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“MAR

De todos os cantos do mundo

Amo com um amor mais forte e mais profundo

Aquela praia extasiada e nua,

Onde me uni ao mar, ao vento e à lua.

Os que avançam de frente para o mar

E nele enterram como uma aguda faca

A proa negra dos seus barcos

Vivem de pouco pão e de luar

“Sophia de Mello Breyner Andresen”


INTRODUÇÃO GERAL
Inevitavelmente com o passar dos tempos mudam-se as tradições, muda-se uma cultura popular, um
saber ancestral... A tecnologia introduz-se no quotidiano do Homem e modifica-o. São os novos
utensílios, novas matérias-primas, novos hábitos de consumo, a descaracterização inevitável do meio
rural com o avanço demográfico. O Progresso!

Pretendeu-se com esta pesquisa, explorar a forma como se interligam socialmente, a Comunidade
Piscatória que hoje habita o “Bairro piscatório” no Lugar da Marinha, pertencente à freguesia de
Silvalde, e a Comunidade Citadina ou urbana que é hoje a cidade de Espinho, sede de autarquia.

As tradições, a forma como convivem e se relacionam, a comunidade piscatória e os habitantes da


cidade de Espinho. Como festejam as suas festas, que tipo de relações ancestrais estabelecem (o
mercado, a feira, tradições, festas e romarias..), as relações sociais de interdependência que
estabelecem, ainda entre si. Realidades tão próximas e por vezes tão distantes…

Para realizar este trabalho foi privilegiado o contacto directo, através de conversas informais com a
comunidade piscatória e os residentes em Espinho. A pesquisa bibliográfica foi feita na Biblioteca de
Ovar, Biblioteca de Espinho, Junta de Freguesia de Silvalde, Junta de Freguesia de Espinho e em sites
da internet, como o da Câmara Municipal de Espinho e de Silvalde, o que permitiu fazer uma
pequena resenha do percurso histórico destas duas comunidades.

Esta recolha bibliográfica está formalmente estruturada em quatro partes:

• A primeira parte contém informações e dados referentes ao Concelho de Espinho, cidade de


Espinho, e a Silvalde, que é uma freguesia do Concelho de Espinho; à comunidade piscatória
de Espinho, que tem hoje residência no Bairro piscatório do Lugar da Marinha que pertence à
freguesia de Silvalde ;

• A segunda parte faz um recuo histórico, desde a fundação de Espinho até aos nossos tempos;

• Uma terceira parte alude especificamente aos pescadores de Espinho e ao remanescente da


arte da Xávega em Espinho;

Como a Comunidade piscatória, situada hoje em dia no Lugar da Marinha teve inicialmente a sua
localização mais a Norte de Espinho onde foram alicerçadas as bases da fundação da cidade, foi dada
alguma relevância à cidade de Espinho e às suas actividades sócio-económicas, culturais, recreativas
ao longo dos séculos.
ESPINHO E
A ACTUALIDADE
PARTE 1
DEMOGRAFIA

Concelho de Espinho
O concelho de Espinho tem uma área de 21.9 Km2 e está situado na Orla Atlântica e integrado
na Área Metropolitana do Porto. Localiza-se, aproximadamente, a 50 Km a norte de Aveiro e a 20 Km
a sul do Porto. Faz fronteira a norte com o Concelho de Gaia, a sul com o concelho de Ovar e a
nascente com o concelho de Santa Maria da Feira.

Espinho é constituído por 5 freguesias: Anta, Espinho, Guetim, Paramos e Silvalde, e é nesta
última que se situa a comunidade piscatória de Espinho.

Em 2001, no concelho de Espinho, residiam 33.452 habitantes, sendo um dos concelhos com
maior densidade populacional da área metropolitana do Porto (1.557 Hab/Km 2).

A Freguesia de Silvalde
Silvalde, é a freguesia mas populosa do concelho de Espinho. Situada a sul de Espinho com
uma área de 6,18 Km2, na qual já residiam, em 2001, aproximadamente 8850 habitantes. Esta
freguesia faz fronteira com o Conselho de Espinho, Anta e Paramos. Em 2001, dos 8850 habitantes,
4350 eram homens e 4500 eram mulheres e a divisão etária feita do seguinte modo:

Idades Nº de habitantes

Dos 0 aos 11 anos 1080 12,2%

Dos 12 aos 20 anos 830 9,4%

Dos 21 aos 60 anos 5850 66,1%

Mais de 60 anos 1090 12,3%

Em 2001, a taxa de analfabetismo estava na ordem dos 24% e os habitantes que tinham menos que a
4ª Classe (1º ciclo) rondavam os 46% (29% pertenciam à camada jovem), 4% tinham o 9ºano de
escolaridade e eram entre 20% a 30% os estudantes universitários.
O Bairro Piscatório do Lugar da Marinha
O lugar da Marinha (também conhecido pelo nome de “Mata”), situa-se na zona marítima de
Silvalde, confrontando a Norte com Espinho e a Sul com Paramos. A linha férrea separa-a da restante
comunidade de Silvalde.

Em 1996, de acordo com Melindra e tal (1996), o Lugar da Marinha tinha uma população total de
cerca 4525 habitantes, uma superfície de 2,5 Km2, e uma densidade demográfica muito elevada
(1698 hab./km2), bastante superior à média existente na área do Porto. A sua população
representava mais de 50% da população total da freguesia de Silvalde (8.850 habitantes para uma
área de 6,18Km2).

A Marinha padece de carências sociais, pois ainda se vêm barracas e pessoas a viver em condições
precárias. O alcoolismo, a prostituição, a violência, os roubos e os conflitos entre vizinhos são os
problemas sociais mais sentidos pela população residente.

Dados de 1996, referem que a população activa dos 15 aos 64 anos trabalhava maioritariamente no
sector secundário (fábricas, principalmente na da cortiça), em tarefas indiferenciadas e sem
qualificação profissional. O sector primário ocupava aproximadamente 35 pescadores, sendo de
referir muitos jovens e adultos que trabalhavam na construção civil e dedicavam-se à pesca nos
meses de Verão. No sector terciário predominavam os ramos de serviços domésticos ou
desempregados, reformados ou deficientes. Os desempregados e deficientes eram na sua maioria
jovens. As domésticas tinham idades compreendidas entre os 25 e os 64 anos.

No estudo sobre o Lugar da Marinha, Melindra et al (1996), referem: “a marinha encontra-se muito
degradada, quer ao nível do meio ambiente, quer ao nível das habitações e outros alojamentos.
Apresenta também carências de infra-estruturas absolutamente necessárias, tais como ruas e
arruamentos, iluminação pública, sistemas de esgotos e limpeza pública. A situação da ribeira, bem
como o prédio arruinado da ex-fábrica Brandão Gomes, muito contribuem para a imagem de
degradação e miséria.”

Hoje, o Lugar da Marinha já tem arruamentos e iluminação, tem bairros sociais; uma grande área de
lazer que embelezou a ribeira de Silvade, tem escolas, associação recreativa, artesanato, cafés e mini-
mercados, e restaurantes. As crianças brincam satisfeitas na área de lazer que compreende alguns
“escorregas”, cordas e ainda um campo de futebol de salão, algumas divertem-se com o skate ou
com as bicicletas...as mulheres, do bairro social, estendem a roupa no muro do recreio da escola da
Marinha, algumas estão à janela a ver as crianças brincar. E esta descontracção inspira-se, quando se
entra nos meandros do Lugar da Marinha. Na extremidade Norte do Bairro ainda há vestígios da
antiga fábrica de conservas “Brandão Gomes” que está a ser reconstruída e requalificada.
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1-Brazão de Espinho

2- Brazão de Silvalde

3- Vista aérea do
Lugar da Marinha

4- Planta do Bairro
piscatório do Lugar
da marinha, Silvalde,
2003, Daniela Sousa

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O bairro piscatório é constituído por pequenas casas térreas contínuas, vulgares e típicas.
Progressivamente os espaços entre estas casas vão sendo ocupados por pequenas divisões anexas
que acompanham o alargamento das famílias, alojando aí os filhos que constituem por ai novos lares.
Sem qualquer regulamentação aparecem pequenas casinhas com reduzidas dimensões e poucas
divisões, podendo ver-se pequenos corredores estreitos e sombrios, ausência de janelas, já que de
um lado e de outro, outras habitações vão dando continuidade. Os materiais usados são já em grande
parte o tijolo e o cimento, usando também pedaços de madeira, chapas de zinco e outros materiais
para as ampliações. Entre estas casas existem largas ruas com passeios calcetados. Ampliações foram
vindo a ser feitas no bairro que hoje contêm um conjunto alargado de prédios camarários. Uma das
características típicas das ruas é a existência de paus ao alto, atravessados nos passeios que servem
de estendal, onde é pendurada diariamente a roupa.

Melindra et al em 1996, referia que a residir na Marinha existiam perto de 200 ciganos. Comunidade
ainda com grande expressão neste
bairro piscatório, onde o
abandono escolar e o absentismo
são muito elevados,
características estas que também
se estendem à restante
comunidade piscatória.

5- Roupa a secar, Bairro


Piscatório, 2003,
Daniela Sousa

6- Panorâmica do
Bairro piscatório, 2003,
Daniela Sousa
6
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7- Panorâmica do
Bairro social do Lugar
da marinha, 2003,
Daniela Sousa

8- Crianças de etnia
cigana a brincar, 2003,
Daniela Sousa
ACTIVIDADES SÓCIO-ECONÓMICAS
O concelho de Espinho, pelo facto de estar relativamente perto do Porto, sente a atracção gerada por
este quanto à absorção de mão-de-obra existente no concelho, principalmente para actividades
terciárias. A sua população está ocupada predominantemente nos sectores secundário e no terciário,
notando-se no entanto, ao longo das últimas décadas, um acentuar progressivo da ocupação da
população activa neste último, de onde se destacam os ramos dos serviços e comércio. Os serviços
ligados ao turismo continuam a ser a grande aposta de desenvolvimento para o concelho, e esta
tendência foi e será reforçada com a construção de alguns equipamentos de carácter cultural e
desportivos previstos. O turismo afigura-se pois como o principal sector económico no concelho já
que este reúne algumas condições importantes para tal, nomeadamente a sua localização geográfica
junto do litoral e da praia, o clima ameno e pelo facto de existirem um conjunto de equipamentos
turístico/lúdico/desportivos: Hotéis, Casino, Centro Multimeios, Campo de Golfe, Piscinas, Nave
Desportiva, Clube de ténis, Aeródromo, entre outros. A rede viária está em fase de expansão, de
forma a encurtar as distâncias, e a melhorar as condições de acesso às principais cidades do país e à
fronteira. É possível chegar a Espinho pela IC1, Estrada Nacional 109, pela Estrada Nacional 326 e pela
Auto-estrada A1, cuja ligação foi inaugurada à bem pouco tempo. A Estação de Espinho, tem ligações
ao Porto e a Lisboa através da Linha do Norte, permitindo estreitar relações sociais e comerciais. Em
Espinho fica situado o mais antigo clube de golfe da Península Ibérica, um clube hípico, um karting e
uma praça de touros transformada para a prática de desportos radicais.
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9- Casino de Espinho

10- Piscina Municipal

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11- Aeródromo

12- Pavilhão
Gimnodesportivo

13- Junta de Freguesia


de Espinho

14- Mapa de
Localização de Espinho

15- Centro Hípico


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Freguesia de Silvalde
A freguesia de Silvalde fica situada junto à costa entre pinheiros e o mar, a 2 Km a sudeste da Sede de
Concelho de Espinho. A área desta freguesia corresponde a 6,18 m 2. É servida pela linha férreas do
Vale do Vouga e da linha férrea Lisboa-Porto com apeadeiro em Silvalde. Situada a 19 km do Porto e
48 km de Aveiro. Silvalde, dispõe de uma boa rede de estradas, realizadas umas tantas a expensas da
junta de Freguesia e outras com o auxílio dos seus habitantes e da comparticipação camarária, que
lhes dá acesso rápido a Espinho, Aveiro, Porto, quer pela A29 quer pela A1.

É indiscutivelmente a freguesia mais industrial e populosa do concelho de Espinho. As suas indústrias


de tapeçarias, cordoaria, plásticos, tanoaria, cera, botões, tipografia, serração de madeiras e tantas
outras, que diariamente empregam milhares de pessoas. Referenciando sobre as tapeçarias
implicitamente que as mesmas ocupam posição relevante na vida mercantil do País e do Estrangeiro,
sendo esta freguesia considerada como o principal centro do género. As tapeçarias de Silvalde, pela
sua alta qualidade de fabrico, gozam de fama considerável. Silvalde, dispõe de mais de uma dúzia de
fábricas de tapeçarias o que corrobora por forma inequívoca, o seu desenvolvimento neste ramo
industrial. Silvalde é uma região industrializada, o pouco comércio e actividades extractivas, como a
pesca e a agricultura, concentram maior importância nesta região. A população que habita junto ao
mar consegue os seus rendimentos através da pesca ou então como empregados das indústrias do
concelho. A população que habita longe da zona costeira dedica-se à agricultura e à criação de gado,
onde obtêm os seus rendimentos. De acordo com Melindra (1996), o comércio em Silvalde reduzia-se
apenas a cafés, snack- bars, mini-mercados e pequenas lojas de vestuário e calçado.

A freguesia dispõe de casas económicas, na sua maioria habitadas por pescadores e gente com
menores recursos, o bairro, é denominado de “Lugar da Marinha”. Nela estão localizados dois
infantários, um da segurança social e o outro particular, já perto de Espinho, Escola da marinha nº1,
Escola da Marinha nº2, Escola Silvaldinho; Souto, Escola C+S (Escola Domingos Capela), ATL da
segurança social (no bairro da Marinha). Esta freguesia possui um Lar da segurança social, onde os
idosos podem permanecer durante todo o dia. Possui também apoio domiciliário. Existe uma
instituição de apoio ao ensino especial “Associação de desenvolvimento do Concelho de Espinho”,
que tem como objectivo a integração de crianças com problemas, para mais tarde poderem fazer
parte activa da sociedade. As crianças que frequentam esta instituição são especialmente crianças
com dificuldades na aprendizagem e com baixo rendimento escolar.

Silvalde, tem um património histórico e arquitectónico sobretudo ligado à religião que, se tornou
num dos pontos de maior interesse para a freguesia. São exemplo a Igreja Matriz invocando S. Tiago
de existência centenária; Capela de N.Srª do Mar, Capela do Sr. Do Calvário, Capela de N. Srª da Boa
Nova e Capela de N. Srª das Dores. As festas da Srª do Mar, padroeira dos pescadores de Silvalde,
venerada na capelinha do mesmo nome, começaram em 1956 e o ponto mais alto da festa é a
bênção do mar.
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16- Mapa de
Localização de Silvalde

17- Junta de Freguesia


17 de Silvalde
OROGRAFIA, HIDROGRAFIA E FLORA
O conselho de Espinho situa-se na zona litoral norte, turisticamente denominada de Costa de Prata,
caracterizando-se, no geral, por zonas de terras baixas que não ultrapassam os 50m de altitude (zona
poente), enquanto que na zona nascente, em termos médios, as cotas poderão atingir valores que
rondam os 100 m. É atravessado por 3 ribeiras que normalmente têm fracos caudais: Ribeira de
Paramos, de Silvalde e do Môcho. A sul localiza-se a Lagoa de Paramos (Barrinha de Esmoriz),
caracterizando-se por ser uma zona húmida de grande valor ecológico e por isso bastante sensível. As
áreas florestadas não têm grandes dimensões e localizam-se essencialmente na área limítrofe do
concelho, e correspondem a zonas de relevo acentuado, de difícil acesso e envolvendo parte das
ribeiras, sendo o revestimento essencialmente constituído por pinheiros bravos e eucaliptos.

Espinho, no aspecto geográfico apresenta-se e caracteriza-se como uma área acentuadamente plana
até ao mar, embora na zona nascente existam ligeiras ondulações que definem os vales das ribeiras
que atravessam o conselho de Espinho.

Silvalde, Caracteriza-se por ter um clima ameno marcado pela influência moderadora do oceano
atlântico. A temperatura média anual é de cerca 15ºC , com uma amplitude média anual de 12ºC. A
pluviosidade é de 1000ml/m2 e durante cerca de 100 dias por ano a precipitação é igual ou superior a
0,1mm. A radiação solar atinge sensivelmente valores entre 145 e 150 Kcal/cm 2. A humidade do ar é
elevada e os ventos são predominantemente de origem do quadrante NW, as chamadas “nortadas”
típicas desta região.
PATRIMÓNIO CULTURAL E ARQUEOLÓGICO
Pela sua extensão e riqueza seria impossível referir todos os locais com interesse histórico e artístico
do Concelho de Espinho, assim, destacam-se pelo seu relevo patrimonial:

A Igreja paroquial de Espinho


A crescente erosão da praia de Espinho e o rápido desenvolvimento da povoação, levaram à
necessidade de construção de uma nova igreja. O projecto do Arquitecto Arnaldo Redondo Adâes
Bermudes, é de estilo romântico, entendido, na época, como o que mais facilmente transmitia o
carácter religioso do edifício. A construção foi iniciada em 1902, e benzida em 29 de Junho de 1916
pelo Padre Amaral, concluída no final da década de 40, aquando da colocação dos vitrais. É de referir,
pelo seu valor artístico, o Cristo crucificado, obra do notável António Teixeira Lopes. Em 1990, a
Cidade de Espinho foi enriquecida com a construção de um grande órgão de tubos na sua Igreja.

O Órgão de tubos
O rei dos instrumentos, símbolo do culto e da cultura dos homens, foi inaugurado a 16 de Junho de
1990. Na tarde desse dia, houve Concertos em sessões contínuas com elevada assistência de público
que encheu totalmente a Igreja, estimando-se em cerca de 2000 pessoas. Construído por processos
artesanais e, peça única, concebido expressa e exclusivamente, para o Coro alto da Igreja Matriz de
Espinho, o órgão possui mais de um milhar de tubos em estanho, chumbo, cobre e madeira. Com 2
teclados manuais e pedaleira, possui 24 registos, 4 acoplamentos e está afinado a 440 Hz. O órgão foi
encomendado à firma alemã George Jann, Alkofen, Regensburg. Com o órgão de tubos, têm-se
apresentado, na igreja paroquial de Espinho, os mais ilustres organistas da actualidade, como Franz
Lehrndorfer, Antoine Sibertin-Blanc, Horst Bauer, Stoiber, Dubuisson, Biton e Rosa Amorim. O grande
animador da iniciativa foi o Rev.mo Padre Manuel Henriques Ribeiro, com o incondicional apoio e
entusiasmo de toda a sua paróquia.

A Capela de nossa Srª. da Ajuda


A fixação das gentes piscatórias em Espinho fez sentir a necessidade da construção de um lugar de
culto, que viria a ser destruído pelo mar em 1904. Nesse mesmo ano a Irmandade de Nossa Senhora
da Ajuda manda erguer nova capela que poucos anos depois era também tragada pelo mar. A partir
de 1910, a imagem da Padroeira ficou definitivamente instalada na Capela de Santa Maria Maior,
hoje mais conhecida por Capela da. Sra. da Ajuda.
Painéis e azulejos
A povoação de Espinho, com a implantação dos primeiros palheiros, construídos em madeira e com
telhados revestidos de terra, estão retratados nos painéis de azulejos localizados na passagem
subterrânea da linha de ferro. Assim, como, a faina do mar e o barco da companha que faz recordar a
alteração das técnicas ao longo dos anos.

Estação Arqueológica de Castro Ovil


Alguns séculos antes do nascimento de Cristo, as populações do Noroeste da Península Ibérica
desenvolveram formas de vida caracterizadas, entre outros aspectos, por um tipo de povoado: os
castros. Os castros mais não eram que aldeias fortificadas, implantadas em colinas proeminentes e
com ampla dominância visual. Essas preocupações defensivas eram normalmente complementadas
com a construção de muralhas de pedra e/ou profundos fossos para dificultar o acesso ao povoado.

O Castro de Ovil foi identificado em Fevereiro de 1981, num local conhecido por Castelo, lugar do
Monte, hoje pertencente à freguesia de Paramos, concelho de Espinho. O povoado situa-se numa
pequena colina que dispõe, no entanto, de boas condições de defesa: a ribeira de Paramos a Sul e
SO. e um profundo fosso a Norte e NE.

Igualmente importantes para a história local propriamente dita e para a arqueologia local são dois
documentos de 1284, um régio (de D. Dinis) e outro forense, ambos respeitantes à questão entre a
coroa, o abade da freguesia e o povo, de um lado, e o abade e o convento de Pedroso, por outro,
sobre os limites da parte foreira à coroa, de Silvalde. A descrição dos mesmos fornece elementos
arqueológicos de vulto, pois fala de castro Ovil e de uma mamoa ou orca, pelo menos dentro dos
ditos limites. Alegava a parte real que o termo era pelo rio Maior incluindo em Silvalde (então já
Silvaldi) o lugar de Castro de Ovil – o próprio D. Dinis, tão certo do seu direito, chama ao lugar de
Silvalde “minha vila foreira de Silvaldi” – o que a parte monástica contestava, pretendendo entrar em
Castro Ovil. “que é em termo de Silvaldi (diz a carta régia). Venceu a demanda de D. Dinis, e de facto
se lavrou documento tabeliónico, em que o mosteiro entrega ao rei o Castro Ovil.

Os trabalhos arqueológicos foram iniciados nos começos dos anos 80, dirigidos então por Carlos
Jorge Ferreira e Maria A. Silva. As intervenções foram retomadas em 1994, sob a direcção de Jorge
Fernando Salvador e António Manuel Silva, no âmbito da acção do Gabinete de Arqueologia da
Câmara Municipal de Espinho. As escavações no Castro de Ovil permitiram detectar as ruínas
arqueológicas de uma aldeia do século III/II antes de Cristo, sendo de mencionar o núcleo
habitacional do sector B: oito estruturas em xisto de planta circular, parte delas com átrio, e que
confluíam num dos casos para um pátio lajeado comum, parecendo corresponder a um núcleo
familiar.
18- Planta de Castro
Ovil, Assinalada na
planta como (1),
encontramos o fundo
de uma cabana e
respectivos buracos de
poste, documentando a
mais antiga ocupação
do povoado. Mais
numerosas são as
construções circulares
em xisto (2, 3 e 4) ou
talhadas no próprio
afloramento (5). Este
18 conjunto é
complementado pelas
estruturas (6, 7, 8 e 9),
que mantendo a
configuração circular
apresentam um
pequeno átrio. A estas
estruturas
habitacionais
originalmente cobertas
por colmo, encontram-
se associados diversos
pisos em argila, por
vezes decorados,
lareiras (7), muretes
para sustentação de
terras (10) e canais de
escoamento de águas
pluviais (11).

19- Imagem fotográfica


de Castro Ovil

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ARTESANATO, FESTAS, FEIRAS E ROMARIAS
O Concelho de Espinho, ainda que de pequenas dimensões geográficas, possuiu uma enorme e
diversificada dinâmica cultural que resulta, em grande medida, da vitalidade das Associações
Culturais cujo campo de acção se estende por quase todo o tecido social. Estes agentes culturais,
parceiros insubstituíveis na definição e execução de estratégias culturais, possibilitam a participação
activa e criativa dos munícipes e contribuem de modo decisivo para a criação e alargamento de
públicos nas mais diversas áreas de expressão artística. Para além do trabalho prioritário com os
agentes culturais locais, de que resultam várias iniciativas, a Divisão de Animação Cultural da Câmara
Municipal de Espinho promove anualmente diversas actividades de fruição lúdico-cultural, dirigidas
aos diferentes escalões etários.

Artesanato
Da experiência nasce a mestria que aliada à imaginação traça novos caminhos. É o caso dos
internacionalmente famosos violinos " Capela ", surgidos pela 1ª vez em 1924 e que atingiu o seu
prestígio pela arte e perfeccionismo dos seus mestres. Domingos Ferreira Capela começou a
trabalhar aos 12 anos como aprendiz de tanoeiro. Aos 23 anos, exercendo funções de carpinteiro em
Espinho, conhece o violinista Nicolino Milano, que lhe dá a conhecer rudimentos da arte de construir
violinos. Na década de 60, Capela participa em concursos internacionais onde alcança lugares de
honra. Domingos Capela faleceu em 1976, mas os violinos "Capela" continuam a ser construídos.

Feiras
Feira Semanal, a maior do País, realiza-se todas as Segundas-feiras Produtos para todos os gostos e
feitios.

Feira dos Peludos, realiza-se entre as Ruas 23 e 27, todos os primeiros domingos de cada mês.
Artesanato inédito e variado, antiguidades de beleza singular.

Festas e Romarias
"Procissão dos Passos", realiza-se no Domingo de Ramos na freguesia de Silvalde

"Comemoração de elevação de Espinho a Cidade, em 16/06/1973", realiza-se no dia 16 de Junho em


Espinho

"S. João do Rio Largo", realiza-se a 24 de Junho em Espinho e também em Paramos


"S. Pedro", realiza-se no dia 29 de Junho em Espinho

"S. Tiago", realiza-se no último Domingo de Julho em Silvalde

"S. Estevão", realiza-se no primeiro Domingo de Agosto

"Nossa Senhora do Mar", realiza-se no primeiro Domingo de Agosto em Espinho

"Senhora das Dores", realiza-se no antepenúltimo Domingo de Setembro em Silvalde

"Nossa Senhora da Ajuda", realiza-se no penúltimo Domingo de Setembro em Espinho

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20

20- Mestre Domingos


Capela

22 23 21- Feira semanal de


Espinho

22- Cartaz da janeiras

23- Rancho folclórico


em actuação

24 Cartaz “Vamos a
Banhos”

25- Cartaz “Homens


24 25 estátua”
ESPINHO
UM POUCO DA SUA
HISTÓRIA
PARTE II
ESPINHO E A SUA HISTÓRIA

Introdução
Espinho é uma cidade relativamente recente com aproximadamente 100 anos. Os primeiros
documentos referentes a Espinho datam de 1510, em que o rei D. Manuel I fez mercê dos direitos
das pescarias, excepto a sisa, “desde a costa do mar d?Espinho até à foz de Vouga” .

Até meados do Século XVIII existia uma colónia de pescadores vinda do Furadouro (Ovar) que se
deslocava e alojava em pequenas barracas, na costa de Espinho durante os meses da safra. Era só no
Inverno que estes pescadores regressavam novamente à sua terra. Em meados do referido século, a
colónia de pescadores passa de um processo nómada para um processo sedentário, fixando-se assim
na zona costeira de Espinho. É através de tábuas mal encaixadas que construíram habitações
precárias com pequenas portas e ausência de janelas, e é o conjunto deste aglomerado de barracas
que surge uma comunidade piscatória que vivia entre estreitas e sombrias vielas.

A razão pela qual esta colónia de pescadores, oriunda do Furadouro, se fixou nesta zona deve-se ao
facto de uma maior abundância de peixe, sobretudo de sardinha, e ao facto de haver uma maior
proximidade com o mercado consumidor. E é assim que a comunidade pesqueira começa a atrair as
pessoas para a costa. São as famílias mais abastadas (fidalgos) oriundas de zonas tais como: Vila da
Feira, S. Paio de Oleiros, Paços de Brandão; que começam a construir as suas casas nesta zona (de
opulência nobre e varandas voltadas ao mar), isto porque se sentiam atraídos pelas suas praias,
criando assim a sua zona de banhos. Este aumento populacional faz deslocar esta comunidade
piscatória para a zona mais a sul, dividindo Espinho em duas áreas distintas: Espinho- Mar e Espinho-
Terra, sendo a primeira a povoação dos pescadores (actualmente conhecida como “Lugar da
Marinha”). E é através desta conjuntura que Espinho cidade, se forma e evolui.

Como síntese, Espinho nasce a partir de uma colónia de pescadores oriunda do Furadouro, que se
desenvolve graças aos fidalgos que lá se instalaram e à incrementação dos seus interesses
económicos, da actividade piscatória da referida comunidade, e da construção do caminho-de-ferro,
que promoveu assim a industria, o comércio e o turismo.

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26 – Pescadores em
Espinho
História(s) de Silvalde
“Entre os Pinheiros que lhe servem de pano de fundo, e o mar, cuja
vastidão azul se perde no horizonte, fica esta freguesia, cuja matriz,
torreada e alvinitente, sobressai, servindo de referência a nautas e
pescadores.Nas douradas areias, numerosas juntas de bois alam as redes
de pesca de curiosa arte de xávega. Nos dias de safra...o lavrador
associado ao homem do mar. Nesses dias larga o arado e toma parte na
companha, ajudando a alar a grande rede que se usa para estas bandas”

Raúl Brandão

Toponímia
O nome de Silvade remonta a tempos ancestrais e tudo indica que teve origem no senhor desta terra,
de proveniência Germânica. A toponímia antroponímica provém de Sisualdi: “Vila de Sisualdus”. A
toponímia antroponímica apresenta duas espécies dentro do território desta freguesia: Silvalde e
Rolão, evidentes genitivos de nomes pessoais de origem germânica, respectivamente Sisualdi “villa”
de Sisualdu(s), e Roddani “villa” de Rodda, nome pessoal monotemático.

A forma Sisualdi deste topónimo, era ainda a século XI referente, de facto a esta freguesia, e não a
outro lugar, pois bastam para tal ver as confrontações expressas num documento do século XI “inter
villa Palaciolo (Paços de Brandão), Sisualdi (Silvalde) fica a lagona usque is litore maris”. Fala-se no
litoral do mar, onde fica esta freguesia e na lagoa de Esmoriz, onde chega, e até em Paços de
Brandão. É certo que o nome pessoal Silvaldo, ainda usado nos séculos X e XI, daria mais
simplesmente Silvaldi – Silvalde; mas a forma Sisualdus mostra um nome como tema sisi, muito
vulgar na composição de nomes pessoais (este, usado ainda no século XI). Parece que Silvalde
proveio da forma intermédia Silvaldi (com rotacionismo s-r e o desenvolvimento u-r).

Nota histórica sobre a paróquia de Silvalde


A paróquia de Santiago de Silvalde já existia antes do século XIII e é registada como uma das do
arcediago da “terra” de Santa Maria, pelo Censual do Cabido do Porto. Os direitos de padrasto do
mosteiro de Grijó, que aqui possuía haveres vários, deviam existir já na alta Idade-Média;
posteriormente porém o dito padroado achava-se repartido entre os cónegos do dito mosteiro, o
bispo da diocese e o papa, que representavam alternadamente o abade. Este, no século XVII, possuía
ainda uns 350 mil réis de rendimento.
Esta freguesia foi anexada ao conselho de Espinho, por decreto de 11 de Outubro de 1926. Antes
pertencia ao conselho da Feira, de cujo foral, dado pelo Rei D. Manuel I, a 10 de Novembro de 1514,
beneficiou. Pelo Censo de 1960, Silvalde possuía uma população de 5906 habitantes distribuídos por
1306 fogos, 2797 habitantes do sexo masculino e 3109 do sexo feminino.

27

27,28- A Igreja Matriz


de Silvalde

28
História(s) de Espinho

“Terra amiga que nasceu nas areias do Mar e nelas se criou e cresceu, no
marulhar suave das ondas mansas e no fragor das procelas, aprendendo a
lutar e perdoar, mesmo quando sangrou perante a incompreensão do
mundo que a rodeava, numa negativa feroz e sistemática ao seu legítimo
direito de viver (...)”

Alvaro Pereira (1970).

A lenda do nome “Espinho”


“Em recuados tempos, um naufrágio deixou, sobre as águas do nosso mar, dois espanhóis, naturais
da Galiza, que baldadamente, procuravam alcançar o areal, só conseguindo forças, mercê dum voto,
feito a Nossa Senhora, de construir uma capelinha em sua honra, se ela os ajudasse a vencer as
águas, o que sucedeu e tiveram por milagre, quando sentiram chão firme debaixo dos pés! Conta-se
que os dois galegos, uma vez alcançada a praia, agarrados a uma prancha salvadora, se deram ao
cuidado de verificar de que madeira era feita e, enquanto que um dizia ser de castanho, o outro
afirmava, peremptoriamente, ser de pinho, e, assim no seu falar galego, exclamava: No! És pinõ” e
que, desta discussão, teria nascido o nome de Espinho”.

Passou esta lenda através de gerações, mas a dar-lhe foros de verdade: há a primeira capela -Capela
dos Galegos –“Já a esse tempo, o areal devia ser povoado de pequenos palheiros, embora com
reduzida população, pois a Capela, a despeito das suas pequenas proporções, agasalharia um
razoável número de habitantes, que, por certo, colaboraram na sua construção” (Pereira, 1970), e os
descendentes de espanhóis que, de seus nomes, dizia-se chamarem-se Eugénio e Márcio Esteves.
Anote-se que muitas famílias de vareiros usaram, e ainda usam, os apelidos de Esteves galego,
parecendo, assim, confirmar-se a lenda. Também é certo que dois galegos, foram enterrados nela e
as suas ossadas jazem no cemitério de Espinho (Tato, 1981).
Toponímia de Espinho
De acordo com Pereira (1970), tudo parece indicar, quanto à questão do nome Espinho, que não são
estas as suas origens, devendo tratar-se de lendas ou meras suposições, pois o nome Espinho deve
ter sido tomado do lugar do mesmo nome, hoje integrado na Freguesia de S. Félix da Marinha, do
Concelho de Gaia, e que pertenceu, em outros tempos à freguesia de Anta.

Segundo investigações, e em documentos dos anos de 1055 e 1058, respeitantes a vendas de


propriedades, falava-se na “Vila Spino” que confrontava, a norte, com Brito, e, pelo sul, com Anta. No
seu areal eram abundantes pequeninos arbustos de cor acinzentada de eriçados espinhos, bem como
espinhosos cardos, que ali reuniam abundância de pintassilgos e assim se supõe ter nascido o nome
de Espinho (Pereira, 1970).

29- Largo de Nossa 29


Senhora da Ajuda e
Capela dos Galegos
A separação de Espinho-Terra e Espinho-Mar
Espinho, considerada a “Pérola do Oceano” pelo seu clima marítimo de admirável frescura e o mais
iodado das costas portuguesas, teve a sua origem num vasto areal denominado “Espinho –Mar” e
que, com “Espinho-Terra” constituía em meados do século XVII o lugar de Espinho. Remonta áquela
época uma colónia de pescadores da região do Douro, uns e outros do Furadouro, vinham para
“Espinho-Mar”, no Verão, regressando às terras da sua naturalidade no Inverno, para voltarem no
Verão seguinte à faina da pesca, a que se dedicavam nesta costa. Para o efeito abrigavam-se em
míseros palheiros. Do cruzamento de uns e outros descendem os actuais pescadores seus naturais de
étnica absolutamente diversa dos das outras praias, como Ovar e Povoa de Varzim, etc.

No Dicionário Corográfico de Portugal Continental e Insular de Américo Costa (1936), é referido o


seguinte: “Mais tarde, Espinho-Mar passou à freguesia de Anta”. Desta separação conta-se a seguinte
história:

“ Um dia apareceu afogada na lagoa que existia a Norte de Espinho e que o mar com o seu avanço fez
desaparecer, uma rapariga que se dirigia para casa dos seus pais, em Avanca ou suas proximidades,
para com eles consoar. As duas margens dessa lagoa, eram pertença de S. Félix da Marinha e por isso
os moradores de Espinho mandaram dizer ao pároco que viesse com a sua gentes buscar o cadáver
para lhe dar sepultura no adro da sua igreja. O pároco de S. Félix respondeu que o levassem para o
adro de Anta, e eles assim fizeram; mas como os dois párocos andavam desavindos por causa dos
limites das duas freguesias naquele local, o pároco da freguesia de Anta apressou-se a participar o
acontecimento ao Bispo da Diocese, o qual ordenou que levantasse auto do facto e procedesse às
devidas investigações por meio de prova testemunhal. Sendo-lhe remetido esse auto e ouvidos os
párocos das duas freguesias, Sua Eminência sentenciou que, desde então em diante, acolá, na lagôa,
a margem do norte, linha recta da entrada nela do rio Largo ou Regueirão, pertencia a S. feliz da
marinha, e a margem sul, idem a Anta”
30

31

30,31,32- Fotografias
antigas de Espinho

32
Ramalho Ortigão no seu livro “As praias de Portugal”, refere-se à povoação de Espinho, nos seguintes
termos: “A povoação de Espinho divide-se em 2 bairros diferentes e separados pelo largo do mercado
(lago da N. Sr. da Ajuda. Para nascente até à estação do caminho de ferro fica o bairro novo e caro,
para poente até à praia acha-se o antigo bairro pobre (...)”(Brandão, 1991). Os fidalgos concentram
os seus interesses económicos no “Espinho-Terra” fazendo-o progredir em descontinuidade com o
“Espinho-Mar”, que mercê da dedicação e luta do pescador, aumenta o valor da pesca nesta costa e
vai servindo como cartão de visita para os turistas que vêm desfrutar férias no “Espinho-Terra”. À
medida que os anos foram passando, Espinho desenvolveu-se continuamente, graças aos fidalgos
que lá se instalavam, bem como à construção do caminho-de-ferro, à actividade turística e ao
fortalecimento das trocas comerciais.

Pinho Leal em 1874 escrevia assim, sobre Espinho: “Formosa e grande povoação, Douro, freguesia de
Anta, comarca, concelho e 10 kilometros a O. da Feira, 24 ao S. do Porto, 285 ao N. de Lisboa, 300
fogos. (...) Tem uma capela, um club, um optimo hotel (além de outros bons, mas secundários) cafés,
bilhares, restaurantes. (...) Hoje, não são só familias da Feira que vão passar a estação de banhos a
Espinho: ali concorre muita gente d’Oliveira d’Azemeis, Arouca, Porto e outras muitas terras.”

Em 1889, Espinho contava 700 fogos (Brandão, 1991).

De acordo com Pereira (1970), foram gentes que vieram do sul que se instalaram nestas costas;
fizeram a praia de pesca num local, que era situado em frente à actual Piscina, erguendo os seus
barracos nos terrenos do Rio Largo, ao norte de Espinho actual, e fronteiros ao citado lugar de
Espinho, tendo mais tarde nascido as classificações de Espinho Mar e Espinho Terra. Estavam perto
do mar e, ao mesmo tempo, dos pinhais de S. Felix da marinha, onde iam aos tocos , quando o mar
não permitia a pesca. Com eles se aqueciam Inverno fora, e se forneciam para a lareira.

Espinho-praia teve a sua fundação antes do ano de 1737, identificado por um motim que se deu em
Ovar: António Pereira Valente, familiar do Santo Ofício, desde 1729 e alferes da Companhia de Ovar e
data de 1700 em que os filhos dos pescadores de Ovar, fixados na Costa de Espinho passaram a ser
baptizados na freguesia de Anta, passando os seus mortos a ser enterrados na mesma freguesia
(Brandão, 1991). Durante muitos anos, conforme consta dos assentos da paróquia de Anta, o
aglomerado de Espinho, que nascia, era conhecido por lugar da Praia, o que se verifica nos assentos
de baptismo de 1843, e ainda além de 1854. O lugar de Espinho aparece num assento de óbito, de
1857, mas tudo leva a crer que ainda se tratasse do lugar pertencente, hoje, à freguesia de S. Félix da
Marinha e, naquele tempo, à Paróquia de Anta. Segundo parece, já por volta do ano de 1800 existia a
Capela dos Galegos.
Segundo o “Dicionário Corográfico” de Américo Costa (1936), o lugar de Espinho-praia em 1807, era
já constituído por 125 casais de pescadores. Assim teriam vivido os pescadores, durante muitos anos,
até que, com a vinda de famílias da Vila da Feira, Paços de Brandão, Oleiros e outras localidades, a
pequena praia de banhos, foi-se tornando pequena derivando a pesca para sul, pois que, até aí, era
feita a poente da Piscina. Assim, se transportou a praia de pesca, para sul, começando a surgir
palheiros, no local conhecido pelo Lugar da Mata, nome que, ainda hoje, é conhecido, e que deve a
origem ao facto de ter haveido, ali, uma mata, que devia ter sido composta de pequenos pinheiros, o
que sucede na orla marítima, para sul .

“No tempo antigo, a gente do mar conhecia três classes:

Os vareiros, que viviam no mar, trabalhavam nas companhas ou viviam da pesca.

Os vilões, gente da aldeia que vinha até ao mar fazer o seu negócio, mas que não viviam em Espinho

Os fidalgos, que eram os habitantes da parte de cima de Espinho, mais abastados, ou os veraneantes”

(Pereira, 1970).

33

33- Ilustração do lugar


de Espinho
O Mar, Águas de Sonho, Lar dos Poetas…
Os habitantes, deste mar aterrador, são monstros disformes e imensos, mas também há homens
marinhos, com a metade superior do corpo em forma humana, que vivem como peixes e olham a
terra abanando a sua farta cabeleira da cor das águas, e as sereias, que cantam docemente enleando-
se na rede, como tão melodicamente escreveu Garret: “(...) Deita o lanço à cautela, que a sereia
canta bela...mas cautela, Ó pescador! (...)”. Muitos santuários costeiros tutelam e procuram controlar
esta potência. A eles se pede e vai agradecer dádivas, virar telhas para conseguir um vento fagueiro
que empurre os barcos até ao porto.

Nas povoações marítimas, os santos patronos deslocam-se durante as procissões sobre andores
armados em forma de barco, percorrendo as ruas até chegar à borda da água para aí se proceder à
bênção das embarcações, aparelhos e do próprio mar, ou então embarcam, e os barcos engalanados
e apinhados de gente seguem diligentes o seu santo. Só os santos fortes dominam o mar, podem
caminhar sobre ele ou fazê-lo abrir para que as gentes passem; acalmam as tormentas e conduzem
os barcos desgovernados a bom porto, como S. Pedro Gonçalves Telmo, o Corpo Santo, homem que
viveu estas terras do Noroeste, milagrosa presença de uma luz no topo dos mastros, que protegia os
mareantes. Assim o cantou Camões:

Vi, claramente visto, o lume vivo

que a marítima gente tem por Santo

Em tempo de tormenta e vento esquivo,

de tempestade escura e triste pranto.

(Os Lusíadas: V 18)

Nas barcarolas dos nossos cancioneiros medievais, nos romances e cantigas populares, há sempre
naus que partem, naus que regressam, deixando em terra a incerteza e a saudade, personificada nas
mulheres, que desde a idade média olham a bruma tentando adivinhar onde está o seu amado.
Como elas, muitas gerações de outras mulheres continuaram a perscrutar o horizonte, procurando
entender esse destino de “Viúvas de vivos e mortos, que ninguém consolarã”, ou choraram pais e
maridos que o mar tragou, enquanto para ele empurram os filhos” (Soeiro, et al , 1999).

Ai ondas que eu vin veer

Se me saberedes dizer

Por que tarda meu amigo

Sem mi!
Ai ondas que eu vin mirar,

Se me saberedes contar

Por que tarda meu amigo

Sem mi!

“Vê o mar, e sê na terra”, diz o adágio. O mar visto como um meio perigoso, uma ameaça para o
homem, criatura da terra firme, um caos de onde a vida emergiu, mas que está sempre pronto a
voltar a tragar as suas criações. Cruza-se por fatalidade ou destino para passar trabalhos nas terras de
além, ou é tido como uma provação para se chegar às riquezas, como as que esperavam aqueles que
tiveram coragem para embarcar e ir granjear fortuna nas Índias, no Brasil, sonhando sempre com o
regresso.

34
34- Cosendo as redes, postal da época
O mar de águas curativas
Mas o mar está carregado de energias positivas, particularmente concentradas em determinados dias
ao longo do calendário. A busca dessa mais-valia profiláctica leva as pessoas a tomar “banhos de
mar” logo no primeiro dia do ano, por agreste que esteja o tempo, a voltar a tomá-lo na madrugada
de S. João, em que a “olha d’água” tem virtude, ou a procurar o banho santo em dia de S.
Bartolomeu, quando cada mergulho vale por sete e o rito bem cumprido tira o medo aos meninos
tolhidos. Só muito recentemente, há pouco mais de um século, o litoral começou a ser
deliberadamente procurado, pelas suas potencialidades profilácticas e curativas, ou mesmo como
espaço de lazer. Foi também em meados do século XIX que o litoral e a praia se tornaram
interessantes para a arte, de sabor romântico, mais como paisagem do que como local de trabalho.
Pioneiros dos tratamentos de mar parecem ter sido os monges Beneditinos, que já na segunda
metade de setecentos demandavam a Póvoa de Varzim para tomar banhos, directamente na praia ou
fazendo transportar e aquecer água do mar para dela usufruírem nos locais de recolhimento.

“A esse tempo, dizia-se que as águas do mar curavam a escranfulose, infiltrando-se as emanações
salinas no sangue, dando forças às fibras musculares” (Pereira, 1970).

O banho de mar era assim considerado como terapêutico: era tomado logo pela manhã, recolhendo
as pessoas a casa, evitando o sol que, nesta altura, crestava e dava ar bronzeado às donzelas, que o
evitavam com as suas sombrinhas, porque, naquele tempo não era bonito! O banho de mar é um
assunto complexo, para especialistas: primeiro o médico que prescreve, depois o banheiro que o
administra. Ramalho Ortigão, em 1943, descrevia assim:

“Se o banhista é robusto e procura apenas no banho a tonificação da água fria e a espécie de
massagem produzida pelo embate da vaga, a sua hora mais oportuna é de manhã. Para as pessoas
débeis que procuram no banho os efeitos da composição química da água salgada sôbre os tecidos, a
hora mais conveniente é das duas horas às cinco da tarde. É importante que o banhista ao chegar à
barraca, se dispa com a máxima rapidez, enfie um calção de malha de lã, se envolva numa capa ou
num plaid e corra imediatamente para a água...a imersão deve ser súbita e não entrando na água
progressivamente, o que faz refluir o sangue das extremidades inferiores para o peito e para a
cabeça. É prejudicialíssima durante o banho a imobilidade do corpo...A natação é neste caso um
exercício da maior vantagem. Esta espécie de gimnástica é particularmente útil às crianças afectadas
de raquitismo, de enfraquecimento da espinha.”

“Foi sendo móda entre as famílias ricas da Terra da Feira, irem para alli tomar banhos e muitas d’ellas
alli construíram palheiros proprios. Ao princípio era móda serem feitos de tábuas, depois alguns os
construíram de pedra e cal, mas térreos” (Leal, 1870).

Assim, foram-se edificando casas no lugar de Espinho, pertencentes aos veraneantes. Geralmente, as
casas tinham varandas para o mar, pois não era hábito, como hoje, as pessoas fazerem a vida de
praia, contentando-se em respirar o iodo nas próprias casas. O banho era tomado em jejum, sem
deixar a roupa molhada em cima do corpo, depois do que se vinha para casa tomar o cafézinho, com
uma soneca reparadora em cima, a terapêutica mais aconselhada, nesse tempo (Pereira, 1970).

O industrial José de Sá Couto, de Oleiros, foi o primeiro a construir uma casa de pedra e cal, na Praça
Velha, perto do mar, tendo sido sócio de várias companhas de pesca. Era pessoa importante, tendo
sido agraciado pela Rainha D. Maria II com o grau de Cavaleiro da Ordem de Cristo, e que lhe deu
direito a nome inscrito numa das principais ruas de Espinho, que foi a rua Sá Couto, hoje Rua 18 “.

35

35- Grupo de Banhistas,


1890

36- Industrial José de Sá


Couto

36
O comércio do mar
Espinho deve ao mar o princípio da sua vida, na labuta incessante do dia-a-dia dos que necessitavam
de ganhar o pão, e na preferência que as pessoas abastadas, do interior, davam às suas águas, para
banhos, e para passar uns tempos de repouso. Eram lentos os transportes, no tempo em que Espinho
tentava ser uma praia de futuro, e só os mais vizinhos poderiam vir até banhos, sem grande sacrifício,
pois que as viagens, em carros de cavalos, eram fatigantes (Pereira, 1970).

“O habitantes permanentes d’Espinho fazem grande negócio com familias que vão a banhos, desde
julho até novembro, em alugueis de casas, serviços, venda de comestiveis etc, etc. e ainda muito mais
fariam se perdessem o seu mal entendido e prejudicial egoismo, pois exigindo pelos generos
alimenticios um lucro desarazoado, fazem com que muitas familias se surtam d’esses generos, do
Porto, perdendo os d’Espinho tudo por quererem ganhar muito ” (Leal, 1874).

37

37- Cartaz da época,


1916
38

39

38,39- Meninos na
praia. Vestidos, com
chapéus e chancas,
1890
40

41
40 e 41- Fotografias de Espinho no início do Sec.XX
42

42 e 43- Fotografias de
Espinho no início do
Sec.XX
43
A faina do mar
Lançadas as bases de Espinho e, enquanto que os fidalgos alicerçavam o “Espinho da Terra”, os
vareiros, por dedicação e tendências atávicas, labutavam na vida da pesca, em especial da famosa
sardinha, valorizando e aumentando o “Espinho do Mar”. Primitivamente, a sardinha era pescada no
Furadouro, mas, conduzida ao Porto, chegava muito amassada pela viagem, perdendo sabor e
frescura. Assim, aumentou a pesca nestas costas, mais perto dos mercados consumidores, onde, se
apregoava “De Espinho Viva” .

“A sardinha d’Espinho é justamente famosa, pela sua optima qualidade, (superior à de Nantes) em
todo o reino.” (Leal, 1874). Desde a sua origem até 1830, fora Espinho uma povoação exclusivamente
piscatória, tendo conquistado grande fama a sua sardinha, pelo seu especial sabor, devido em grande
parte à profundidade do mar e sua grande agitação nesta costa. Em 1747, andavam no trabalho da
pesca no mar de Espinho 2560 pessoas.

O mar calmo e azul, espelhando um céu de Verão, torna-se cinzento e terrível em chegando os longos
meses de Inverno. Os pescadores passam então dias e dias ancorados em terra, “sem poder botar os
barcos à água”. Por fim, uma aberta cria uma efémera ocasião para pode ir matar uns peixes e saciar
passageiramente a fome da família. E os homens saem. Saem, mas quando estão a várias milhas fora
da praia, levanta-se o vento e novamente parece que se junta céu e terra. Tudo é água. Há que
agarrar-se aos remos e fazer um sobre humano esforço para rumar a casa.

“No alto mar, às trovoadas, entre gritos

Prometeremos, si o barco fóri inteiro,

Nossa bela à Senhora dos Aflitos!”

António Nobre – Só

Uns conseguem salvar-se e agradecerem-no, mas outros morrem nas águas embravecidas e o seu
cadáver é procurado, dias a fio, pelas praias e por entre os penedos do litoral. E os da terra
procuram-nos. Também porque a justiça é lenta a reconhecer uma mulher como viúva, e
consequentemente, a pagar-lhe os direitos, se não aparece cadáver do marido. E as nossas, praias e
portos estão cheios de viúvas e órfãos (Soeiro, 1999).
44

44 e 45- Fotografias
antigas da faina do mar
em Espinho

45
Lenda em torno das invasões do mar
Era crença, entre os vareiros, que o mar viria até ao lugar onde hoje se realiza a feira semanal de
Espinho, pois era vulgar ouvir-se aos mais fatalistas, que “o mar vinha buscar o que era dele”, visto
que se supunham que as águas já tinham coberto a povoação de Espinho! A dar vistos de verdade a
esta afirmação, há o facto de terem sido encontradas conchas, na abertura de poços, no interior de
Espinho, bem como crista de pedra, que atravessa a povoação em diagonal, com a chamada pedra
negra do mar, e com as arestas polidas, como se tivesse passado por sobre elas o movimento das
águas, durante séculos. Embora se afirme que os ataques do mar, na Costa de Espinho, já vinham de
longa data, só de notícias certas se sabe que o primeiro, conhecido, se deu em 9 de Março de 1869,
seguindo-se-lhe outro, em 1871, e o terceiro, em 1874, avançando o mar, nessas três investidas,
cerca de 95 metros, embora sem prejuízo das habitações de pescadores (Pereira, 1970).

As casas ruíram, mas não desanimaram os seus possuidores. Na sua grande parte, os Espinhenses
refizeram-se dos prejuízos do mar, construindo mais a nascente e em maior segurança, principiando,
alguns deles, uma vida inteiramente nova. Há setenta anos atrás, quase todas as famílias, residentes
em Espinho, tinham a lamentar a perda das suas antigas casas.

“O que o mar levou, os homens recuperam”.

E assim se tem feito, Espinho de hoje…

46- A destruição, pelas


águas do mar, da igreja
Matriz, 1904
46
O Bairro da Rainha
Em 1892, no dia 17 de Setembro, a Rainha D. Maria Pia, que se encontrava a veranear na praia da
Granja, visita Espinho, acompanhada do Infante D. Afonso, « para ver pessoalmente as condições de
miséria em que ficaram os pescadores depois das invasões do mar». Em consequência dessa visita a
Rainha D. Maria Pia concedeu um avultado subsídio para a construção de um bairro para pescadores
que ficou a ser conhecido pelo “Bairro da Rainha”.

47
47- Bairro da Rainha, 1884
A história dos paredões ou a importância da defesa da praia
Os primeiros estudos sobre a defesa da praia foram elaborados, tendo em vista as correntes e a sua
influencia no avanço do mar sobre Espinho, pouco ou nada havendo resultado, tendo o governo
nomeado, em 1889, os Engenheiros Hidráulicos Melo e Matos e Silvério Pereira da Silva, que, depois
de estudarem o fenómeno, propuseram, como único meio de obstar às investidas das águas, a
construção de três esporões, que, pelo seu elevado custo, não foram construídos na ocasião.

Foi erguida uma defesa frontal, com uma muralha de pedra, de 354,5 metros e que foi destruída pelo
mar, em 1919. Entretanto novas investidas coincidem com as Obras do Porto de leixões, parecendo
haver ligação entre os dois factos, embora tenha havido opiniões em contrário.

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48- A muralha de defesa


A Visita de El-Rei D. Manuel II
Chegou a Espinho na manhã do dia 23 de Novembro de 1908, sendo esperado por todas as
autoridades, estando também presente o Bispo-Conde de Coimbra, D. Manuel Luiz Coelho da Silva. O
Rei visitava Espinho para inaugurar o troço da linha férrea entre esta cidade e Oliveira de Azeméis.

O Presidente da Câmara, Henrique Pinto Alves Brandão, saudou El-Rei em nome de Espinho, tendo
também falado em nome da Comissão Fomentadora dos Melhoramentos de Espinho, Manuel Ribeiro
Nunes, que pediu a protecção para os pescadores de Espinho, vítimas das invasões do mar.

El-Rei agradeceu a recepção, e prometeu interessar-se pela situação dos pescadores (Pereira, 1970).

Em seguida foi organizado um cortejo que seguiu até à Fábrica Brandão Gomes; que o recebeu com
pompa e circunstância e organizou uma visita às instalações. Foi-lhe servido um banquete no salão
nobre da Assembleia de Espinho. O Menu Real foi:
O Tribunal do Mocho
Espinho, sem policiamento, era presa fácil de gatunos e desordeiros, que cometiam roubos e
desacatos sem qualquer respeito pelo próximo, nem pelo poder judicial, que não temiam. A tais
factos se deve a criação do célebre tribunal do Mocho, onde eram julgados todos os transgressores
que assolavam Espinho, a coberto da impunidade. Segundo Pereira (1984), o julgamento era feito a
horas mortas, e a sentença era aplicada no próprio local, de consequências bastante desagradáveis
para os condenados, que nessa ocasião juravam a si próprios não voltar a Espinho, nem mesmo para
ver o mar (Pereira, 1984).

A Fonte do Mocho e o poder das suas águas


Era situada ao Norte de Espinho, perto do local onde, hoje, se ergue o Pavilhão da Associação
Académica de Espinho, e foi sacrificada à urbanização pela necessidade de se construir a Rua 20, e
abrir perspectivas para Norte. Possuía ao lado um grande tanque, onde muita gente ia lavar a roupa,
que as lavadeiras anunciavam, como mais bem lavada, se o fosse pela água do Mocho.

“Tinha uma água muito pura, que servia para o chá, e para preparar as bebidas mais requintadas. Era
um passeio muito agradável “(Pereira, 1970).

Dizia-se também por estas bandas que, quem bebesse da água da Fonte do Mocho nunca mais saía
de Espinho...e muitos assim fizeram..!

49
50

51

49, 50 e 51- Fonte do


Mocho
A primeira planta de Espinho
Levantada no ano de 1900, pelo Engenheiro Augusto Júlio de Bandeira Neiva, foi um complemento
da planta de 1870, do Engenheiro Coelho Bandeira de Melo e que se impunha, pelo crescimento de
Espinho e a necessidade de uma mais larga urbanização e que foi feita dentro dos limites da vila que
acabava de se criar e aproveitando todo o espaço.

“O fallecido José de Sá Couto, rico industrial (fabricante de papel) da freguesia de Oleiros, d’este
concelho, fez de Espinho, ahi por 1843, uma bella morada de casas, de pedra e cal, de um andar,
vasta e elegante. Muitos mais cavalheiros foram construindo bonitas casas de pedra e cal, mas sem
ordem nem regularidade no seu alinhamento, até que a camara da Feira providenciou sobre isto,
marcando os arruamentos, e agora, as que modernamente se teem construido e vão construindo, já
foram ruas regulares. Está pois hoje Espinho uma linda e já não pequena villa, e em poucos annos de
certo será uma das boas villas de Portugal.” (Leal, 1870)

José Coelho Bandeira de Melo, de Vouzela, deu o seu nome à rua Bandeira de Melo, mais tarde
Bandeira Coelho e agora rua 19, a mais central da vila (Costa, 1938).

Os primeiros Correios, Telégrafos e Telefones


Até ser criada uma estação dos correios em espinho, a povoação era servida pelo correio de Anta. A
diligência chegava à Vila da feira, vinda de Lisboa, todas as sextas-feiras, e, do Porto aos Domingos à
tarde, transportando o correio, que era distribuído pelas freguesias, que, por sua vez, o distribuíam
pelas povoações, onde havia um encarregado do correio, que avisava os destinatários, quando estes
o não procuravam. Em 1875, era delegado dos Correios em Espinho, João de Azevedo Aguiar
Brandão. Em 25 de Junho do ano de 1879, foi inaugurada a Estação telegráfica dos Correios de
Espinho, à meia hora da tarde, sendo o primeiro telegrama expedido pela Câmara da Feira. A
primeira estação de que há memória foi na Rua do Norte, hoje rua 4.
A primeira bandeira de Espinho
Tem a data da criação da freguesia de Espinho, de 23 de Maio de 1889. Foi hasteada na torre da
Igreja Matriz. Encontra-se em poder da Irmandade de Nossa Senhora da Ajuda, já há muito gasta
pelos ventos do tempo da emancipação.

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O Caminho de Ferro
“Tem mais Espinho a grande vantagem de ser estação do caminho de ferro Norte, a 36ª, o que facilita
a concorrencia dos banhistas “(Leal, 1874).

Em boa verdade, Espinho deve a sua importância de hoje à passagem do caminho de ferro, para a
qual contribuiu decisivamente José Estevão Coelho de Magalhães. Com este foram abertas novas
perspectivas e alargaram-se os horizontes, até aí bastante acanhados e duvidosos. Incrementou-se o
comércio e a indústria e, em grande plano, o desenvolvimento turístico de Espinho. Os comboios da
linha do Norte começaram a circular entre Ovar e Vila Nova de Gaia no dia 8 de Agosto de 1863.Em
1867, com a abertura do lanço de Gaia a Aveiro, Espinho só podia ver os comboios de passagem, pois
que só a Granja e Esmoriz tinham paragens. Foi só a 17 de Setembro de 1875, que foi inaugurada,
festivamente, a Estação dos Caminhos de Ferro de Espinho.
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52- A primeira bandeira


de Espinho

53- vista panorâmica

54- Varinas à aguardar


a chegada do comboio

55- Passadiço sobre a


linha do comboio

56- Irmãos Brandão


Gomes

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A fábrica de conservas Brandão, Gomes & C.a
No ano de 1894, Alexandre Brandão, Henrique Brandão e Augusto Gomes, com fortuna adquirida no
Brasil, constituem a sociedade Brandão, Gomes & C.ª. Dispondo de um capital de 200.000$000 réis, a
sociedade vai adquirir o terreno de uma antiga fábrica de conservas de escabeche de peixe, que um
incêndio tinha destruído, e sobre as suas ruínas construir uma nova unidade fabril. As conservas de
sardinha constituíam a principal produção das unidades fabris Brandão Gomes. Comercializada em
latas de diferentes formatos e dimensões, a sardinha era preparada nas mais diferentes variedades:
azeite puro, tomate, manteiga, de caldeirada, em picles, com limão, com pimenta, de escabeche,
salgada, fumada e sem espinha. A actividade da Brandão Gomes não se limitava ao fabrico de
conservas de sardinha, mas estendia-se a uma imensa variedade de peixes (atum, salmão, linguado,
bacalhau, etc.), mariscos (amêijoas, camarão, lagosta, ostras), carnes (vitela, vaca, porco...), aves
(frango, pato, peru e borracho), caça (rola, pombo, perdiz, lebre, etc.), legumes (espargos, grelos,
couves...), queijos, frutas em calda e geleias. A linha produtiva incluía, ainda, os pickles, os molhos e o
azeite. Beneficiando da ausência de concorrência na região norte, as conservas Brandão Gomes
conseguem uma boa penetração no mercado nacional. Em 1895, obtém o alvará de fornecedora da
Casa Real. Para satisfazer a crescente procura internacional a empresa vai estabelecer fábricas filiais
em Matosinhos (1900), S. Jacinto (1910) e Setúbal (1911). Hoje esta fábrica não existe mas o edifício
está em obras para se tornar um Centro Cultural onde será criado um museu do mar.

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57- Fotografia da
Fábrica de Conservas
Brandão Gomes

58,59- Operários na
Brandão Gomes
Uma história da aviação de Espinho

“Na primeira década deste século, quando ainda era problemática a conquista do ar pelo mais
pesado, o balão era o único meio de subir aos ares.

Foi grande apaixonado por esse desporto o farmacêutico Belchior, de Vila Nova de Gaia, que fez
vários voos com inteiro sucesso.

O “Balão Lusitano” subiu várias vezes, e, de uma delas, estava convidado o espinhense Abel da Mota
Gomes, apontador de obras públicas, e que teve a seu cargo, durante vários anos a defesa da praia.

No entanto, por impossibilidade, não compareceu e, em seu lugar, subiu César Marques dos Santos,
muito dado aos desporto, e que foi conhecido por “menino de Ouro”; filho do capitalista João
marques dos Santos, que deixou o seu nome marcado em Espinho, como vereador da Câmara e
grande benemérito.

O balão subiu nos jardins do Palácio de Cristal (hoje pavilhão Rosa Mota), no Porto e, contra tudo o
que se esperava, rumou para sudoeste, quando os balões sondas tinham indicado o vento para terra.
Abaixo de Lavadores, tomou uma direcção que, desde logo, se afigurou perigosa, em virtude de o
vento o lançar pelo mar dentro. Ainda foi visto em Espinho, e diz-se que um cargueiro que passava ao
largo viu sinais aflitivos, mas nada pode fazer.

Assim, desapareceu o “Balão Lusitano”, com os seus ocupantes, embora a esperança tivesse ficado,
em muitas pessoas, de que ele poderia ter pousado, em qualquer terra mais desabitada, ao longo das
praias do Atlântico, chegando a correr o boato de que tinha pousado em Marrocos.

Até hoje, nunca mais se soube dos arrojados aeronautas”

“Alvaro Pereira, 1970”


No tempo das tertúlias (personalidades)
Manuel Fernandes laranjeira

Nasceu no lugar da Vergada, Freguesia de Moselos, do concelho da Vila da Feira e faleceu em


Espinho, a 22 de Fevereiro de 1912, com 35 anos de idade. Escritor, Poeta e Pensador de real
merecimento, as suas obras revelam bem o seu espírito e a sua insatisfação, numa luta íntima, com a
sua própria vida que, tragicamente, havia de abandonar. Em 1904, terminou o curso de medicina,
vindo a defender tese três anos depois, com a “Doença da Santidade”, ensaio psicológico sobre o
misticismo, de forma tal que lhe valeu uma alta classificação. Sempre insatisfeito, escrevia
infatigavelmente, abordando os mais diversos assuntos. A série de conferências que realizou, na
Universidade Livre, sobre “A Vida”, ficou memorável. Foi em Espinho que estabeleceu os primeiros
contactos com Amadeu de Souza Cardoso, pintor.

Amadeu de Souza Cardoso

Percursor do “Futurismo em Portugal”, era frequentador costumado de Espinho. Sentiu, em algumas


das suas obras, as cores da beira mar, que ele viu com os olhos do verdadeiro artista que era. Mirou
as cabeças rudes da gente da beira mar, absorveu o azul e o verde, que quase se confundem entre o
céu e a água, e talvez o tenha lembrado no colorido das suas obras. Foi também em Espinho que
faleceu, vitima de pneumónica. 61

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60- Manuel Laranjeira

61- Amadeu de Souza


Cardoso

62- Guilhermina Suggia

63- Pablo Casals

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63
Fausto Neves e Carlos de Morais

Carlos de Morais, chamavam-lhe em Espinho “Poeta da Serenidade e do Amor”. Natural de Serzedo,


cedo viria para Espinho onde casou e constituiu família. A Espinho dedicou muito dos seus poemas e
dos seus escritos para Teatro. Morreu a 5 de Outubro com a provecta idade de 88 anos. Fausto
Neves, pianista, compositor e professor de piano, fundador da Academia de Música de Espinho
colaborou com Carlos de Morais em talentosos projectos.
Paz dos Reis

Nasceu a 28 de Julho de 1862 o homem que viria a tornar-se um marco na história do cinema
português. Aurélio da Paz dos Reis, figura romântica de um Porto “fin-de-siécle”, acumulava diversas
funções, o que espelha a versatilidade desta figura portuense, que desde cedo frequentou Espinho e
a ela dedicou muito do seu espólio fotográfico, tendo sido apresentado em 2002, no Centro
Multímeios de Espinho, uma exposição temática sobre as Festas das Flores com fotografias desta
personalidade. Fotógrafo, floricultor premiado e activo republicano, Paz dos Reis filma a primeira
cena de operários a sair de uma fábrica um ano após os irmãos Lumiére. Todas as suas actividades
apontavam, no entanto, para um só caminho e espelhavam as suas preocupações cívicas e artísticas:
captar com o máximo de realismo as situações quotidianas de um mundo em rápida e constante
mudança, registando-as e conservando-as para a posteridade.

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64- Fotografias de
Aurélio da Paz dos Reis
As batalhas de Flores
As batalhas de flores foram, nas décadas de dez e vinte, o grande cartaz de Verão de Espinho.
Consistia de um Corso que desfilavam pela Avenida, com carros enfeitados a rigor, geralmente da
melhor sociedade de Espinho e seus frequentadores. Dos carros de bois e de cavalos, passou o corso
a ser animado por automóveis e camionetas, ornamentadas a preceito, carregados de lindas meninas
que atiravam, animadamente, desde serpentinas aos saquinhos com bombons ou tremoços. São, de
António Paz dos Reis (o primeiro cineasta português e portuense), as primeiras fotografias que
retratam a animação que este corso espalhava pelas ruas (Pereira, 1970). As batalhas de flores foram
perdendo a sua graça primitiva, quando Espinho, mesmo de Verão, era quase uma família, onde
todos se conheciam, e a despedida não era um adeus, mas um saudoso até ao ano (Pereiras, 1970).

As batalhas de flores eram organizadas pelos Bombeiros Voluntários de Espinho que nelas punham
todo o seu cuidado. Foram na verdade, um grande cartaz turístico da terra de Espinho, e ainda hoje
são lembradas, com alguma saudade. Mais tarde, às “Batalhas de Flores” juntaram-se outras
festividades profanas como touradas, actividades desportivas e culturais que se denominariam
“Festas da vila” e desde há alguns anos “Festas da Cidade”.

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65, 66- Recriação da


Festa das Flores
Uma cidade cosmopolita no Sec. XX…
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67, 68,69- Fotografias


de Espinho nos anos 60
Os Vareiros
e a arte da xávega
em Espinho
PARTE III
OS VAREIROS
“ (…) a esta comunidade dá-se o nome de Vareiros (nome dado também aos naturais de Espinho),
esse nome segundo a tradição e também o confirmam vários factos conhecidos, (...) se destaca a
semelhança de nomes entre as famílias de pescadores de Espinho e Ovar, e o dar-se a naturalidade
dessa vila aos indivíduos da costa de Espinho (...), a mesma tradição acrescenta, que em Espinho já se
pescava quando lá aportou aquela colónia, muito embora essa pesca fosse feita por lavradores
ribeirinhos, homens inexperientes e pouco dados às lides do mar, (...) Gomes et al (2003)”.

A constituição da família vareira


É uma tradição que se encontra em quase todas as raças, que, nos legaram monumentos do seu
passado, a da existência de um período de casamento para a constituição de uma família, não só
como instituição social, mas mesmo como facto puramente doméstico, era na antiguidade
desconhecido, devendo-se o seu estabelecimento à iniciativa de algum legitimador célebre. Os
Egípcios faziam remontar esta instituição a Mena, os Chineses a Fo-hi, os Gregos a Kekrops, os Hindus
a Svetaketu (Pedroso, 1988). Depois de uma evolução constante, a família, não há dúvida, tornou-se
para o homem a base de todas as outras instituições sociais, constituindo o casamento a condição
necessária da família, por assegurar de um modo mais ou menos permanente as mútuas relações
entre os seus membros.

O clã familiar da gente da corda marítima assenta no matriarcado. É a mulher que tudo põe e dispõe
nas lides domésticas e nas relações sociais de todos os dias. O pescador, resmungão, muito
compenetrado psicologicamente do seu machismo, julgando-se o todo poderoso, portas a dentro do
seu minguado domínio que é o palheiro. Ele dá as “ordes” necessárias, bebe uns tintos com um naco
de broa e uma posta de peixe, cuida das redes e dos demais apetrechos de pesca, colabora na
aparelhagem do barco. A tarefa da mulher começa a maior parte das vezes, quando a rede se
avizinha da praia. Nessa altura, as mulheres com a canastra debaixo do braço, sentam-se na borda do
mar, aguardando o lanço, e vão dando contas à vida, esmiuçando este ou aquele pormenor no
palavreado habitual de faladura baixa. A pescadeira alberga uma psicologia repentista, como o vento
da costa; e ora sopra do norte, ora do sul. Quando assim acontece, surge uma ralhação acalorada,
vicentina e muito expressiva no palavreado empregado. Tirante estes repentes, condicionados à
“electricidade” do ambiente, tudo regressa à santa paz. É assim a mulher do pescador. Mulher de
armas, resistente como as cordas do mar, capaz de todos os sacrifícios e alegrias. Nascida na duna da
praia, teve sempre por companhia o vento, a ruindade marítima e o mar bonançoso riscado pelos
raios solares.
A mulher vareira é a base da família, trata dos negócios e da casa, imperando assim um matriarcado
natural nesta classe (Gomes et al, 2003). De acordo com Pereira (1970), as mulheres organizavam a
vida da família e ajudavam na salga e na venda do peixe, e por vezes no concerto das redes.
Recebiam apenas uma pequena percentagem do lanço. As vareiras possuíam o dom de serem
poupadas e a maior parte das mulheres é quem dirigia a economia doméstica. Nos vareiros
abastados não se dava isso, mas entre estes a vida era muito conversada – como costumava dizer –o
homem geralmente metido em negócios é que sabia bem das suas economias, claro sem nada faltar
em casa! No primeiro caso, as mulheres davam aos seus homens, dinheiro para cigarros, para a
costumada bebida e outras pequenas despesas. Também andavam atentas às necessidades dos
maridos e dos filhos, de roupas e calçado e tinham brio em que andassem limpos, qualidade que se
observava nas famílias mais pobres . Também nos surtos de lazer, descansando ao sol, faziam renda e
lavores diversos («sem nome», 1980).

Ainda hoje, é vulgar ver a mulher vareira à soleira da porta, gozando dos poucos momentos de lazer.

O Pescador e a sua Psicologia


Em tempos idos, a safra das companhas começava em Janeiro e acabava em Dezembro. Nenhum
homem se considerava livre antes deste prazo. Contudo quando chegava o último mês, o Bairro
Piscatório, começava a animar-se, em feições de festa, ouvindo-se com frequência as harmónicas, os
violões, as violas, os cavaquinhos, etc., pois inúmeros pescadores sabiam tocar estes instrumentos! A
razão era simples: “tinha chegado o momento de levar as libras, (termo corrente) e por isso os
corações andavam mais contentes! Era pois neste mês que os camaradas começavam a ser chamados
aos escritórios dos patrões e aí dizerem se queriam continuar na companha. Dado o sim, recebiam
nesse momento uma importância como sinal da soldada do ajuste – feita à base de libras, sem ágio,
que então se cotava a 4500 réis – pois a nossa libra mantinha sempre o seu valor! As soldadas de
cada homem variavam conforme o lugar que desempenhassem e o indicativo residia na competência
de cada um” «sem nome» (1980).

Hoje em dia usa-se a percentagem tendo vindo esta a substituir a soldada. Uma vez contratada toda
a companha, vinham funcionários da Capitania de Aveiro fazer a matrícula, para a qual apenas lhes
exigiam a cédula marítima –em tempos recuados nada disto havia –e só nesta altura recebiam a
restante soldada. As vendas (lojas) sempre pertença dum patrão, fiavam os alimentos, e por vezes
dinheiro e faziam-no com toda a confiança! Mas uma vez chegada a ocasião das libras tudo se
saldava. É que, além de serem sérios, os pescadores, por natural pendor, tomavam afeição às suas
companhas, mas não só isso, sentiam-se reconhecidos aos patrões por favores recebidos e atenções
nos momentos amargos que sempre surgiam e isso gerava justificada gratidão. Das importâncias
recebidas, quer soubessem ler ou não, o recibo estava na palavra de cada um -não se usavam sequer
as impressões digitais – a palavra dada valia ouro.
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70- Vareira

71- Vareiro, traje típico


As habitações
Os palheiros, primitivas habitações de madeira da classe piscatória, espalharam-se por toda a costa
norte, desde Espinho à Praia de Vieira. Sabe-se que foi o vareiro que colonizou toda esta costa,
devido à procura incessante de novos e favoráveis pesqueiros, localizados junto a importantes
centros consumidores. Primitivamente, o vareiro saía de casa à segunda-feira e só regressava no final
da semana; e na costa do mar, completamente deserta, ali ficava mais os seus colegas de jorna,
sujeitos às intempéries e muitas vezes abrigados debaixo de um barco, à espera que o mar
consentisse que eles lançassem as redes. Com o intuito de se abrigar, o pescador, com os tempos, foi
aproveitando a pouca madeira existente junto à costa no levantamento de humildes palheiros:
habitações rudimentares, de forma quadrada, de quatro tapumes e cobertas com ramos de árvores.
Em 1632 iniciou-se a plantação da mata florestal, para fixação das areias, que tudo invadiam e, desde
então, o pescador aproveitou a abundância de madeira de pinho para construção dos seus palheiros
temporários- sojornos-. Apareceram assim, ao longo da costa, e junto ao mar, dezenas e dezenas de
palheiros quase unidos uns aos outros, como modo de defesa da nortada forte, e de planta muito
singela). Com o incremento da pesca e o crescimento da povoação, semearam-se inúmeros palheiros
com rés-do-chão e, mais tarde, com primeiro andar, para albergar as numerosas famílias piscatórias,
os negociantes de peixe, os armazéns para recolha do material, as tabernas com mercearia, e uma ou
outra família que vinha a banhos. A maioria deste tipo de habitação tinha somente uma porta, e
raramente uma janela, não possuindo chaminé onde o fumo da cozinha, activado por ramos verdes,
evolava-se através da telha vã durante a preparação das magras refeições.

Em 1877, Espinho contava com 48 palheiros, pertencentes a 46 moradores, sendo 34 de Ovar, três de
Silvalde, dois de Porto e Anta, de Perosinho e Rio Meão, um de cada (Amorim, 1999).

De acordo com Leal (1874), em 1840 Espinho não era mais do que uma informe aglomeração de
pequenas casas de tabuado, (chamadas palheiros) ocupadas por pobres pescadores. Os velhos
palheiros de varandas embicadas sobre a rua, negros e barrigudos, sem alinhamento nas vielas,
começaram a desaparecer para dar lugar a construções de pedra e cal. No ano de 1843 havia já
quatro propriedades de pedra e cal: uma do pai do comendador Sá Couto, outra da família do Anão,
outra da família chamada Rosa da Praça e outra da família Bento da Mota, de Vila Boa (Feira).
Ficavam todas na praça velha (Brandão, 1991)

Os velhos palheiros foram substituídos por casas construídas de adobe (material de construção civil,
que foi muito utilizado durante mais de uma centena de anos, e que se trata de uma argamassa
argilo-arenosa, com uma certa adição de cal, resultando assim uma mistura de alumina, soda e cal,
que hoje em dia, foram substituídas por bairros camarários, arruamentos largos e espaços verdes.
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72, 73- Palheiros


Os barulhos e ralhos
Os pescadores sempre foram, e continuarão a ser, homens pacíficos, qualidade por certo que lhes
vem do berço e que faz parte da sua razão de ser. Contudo, quando uma vez ou outra pegavam de
rijo, as coisas então tomavam feição muito séria, até porque entrava na contenda o conhecido
“bordão”, instrumento do seu ofício (curta vara grossa que serve para conduzir ao ombro os rolos de
corda e rapicheis de peixe), etc. Diga-se com justiça que nunca faziam uso de qualquer outra arma,
além dos punhos e do referido “bordão”, embora andassem munidos de pequenos canivetes muitos
úteis na faina. Os motivos podiam ser individuais ou colectivos (defender a honra da companha), ora
quando isto acontecia, dava margem a violentas discussões, que nem sempre ficavam em palavreado
(«sem nome» 1980).

Certa qualidade de mulheres dos pescadores, por tudo e por nada, gostam muito de ralhar – termo
típico do meio – e por vezes chegam a vias de facto, e então os cabelos e a cara são alvo preferido. E
ainda outras vezes batem no cu e põem-se a dançar! Outras levantam as saias para mostrarem as que
trazem por baixo: As suas limpezas.

Às vezes só há troca de palavras:

- Pega...bota aqui! O que tens a dezer de mim...anda...mulher...atão num botas?...Olhai gente, num
tem nada que me dezer já biram?!

As vendedoras de peixe
As vendedoras de peixe, as peixeiras, aguardam, sempre, com certa impaciência a hora de leiloar o
lanço, e comprarem o pescado para as suas transacções diárias. Negócio cumprido, as peixeiras
arrumam, em pequenos lotes, com certo desvelo, na canastra larga e de pequena altura e com fundo
revestido a oleado, o variado peixe adquirido e já coberto com a areia fina da praia. Concluída a
arrumação e disposta a canasta à cabeça, punham pés a caminho, num passo apressado em direcção
à Vila. Pelo caminho íam apregoando:

Olha a rica sardinha fresca!...

Rica a saltar!...

Sardinha do nosso “márii”!...

É do nosso “márii”!...
Os Pregões
Pela manhã, muito cedo, as vareiras vão à companha comprar o peixe acabado de sair na rede.
Levam à cabeça numa canastra, o peixe que compraram e percorrem toda a cidade e arredores
apregoando a sua venda, cantando pregões assim:

-é de Espinho a bolir!...

-é do nosso mar a bolir!...

-é de Espinho viva!...

-sardinha do nosso mar!...

-sardinha da pequenina!...

-é da miúda, é d'agora viva!...

-vivinha de Espinho!...

-vivinha a saltar!...

-como cavala!...

-oh que rica para assar!...

-chicharrinho do nosso mar!...

-riqueza de Espinho!...

O peixe, muitas vezes, é vendido na própria praia, e ouve-se vareiras a apregoar:

- É de Espinho viva, peixinho do nosso mari!...

No fim do dia, e de tudo vendido, regressam a casa satisfeitas por terem ganho algum dinheiro.
Lendas e histórias
Histórias antigas lembra a lenda de uma linda vareira, que um fidalgo de Braga raptou e levou para o
seu solar, onde ela viveu e se mirrou enclausurada, na saudade da sua terra e das águas do seu lindo
mar…

Em homenagem à mulher do Pescador fica a história da Maria Vareira:


No cancioneiro Popular:

Ó nosso arrais Alfredo Tomamos carapauzinho

Não se esqueça da gravata Fizemos lota no(a) chão/areia

Ao chegar ao mar do banco Ao sábado a receber a partilha

Faça ver ao Patarata. Nem me chegava para o(a) pão/ceia

Quando a rede andava à mão Adeus ó mulheres queridas

Estavam ao alto com bordões Adeus, nós vamos para o mar

Ouvir as mercantelas E vós que ficais em terra

A atrapalhar o “Fundões”. Por nós a chorar

Iam as mulheres para a Praia

Ver os barcos a botar Nossa Senhora da Ajuda

Os barcos a ir ao fundo Ramo de Mangericão

E as mulheres a gritar. Dai aos Três Anjos sardinha

O nosso patrão dá farinha E aos da Velha Biqueirão

Ninguém tem nada com isso Vamos ver o barco novo

Escusavam de dizer Que se vai deitar ao mar

Que lhe botavam feitiço. Nossa Senhora vai dentro

Quando chega o peixe à praia E os anjinhos a remar

Toda a gerência era pouca Oh que lindos olhos pretos

Nimguém me belisque as costas Tem a filha do arrais.

“Deitem” alto com a boca. Queria ser homem dela

E não me importava o mais!


A lenda da Bicha de Sete Cabeças de Silvalde
“Junto à Ribeira de Silvalde”, nas proximidades de uma ponte que foi romana e que já não o é por
obras e vontade da gente de outros tempos, existia um campo e dele tirava o sustento uma mulher,
com as forças do seu suor e trabalho. E assim ela estava, como era hábito dos dias, quando viu em
sua direcção aproximar-se bicho nunca visto, que só de cabeças tinha muitas, e de cujas intenções a
mulher fez tal juízo que logo deitou a correr no meio de grande gritaria. E porque estas coisas do
susto se pegam como pestes e maleitas, com ela fugiriam todos os que por ali mourejaram, sem
causa ou nome de tamanho alvoroço.

Com a noite ficou maior a canseira e, apesar do acontecimento ter perturbado o sono de muitos mais
que alguns, acabaram todos por adormecer sobre os seus receios. Assim estava o povoado quando,
altas horas da noite, o despertou súbito alarido, feito de balidos e cacarejos e tudo quanto é fala e
canto de animais de criação, mas nada mais viram que os despojos da confusão, entre animais
degolados e feridos de morte certa, além de muito sangue espalhado pelo chão.

Foi assim que decidiram os camponeses que um deles ficaria a vigiar durante a noite, enquanto
esperavam pelo nascer do sol para ver o que melhor conviria fazer. E porque se lembraram ainda do
que a mulher tinha visto e contado, mais decidiram que o que fosse escolhido para vigiar tocaria uma
corneta para toda a gente chamar se algo de novo acontecesse.

Começava a aurora a render a noite, quando se ouviu a correcta e, como estava combinado, todos
acorreram ao chamado. Então, o que de entre eles tinha logo fugido para a floresta vizinha,
destruindo hortas e cultivos.

Ouvindo o que ora se contou, ajustaram os camponeses matar o monstro, pelo que se armaram de
paus, varapaus, foucinhas, ancinhos e o mais que à mão encontraram; e pelos campos fizeram
batidas e no povoado esperaram dias e noites até que lhes aparecesse a bicha, o que veio a
acontecer numa tarde cinzenta e chuvosa. Uns fugiram logo, mas outros a atacaram com redobrada
força, golpeando-a em vários sítios e órgãos, só se detendo quando a julgaram morta. Então um dos
homens dela se aproximou, mas a bicha o fez pagar com a vida o seu atrevimento, golpeando-o no
pescoço. Desta feita, sobre ela de novo caíram os camponeses e com outros tantos golpes a mataram
de vez.

Contaram-lhe as cabeças e acharam o número sete. Em seguida enterraram-na junto a um pilar da


velha ponte romana ali construíram uma capela para celebrar o acontecimento.
(Semanário Maré Viva nº 398 de 12/7/84)

Esta lenda, noutras regiões do país, também é narrada como é o exemplo de Caldas de S. Jorge.
“Uma cheia do rio terá levado a capela. Hoje resta uma pequena placa de azulejo a contar a lenda aos
que ali passam” (Pereira, 1984).
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74- Painel de azulejos


em Silvalde, alusivo à
lenda da Bicha de sete
cabeças
O traje tradicional e a gastronomia
Os trajes tradicionais dos pescadores e vareiras são de um grande colorido.O do pescador compõe-se
de camisa de lã de padrão axadrezado, "trozes" ou ceroulas de tom claro, cinta ou faixa preta em
malha de lã franjada nas extremidades e barrete negro em malha de lã. O da vareira é composto de
blusa de algodão em tons claros e belos bordados, saia de algodão em cor diferente da blusa, avental
a contrastar com a saia, algibeira de pano preto de lã com fita preta, uma faixa ou cinta igual à do
pescador, xaile de lã e lenço dobrado em triângulo sob o chapelinho de feltro, de aba estreita.

Ao Domingo, usa chinelas pretas de cabedal envernizado sem meias.

Quando o marido se encontra ausente, a mulher veste um trajo mais escuro; se o mar já não volta a
trazê-lo usa para sempre o trajo preto.

caldeirada

Na gíria popular, caldeirada significa tumulto, confusão, desordem.

Nada mais errado na gastronomia portuguesa... Em primeiro lugar, porque este preparado culinário é
exigente na entrada, ordenação e aproveitamento das espécies piscícolas. O tamboril e o safio são,
para a maioria dos apreciadores, de presença obrigatória. Na segunda linha, está a presença forte da
pata-roxa ou cação. Depois, em termos de prioridade, aparecem o ruivo, a raia e as lulas.
Dispensáveis mas bem-vindos são o cherne, o robalo e a corvina. Discute-se ainda a presença das
sardinhas e das amêijoas, o mesmo se passando com a banha. Para uns, a banha altera os sabores do
mar; para outros, a banha é o elo de ligação aos sabores da terra. No entanto, todos concordam com
o uso do azeite, presença quase obrigatória na cozinha tradicional.

Sobre a ordenação das espécies, muito se pode dizer mas, no essencial que as sardinhas, quando
entram, sejam as últimas e dispostas em forma de estrela.

Na elaboração de uma caldeirada, a disposição dos vegetais também é importante. A cebola e o


tomate logo no início, o pimento só no fim e por cima.

A caldeirada é um preparado nobre, exigente e apaixonante.

A sua apresentação também tem regras. Deve vir à mesa no recipiente em que foi preparada e o
prato deve ser apresentado com todas as espécies que nela entraram, devendo ser servida apenas
pela pessoa que a preparou. Até nisso a caldeirada é nobre, pois premeia quem com muito carinho a
pensou e lhe deu vida.
Uma especialidade da nossa cultura gastronómica.

Ingredientes:

Peixes- cação; tamboril; lulas e raia


Cebolas
Alho
Batatas
Tomate
Pimentos verdes
Azeite
Sal
Louro
Piri-piri
Cominhos
Vinho branco

Modo de preparar:

No tacho põe-se a cebola às rodelas, o alho, o peixe, as batatas às rodelas e tomate. Repete-se até
acabarem os ingredientes. Por fim colocam-se os pimentos cortados em tiras, o sal, o louro, o piri-piri
e os cominhos. Rega-se com o azeite e o vinho branco. Leva-se o tacho ao lume, deixa-se levantar
fervura e aguarda-se uns minutos até que tudo esteja cozido.
O VAREIRO E AS MANIFESTAÇÕES RELIGIOSAS
“Faz-se aqui annualmente a grande romaria de Nossa Senhora da Saude, á qual afflue uma
immensa multidão de gente, não só dos povos circumvisinhos, mas até do Porto, Aveiro, Feira, Ovar e
outras povoações. (Leal, 1874).

As promessas a santos estavam na índole da gente do mar e iam longe a pé cumpri-las, contagiando
os caminhos com a sua alegria, pois tocavam e dançavam todo o caminho! A Senhora da Saúde dos
Carvalhos, S. Torcato, em Guimarães, Senhor de Matosinhos, eram os preferidos do vareiro de
Espinho, mas nenhuma tirava o lugar à Senhora da Ajuda («Anónimo», 1980)

A ética religiosa do vareiro de Espinho não tinha origem em simples preconceitos, é que, todas as
suas manifestações de temor a Deus, vinham-lhe do âmago, tinham fundadas raízes e ainda
actualmente o têm. Desde o berço até à morte são cristãos e também praticantes humildes e crentes
nos preceitos católicos, razão porque nas horas mais altas das suas aflições recorrem constritos às
mercês de origem divina («Anónimo» 1980).

O Baptismo
Criança recém-nascida morta sem baptismo, gera neles um desgosto profundo, pois como dizem: “o
anjinho não vai para o céu!”. («Anónimo» 1980).

A Comunhão
A Comunhão, por sua vez, como acto de profissão de fé processava-se, como ainda hoje, na idade
adolescente que personifica a sua maturidade religiosa. Para se poder transpor este requerido
obstáculo foi sempre exigido pela igreja uma prova um tanto severa, hoje mais facilitada – porque as
crianças tinham de aprender larga dose de mandamentos doutrinários sem o qual não lhes era
permitido integrar-se em tão mística como desejada cerimónia da primeira comunhão. Naquele
tempo havia um professor particular, António Bouçon, que durante três meses – pois era o tempo
que levava para ensinar toda a doutrina – e por tal tarefa levava cinco tostões («Anónimo» 1980).

O Casamento
Quanto aos casamentos, nos quais só a igreja intervinha, realizavam-se em ambiente simples mas
festivo, bem característico da época, um tanto mais aparatoso quando se tratasse de noivos
abastados. Já havia carruagens, mas o acompanhamento fazia-se a pé. Escusado será dizer que todas
os componentes se apresentavam bem vestidos. As cachopas com lenços de seda e xailes finos
pretos nos braços, mas apenas de chinelas de verniz douradas, nada de sapatos, que eram
censurados, pois só mais tarde o uso deles chegou ao bairro dos pescadores, reduto de tradições!! O
casamento era pois, uma festa, alertava a comunidade e havia farta boda.

Usava-se então, o casamento falado, de interesse: os pais tratavam muito do futuro dos filhos. Estes
obedeciam a combinações prévias, pois seria priciso saber o que levava um e outro como: correntes,
broches de libras, palheiro e limpezas (roupa branca variada) tipo a que chamam hoje enxoval,
pequeno mundo cheio de coisas que não nasciam por obrigatórias leis, mas sim como herança dos
tempos, cívica, cheia de virtude e rica de ética («Anónimo» 1980).

A Morte
Um dos grandes temores do pescador é o de que o seu corpo seja pasto dos peixes; morrer no mar
aceita-se como parte do fado da sua vida, mas estão obsessos por repousar no cemitério da sua
paróquia (Soeiro, 1999).

Sobre a última fase da vida, revestiam-se de muita religiosidade, e muitos dos mais abastados
levavam música e tinham ofícios demorados, cerimónia de muitos padres! Davam esmolas em pão ou
dinheiro, especialmente depois da missa do sétimo dia («sem nome» 1980).

Com a sua preparação para a morte, os pescadores tomavam as suas precauções, pois não se sentiam
bem quando os seus familiares morriam, por quaisquer circunstâncias, sem a extrema-unção. Por isso
havia periodicamente uma procissão, que designavam : “Senhor dos Entrevados” que tinha como
função levar até ao leito dos doentes o conforto espiritual da comunhão («sem nome» 1980).

A morte no mar é o transe de maior solidariedade, que se manifestava, até à poucos anos, de uma
forma variada e intensa. Uma era a obrigação que a companha tinha de oferecer um lugar de “rapaz
do barco” ao órfão, se estava já em idade de começar a trabalhar; e isto fazia-se mesmo que já
houvesse outros nesse posto (Soeiro, 1999).

A Chamada aos desaparecidos


Quando havia um naufrágio, era vulgar que nem sempre as vítimas dessem à costa, no prazo
habitual, que era, geralmente, de três dias. Então as vareiras, com velas acesas e em grupos,
percorriam as beira-mar, chamando, em altos brados, os ausentes, pelos seus próprios nomes.

Era crença que eles ouviam o chamamento e que, na manhã seguinte, os seus corpos davam à costa
(Pereira, 1984)

As Orações
O medo do mar, a vida rude e inconstante dos pescadores, os perigos e dificuldades das travessias
transatlânticas levam os homens de terra a respeitar e temer esse imenso oceano. Nas rezas da ceia,
quando a família reunida se preparava para a última refeição do dia, na segurança do lar, o patriarca
elevava ao céu uma oração, na qual nunca faltava um Pai-Nosso e uma Avé-Maria

pelos que andam sobre as águas do Mar (Soeiro, 1999).


Antigamente, com o barco longe da costa, e antes de lançarem a rede, os pescadores tiravam os
bonés e rezavam, assim uma oração:

Nossa Senhora da Ajuda, Ramo de manjericão, Dai aos Três Anjos sardinha, E aos da Velha biqueirão..

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75,76, 77– Postais de


Espinho antigo
Os ex-votos
O padre Pinho Nunes, autor da monografia de Aguda, que foi fundada pelos pescadores de Espinho,
diz o seguinte:

“Na sacristia da capela, conserva-se um lindo modelo de lugre, barquinho curioso, ex-voto do Sr. José
Fernandes Tato, oficial da marinha mercante, natural de Espinho, feito por ele e oferecido à Senhora
da Nazaré como promessa do milagre acontecido em 30 de Setembro de 1920. O referido veleiro que
o oficial pela primeira vez pilotava (o Atlas) de regresso de Cuba para Portugal, foi surpreendido por
um ciclone que lhe causou grandes avarias pondo em perigo a tripulação, pelo que foi implorada
confiadamente protecção de N.S. da Nazaré. A tempestade amainou e o navio chegou ao Porto em
25 de Novembro de 1920 “(«sem nome», 1980).

Outras manifestações religiosas


A faina da pesca, inúmeras vezes revestia-se de certas mas muito sérias contrariedades um tanto
inexplicáveis, mormente quando a infelicidade vinha ao seu encontro inesperadamente. Às vezes
aconteciam desaires consecutivos a uma companha. Porque aconteceria, pois, só a uma ou outra
companha, quando as restantes pescavam bem?

Só havia uma explicação positiva para as mulheres dos camaradas, e que todos em geral aceitavam
dada a sua amorosa credulidade: os maus olhados, a inveja e até o feitiço!!!

O remédio estava pois em expurgar os malefícios possíveis como causa de avultados prejuízos
materiais e até morais, que faziam sofrer toda a companha e para isso o padre era chamado! O barco
aparelhado benzia-se e, no armazém, os aparelhos de reserva, por sua vez eram submetidos ao
mesmo acompanhado de orações a que estava presente toda a companha, cerimónia que se
processava com toda a devoção e confiança nos seus positivos efeitos.

Esta tão típica manifestação de fé nos benefícios divinos estava no âmago dos vareiros de Espinho e a
recorrência a eles deixava os seus corações aliviados de certa amargura («sem nome», 1980).

Outra faceta bastante tradicional era o benzer dos ramos: palmeiras e alecrim –no festivo dia de
Ramos –que se guardavam para queimar quando trovejasse, a par das orações próprias («sem nome»
1980).

Em Espinho comemora-se a N. S.ra. da Ajuda no penúltimo Domingo do mes de Setembro, seguida da


tradicional feira das “cebolas” e a S. João no dia 23 e 24 de Junho (Costa, 1938)
A N. Senhora da Ajuda
A 21 de Março de 1807, Eugénio Nunes, galego, enviou uma petição ao Bispo do Porto a solicitar
licença para construir, na costa de Espinho, onde vivia uma «capela com invocação a Nossa Senhora
da Guia, pois há muito ali viviam mais de 120 casais que se dedicavam à faina da pesca, destituídos
das principais comodidades da vida, entre as quais, a falta de uma capela para assistência à missa,
tendo de percorrer quase uma légua de mau caminho no tempo de Inverno, porque é todo cheio de
atoleiros, para chegar à Igreja Matriz de Anta, donde pertencia o lugar da costa de Espinho». Em
despacho de 4 de Abril o Bispo do Porto autorizou « a erecção e dotação da mencionada capela» que
mais tarde viria a chamar-se de Nossa Senhora da Ajuda.

A festa a Nossa Senhora da Ajuda, já se celebrava em 1858, porém atenta a importância do seu porto
de pesca, ao comércio e aos costumes das terras vizinhas, certo é que os vareiros e seus
descendentes (uma vez que já em 1809 tinham, na praia, a sua capela à Senhora da Guia, edificada
pelo contratador galego Eugénio Nunes), não ficariam atrás dos outros pescadores. Em 1866, uma
comissão de arrais das Companhas comprou em Maio a antiga capela dos galegos e todos os seus
pertences por 200 mil reis. A 28 de Outubro de 1870, foi composta uma Comissão que se propôs
fazer erigir outra Capela, em local próximo da Capela dos Galegos/ Sr. Da Guia, em vista desta já não
satisfazer as necessidades da população, sobretudo na época balnear. Quanto à localização,
enquanto os vareiros a queriam perto do mar, os fidalgos pretendiam-na mais para nascente, fora do
perigo das invasões do mar. Para resolver o conflito foi consultada a vontade das Companhas de
pesca que, nessa época, tinham um real, valor na vida de Espinho, estas foram, unanimemente, de
vontade que ela se fizesse perto da antiga, perto do mar. A capela ficou concluída a 25 de Setembro
do ano de 1877. A capela dos galegos que lhe ficava em frente e um pouco à direita, em 1883, foi
despojada de todo o seu interior, e queimada. No local, foi, mais tarde, construído um coreto, para a
festividade da padroeira.

Padroeira de Espinho, peregrina dos templos que lhe foram dedicados, encontra-se, hoje, na Capela
de Santa Maria Maior, hoje mais conhecida por Capela da. Sra. Da Ajuda, depois da destruição das
suas Capelas do Largo do seu nome. Não se conhece, ao certo, a data da sua proclamação, por parte
da gente de Espinho, como Padroeira da Freguesia, mas a sua imagem percorre, no seu dia grande, as
ruas de Espinho, lançando a sua bênção.
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78- Primeira capela de


Nº Srª. da Ajuda,
também conhecida
como Capela dos
Galegos.
Primitivamente tinha
sido dedicada a N.ª S.ª
da Guia

79 – Imagem antiga de
N.Srª da Ajuda

80- Fotografia da
Capela de N. Sªr. da
Ajuda, 2003.

80
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A N. Srº. do Mar
Magia, festa e respeito à padroeira do pescadores. Trata-se de uma das festas mais típicas de
Portugal, cuja história remonta aos anos 50. Como refere Artur Faustino, na obra “Nossa Senhora do
Mar”, as festas em honra desta santa, a qual se venera na capelinha do mesmo nome, começaram
em 1956, o que se deveu à acção de “uma comissão de bairristas daquela zona, com predominância
de pescadores, que na loja da «Isabel Tareca» tiveram a ideia de levar a efeito, naquele ano, a
primeira festa de invocação piscatória à sua padroeira.” Os festejos tiveram lugar entre os dias 20 e
22 de Outubro de 1956, com as gentes do bairro piscatório de Espinho (Marinha de Silvalde) a
engalanarem a capelinha onde se venera a Nossa Senhora do Mar. Foi promovido um grandioso
cortejo de oferendas e durante os dias da festa realizaram-se vários concertos musicais. O momento
alto foi sem dúvida a procissão do dia 21 que percorreu as ruas circundantes do bairro. À noite
vislumbrou-se uma esplendorosa sessão de fogo-de-artifício. Nascia assim uma tradição que se
prolongaria pelo resto do século XX, a qual os pescadores souberam manter e preservar como
símbolo da sua própria identidade.

Nos anos seguintes, a festa manteve os traços que a tinham popularizado na sua primeira edição.
Mas sofreu alguns interregnos, como foram os casos de 1958 e 1959. Em 1960, os festejos foram
retomados, para grande alegria do povo, em especial dos pescadores. Mas entre 1961 e 1964, novo
interregno. Em 1965 voltou a festa em honra de Nossa Senhora do Mar, introduzindo-se duas
grandes alterações: as festas mudaram de Outubro para Agosto e pela primeira vez foi incorporada
no cortejo da procissão a verdadeira imagem de Nossa Senhora do Mar, que a Comissão de 1960,
com a ajuda do pároco José Adrego, tinha adquirido em inícios de 1961.

Apesar da efusividade de 1965, esta festividade teria nova e prolongada interrupção, reatando-se
apenas em 1983, para gaudio da população local. Realizou-se nos últimos três dias de Outubro (como
sucedia inicialmente), sendo novamente o momento mais alto a procissão, onde pontificou a
comovente «Benção do Mar». Em 1984 voltaria a efectuar-se, mas desta feita em Agosto, mantendo
o brilhantismo de sempre. Bandas filarmónicas, ranchos folclóricos, grupos musicais, fogo de
artifício… tudo isto, juntamente com o cariz religioso da festividade, tornou-a num dos eventos mais
importantes do concelho e da própria região.

Ano atrás de ano, cada vez mais alegre e entusiasmante, a festa em honra de Nossa Senhora do Mar
ganhou um estatuto nacional, fazendo parte do leque restrito de festas que entram no mapa das
festividades mais típicas realizadas em Portugal. Em cada ano surgem novidades, salvaguardando-se
sempre a tradição e a essência que motivou a festa – honrar a padroeira dos pescadores. O ponto
mais alto das festas é obviamente a «Benção do Mar», cujo cenário é montado com alfaias
piscatórias, em plena praia da pesca. Um momento de intensa magia. Verdadeiramente inesquecível
(Anfre, 2003).
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81 – Imagem antiga da
N.Srª do Mar

82- Fotografia da
Capela de N. Sªr. do
Mar, 2003.
Sº Pedro
Todos os anos, no dia 29 de Junho, a povoação dos pescadores de Espinho festeja o seu patrono, com
música e festa de arraial com fogo à noite, saindo uma procissão que percorre as principais ruas da
vila. Construída por iniciativa de alguns Espinhenses, e com donativos de residentes em Espinho e
Matosinhos, foi acabada no ano de 1941, tendo sido inaugurada, em Novembro, e benzida no mesmo
mês, pelo Revº Abade da freguesia, Padre Joaquim Teixeira da Silva Amaral. Está situada a sul de
Espinho, perto das instalações da antiga Fábrica Brandão Gomes, servindo toda a povoação de
pescadores.

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83- Fotografia da
Capela de S. Pedro,
2003.
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84, 85, 86, 87, 88-


Fotografias da
Procissão da Sr.ª da
Ajuda, 2003.
A ARTE DA XÁVEGA EM ESPINHO

As Origens
De acordo com o Padre André de Lima, as origens da pesca do “arrasto” ou “arte grande” na costa
que vai desde Espinho a Ovar, remonta ao último quartel do séc. XVIII e está intimamente ligada com
a pesca da sardinha e com as novas exigências do mercado. Esta pesca começou por ser realizada
junto à costa, num processo designado por arte pequena e no qual eram utilizadas redes de
reduzidas dimensões. Em 1776, Jean Pierre Mijoulle, de naturalidade francesa, “veio com alguns
catalães, habitar em Ovar, dedicando-se à salga de peixe por novos métodos. Em face de tal,
promoveu-se uma remodelação da arte da pesca, com a introdução da xávega com barcos maiores
[em meia lua, para quebrar a rebentação das ondas], que fossem mais ao largo, utilizando cordame
de maior extensão. Com a xávega, vieram os armazéns de salga” . Este novo processo “possibilitava a
captura do peixe a maiores distâncias, com melhor rendimento” (Amorim, 1999)

Os barcos de Xávega – os meias luas


Os barcos de Xávega são chamados meias-luas, já referidos por Ramalho Ortigão, apresentando uma
proa muito elevada, como a desafiar o mar, e uma popa com uma elevação pouco comum. A forma
desta proa altiva, foi determinada como um meio encontrado pelos pescadores para vencerem a
“entrada do mar”, normalmente difícil devido à rebentação das ondas, junto à praia e à ressaca que
se forma de seguida. Foi a experiência, lei da vida e do engenho, e uma boa maré de inspiração, que
levou o construtor a arquitectar uma embarcação tão mística, em forma de meia-lua. O barco não
tem quilha. O seu fundo é chato, não muito largo. Algumas embarcações tem quatro remos, e outras
2 remos, no caso de se tratar de um barco de menores dimensões e corpulência - Arrastão.

A xávega em Espinho
A pesca era feita, a princípio, em moldes muito diferentes dos usados depois e ainda hoje:

“A companha tinha dois barcos, que saíam para o mar em linha paralela. Enquanto um conduzia as
cordas para a ida, a rede e o saco, o outro levava as cordas para a volta.

Uma vez lançada a rede ao mar, e amarrada na corda do segundo barco, era dado um sinal para a
terra, por meio de um pau com um pano amarrado e, imediatamente, o pessoal começava a puxar,
ligando umas pequenas às que vinham do mar e que postas ao ombro, traziam a rede para a praia. O
pessoal que puxava a rede era composto por homens, mulheres, e até crianças, pois para todos havia
lugar. Ninguém auferia soldada certa, dado que o produto do lanço era dividido pelos que
trabalhassem, em relação às suas categorias: os homens do mar tinham maior quinhão, os da terra,
menos, as mulheres ganhavam uma pequena percentagem, e as crianças tinham uma caldeirada.
A refeição dos pescadores não tinha horário e era constituída por broa de milho, caldo, sardinha e
vinho (Pereira, 1970).

No fim do Verão, depois de acabadas as colheitas, vinha muita gente do campo ajudar à rede,
ganhando a sua parte de sardinha, que iam juntando para salgar, pois era a comida de Inverno!

Quando começou a pesca, vinham rapazes novos trabalhar nas companhas, ficando assim
dispensados de cumprir o serviço militar. Muitos desses ficaram por Espinho, tendo constituído
família. Aproveitavam uma Ordenação da Rainha D. Maria I, pela qual todos os que desde os 14 anos,
vivessem da pesca, gozavam do privilégio de não serem obrigados à prestação do serviço militar. A
residência era atestada pelo Alferes de S. Felix da Marinha.

Só mais tarde, as redes passaram a ser puxadas por bois, parecendo que a inovação foi feita em
Paramos, na companha do Morgado do mesmo nome, descendente de uma das casas grandes de
Portugal. Durante muitos anos, trabalharam cinco companhas no mar, havendo épocas em que
trabalharam seis, e o rendimento de cada um ultrapassava seis contos de réis, por ano”(Pereira,
1970).

Os barcos de Espinho diferem dos do Furadouro no número de remos, pois que estes possuem
quatro (dois de cada lado), enquanto que os de espinho só têm dois (um de cada lado).

89- A faina do mar-Ao


fundo: a velha Igreja
Matriz de Espinho,
1890
89
90

90- Rede de pesca da Xávega 91


91- Escolha de sardinha na praia
A Companha
As companhas eram sociedades de pescadores que se dedicavam a todas as actividades dentro e fora
do mar. Por isso, a companha tinha um palheiro, dois barcos de mar, algumas bateiras e os aparelhos
e utensílios da arte.

Na companha os homens dividem-se em classes:

-os sócios - patrões que financiavam a safra e tinham direito a metade do produto do lanço;

-os homens de mar - que tinham realizado o lanço e recebiam o maior quinhão de peixe;

-os homens de terra - que realizavam as tarefas de apoio em terra e recebiam um quinhão menor.

Antigamente, uma companha era constituída por cinquenta homens, que eram conhecidos por
camaradas, com trinta e seis do serviço do mar e catorze do de terra.

Havia o arrais de mar, que sentava à ré do barco, dirigindo os trabalhos de lançamento da rede e
cordame, possuindo uma autoridade absoluta, que era respeitada.

O arrais de terra, a quem estavam entregues os serviços de recolha das cordas e arranjo das redes,
embora com menos autoridade que o arrais de mar, que era considerado, por todos os camaradas,
com todo o respeito.

As cordas, que vinham paralelas, eram puxadas por vinte e quatro juntas de bois, sendo doze de cada
lado. Era vulgar naquela altura ver lanços de um metro de altura, e mais. Quando a pesca era boa,
cada companha dava quatro a cinco lanços por dia, nos velhos tempos, em que nestas costas
abundava todo o tipo de pescado, muita sardinha e carapau. Hoje, muito embora a companha
mantenha a mesma estrutura hierárquica, tudo o resto se viu reduzido ao mínimo, tendo sido
substituídos os bois pelos tractores, o número de pessoas afectas à companha diminuiu
drasticamente, assim como o pescado, e neste momento, o número de companhas da costa de
Espinho, está reduzido a duas.

O aspecto exterior dos barcos não mudou muito, mantendo as características cores: o vermelho,
amarelo, azul, o verde e o branco, como é o exemplo do barco da companha Nelson e Sérgio que
ainda hoje se vê nos mares de Espinho. O nome do barco, era por tradição o nome de um santo,
hoje essa característica perdeu-se por completo. O barco tem de estar registado ou matriculado e o
pescador só pode ir ao mar se possuir uma carta ou licença, licença essa, que lhes é atribuída pela
Marinha.
Embora hoje reduzidos o pessoal e o gado, a pesca de arrasto processa-se nos moldes de há umas
dezenas de anos, unicamente com a diferença de o saco ser lançado a menor distância da praia. Os
barcos têm motor e levam menos homens. As redes são puxadas por tractores.

Actualmente ainda podemos observar a arte xávega em Espinho.

As ricaxias
Quando havia várias companhas em Espinho, constituía sempre um espectáculo a saída dos barcos
para o mar, e a ânsia de todos chegarem primeiro, para melhor venda do peixe. Era vulgar a ricaxia,
quando dois barcos largavam a rede no mar, ao mesmo tempo, e se colocavam a par, provocando
uma corrida, entre eles, até chegar a terra. Resultava sempre em grande alegria e algazarra, com
incentivos aos da companha própria, e dichotes, geralmente depreciativos, e com asneiras à mistura,
para os da companha concorrente.

Para o que chegava primeiro, havia o direito, estabelecido, de erguer um mastro com uma bandeira,
normalmente um trapo, ou uma camisola de um pescador. Era vulgar, quando o arrais do mar era
mais maldoso, ensarilhar as cordas sobre as redes das outras companhas, que, algumas vezes,
chegavam desfeitas à praia. Não raras vezes, tudo acabava em grossa pancadaria (Pereira, 1970).

Ambos os hábitos foram desaparecendo, o primeiro pela falta de concorrentes, e o segundo pelos
grandes prejuízos que traziam ao material de pesca, e a fuga do pescado pelas redes desmanteladas
e pelas políticas pouco protectores destas pescas artesanais. Hoje, ainda se pode observar o olhar
atento dos pescadores, à saída da companha rival.

Os chamadores
Uma vez dada a ordem de aparelhar, o Bairro piscatório animava-se como por encanto. Os
“chamadores” corriam a bater as portas dos camaradas que, ainda sonolentos rapidamente estavam
na praia a cumprir o seu dever. O bulício começava a fazer-se sentir no espaçoso areal. As povoações
circunvizinhas, por sua vez eram então alertadas pelos “chamadores”, que com as características
buzinas, anunciavam que tinham ido ao mar, e desta maneira, o gado contratado depressa estava
presente («sem nome» 1980).

Muito beneficiaram as povoações próximas com as actividades de pesca em Espinho, que empregava
muitas dezenas de juntas de bois.
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1

92,93,94,95,96,97 – Lanço da Companha “Nelson e Sérgio”, 2003.


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98- Companha Nelson&Sergio a trabalhar na costa


de Espinho, 2003.

99- Chamador,2003.

100- Redeiro da companha, 2003.


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101- Arrais de Mar, 2003.

102- Arrais de Terra, 2003.

103- Pesando a pescaria, 2003.

104- Pessoal de terra, 2003.

105- Recolhendo as redes, 2003.


105
A etnografia e antropologia em jeito de pré-conclusão

Nada há mais profundo e ao mesmo tempo mais curioso para investigação do filósofo e do
historiador do que a alma de um povo …

Enquanto as camadas superiores da sociedade se transformam numa evolução constante, mudando


a cada momento de aspecto, o povo, embora tendo a mesma sorte a sua evolução, guarda fielmente
o depósito sagrado das suas tradições, que se transformam também, mas só com muita dificuldade
se desarreigam do seu espírito. Atravessam incólumes estas tradições as épocas de mais brilhante
civilização, e se nem sempre se apresentam á luz do dia, nem por isso deixam de viver e ser evocadas
no recinto do lar e no limitado círculo da família, como as poéticas e saudosas recordações da
infância, que por vezes ocorrem ao espírito do homem, já adulto, no recolhimento das suas
meditações. (...)Assim, as antigas religiões, os velhos usos, as cerimónias mais arcaicas, conservam-se
no seio das massas populares, como vagos reflexos de um mundo que existiu (Consiglieri Pedroso,
1988)

(...) A etnografia, pode dizer-se, está intimamente ligada à etnologia; é uma espécie de primeira fase
no processo do pensamento científico. A etnografia observa, analisa, compara, generaliza e
interpreta em termos gerais. Não há ciência propriamente dita quando se não ultrapassa a fase
descritiva; a etnografia vai sempre inserir-se na etnologia. Por sua vez, não há etnologia sem
etnografia, pois as generalizações só são válidas quando assentam em abundantes dados colhidos e
descritos com todo o rigor objectivo ( Jorge Dias, 1990).

(...)Assim, a grande alma popular, quando interrogada por quem saiba compreender-lhe a
linguagem, revela sem dificuldade os seus segredos, que são os preciosos segredos das nossas
origens (Consiglieri Pedroso, 1988).
BIBLIOGRAFIA

Recolha de informações e de dados obtidos: no local; em brochuras e catálogos facultados


pela Junta de Freguesia de Silvalde e de Espinho; pesquisa em livros das Bibliotecas de Ovar e
Espinho.

AMORIM, Padre Aires de – “Da Arte da Xávega de Espinho a Ovar”, Câmara Municipal de Ovar,
1999.

AZEVEDO, Correia de- “Cidades e Vilas de Portugal, 1961

BRAGA, Teófilo – “O povo Português nos seus Costumes, Crenças e Tradições” – Volume I, 3ª
Edição, Publicações Dom Quixote, 1995

BRAGA, Teófilo – “O povo Português nos seus Costumes, Crenças e Tradições” – Volume II,
Publicações Dom Quixote, 1986

BRANDÃO, Francisco Azevedo – “Anais da História de Espinho (985-1926)”, Edição da Câmara


Municipal de Espinho e Junta de Freguesia de Espinho, 1991

BRANDÃO, Francisco Azevedo – “Anais da História de Espinho (1926-1960)”, Edição da Câmara


Municipal de Espinho e Junta de Freguesia de Espinho, 1992

BRANDÃO, Francisco Azevedo – “Antroponímia Vareira –alcunhas dos pescadores de Espinho”,


nº5 e 6, Vol II, Edição da Câmara Municipal de Espinho, 1980

BRANDÃO, Francisco Azevedo – “O campo de aviação de Espinho – subsídios para a sua


história”, nº 10, Vol III, Edição da Câmara Municipal de Espinho, 1981

BRANDÃO, Francisco Azevedo – “Vocabulário dos Pescadores de Espinho”, nº2, Vol I, Edição da
Câmara Municipal de Espinho, 1979

CABRAL, João de Pina – “Filhos de Adão, Filhas de Eva – a visão do mundo camponesa do alto
minho”, 1989

CASTRO, Dr. José – “Pescadores – estudos etnográficos”, museu de Ovar, 1980

COSTA, Américo – “Diccionario Chorographico de Portugal Continental e Insular, Volume VI,


1938

COSTA, Fernando Correia et al – “Pesa artesanal na zona norte da costa ocidental portuguesa –
subsídio para o conhecimento do seu estado actual”, Instituto nacional de Investigação das
Pescas, Biblioteca Nacional, Lisboa, 1985

CORTESÃO, Jaime – “Portugal a Terra e o Homem”, Imprensa Nacional-casa da moeda, 1987


FAUSTINO, Artur – “Silvalde - Paróquia e Freguesia Milenária”, Volume I, edição da Junta de
Freguesia de Silvalde, Julho 2000

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO GERAL

PARTE I- ESPINHO E A ACTUALIDADE

Demografia

* Concelho de Espinho

*Freguesia de Sivalde

*O bairro piscatório do Lugar da Marinha

Actividades Sócio-económicas

*Freguesia de Sivalde

Orografia, Hidrografia e Flora

Património Cultural e Arqueológico

Artesanato, Festas e Romarias

PARTE II- ESPINHO, UM POUCO DA SUA HISTÓRIA

Introdução

História(s) de Silvalde

*Toponimia

* Nota histórica sobre a paróquia de Silvalde

História(s) de Espinho

*A lenda do nome “Espinho”

*Toponímia

* A separação de Espinho-terra e Espinho-mar

* O Mar, águas de sonho, Lar dos Poetas

* O mar de águas curativas

*O comércio do mar

* A faina do mar
*Lenda em torno das invasões do mar

*O bairro da Rainha

*A história dos paredões ou a importância da defesa da praia

*A visita de El-Rei D. Manuel II

* A Fonte do Mocho e o poder das suas águas

* O Tribunal do Mocho

* A primeira planta de Espinho

* Os primeiros correios, telégrafos e telefones

* O caminho de ferro

* A primeira bandeira de Espinho

*A fábrica de conservas Brandão, Gomes &C.ª

*Uma história da aviação de Espinho

*No tempo das tertúlias (personalidades)

*As batalhas de flores

*Uma cidade cosmopolita no Sec. XX

PARTE III- OS VAREIROS E A ARTE DA XÁVEGA EM ESPINHO

Os Vareiros

* A constituição da família primitiva

*O Pescador e a sua psicologia

*Habitações

*Barulhos e ralhos

*As vendedoras de peixe

*Os pregões

*Lendas e histórias

*Os trajes tradicionais e a Gastronomia


O Vareiro e as manifestações religiosas

*O Baptismo

* A Comunhão

*O Casamento

*A Morte

*A Chamada aos desaparecidos

*As orações

* Os ex-votos

*Outras manifestações religiosas

*A N. Srª da Ajuda

*A N. Srª do Mar

*S. Pedro

A arte da Xávega em Espinho

*As origens

*Os barcos da xávega-os meia luas

*A xávega em Espinho

*A companha

*As ricaxias

*Os chamadores

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