
ção ao objeto, a tentativa original de fuga do mundo externo e de seu afluxo de
estímulos. Nesse caso, sentimos “repulsa” pelo objeto e o odiamos; esse ódio pode
então intensificar-se a ponto de se tornar uma inclinação para a agressão contra o
objeto, com a intenção de destruí-lo.
Freud Pulsões e Destinos da Pulsão
160

Em última instância, poderíamos, forçando o uso do termo, até dizer que


T.80 uma pulsão “ama”80 o objeto por meio do qual aspira a obter satisfação. Mas, se
disséssemos que uma pulsão “odeia” um objeto, isso nos soaria tão estranho que
SE.81 acabaríamos por perceber que as relações81 de amor e ódio não poderiam ser utili-
zadas para se referir às relações das pulsões com seus objetos, e sim que estariam
reservadas para a relação do Eu-total com seus objetos. Do mesmo modo, se
optarmos por seguir os usos do idioma, os quais afinal têm sempre sua razão de
ser, notaremos ainda outra demarcação no significado de amor e ódio. Não dize-
mos que amamos os objetos que servem à conservação do Eu, em vez disso enfati-
zamos que temos necessidade deles. Eventualmente, acrescentamos a respeito de
nossa relação com eles a idéia de um amar muito atenuado e utilizamos palavras
como: gostar, gostar de ver, achar agradável.
Assim, podemos ver que a palavra “amar” está restringindo-se cada vez
mais à esfera da pura relação de prazer do Eu com o objeto e que, por fim, ela se
fixa nos objetos sexuais em sentido mais estrito, bem como nos objetos que satis-
fazem as necessidades [Bedürfnisse] de pulsões sexuais sublimadas. Portanto, a dis-
tinção entre as pulsões do Eu e as pulsões sexuais que havíamos imposto à nossa
psicologia revela-se em sintonia com o espírito de nossa língua. O fato de que não
se diz que uma pulsão sexual isolada ama seu objeto, e o fato de que só utilizamos
a palavra “amar” na relação do Eu com seu objeto, nos mostra que a palavra
“amar” só é utilizável para se referir à relação entre o Eu e seu objeto depois de já
ter ocorrido a síntese — sob o primado dos órgãos genitais e a serviço da função
de reprodução — de todas as pulsões parciais da sexualidade.
Também é digno de nota que, ao se utilizar a palavra “odiar”, não se evo-
que nenhuma relação estreita com o prazer sexual e com a função sexual. Nesse
caso, a relação de desprazer parece ser a única decisiva. O Eu odeia, abomina, per-
segue com intenções destrutivas todos os objetos que se tornem para ele fontes de
T.82 desprazer, sem levar em conta se são um obstáculo82 à satisfação sexual ou à satis-
T.83 fação das necessidades [Bedürfnisse]83 de conservação. Podemos até mesmo afir-
mar que os verdadeiros modelos da relação de ódio não provêm da vida sexual,
mas da luta do Eu pela sobrevivência e para se impor.
Portanto, embora o amor e o ódio se nos apresentem como completa-
mente opostos em seu conteúdo, a relação entre ambos de modo algum é simples.
Não provêm da clivagem de um elemento original comum, possuem origens
diversas e cada um passou pelo seu próprio desenvolvimento antes de, sob a
influência da relação prazer-desprazer, tomarem a forma de opostos. Resumamos
agora o que sabemos sobre a gênese do amor e do ódio.
161
OBRAS PSICOLÓGICAS DE Freud

O amor nasce da capacidade do Eu de satisfazer uma parte de suas moções


pulsionais de maneira auto-erótica, obtendo o prazer de órgão. É originalmente
narcísico, depois passa para os objetos que foram incorporados ao Eu ampliado e
expressa então os esforços motores do Eu em direção a esses objetos que são fontes
de prazer. O amor se conecta estreitamente com o exercício das futuras pulsões
sexuais e, quando a síntese delas tiver se completado, passará a coincidir com o
todo da vertente sexual [Sexualstrebung]. Entretanto, enquanto as pulsões sexuais
ainda estiverem percorrendo seu complicado desenvolvimento, algumas das eta-
pas preliminares do amar já emergirão como metas sexuais provisórias. Como a
primeira dessas metas reconhecemos o incorporar ou devorar. Trata-se de uma
espécie de amor capaz de coexistir com a eventual interrupção da existência pró-
pria e autônoma do objeto e que, portanto, pode ser caracterizada como uma
forma de amor ambivalente.84 Em uma etapa mais elevada, a da organização SE.84

anal-sádica,85 o interesse pelo objeto surge na forma de um ímpeto de apodera- SE.85

mento86 indiferente ao dano ou à aniquilação que possa causar ao objeto. Essa T.86

forma e etapa preliminar do amor quase não se distingue do ódio em sua conduta
para com o objeto. Só com a instauração da organização genital é que o amor se
torna o oposto do ódio.
Enquanto relação com o objeto, o ódio é mais antigo que o amor; ele surge
do repúdio primordial do Eu narcísico ao mundo exterior aportador de estímu-
los. O ódio é uma exteriorização da reação de desprazer provocada pelos objetos e
mantém sempre um estreito vínculo com as pulsões de conservação do Eu; desse
modo as pulsões do Eu e as pulsões sexuais podem facilmente repetir entre si a
oposição existente entre o odiar e o amar. Quando as pulsões do Eu passam a ter o
domínio sobre a função sexual, tal como ocorre na etapa da organização anal-sá-
dica, elas também transmitem à meta pulsional as características do ódio.
Assim, a partir da história de como surgem e se desenvolvem as relações do
amor, fica claro que este se manifesta com freqüência de modo “ambivalente”, isto
é, acompanhado de moções de ódio contra o mesmo objeto.87 Esse ódio mesclado SE.87

ao amor provém, em parte, de etapas preliminares do amor não totalmente supe-


radas; isso em parte pode ser explicado pelas reações das pulsões do Eu, que nos
freqüentes conflitos de interesse entre o Eu e o amor podem encontrar motivos
reais e atuais para rejeitar o objeto. Portanto, em ambos os casos, o ódio, que foi
amalgamado ao amor, remonta às pulsões de conservação do Eu. Quando se
rompe a relação de amor com determinado objeto, não é raro que o ódio tome seu
lugar, daí termos a impressão de ter ocorrido uma transformação do amor em
ódio. Contudo, podemos ir além dessa descrição se supusermos que, nesse caso, o
ódio motivado por uma causa real recebeu ainda um reforço adicional pela regres-
Freud Pulsões e Destinos da Pulsão
162

são do amar até a etapa preliminar sádica, de modo que o odiar adquire então um
caráter erótico que assegura a continuidade de uma relação de amor.
A terceira relação de opostos que encontramos no amar, a transformação
SE.88 do amar em ser amado,88 corresponde aos efeitos da polaridade entre atividade e
passividade e responde aos mesmos critérios que utilizamos nos casos da pulsão de
SE.89 olhar e do sadismo.89

Do todo que foi apresentado, podemos então destacar que os destinos da pulsão
consistem essencialmente em que as moções pulsionais estão submetidas às influên-
cias das três grandes polaridades que dominam a vida psíquica. Dessas três polarida-
des, poderíamos caracterizar a da atividade — passividade como a biológica, a do
Eu — mundo exterior como a real e, por fim, a de prazer — desprazer como a eco-
nômica.
Quanto ao destino da pulsão denominado recalque, será objeto de uma
SE.90 investigação em seguida.90
NOTAS
F: notas de Freud
SE: notas da Standard Edition
T: notas do tradutor brasileiro
C: notas dos colaboradores brasileiros

■ 1 [Uma linha de pensamento semelhante havia sido desenvolvida no artigo SE.1


sobre o narcisismo (1914c), pp. 99-100, atrás.]

■ 2 Trieb-, pulsão; Alt.: “instinto”; ver “Comentário do Editor Brasileiro”, T.2


pp. 137-144.

■ 3 Reiz, “estímulo”; Sign.: também “encanto” ou “irritação”; Conot.: está implí- T.3
cita uma relação de intensidades e qualidades; pode referir-se à leve comichão que des-
perta o apetite, atrai e encanta (provocante, instigante, irresistível) ou ao excesso de
estimulação, dolorido e irritativo (provocativo, espicaçante); ver DCAF.

■ 4 Abfuhr, “remoção” ou “retirada”; Alt.: “descarga”; Conot.: a palavra “descarga” T.4


enfatiza a idéia de um processo abrupto de “rajada” ou “disparo”, em geral ausente do
termo freudiano; embora aqui Abfuhr possa ter esse sentido reativo e imediato, sua
conotação habitual é “conduzir”, “remover”, “reencaminhar para fora”. Obs.: Freud
alterna seu uso com outros termos, como Ableitung, “escoamento”, e Dränierug, “dre-
nagem”, ressaltando o importante aspecto processual e gradual da Abfuhr na metapsi-
cologia; ver DCAF.

■ 5 Obs.: Essa correlação está presente também no idioma alemão, no qual T.5
ambos os termos podem ser equivalentes na acepção do que impele ou atrai, do que
coloca em movimento; ver “Comentários do Editor Brasileiro” e DCAF.

■ 6 Triebreiz, “estímulo pulsional”; Alt.: “estímulo instintual”; ver notas 1, 2 e T.6


DCAF.

■ 7 Presumindo-se, naturalmente, que esses processos internos sejam os funda- F.7


mentos orgânicos das necessidades de sede e de fome.

■ 8 Bedürfnis, “necessidade”, “carência”; Sign.: refere-se à necessidade não como T.8


dado objetivo, mas como “ter necessidade de”, “sentir carência”; implica a presença de
um ser que sente falta de algo, portanto tem também o mesmo caráter impelente de
Trieb, Reiz, Drang e Zwang, respectivamente “pulsão”, “estímulo”, “pressão” e “com-
pulsão”. Obs.: Também pode significar eventualmente “desejo” ou “vontade”, o que é
coerente com a polissemia de Trieb em alemão; ver também notas 47 e 86, sobre o uso
de Lust e Drang na acepção de Trieb e DCAF.

■ 9 Befriedigung, “satisfação”; Conot.: “apaziguamento”, “aplacamento” ou even- T.9


tualmente gozo com caráter de alívio. Obs.: O termo faz um contraponto ao tensiona-
mento crescente que o brotamento pulsional sofre até sua estase máxima e traz um
prazer de “alívio” vinculado ao escoamento da tensão e ao apaziguamento; ver DCAF.
NOTAS F: Freud SE: Standard Edition T: tradutor brasileiro C: colaboradores brasileiros
164

SE.10 ■ 10 [A hipótese que se segue, relativa à conduta de um organismo vivo primitivo,


e o postulado de um “princípio de constância” fundamental foram enunciados em ter-
mos semelhantes em alguns dos trabalhos psicológicos mais antigos de Freud. Ver, por
exemplo, o Capítulo VII, Seções C e E de A Interpretação dos Sonhos (1900a), Studien-
ausgabe, vol. 2, pp. 538 e 568. Ele já a havia expressado em termos neurológicos no
“Projeto”, de 1895 (1950a, Parte I, Seção I, “Primeiro Postulado Principal: A Hipótese
Quantitativa”), e também, de forma mais sucinta, na conferência (1893b) sobre a
“Comunicação Preliminar” publicada por ele e Breuer (1893a), bem como no penúl-
timo parágrafo de seu artigo escrito em francês sobre as paralisias histéricas (1893c).
Freud voltou novamente a essa hipótese nos Capítulos I e IV de Além do Princípio do
Prazer (1920g, Studienausgabe, vol. 3, pp. 217 e segs. e 236 e segs.), e a reconsiderou
em “O Problema Econômico do Masoquismo” (1924c, Studienausgabe, vol. 3, p. 343
e segs.). Cf. a nota SE.17.]

T.11 ■ 11 drängend, “que exerce uma pressão constante”; Alt.: “pressionante”; Conot.:
atropela, empurra, força passagem. Obs. 1: Freud combina o verbo drängen, “forçar
passagem/empurrar” com os prefixos ver-, nach- ou vor- para descrever os movimentos
de “empurrar forçando” na direção do consciente ou do inconsciente, como, por
exemplo o termo “recalque”, Verdrängung; ver a nota T.21 sobre o substantivo Drang;
ver também DCAF.

T.12 ■ 12 Obs.: Aqui as carências pulsionais são manifestações afetivas psíquicas per-
ceptíveis dos estímulos pulsionais gerados nas fontes somáticas, orgânicas, e percebi-
dos e traduzidos em qualidade de afeto e imagens.

SE.13 ■ 13 [Cf. mais adiante, pp. 157-8. Além disso, Freud retoma o tema no artigo “A
Negativa” (1925b, p. 374 e seg., Studienausgabe, vol. 3), e no Capítulo I de O
Mal-Estar na Cultura (1930a), Studienausgabe, vol. 9, p. 197 e segs.]

T.14 ■ 14 Zweckmässigkeit, “finalidade”; Sign.: adequação à finalidade; ver nota T.22


(Ziel).

SE.15 ■ 15 [Este é o “princípio de constância”. Cf. nota SE.10.]

T.16 ■ 16 bewältigen, “lidar com”; Alt.:“dominar”; Conot.: refere-se a “lidar”, “dar


conta de”; não tem o aspecto de controle total e manuseio pleno contido no termo
“dominar”. Obs.: Nesse contexto, o termo enfatiza a impossibilidade de dominar as
excitações emanadas das fontes pulsionais; ver DCAF.

T.17 ■ 17 Obs.: Aqui aparece a perspectiva lamarckista da época, adotada também por
Freud, de que as características da espécie são incorporadas e se transformam em dis-
posições hereditárias por meio das experiêncais individuais, em vez de a pulsão se tor-
nar disposição hereditária pela via da seleção natural dos mais aptos (Darwin). A idéia
de que as pulsões seriam depósitos ou precipitados da história filogenética da espécie é
recorrente na obra de Freud.
F: Freud SE: Standard Edition T: tradutor brasileiro C: colaboradores brasileiros NOTAS
165

■ 18 [Veremos que dois princípios estão envolvidos aqui. Um deles é o “princípio SE.18
de constância” (cf. nota SE.10 e Studienausgabe, vol. 3, p. 217), que torna a ser enunci-
ado em Além do Princípio do Prazer (1920g), Capítulo I (Studienausgabe, vol. 3, p.
219) nos seguintes termos: “(…) a hipótese de que o aparelho psíquico procura man-
ter no nível mais baixo possível, ou ao menos constante, a quantidade de excitação pre-
sente nele”. Para esse princípio, Freud adotou, no mesmo trabalho (p. 264), a expres-
são “princípio de nirvana”. O segundo princípio implicado é o “princípio do prazer”,
que também volta a ser formulado no texto acima, no início do parágrafo ao qual per-
tence esta nota. Esse segundo princípio também é formulado de novo em Além do
Princípio do Prazer (p. 217): “Na teoria psicanalítica, admitimos sem hesitar que o
curso dos processos psíquicos é automaticamente regulado pelo princípio do prazer,
isto é, acreditamos que esse curso é, cada vez, colocado em movimento por uma tensão
desprazerosa e toma então determinada direção, de modo que seu resultado final coin-
cide com uma redução dessa tensão, portanto, com uma evitação de desprazer ou pro-
dução de prazer”. Freud parece ter suposto, no início, que esses princípios possuíam
uma estreita relação entre si ou que eram até idênticos. Assim, em seu “Projeto” de
1895 (1950a, Parte I, Seção 8, “A consciência”), escreve: “Desde que sabemos de uma
tendência da vida psíquica de evitar desprazer, estamos tentados a identificá-la com a
tendência primária para a inércia [isto é, a tendência a evitar excitação]”. Um ponto de
vista semelhante é adotado no Capítulo VII, Seção E, de A Interpretação dos Sonhos
(1900a), Studienausgabe, vol. 2, p. 568. Na passagem a que se refere esta nota, no
entanto, parece duvidar de que a correlação entre ambos os princípios seja completa.
Essa dúvida é ampliada em “Além do Princípio do Prazer” (pp. 217 e seg., 271), e exa-
minada mais extensamente em “O Problema Econômico do Masoquismo” (1924c,
Studienausgabe, vol. 3, p. 343 e segs.). Ali Freud afirma que os dois princípios não
podem ser idênticos, já que indubitavelmente há estados de tensão crescente prazero-
sos (por exemplo, a excitação sexual), e prossegue sugerindo (como já havia insinuado
nas duas passagens de “Além do Princípio do Prazer” às quais acabamos de aludir) que
a qualidade prazerosa ou desprazerosa de um estado pode ser relativa à característica
temporal (ou ritmo) das mudanças na quantidade de excitação presente. Conclui que,
em todo o caso, os dois princípios não podem ser considerados idênticos: o princípio
do prazer é uma modificação do princípio de nirvana. Este último deve ser atribuído à
“pulsão de morte”, e sua modificação em princípio do prazer se deve à influência da
“pulsão de vida” ou libido.]
■ 19 Grenzbegriff, “conceito-limite”; ver “Comentários do Editor Brasileiro”. T.19

■ 20 Repräsentant, “representante”; Sign.: refere-se ao elemento cuja a função é T.20


“estar no lugar de”, ou ser um “substituto”, um “enviado”, ou “que tem a delegação de
representar”. Obs.: Freud por vezes não se refere ao elemento que está representando,
mas à “função de representação”, na acepção da “função de estar no lugar de”, e
emprega o termo Repräsentanz, que com freqüência é confundido nos idiomas latinos
com “representação” na acepção de “figuração”, “apresentação”. Em alemão, “figura-
ção” ou “apresentação” corresponde a Vorstellung (“imagem”, “idéia”, “noção”, “con-
NOTAS F: Freud SE: Standard Edition T: tradutor brasileiro C: colaboradores brasileiros
166

cepção”, “visualização”). Para evitar a ambigüidade do termo latino, a palavra Reprä-


sentanz (“função de estar no lugar de outro”) foi traduzida por “representante”,
embora em rigor se refira a uma função, e não ao elemento que excerce a função de
representar; a diferença entre Repräsentant e Repräsentanz não é relevante no contexto
freudiano, mas o leitor será sempre advertido de que termo se trata; ver DCAF.
T.21 ■ 21 Drang, “pressão”; Sign.: “ânsia”, “afã”, “ímpeto”, “intenso anseio”; eventual-
mente é sinônimo de pulsão (Trieb); Conot.: força que quer sair de dentro para fora;
força impelente. Obs. 1: No idioma alemão, Drang (“ânsia”) expressa a passagem do
somático ao psíquico, refere-se à percepção de uma pressão ou incômodo geralmente
sufocante e somático e a um intenso anseio por imagens de alívio; afetivamente traz
uma urgência ou ímpeto intenso. Obs. 2: No contexto freudiano, é considerado a
“essência” da pulsão justamente por expressar a ligação entre o psíquico e o somático e
promover a ação. Obs. 3: É a medida da exigência de trabalho efetivo que o somático
cobra do psíquico, e só pela co-presença do pólo impelente (percepção de incômodo) e
do pólo atrator (memória de imagens de alívio) a pulsão se tranforma em movimento
(trabalho) e vai ao mundo em busca dos objetos primários de satisfação; por isso Drang
é denominado fator dinâmico; ver DCAF.
T.22 ■ 22 Ziel, “meta”. Obs.: Diferente de finalidade (Zweck), a meta (Ziel) é um alvo
mais imediato e se refere ao mecanismo pulsional fisiológico de escoamento ou remo-
ção da energia ou à obtenção psíquica de prazer; a finalidade se refere à função bioló-
gica ou psíquica.
SE.23 ■ 23 [Algumas observações sobre a natureza ativa das pulsões são encontradas em
uma nota acrescentada em 1915 à Seção IV do terceiro dos Três Ensaios (1905d), Stu-
dienausgabe, vol. 5, p. 123 e seg. — Uma crítica a Adler por sua incompreensão desse
caráter de “pressão” das pulsões aparece no final da Seção II da Parte III da análise do
“Pequeno Hans” (1909b), Studienausgabe, vol. 8, pp. 117-8.]
T.24 ■ 24 Befriedigung, nota 9.
T.25 ■ 25 Fremd, “outro”; Alt.: “estranho”; Sign.: “estrangeiro”, “desconhecido”, “esqui-
sito”, “externo”; Conot.: alteridade, pertinência ao mundo externo e ao desconhecido;
pode haver um estranhamento. Obs.: Em geral, optou-se por traduzir fremd por
“outro”, pois a palavra “estranho”, principalmente quando combinada com o termo
“objeto” (objeto estranho), pode ser entendida em português como “esquisito” ou
“assustador”, o que ficaria forçado; mas, em regra, Freud emprega o termo enfatizando
a ambigüidade da oposição entre o que é interno, conhecido e pertence ao Eu e o que é
externo, desconhecido e estranho ao Eu, pois psiquicamente o externo surge diante do
Eu como portador dos conteúdos internos outrora rejeitados pelo Eu.
T.26 ■ 26 Lebensschicksale, “destinos de vida”. Obs.: Freud emprega com freqüência ter-
mos que remetem à autonomia e vitalidade da pulsão como se esta fosse um orga-
nismo ou ser vivo; a pulsão “quer”, “deseja”, “vive”, “se desenvolve” e mais ao final do
artigo “ama” e eventualmente “odeia”; esses termos tornam-se mais compreensíveis se
F: Freud SE: Standard Edition T: tradutor brasileiro C: colaboradores brasileiros NOTAS
167

considerarmos que em alemão a pulsão se refere a essa força impelente que se expressa
na variedade de sentidos mencionada nos “Comentários do Editor Brasileiro”; assim,
a pulsão se desenvolve e circula, bem como percorre ciclos de vida; ver DCAF.

■ 27 Verschiebung, “deslocamento”, do verbo verschieben; Conot. 1: algo que des- T.27


liza ou é deslizado em outra direção por vias aplainadas, de pouca resistência; Conot. 2:
o deslizamento reconfigura o conjunto, eventualmente o deforma. Obs.: No contexto
freudiano o termo refere-se à idéia de uma rede interligada de pontos, cada um dos
quais contém imagens ou representações; ao longo dessa rede ocorre o deslizar da ener-
gia, do afeto, das pulsões, do desejo, ou seja, estes últimos deslizam entre representa-
ções; ver DCAF.

■ 28 [Freud dá dois exemplos desse caso na análise do “Pequeno Hans” (1909b), SE.28
Studienausgabe, vol. 8, pp. 93 e 107-8.]

■ 29 Bindung, “aderência”; Alt.: “ligação”; Sign.: “enlaçamento”, “atamento”, “fi- T.29


xação”, “aprisionamento”, derivado do verbo binden, “amarrar”. Obs. 1: Refere-se ao
processo de “fixação” e não tem a acepção de “interligado”, “vinculado” ou “interco-
nectado”. Obs. 2: A energia pulsional, ou investimento, pode enlaçar-se a uma função,
a uma imagem ou a um afeto; aqui, trata-se das representações ou imagens mentais
que representam e identificam um objeto. Freud emprega o termo para descrever aglo-
merados em que a pulsão, o afeto e a imagem estão “enlaçados”, formando uma uni-
dade simples, bem como para descrever as cadeias ou redes associativas nas quais os
elementos estão gebunden (amarrados entre si) e dotam de sentido uma experiência.
A Bindung também está envolvida no processo de fixação [Fixierung], principalmente
por meio da repetição de experiências e do aumento de intensidade. Obs. 3: Embora
nos textos de Freud os termos binden e Bindung geralmente designem o processo de
grudar ou enlaçar um elemento a outros e a palavra Fixierung seja utilizada com rela-
ção ao processo mais amplo e mais definitivo de uma Bindung particularmente intensa
e profunda de uma pulsão ou desejo a um objeto ou a uma representação, ocasional-
mente traduzimos Bindung por “fixação” e grafamos o termo alemão em itálico no
corpo do texto; ver DCAF.

■ 30 [Cf. Próximo artigo, pp. 178-9.] SE.30

■ 31 Obs.: A referência de Freud à quimica pulsional é recorrente, mas sempre res- T.31
trita ao processo somático; muito raramente, como em “Além do Princípio do Prazer”
(1920), Freud ultrapassa a esfera do somático e aborda as leis ou princípios pulsionais
que governariam a química orgânica, especificamente as pulsões de vida e de morte,
quando o termo “pulsão” é utilizado na acepção de leis ou princípios da natureza; ver
DCAF.

■ 32 Entbindung, “liberação”; Alt.: “desligamento”. Obs.: Antônimo de Bindung T.32


(ligação ou aprisionamento) e de gebunden (ligado, atado), ambos derivados do verbo
binden, “amarrar”, “prender”,“atar”, “enlaçar”, “aderir”; ver nota 29.
NOTAS F: Freud SE: Standard Edition T: tradutor brasileiro C: colaboradores brasileiros
168

T.33 ■ 33 “diferenças qualitativas” referem-se às características e às capacidades parti-


culares de cada pulsão. Dois usos: como impelente e como impelido.
SE.34 ■ 34 [Não fica claro a qual “contexto posterior” Freud está se referindo.]
SE.35 ■ 35 [Ver p. 83 e segs.]
T.36 ■ 36 Zwangsneurose, “neurose obsessivo-compulsiva”; Alt.: “neurose obsessiva”;
Sign.: literalmente, “neurose de coerção” ou “neurose de coação”; Conot.: Zwang é
algo que “obriga” ou “força” e é exterior, “coação”, “obrigatoriedade”, “coerção”.
Obs. 1: Devido às tradições da terminologia médica da época, o termo Zwang foi tra-
duzido preferencialmente por “obsessão” ou “compulsão”, dependendo do contexto;
Freud mesmo redigiu originalmente em francês seu primeiro grande artigo sobre o
tema intitulando-o “Obsessions et fobies” (1895). Obs. 2: Em composição com neu-
rose tem sido adotado em geral “neurose obsessiva” ou “neurose obsessivo-compul-
siva”; os dois termos não correspondem ao sentido semântico de Zwang; “compulsão”
remeteria à idéia de uma vontade irrefreável, “obsessão” refere-se a uma idéia fixa e per-
secutória; ambos os termos não permitem distinguir que o Zwang (“coerção”) ao qual
o neurótico é submetido expressa o conflito entre o que ele imagina ser sua “vontade” e
uma força avassaladora coercitiva (Zwang) percebida como se fosse [fremd] “externa”
e “alheia” ao sujeito e na qual ele não se reconhece.
SE.37 ■ 37 Cf. Comentários Editoriais da Standard Edition.
SE.38 ■ 38 Freud sustenta a mesma suposição no início de sua Conferência XXVI
das Conferências Introdutórias (1916-17), Studienausgabe, vol. 1, p. 299. Cf. tam-
bém o Capítulo VI de “Além do Princípio do Prazer” (1920g), Studienausgabe, vol. 3,
p. 254.]
SE.39 ■ 39 [Freud tinha anunciado essa hipótese na primeira edição de seus Três Ensaios
(1905d), Studienausgabe, vol. 5, p. 120, nota. Mas já a sustentava pelo menos dez anos
antes da publicação desse trabalho. Cf., por exemplo, o Manuscrito I da correspon-
dência com Fliess (1950a), supostamente redigido em 1895.]
T.40 ■ 40 anstrebt, “persegue”; Alt.: “anela por”, “esforça-se por obter”; Conot.: implica
intenso desejo e um esforço para conseguir.

SE.41 ■ 41 [O termo “prazer do órgão” (prazer restrito a determinado órgão do corpo)


parece ser usado aqui pela primeira vez é examinado na Conferência XXI das Confe-
rências Introdutórias (1916-17), Studienausgabe, vol. 1, p. 319 e segs. A idéia subja-
cente, na verdade, data de muito antes; cf., por exemplo, a passagem de abertura do
terceiro dos Três Ensaios (1905d), Studienausgabe, vol. 5, p. 112.]

SE.42 ■ 42 [Cf. “À Guisa de Introdução ao Narcisismo” (1914c), atrás, pp. 107-8.]


SE.43 ■ 43 [Ibid., pp. 103-4, atrás.]
F: Freud SE: Standard Edition T: tradutor brasileiro C: colaboradores brasileiros NOTAS
169

■ 44 [O problema da sublimação já havia sido examinado no artigo sobre o narci- SE.44


sismo (atrás, p. 113), mas possivelmente foi o tema de um dos trabalhos metapsicoló-
gicos perdidos; cf. Comentários Editoriais da Standard Edition.]

■ 45 [Cf. o próximo artigo, p. 177.] SE.45

■ 46 Motive, “forças motivacionais”; Alt.: “motivos”. Obs.: Não se trata de “moti- T.46
vos” na acepção de “razões” ou “justificativas”, mas de “temáticas”, conteúdos”; certas
pulsões opostas e ancoradas em certos temas se contrapõem ao avanço de outras, con-
figurando-se aí um conflito pulsional.

■ 47 Schaulust, “vontade de olhar”; Alt.: “prazer de olhar”, “escopofilia”; Sign.: o T.47


termo Lust (“prazer”) tem um sentido sensorial e outro motivacional: 1) sensações pra-
zerosas iniciais, que ocorrem nos e a partir dos órgãos excitados e 2) disposição, von-
tade, pique, ânimo. Obs.: Ambos referem-se ao que ocorre no nascedouro das sensa-
ções e diferem dos sentidos associados ao termo “prazer” em português (descargas con-
tínuas e eventualmente gozo); neste caso, Lust está na acepção de disposição ou
vontade e equivale a um sinônimo de “pulsão”, Trieb. Freud freqüentemente alterna
entre a Schaulust, termo de época para designar o voyeurismo, e a “pulsão de olhar”,
Schautrieb, e às vezes designa um pelo outro; ver DCAF.

■ 48 mitgeniesst, compartilha o gozo; Sign.: “usufrui”, “desfruta”, “deleita-se”, T.48


“delicia-se”, “aproveita”, “goza”; a melhor tradução talvez seja o termo oriundo da gíria,
“curtir”; Conot.: o verbo geniessen e o substantivo Genuss não têm as acepções de “des-
carga”, “orgasmo” e “satisfação”; referem-se ao continuum de algo que brota na forma
de Lust (disposição, tesão) e que flui continuamente, propiciando um deleite. É menos
intenso do que o “gozo” no seu sentido estrito de descarga e esvaziamento completo.
Obs.: O Genuss não se refere ao processo de “satisfação da pulsão”, Triebbefriedigung,
cujo sentido é de redução de tensão e apagamento das diferenças, algo atinente tanto à
“descarga” como à “pulsão de morte”. Genuss é uma espécie de pequena Befriedigung
contínua, equivalente ao que Freud designa Vorlust; ver verbetes Lust e Befriedigung em
DCAF.

■ 49 fremd, “outro”; Alt.: “estranho”; Sign.: “estrangeiro”, “desconhecido”, “esqui- T.49


sito”, “externo”; ver nota 25.

■ 50 [Mesmo que o sentido geral dessas passagens esteja claro, pode haver alguma SE.50
confusão no emprego da palavra “sujeito”. Como regra geral, “sujeito” é usado para
designar a pessoa na qual se origina uma pulsão (ou outro estado psíquico), e “objeto”,
a pessoa ou coisa à qual ela está dirigida. Aqui, no entanto, “sujeito” parece designar a
pessoa que desempenha o papel ativo nessa relação — o agente. A palavra é usada mais
claramente neste segundo sentido na passagem paralela na p. 154, bem como em
outras partes do artigo, mais adiante.]

■ 51 [Cf. a nota anterior.] SE.51


NOTAS F: Freud SE: Standard Edition T: tradutor brasileiro C: colaboradores brasileiros
170

F.52 ■ 52 [Nota acrescentada por Freud em 1924:] Em trabalhos anteriores expressei


uma opinião oposta em relação aos problemas da vida pulsional. SA: (Cf. “O Pro-
blema Econômico do Masoquismo”, 1924c, Studienausgabe, vol. 3, pp. 341-2.)
SE.53 ■ 53 Zwangsneurose, nota 36.
SE.54 ■ 54 Sucht, “compulsão”; sign.: “vício”, “vontade irrefreável”. Obs.: O termo
“compulsão” corresponde mais rigorosamente à palavra alemã Sucht, enquanto o
termo Zwang, em geral traduzido por “compulsão” ou “obsessão”, corresponde mais
exatamente a “coação”; ver nota 36.
SE.55 ■ 55 [Freud se refere aqui à posição implícita nessa voz verbal do grego.]
SE.56 ■ 56 [Cf. uma passagem no segundo dos Três Ensaios (1905d), Studienausgabe,
vol. 5, pp. 108-9.]
SE.57 ■ 57 [Sobre a diferença (cf. adiante), não fica claro a que passagem Freud se refere
aqui, a não ser que estivesse incluída em um artigo perdido, sobre a sublimação. De
fato, há alguma discussão sobre o assunto em “Pensamentos para os Tempos de Guerra
e Morte” (1915b), Studienausgabe, vol. 9, p. 41. Mas não pode ser essa a referência em
que Freud estava pensando, porque originalmente esse artigo foi publicado em outro
volume. Em uma nota acrescentada aos Três Ensaios (1905d), em 1915 (ano em que
escreveu o presente trabalho), Freud acentua que a sublimação e a formação reativa
devem ser consideradas processos distintos (Studienausgabe, vol. 5, p. 86). Outro
ponto de vista sobre a origem desse sentimento encontra-se expresso na análise do
“Homem dos Lobos” (1918b), Studienausgabe, vol. 8, pp. 201-2, que tem grande pro-
babilidade de ter sido escrito em fins de 1914, poucos meses antes deste artigo.]
SE.58 ■ 58 [Isto é, com a introdução de um novo sujeito ativo da ação.]
SE.59 ■ 59 [Trecho acrescentado por Freud em 1924:] Cf. nota 52.
SE.60 ■ 60 [O termo “ambivalência”, cunhado por Bleuler (1910) e (1911, pp. 43 e
305), não parece ter sido usado por ele nesse sentido. Bleuler distinguia três tipos de
ambivalência: 1) afetiva, isto é, a oscilação entre o amor e o ódio; 2) ambivalência da
vontade, ou seja, incapacidade de se decidir sobre uma ação; e 3) ambivalência inte-
lectual, ou seja, oscilação entre proposições contraditórias. Freud geralmente utiliza
o termo no primeiro desses sentidos. Cf., por exemplo, a primeira ocasião em que
parece tê-lo adotado, no final do artigo “Sobre a Dinâmica da Transferência”
(1912b), Studienausgabe, volume complementar, p. 166, e depois no presente artigo
(adiante, pp. 156 e 161). A passagem atual é uma das poucas em que Freud aplica o
termo à atividade e à passividade. Outro exemplo desse uso excepcional se encontra
em uma passagem na Seção III do caso clínico do “Homem dos Lobos” (1918b),
Studienausgabe, vol. 8, p. 146.]
SE.61 ■ 61 [Cf. Totem e Tabu (1912-13), Studienausgabe, vol. 9, p. 356.]
SE.62 ■ 62 [Cf. atrás, p. 152.]
F: Freud SE: Standard Edition T: tradutor brasileiro C: colaboradores brasileiros NOTAS
171

■ 63 Freud aqui chama a Schaulust e a Zeigelust de “pulsões” (Triebe); ver nota 47. T.63

■ 64 [Antes da edição de 1924 constava aqui “na conversão de amor e ódio”.] SE.64

■ 65 [Cf. nota 60.] SE.65

■ 66 Strebung, “vertente”; Alt.: “tendência”, “aspiração”; sign.: refere-se a uma SE.66


“corrente” ou “força” que anela ou se esforça por atingir certas metas; Conot.: contém
vivacidade e autonomia mobilizadas pela volição e não expressa nem uma lei, nem
uma propensão, como ocorre com o termo “tendência”; ver DCAF.

■ 67 [Cf. p. 147.] SE.67

■ 68 [Cf. p. 148.] SE.68

■ 69 [Esse ponto é abordado em maior extensão em uma nota acrescentada em SE.69


1915 (ano em que Freud escreveu o presente artigo) aos Três Ensaios (1905d), Studien-
ausgabe, vol. 5, p. 123.]

■ 70 triebbesetzt, “tomado por pulsões”; Alt.: “investido de pulsões”. Obs.: o termo SE.70
Besetzung pede algumas observações: “investimento”; Alt.: “catexia”, “carga de investi-
mento”, “investimento de carga”; sign.: o verbo besetzen refere-se à ação de “carregar”,
“preencher”, “ocupar”, “colocar em”, “aplicar sobre”; conot.: descreve um movimento
flexível e reversível de “ocupar” (eventualmente “invadir”) e “preencher”. Obs.: Os
conteúdos investidos podem ser energia, estímulos, pulsões, desejos e o resultado do
investimento geralmente é o de ativar as representações correspondenes, isto é, carre-
gá-las de energia e torná-las conscientes; ver DCAF..

■ 71 Uma parte das pulsões sexuais é, como sabemos, capaz dessa satisfação F.71
auto-erótica e, portanto, apta a servir de veículo para o desenvolvimento [no texto
acima] sob o domínio do princípio do prazer [do “Eu-real” originário até o “Eu-pra-
zer”] que estamos em vias de descrever. As pulsões sexuais, que desde o início recla-
mam um objeto, assim como as necessidades das pulsões do Eu, que nunca se satisfa-
zem de maneira auto-erótica, naturalmente perturbam esse estado [o estado narcísico
primordial] e preparam os progressos posteriores. Por certo, o estado narcísico primor-
dial não poderia seguir aquele desenvolvimento se cada ser vivo não passasse por um
período de desamparo e de cuidado, durante o qual suas necessidades urgentes teriam
sido satisfeitas por agentes externos, e com isso seu desenvolvimento teria sido bar-
rado.

■ 72 [Esta nota, muito condensada, teria sido mais fácil de compreender se tivesse SE.72
sido colocada dois ou três parágrafos adiante. Talvez possamos ampliá-la da seguinte
maneira: Em suas “Formulações sobre os Dois Princípios do Acontecer Psíquico”
(1911b, atrás, p. 21), Freud havia introduzido a idéia da transformação de um precoce
“Eu-prazer” em um “Eu-realidade”. Na passagem seguinte do presente texto, sustenta
que, na verdade, há um Eu-realidade inicial, mais antigo ainda. Esse “Eu-realidade”
inicial, em vez de converter-se diretamente no “Eu-real” definitivo, foi substituído, sob
NOTAS F: Freud SE: Standard Edition T: tradutor brasileiro C: colaboradores brasileiros
172

a influência dominante do princípio do prazer, por um “Eu-prazer”. A nota enumera,


por um lado, os fatores que favoreceriam este último desenlace e, por outro, os fatores
que lhe fariam oposição. A existência de pulsões libidinais auto-eróticas estimula o
desvio para um “Eu-prazer”; por outro lado, as pulsões libidinais não-auto-eróticas e as
pulsões de autoconservação têm a tendência de promover uma transição direta para o
“Eu-real” do adulto. Freud observa que, de fato, esta última seria o resultado se o cui-
dado dispensado pelos pais ao bebê desamparado não satisfizesse o segundo grupo de
pulsões e prolongasse artificialmente a etapa narcísica primordial, dessa maneira con-
tribuindo para tornar possível o estabelecimento do “Eu-prazer”.]
SE.73 ■ 73 [Na p. 157 Freud enumerou na seguinte ordem os opostos ao amar: 1) odiar,
2) ser amado e 3) indiferença. No presente parágrafo, e nas pp. 159-160 e 161-162,
opta por outra ordem: 1) indiferença, 2) odiar e 3) ser amado. Provavelmente, nessa
segunda seqüência outorga o primeiro lugar à indiferença por ser esta a primeira que
surge no curso do desenvolvimento.]
SE.74 ■ 74 [Freud parece utilizar aqui o termo pela primeira vez.]
SE.75 ■ 75 [Cf. mais adiante o mecanismo da projeção, “O Inconsciente” (1915), Stu-
dienausgabe, vol. 3, pp. 142-3 e “Suplemento Metapsicológico à Teoria dos Sonhos”
(1915), Studienausgabe, vol. 3, p. 180.]
SE.76 ■ 76 [Ver nota 13, e também nota 72.]
SE.77 ■ 77 [Cf. nota 73.]
T.78 ■ 78 Obs.: Ver nota 3, sobre o caráter irritativo de Reiz (estímulo).
SE.79 ■ 79 [Cf. nota 73.]
T.80 ■ 80 Obs.: Ver nota 26.
SE.81 ■ 81 [Em alemão, “Beziehungen”. Na primeira edição constava nesse ponto a pala-
vra “Bezeichnungen”, “designações”, o que parece mais coerente.]
T.82 ■ 82 Versagung, “obstáculo”; Alt.: “frustração”, “impedimento”, “bloqueio”; sign.:
do verbo versagen, “impedir”, “proibir”, “negar acesso”, “interditar”, “bloquear”. Obs.:
A tendência internacional de traduzir Versagung por “frustração” tem causado confu-
são, com o termo sendo compreendido equivocadamente como “decepção”, “devasta-
ção emocional”, implicando uma alteração da leitura e interpretação de uma ampla
rede conceitual a ele interligada. Freud distingue e relaciona as Versagungen internas às
externas, sendo este um tema essencial à metapsicologia freudiana; ver DCAF.
T.83 ■ 83 Obs.: Bedürfnisse (necessidades), aqui, na acepção de Triebe (pulsões); ver
nota 8 e “Comentários do Editor Brasileiro”.
SE.84 ■ 84 [A primeira exposição sobre a etapa oral em um trabalho publicado por Freud
encontra-se em um parágrafo acrescentado por ele à terceira edição, em 1915, de seus
Três Ensaios (1905d), Studienausgabe, vol. 5, p. 103. O “Prólogo” a essa edição foi
F: Freud SE: Standard Edition T: tradutor brasileiro C: colaboradores brasileiros NOTAS
173

fechado “em outubro de 1914” — portanto, alguns meses antes de Freud ter escrito o
presente artigo. Cf. também “Suplemento Metapsicológico à Teoria dos Sonhos”
(1915), Studienausgabe, vol. 3, p. 203.]
■ 85 [Cf. “A Disposição para a Neurose Obsessiva” (1913i).] SE.85

■ 86 Bemächtingungsdrang, “ímpeto de apoderamento”. Obs.: Em outros textos T.86


Freud também emprega o termo Bemächtigungstrieb (“pulsão de apoderamento” ou
“pulsão de dominar”), por exemplo, em “Além do Princípio do Prazer” (1920g), Stu-
dienausgabe, vol. 3, p. 226, indicando que segue o uso corrente do alemão de, con-
forme o contexto, fazer equivaler os termos Trieb, Drang, Zwang e Lust; ver nota 8.
■ 87 [Cf. nota 60.] SE.87

■ 88 [Cf. nota 73.] SE.88

■ 89 [A relação entre amor e ódio é tratada posteriormente por Freud, à luz de sua SE.89
hipótese da pulsão de morte, no capítulo IV de O Eu e o Isso (1923b), Studienausgabe,
vol. 3, p. 307.]
■ 90 [Cf. “O Recalque” (1915).] SE.90
Freud

O Recalque

1915
DIE VERDRÄNGUNG

Edições alemãs:
1915 • Int. Z. ärztl. Psychoanal., 3 (3), 129-38.
1918 • S. K. S. N., 4, 279-93. (1922, 2ª ed.)
1924 • G. S., 5, 466-79.
1924 • Technik und Metapsychol., 188-201.
1931 • Theoretische Schriften, 83-97.
1946 • G. W., 10, 248-61.

P Comentários editoriais da Standard Edition of the


Complete Psychological Works of Sigmund Freud

Na Seção I da “História do Movimento Psicanalítico” (1914d), Freud


declarou que “a teoria do recalque é a pedra angular sobre a qual repousa toda a
estrutura da psicanálise”; no presente trabalho, juntamente com a Seção IV do
artigo “O Inconsciente” (Studienausgabe, p. 214 e segs.), ele nos oferece sua for-
mulação mais elaborada dessa teoria.
O conceito de recalque remonta historicamente aos primórdios da psica-
nálise. A primeira referência publicada consta na “Comunicação Preliminar” de
Breuer e Freud (Edição Standard Brasileira, vol. II, p. 51, IMAGO Editora,
1974). O termo “Verdrängung” fora empregado pelo psicólogo Herbart no início
do século XIX e possivelmente chegou ao conhecimento de Freud por intermédio
de seu mestre Meynert, admirador de Herbart. Mas, como o próprio Freud insis-
tiu no trecho já citado da “História”, “a teoria do recalque, sem dúvida alguma,
ocorreu-me independentemente de qualquer outra fonte”. “Foi uma novidade”,
escreveu em seu Estudo Autobiográfico (1925d), “e nada semelhante havia sido
reconhecido antes na vida psíquica.” Nos escritos de Freud existem vários relatos
de como ocorreu a descoberta: por exemplo, nos Estudos sobre a Histeria (1895d),
Edição Standard Brasileira, vol. II, pp. 324-6, IMAGO Editora, 1974, e nova-

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