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EMERSON TIN
MIGNA TERRA
Migna terra tê parmeras
Che ganta inzima o sabiá
As aves Che ato aqui,
També tuttos sabi gorgeá
A abobora celestia tambê
Che tê lá na mia terra
Tê moltos millió di strella
Che non tê na Inglaterra
Os rios lá sô maise grandi
Dus rio di tuttas naçó;
I os motto si perdi di vista
Nu meio da imensidó.
Na migna terra tê parmeras
Dove ganta a galligna dangola;
Na migna terra tê o Vap’relli,
Chi só anda di gartolla.
SONETTO FUTURISTE
Pra Marietta
Tegno uma brutta paxó,
P’rus suos gabello gôr di banana,
I p’ros suos zoglios uguali dos lampió
La da igregia di Santanna.
Ê mesimo una perdiçó
Ista bunita intaliana,
Che faiz alembrá os gagnó
Da guerre tripolitana.
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Tê uns lindo pesigno
Uguali cós passarigno,
Chi sto avuanó nu matto;
I inzima da gara della
Te una pinta amarella,
Uguali d’un carrapato.
SAMBA ITALIANO
Piove, piove
Fá tempo que piove quá Gigi
E io, sempre io
Sotto la tua finestra
E voi senza me sentire
Ridere, ridere
Di questo infelice qui
Ti ricorda Gioconda
De quella sera in Guarujá
Quando il mare
Ti portava via
E me chiamaste: “Aiuto, Marcello”
La tua Gioconda à paura di quest’onda
Percebe-se no texto que, apesar de estar escrito muito mais em italiano que em português-
brasileiro, o espaço retratado já não é na Itália, mas no Brasil. O texto remete, inclusive, a um
momento passado que tivera lugar numa praia brasileira. Embora em italiano a letra já traga o
espírito brasileiro, o que já é um indício, ainda que tênue, de um início de transição de culturas,
de um início de integração.
O Início da Integração
SAMBA DO ARNESTO
O Arnesto nos convido
Prum samba
Ele mora no Braz
Nóis fumos
Num incontremos ninguém.
Nóis vortemos cuma baita
Duma réiva
Da outra veiz
Nóis num vai mais!
(Nóis num semo tatu)
Notro dia
Encontremos co’o Arnesto
Que pediu descurpas
Mais nóis num aceitemos.
Isso num se faiz, Arnesto,
Mais você divia
Ter ponhado um recado
Na porta, ansim:
Óia turma, num deu
Pra esperá.
Aduvido que isso num
Faz mar,
E num tem importança.
Da outra vez
Nóis te carça a cara.
Percebemos no texto acima alguns indícios do que seria o retrato caricato da fala de uma
faixa da população paulistana: os descendentes de imigrantes italianos moradores em alguns
bairros, como o Bixiga e o Belenzinho. Isso se nota nos “erros” de português: a/e em verbos de
1ª conjugação (encontremos, vortemos, aceitemos); l/r (vortemos, descurpas); ditongação de
monossílabos (nóis, veiz, mais, faiz). Poderíamos continuar apontando uma serie desses
indícios da fala de um grupo social popular formando, no caso, de imigrantes e descendentes
de imigrantes italianos, como o próprio Adoniran Barbosa.
É interessante notar-se que, diferentemente de Juó Bananére – cujo nome é Alexandre
Marcondes machado –, o que se tem agora é o olhar do próprio imigrante sobre si mesmo. Se
em Bananére temos a visão de um brasileiro escrevendo como se imigrante italiano fosse, em
Adoniran Barbosa temos a “legitimação” da fala do imigrante, através dele próprio. Agora não é
mais o outro que o vê e o retrata, parodiando-o; ele mesmo se vê e se retrata. Em lugar de
posar como modelo, pinta seu auto-retrato, com ironia.
Brasileiríssimo, enfim.
Por fim, num último momento, temos o brasileiro descendente de italiano, cuja fala quase já
não mais revela a sua ascendência e cuja memória de língua (2) é a portuguesa-brasileira, e
não a italiana – remotamente podemos dizer que ainda a sua memória de língua é afetada pela
língua italiana pois, além de jamais perdermos nossa memória de língua, o descendente de
italiano sempre estará exposto, embora não domine o idioma, a vocábulos e/ou expressões
italianas ou italianizadas, sobretudo imprecações (como “ma che!”, “porco cane!”, “Dio Santo!”,
“ecco!” e outras menos comportadas...) e há costumes reveladores de sua origem (os grandes
almoços de domingo com toda família reunida em torno da macarronada, pratos típicos
ensinados de geração a geração, as massas feitas em casa).
Neste contexto é que se inserem iniciativas como a do ensino de língua italiana nas escolas
municipais de Campinas, de forma a percorrer um “caminho inverso”: reforçar a memória de
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língua italiana nesses descendentes dos imigrantes, através de um discurso de “reavivamento”
dos laços culturais entre a Itália e esses “italianos” do Brasil. Isso, aliás, vem ao encontro da
proposta de Eni Orlandi (1996, 131): discutir esses fenômenos cotidianos da língua, que
expressam sempre uma idéia de violência de uns falantes por outros, já que é na língua que se
explicitam as confrontações, pois “a língua pertence a todos e é, ao mesmo tempo, o que
temos de mais propriamente nosso. Lugar de reações à história e ao social e lugar de
singularidade.”
Notas:
(1) EMERSON TIN é bacharel em letras pelo IEL (Instituto de Estudos da Linguagem), UNICAMP, e aluno do Curso de
Lingüística desta Universidade. Essa resenha do texto “O Teatro da Identidade – A Paródia como Traço da Mistura Lingüística”
de E. P. Orlandi (1996) é produto de seu trabalho no curso de História das Idéias Lingüísticas ministrado na graduação do
Departamento de Lingüística no IEL – Unicamp.
(2) Essa é uma noção que tem merecido a atenção de pesquisadores que trabalham discursivamente com a língua, em
particular cf. o trabalho de Mª Onice Payer a respeito da imigração italiana.
Bibliografia
GNERRE, Maurizio (1991). Linguagem, Escrita e Poder. São Paulo: Martins Fontes.
GUAIUME, Silvana (1997). “Adoniran Barbosa”, Correio Popular, 03 de agosto de 1997, Carderno C, p. 10.
ORLANDI, Eni Puccinelli (1996). “O Teatro da Identidade – A Paródia como Traço da Mistura Lingüística (Italiano/Português)”.
In: Interpretação, Autoria, Leitura e Efeitos do Trabalho Simbólico. Petrópolis. RJ: Vozes, pp. 114 – 131.
http://www.unicamp.br/iel/hil/publica/relatos_05.html#imigrante