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PÓS-MODERNISMO E PSICOLOGIA: A EMERGÊNCIA DA ASSISTÊNCIA

INTEGRAL À SAÚDE

DANIEL PEREIRA DA SILVA


(danielcatarse@hotmail.com)

Artigo referente à categoria “Saberes”.

MANAUS
2009
RESUMO

Este artigo apresenta um dos desafios da psicologia nos tempos atuais: sua efetiva
inserção na assistência integral à saúde. Para isso, o mesmo introduz este tema caracterizando
o sujeito pós-moderno, evidenciando os aspectos relevantes da contemporaneidade desde seus
elementos sócio-econômicos, até a vulnerabilidade a qual estes indivíduos têm sido
submetidos devido à imersão em uma realidade de competitividade e docilização. Após a
introdução, é exposta no tópico “Pós Modernismo e Saúde” uma breve explanação sobre as
consequências das recentes mudanças no cotidiano das pessoas diante da constante
necessidade de adaptação, em seguida salientando a importância urgente da assistência
integral à saúde e a participação do profissional psicólogo neste processo. No tópico “A
psicologia no diálogo interdisciplinar”, tem-se a apresentação de novas áreas da psicologia
como a psiconeuroimunologia, a psicocardiologia, psicooncologia e a psicodermatologia.
Áreas estas que têm emergido para atender às exigências do hipermodernismo e que muito
vem contribuindo no atendimento em equipe, prestando uma assistência biopsicossocial ao
homem contemporâneo. Após expor significativas contribuições de práticas psicológicas
neste contexto, são apresentadas as conclusões, bem como é ressaltada a atual mudança de
paradigma que cerceia a comunidade científica como um todo.

Palavras-chave: Pós-modernismo, Psicocardiologia, Psiconeuroimunologia,


Psicooncologia, Psicodermatologia
PÓS-MODERNISMO E PSICOLOGIA: A EMERGÊNCIA DA ASSISTÊNCIA
INTEGRAL À SAÚDE

INTRODUÇÃO

Exigências de resultados em curto prazo, fazer mais no menor tempo possível, agir
sem demora: a corrida da competição faz priorizar o urgente à custa do importante, a ação
imediata à custa da reflexão, o acessório à custa do essencial. Nesta permanente atmosfera de
competitividade temos o sujeito pós-moderno, que submetido a constantes estados de estresse,
precisa despender diariamente de uma grande quantidade de energia para lidar com as
necessidades de adaptação impostas pelos valores contemporâneos e pela condição sócio-
econômica atual que o disciplina a uma desgastante rotina tornando-o vulnerável a todo um
conjunto de distúrbios psicossomáticos (LIPOVETSKY; CHARLES, 2004).

Pretende-se apresentar neste estudo uma caracterização do sujeito pós-moderno, a


importância da atenção biopsicossocial, bem como apresentar novas áreas da psicologia e suas
contribuições no diálogo interdisciplinar em relação a esta emergente demanda.

PÓS-MODERNISMO E SAÚDE

O momento histórico em que vivemos foi consensualmente adotado como


hipermodernismo, sendo intitulado como a era pós-moderna. Iniciou-se na segunda metade
do século XX, e é caracterizado por uma intensificação dos valores do modernismo que
acarretaram na invasão da tecnologia, na revolução da comunicação e da informática, bem
como do individualismo, do consumismo, da ética hedonista e da fragmentação do tempo e do
espaço (LIPOVETSKY; CHARLES, 2004). Tem-se a expansão da produção capitalista,
especialmente após o impulso recebido da gerência “fordista” por volta da virada do século,
necessitando a construção de novos mercados e educando públicos consumidores através da
publicidade e da mídia (EWEN apud FEATHERSTONE, 1995).

O constante estado de estresse característico dos tempos pós-modernos tem


aumentado consideravelmente o risco de futuros diagnósticos, dentre eles o de angina
(NICHOLSON; FUHRER; MARMOT, 2005), transtornos alimentares (ROJO et al., 2006)
entre outros. Estudos apontam que emoções negativas afetam diretamente o sistema
imunológico. Quando constantes, podem levar o mesmo a uma desregulação, e
consequentemente ao diagnóstico de diversas doenças devido à vulnerabilidade do organismo
(KUBZANSKY, 2007).
Comentando sobre as conseqüências do estresse nas mulheres, o psicólogo
Gutemberg Carvalho (informação verbal1), aponta que nos dias de hoje, diferente dos tempos
anteriores, muitas delas estão comumente submetidas na jornada tripla: trabalham durante o
dia, fazem algum curso de especialização durante a noite e ainda cumprem com suas
obrigações domésticas. Como conseqüência a longo prazo, um elevado índice de doenças
fatais que anteriormente preocupavam apenas os homens, agora são uma realidade nos dois
gêneros, como por exemplo a hipertensão arterial. A personificação do estresse no corpo
orgânico tem sido um dos desafios centrais da psiquiatria (DIMSDALE, 2007).

A PSICOLOGIA NO DIÁLOGO INTERDISCIPLINAR

Inicia então uma nova fase para a psicoterapia, dialogando com a medicina e dando
aos pacientes uma assistência biopsicossocial. Para Di Biase (1995), a grande virada na teoria
de prática psicoterápica se deu em 1950 com a publicação do livro de Franz Alexander
“Psychosomatic Medicine, its principles and application”, onde se tem a afirmação de que “o
crescente aumento do conhecimento das relações das emoções com as funções somáticas
normais e patológicas exige que o médico moderno olhe os conflitos emocionais como reais e
concretos” (ALEXANDER apud DI BIASE, 1995). Pela dificuldade em realizar estudos
reducionistas acerca do funcionamento da mente humana, ainda há resistência por parte de
alguns médicos em relação à importância da terapia psicológica. Segundo Capra (2007):

os médicos geralmente classificam as doenças cujas origens e


desenvolvimento não puderam ser entendidos na estrutura biomédica como
‘psicossomáticas’, e qualificam qualquer processo de cura induzido pelas
expectativas positivas do paciente e por sua fé no médico e no tratamento de ‘efeito
de placebo’, ao passo que as autocuras sem qualquer intervenção médica são
descritas como ‘remissões espontâneas’. O significado real dessas três expressões é
muito semelhante; referem-se todas elas aos poderes curativos da atitude mental do
paciente.

A influência da atitude mental tem sido cada vez mais aceita na comunidade
científica, o que tem aumentado a necessidade do psicólogo nas práticas interdisciplinares
pela cura das mais diversas doenças. Esta prática é realizada por um grande número de
pessoas e organizações, incluindo médicos, enfermeiras, psicoterapeutas, psiquiatras,
profissionais da saúde pública, assistentes sociais, quiropráticos, homeopatas, acupunturistas e
vários praticantes ‘holísticos’. Tem tido positivos resultados em suas atuações, porém ainda é

ϭ
Em palestra proferida no Centro Universitário do Norte, no Dia do Ensino Responsável em 26 de setembro de
2009
comum a intervenção de diferentes tipos de abordagem, baseadas em diversos conceitos de
saúde e de doença. Para a eficácia da prática em equipe é fundamental estabelecer uma base
conceitual comum para se abordar a questão da saúde, de modo que todos esses grupos
possam se comunicar e coordenar seus esforços. (CAPRA, 2007)

As demandas contemporâneas, exigindo uma harmônica assistência interdisciplinar


à saúde, têm feito surgir novas áreas de atuação para o profissional psicólogo. Emergem áreas
como a psicooncologia, psiconeuroimunologia, psicocardiologia e psicodermatologia,
deixando cada vez mais significativas contribuições neste modelo de assistência à saúde.

Estudos da psiconeuroimunologia têm apontado o quanto à exposição a eventos


estressores podem interferir nas defesas do organismo. Estes estudos mostram que em frente a
uma situação de estresse aguda, o organismo reage ativando o funcionamento do sistema
imunológico, porém durante o estresse crônico a reação parece ser diferente. Desemprego
prolongado, depressão e luto são os estressores crônicos que mais vem sendo estudados.
Todos parecem produzir um rebaixamento na resposta linfocitária, com casos de
imunossupressão prolongada (O’LEARY apud RAMOS, 1994).

Observando os fatores neurogenéticos na patogenia da doença coronariana cardíaca,


pesquisadores da psicocardiologia elaboraram um constructo multidimensional caracterizado
por: comportamento orientado para um alto conseguimento, com muita determinação;
envolvimento excessivo com o trabalho; sentimentos exagerados de urgência de tempo;
agressividade; competitividade; impaciência; vigorosa atividade lingüística e motora. “Esse
conjunto de comportamentos formariam um traço de personalidade que chamaram Tipo A, o
qual teria alta correlação com doenças cardíacas” (ROSENMAN; FRIEDMAN apud
RAMOS, 1994).

A psicooncologia, segundo Lopes (2005) “é definida como um conjunto de


conhecimentos sobre a fenomenologia, a prevalência e o tratamento de síndromes
psiquiátricas em pacientes com câncer. [...] Revela um número crescente de programas de
treinamento e uma ampla gama de iniciativas de pesquisa, entre as quais se destaca a
psicoterapia comportamental.” Segundo Fernandes (2005) a psicooncologia visa a dar suporte
às necessidades do enfermo, almejando melhores resultados no atendimento, nas diferentes
etapas da doença, para melhor qualidade de vida do paciente e dos familiares.
Na psicodermatologia diversos estudos estão sendo realizados para contribuir com o
tratamento de doenças com evidente base emocional, dentre elas a Alopecia areata, Psoríase,
Acne vulgaris, Hiperidrose, Vitiligo, Dermatite atópica, Eczema desidrótico, Herpes simples
recorrente entre outras. Recentemente foi realizado um dos primeiros trabalhos nacionais
nesta área. A tese de doutorado da gaúcha Marisa Campio Müller estudou a correlação entre
os aspetos emocionais e o vitiligo. Müller acompanhou 15 portadores de vitiligo, atendidos no
Ambulatório de Dermatologia Sanitária do Rio Grande do Sul. Os pacientes foram
distribuídos em três grupos e tratados de forma diferenciada. Um grupo recebeu apenas
atenção dermatológica com a medicação convencional; outro foi submetido ao mesmo
tratamento, porém em paralelo realizando sessões de psicoterapia individual; o último recebeu
tratamento dermatológico e em paralelo, sessões de psicoterapia grupal. Após seis meses, os
pacientes que realizaram psicoterapia apresentaram índices de até 80% de repigmentação,
enquanto os da terapia exclusivamente medicamentosa chegaram no máximo à repigmentação
de 20%. Estudos como estes estão diminuindo a prevalência da visão cartesiana que há
séculos tem dividido o ser humano em aspectos isolados: mente e corpo. A atenção à saúde
dos tempos pós-modernos exige a atuação interdisciplinar e visão integrativa do homem: uma
mudança de cosmovisão e de conceito acerca da doença e da cura. Segundo Müller (2005):

Com base nessa visão mais integrativa do homem, é importante que se


mude o enfoque: de doença para doente; de doença como intrusa para doença como
resultado de um conjunto de causas que culminam em desarmonia e desequilíbrio;
da relação de dependência (o profissional é que cura) para cooperação, na qual o
paciente é também responsável pela sua recuperação. Para isso, é necessário que o
paciente reconheça que, se ele compreender o processo que contribuiu ao seu
adoecimento, também poderá participar de seu processo de cura.

CONCLUSÕES

O pós-modernismo tornou-se um conceito que já não pode ser ignorado (HARVEY,


2005). Os desafios contemporâneos são proporcionais ao cotidiano do sujeito pós-moderno,
porém o diálogo interdisciplinar tem apontado o caminho a ser seguido pelos profissionais da
era da comunicação. O momento e as demandas pedem por uma reflexão, um novo olhar
sobre a doença e uma revolução no conceito de cura e saúde. Campos estão surgindo, e cada
vez mais a vanguarda da psicologia tem contribuído com sua prática, anunciando superação
do reducionismo e do determinismo da visão biomédica para dar lugar ao relativismo e ao
pluralismo do modelo holístico. Ser saudável significa estar em sincronia consigo mesmo –
física e mentalmente – e também com o mundo circundante (CAPRA, 2007).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAPRA, Fritjof. O Ponto de Mutação. Traduzido por Álvaro Cabral. 28.ed. São Paulo:
Cultrix, 2007.
DI BIASE, Francisco. O homem holístico: a unidade mente-natureza. Petrópolis: Vozes,
1995.
DIMSDALE, J.E. et al. A. Somatic presentations: a challenge for DSM-V. Psychosomatic
Medicine, v.69, p.829, 2007.
FEATHERSTONE, Mike. Cultura de consumo e pós-modernismo. São Paulo: Studio
Nobel, 1995.
FERNANDES, Maria Heloísa Russomano. A importância da Psicooncologia. In: LOPES,
Vera Lúcia Bidone. Doutor, estou com câncer?. 2.ed. Porto Alegre: AGE, 2005.
HARVEY, David. A Condição pós-moderna. 14.ed. São Paulo: Loyola, 2005.
KUBZANSKY, Laura D. Sick at Heart: the patophysiology of negative emotions. Cleveland
Clinic Journal of Medicine, v.74, p.67-72, 2007.
LIPOVETSKY, Gilles; CHARLES, Sébastien. Os tempos hipermodernos. São Paulo:
Barcarolla, 2004.
LOPES, Vera Lúcia Bidone. Doutor, estou com câncer?. 2.ed. Porto Alegre: AGE, 2005.
MÜLLER, Marisa Campio. Psicossomática: uma visão simbólica do vitiligo. São Paulo:
Vetor, 2005.
NICHOLSON, A.; FUHRER, R.; MARMOT, M. Psychological distress as a predictor of
CHD events in men: the effect of persistence and components of risk. Psychosomatic
Medicine. v.67, p.522-530, 2005.
RAMOS, Denise Gimenez. A psique do corpo: uma compreensão simbólica da doença. São
Paulo: Summus, 1994.
ROJO, L. et al. Influence of stress in the onset of eating disorders: data from a two-stage
epidemiologic controlled study. Psychosomatic Medicine. v.68, p.628-635, 2006.

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