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O FAZER POTICO
O DILOGO ENTRE FORMAS DO NU DE JOO CABRAL DE MELO NETO
E PROCURA DA POESIA DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Belo Horizonte
2017
Parte do livro Terceira feira de 1960, o poema Formas do nu do pernambucano
Joo Cabral de Melo Neto faz parte de um conjunto de escritos publicados ineditamente
no Brasil aps sua transferncia para a emabaixada brasileira em Madri durante o breve
governo de Joo Goulart. O poema inicia-se com uma aranha que tece e ns leitores, nos
encontramos enredados, deixados enfeitiar pelo texto. A incorporao da imagtica de
uma aranha diligente que tece sua teia no indita na poesia cabralina. Walt Whitman,
poeta, ensasta e jornalista norteamericano do sculo XIX, em seu poema A noiseless
patient spider, vale-se da imagem de uma aranha que, embora pequena, tece
meticulosamente sua pequena teia em vastos arredores, marcando-os permanentemente.
Joo Cabral recorre ao mesmo aracndeo para gerar sua metfora; ela, no entanto, serve
aqui uma ideia diferente. Em Formas do nu, perfila-se sobretudo a incmoda percepo
do quo limitada a linguagem e promove-se a poesia como nica possibilidade de
subverter esta cristalizao que inerente palavra.
Por fim, a parte derradeira do poema parece emitir um juzo valorativo acerca da
necessidade muito maior do homem, comparativamente a outros animais, de destar
vestido e protegido. O poema parece criticar nossa comodidade em nos contentarmos
apenas com manifestaes de formas enrijecidas da linguagem, do lugar-comum, do
clich. Cabe cojecturar, ento, que Joo Cabral parece estar apontando para uma busca
pela crueza da linguagem; o ponto nevrlgico da palavra e uma compreenso barthesiana
de que escrever forar a lngua a significar o que est alm de suas possibilidades,
disfuncionalizao da linguagem.
O poema reproduz em sua tessitura uma srie de orientaes queles que desejam
fazer parte do mundo das letras atravs de verbos ora utilizados no imperativo afirmativo,
ora no imperativo negativo de forma bastante catedrtica. Exemplos que aduzem essa
observao so os comandos na segunda pessoa do singular no faas, no cantes,
penetra, convive, espera, no forces, no colhas, no adules, repara,
jamais contrargumentados pelo interlocutor. Com efeito, tal ausncia de algum com
quem se fala, fortalece o carter de diretrizes que as proposies ao longo do poema
assumem.