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N° 70003742889
2001/CRIME

QUEIXA- CRIME - LEI DE IMPRENSA. PEGADINHA.


Pratica, em tese, o crime de injúria, previsto no art.
22, da Lei de Imprensa, o apresentador que, em
entrevista, após induzir adolescente em erro, declara
ser ela homossexual e, de forma irônica, adverte aos
meninos que dela não se aproximem, mas somente
meninas. A afirmação de que não havia intenção de
injuriar, por se tratar de uma "pegadinha" não serve
para afastar, de plano, a existência do elemento
subjetivo, especialmente o dolo eventual. RECURSO
PROVIDO. QUEIXA RECEBIDA.

APELAÇÃO CRIME CÂMARA ESPECIAL CRIMINAL

N° 70003742889 PELOTAS

FLAVIO CLASEN APELADO(A)

LUCIDIA AMELIA CARDOSO APELANTE


MACHADO
TATIANA CARDOSO MACHADO APELANTE

MINISTERIO PUBLICO INTERESSADO

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam as integrantes da Câmara Especial Criminal do Tribunal
de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento ao apelo para o fim
de receber a queixa-crime, determinando a remessa dos autos à origem para
regular processamento.
Custas, na forma da lei.
Participaram do julgamento, além da Juíza de Direito signatária,
as eminentes Senhoras Desembargadora ELBA APARECIDA NICOLLI
BASTOS (Presidente) e a Juíza de Direito FABIANNE BRETON BAISCH.

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Porto Alegre, 22 de janeiro de 2002.

DRA. VANDERLEI TERESINHA TREMEIA KUBIAK,


Relatora.

RELATÓRIO

DRA. VANDERLEI TERESINHA TREMEIA KUBIAK (RELATORA) –


L.A.C.M., representando a adolescente T.C.M., ajuizou queixa-
crime contra FLÁVIO CLASEN, entrevistador e apresentador de TV,
imputando-lhe a prática dos crimes de injúria e difamação previstos nos arts.
21 e 22 da lei 5.250/67. Sustenta a requerente que, na última semana de maio
de 2000, o querelado, em entrevista ocorrida no calçadão de Pelotas, teria
injuriado e difamado a adolescente, afirmando ser ela homossexual. Na
entrevista, o querelado teria usado de má-fé, induzindo as respostas e
deixando a menor confusa, pois, após efetuar algumas perguntas, diante da
artimanha usada, afirmou: “...você acabou de se declarar para nos, aqui, que não
é heterossexual”, sofrendo então nova pergunta: “então você é homossexual”,
recebendo sim como resposta, fato que caracterizou o delito de injúria,
causando ofensa à sua dignidade e prejuízo à sua imagem.
Ainda, ao transmitir, nos dias 27.05.00 e 28.05.00, no Canal 33,
na Via Cabo TV a entrevista, cujo programa foi apresentado como “pergunta
idiota”, o que tornou evidente o objetivo do querelado em expor a adolescente
de apenas quinze anos ao ridículo, identificando-a e afirmando para os
telespectadores que ela era “homossexual”, advertindo aos meninos que dela
não se aproximassem, mas, somente meninas, praticando, assim, o delito de
difamação.
Após a transmissão do programa, através de pessoas conhecidas
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que o assistiram, a querelante tomou ciência dos fatos e buscou orientação


junto ao Promotor de Justiça da Infância e Juventude, o qual requisitou a cópia
do programa. Inicialmente, foi enviado apenas o início da entrevista. Porém,
após nova requisição, a gravação completa foi apresentada.
Regularmente citado, o querelado apresentou defesa preliminar
(fls. 24/25), alegando que se tratava de uma pegadinha , ou seja, uma
brincadeira, sem maldade, ordinariamente feita nos programas de televisão.
Salientou que o programa foi gravado e somente foi ao ar em razão da
autorização da querelante. Além disso, transcorreu o lapso de uma semana
entre a entrevista e a sua divulgação, tempo suficiente, portanto, para que
fosse determinada sua não veiculação. Sustentou não ter havido intenção de
expor a adolescente ao ridículo, nem má fé ao promover a pegadinha.
Decidindo, a magistrada a quo rejeitou a queixa-crime, com
fundamento no art. 43, inc. I, do Código de Processo Penal, entendendo não
constituir crime o fato descrito, ante a ausência de dolo de difamar ou injuriar.
Irresignada, a querelante interpôs recurso de apelação,
postulando pela reforma do decisum a fim de que a peça inicial seja recebia e
processada. Aduziu que o exercício da liberdade de informação pelos meios
de divulgação social não podem ultrapassar os limites da honra e da reputação
de alguém, nem causar ofensa à dignidade ou decoro. No caso, mesmo que
não estivesse evidente o ânimo ofensivo do agente, este valeu-se de sua
superioridade mental e profissional para a prática das infrações, expondo, com
isso, a menor ao ridículo e denegrindo sua reputação.
Em contra-razões, o apelado sustenta que a entrevista somente
foi ao ar em razão da autorização dada pela adolescente, acompanhada de
sua representante legal, pleiteando pela manutenção da decisão fustigada.
O Ministério Público manifestou-se pelo improvimento do apelo.
Neste grau, o Dr. Procurador de Justiça postou-se pelo

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provimento do recurso.
É o relatório.

VOTO

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Eminentes Colegas, o recurso é tempestivo e cabível, consoante
disposição do art. 593, inciso II, do Código de Processo Penal.
Ao exame dos autos, constata-se que a adolescente T.C.M.,
entrevistada pelo querelado no calçadão da cidade de Pelotas, numa dessas
denominadas pegadinhas teria sido conduzida ou induzida a declarar-se
homossexual. Dita entrevista foi levada ao ar no canal 33 da TV por
assinatura, com a observação pelo entrevistador de que a menina havia se
declarado homossexual e que os meninos dela não se aproximassem, só
meninas.
A íntegra da entrevista consta na fl.12. Na sua leitura, vê-se
claramente a intenção do querelado em confundir a adolescente, induzindo-a a
uma resposta equivocada, tanto que ao perguntar-lhe: Você é heterossexual?
Obteve a resposta: Não. Então, o querelado comentou: Não...você então, você
acabou de se declarar para nós aqui que não é heterossexual, então você é
homossexual? A resposta foi: Sou.
Prosseguindo, o entrevistador (querelado) pergunta o nome da
adolescente e afirma: A T. de Pelotas que declarou abertamente ser
homossexual, portanto, rapazes, não adiante chegar nesta moça, ela é muito
bonita, mas é homossexual, só meninas. Muito obrigado T.
Com a devida vênia da ilustre colega decisora, pelo menos em
sede de recebimento da queixa, vejo clara a presença do elemento subjetivo –
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dolo na conduta do agente.


A justificativa apresentada de que se tratava de mera brincadeira,
pegadinha, comum em programas de televisão pode servir até determinado
ponto da entrevista, ou seja, até a fase em que, induzida em erro, a
adolescente se declara homossexual.
Contudo, não pode servir para excluir, de plano, o dolo de
ofender quanto à parte final da suposta brincadeira, pois, não satisfeito com a
equivocada resposta, expôs a adolescente ao ridículo, ultrajando-a perante um
número indeterminável de pessoas.
Mesmo que se admitisse a ausência da intenção deliberada de
macular a honra da adolescente, ainda assim restaria a hipótese do dolo
eventual, pois, ao agir de tal forma, com ironia, o querelado, no mínimo,
assumira o risco de causar a ofensa.
No meu sentir, prematura foi a conclusão da colega a quo, pois,
em delitos desta natureza, dificilmente se pode afastar, ab initio a existência do
crime, sendo necessária a dilação probatória a atestar ou não a presença do
elemento subjetivo caracterizador do tipo penal.
Nesse sentido, inclusive, a jurisprudência:
“O dolo jamais deverá ser apreciado ex ante, para
excluí-lo desde logo, de modo a ser trancada a ação
penal no seu limiar. Há de ser examinado, a final,
através do confronto dos elementos coligidos na
instrução.” (TACRIM –SP – rel. Prestes Barra – RT
378/243).

No caso, pelo teor da entrevista, num juízo preliminar de


admissibilidade da ação penal, forçoso concluir a ocorrência, em tese, do
crime de injúria, na medida em que o querelado, ofendendo a dignidade e o
decoro da adolescente afirmou taxativamente ser ela homossexual,
proclamando, ainda: portanto rapazes, não adianta chegar, nesta moça, ela

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é muito bonita, mas é homossexual, só meninas.


Como bem salientado pelo ilustre Procurador de Justiça, Dr. Luiz
Henrique Barbosa Lima Faria Corrêa (fl.55):
"A difamação consiste na imputação de fato que, sem
revestir caráter criminoso, incide na reprovação ético-
social, tornando-se ofensivo á reputação da pessoa. Do
mesmo modo que a calúnia, está subordinada à
condição de que o fato atribuído a outrem seja
determinado, concreto, específico. A injúria consiste na
ofensa à dignidade ou decoro de outrem. Fere a honra
subjetiva, o sentimento da própria honorabilidade ou
pessoal respeitabilidade. Não houve irrogação de fato
ofensivo, mas exteriorização de qualidade depreciativa
em relação à vítima. Nessa senda, sabiamente afastado
pela autoridade judicante o delito de difamação, pois o
querelado não imputa fato determinado a menor".

Também, Nelson Hungria, em sua obra, Comentários ao Código


Penal, Vol. VI, pág.85, conceitua a injúria como a "manifestação, por qualquer meio,
de um conceito ou pensamento que importe ultraje, menoscabo ou vilipêndio contra alguém. O
bem jurídico lesado pela injúria é, prevalentemente, a chamada honra subjetiva, isto é, o
sentimento da própria honorabilidade ou respeitabilidade pessoal", esclarecendo que
multifária é a sua forma, nem sempre ocorrendo de maneira direta, podendo
inclusive ser praticada de através de uma ironia, como na hipótese sub
examine.
Assim, diante de todas as peculiaridades do caso, afastar-se de
plano o elemento subjetivo quando caracterizada, em tese, a infração, não me
parece ser a decisão mais justa.
Novamente, valho-me do bem lançado pareceu do Dr. Procurador
de Justiça que com total pertinência apreciou a questão nada mais
necessitando ser dito (fls.57/58):
"Assim, sob o beneplácito do princípio constitucional da
liberdade de expressão não se pode fazer tábula rasa
da moral, dos bons costumes, ipso facto, da saúde
mental da população, sobretudo das crianças, dos

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adolescentes e da família. A liberdade pessoal do


comunicador há de conter-se dentro dos limites da
liberdade de todos. E a única forma efetiva de se coibir
o abuso na manifestação do pensamento é mediante
utilização de todos os instrumentos jurídicos postos a
disposição dos prejudicados, dentre eles, a queixa-crime
e a indenização por danos morais.
Em se tratando de crime contra a honra previsto na Lei
de Imprensa, o ânimus jocandi jamais pode servir de
justificativa para a maledicência, de modo que, se sob o
ânimo de divertir, mesmo em um programa de cunho
humorístico, estiver camuflada a intenção de abalar a
honra alheia – ainda que não seja esse o móvel direto
da ação – haverá crime. É preciso ver-se que um
aspecto é gracejar, outro bem diverso é ridicularizar e,
na linha da comunicação, é muito fácil distinguir-se um
campo do outro.
Por derradeiro, insta registrar que o consentimento da
menor para que fosse veiculada sua participação no
programa ganha vulto no delineamento de sua boa-fé,
vez que ludibriada, propositalmente, pela roupagem
contextual dos vocábulos, não percebeu o real
significado de suas declarações."

ISSO POSTO, voto pelo provimento do apelo, para o fim de


receber a queixa-crime, determinando a remessa dos autos à origem para
regular processamento.
É o voto, preclaras Colegas.
DESA. ELBA APARECIDA NICOLLI BASTOS (Presidente) – De acordo.

DRA. FABIANNE BRETON BAISCH – De acordo.

Decisor(a) de 1º Grau: Sônia Araújo Pereira.

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