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Plantas Medicinais e Aromáticas: Etnoecologia e Etnofarmacologia

A importância da cultura popular se destaca atualmente nas mais diversas


áreas científicas, servindo como princípio para pesquisas, indicando caminhos e
orientando os pesquisadores. Na pesquisa das plantas medicinais, em especial, a
soberania da cultura popular, uma forma empírica do saber, a partir de sociedades
aborígenes ou mesmo das tradicionais, merece o devido destaque visto que essa
forma de conhecimento é transmitida de pais para filhos desde os tempos remotos,
antes das sociedades ocidentalizadas se estabelecerem, e principalmente, porque esta
forma de saber se baseia nas observações feitas na própria natureza, levando em
conta características apresentadas pelas plantas, ou até mesmo a partir de hábitos de
utilização animal.
Esses preciosos conhecimentos devem ser vasculhados com urgência, para que
seu conteúdo se preserve, visto que essas sociedades tradicionais e indígenas sofrem
influência crescente das demais sociedades ditas “desenvolvidas”, de modo que essas
informações, e a própria cultura desses grupos tende a desaparecer em sua forma in
natura dentro de um curto período de tempo.
A forma como esses povos conseguem tirar proveito dos recursos naturais
disponíveis em sua região indica um caminho para a exploração racional das plantas
cujas propriedades medicinais sejam de interesse amplo. Como a maioria dessas
sociedades vive em equilíbrio com seu meio ambiente, esses recursos normalmente se
manteriam por tempo indefinido, graças à racionalização do uso. Entretanto, como a
cobiça e ganância aparecem dentre as características das tais sociedades
desenvolvidas que exercem atualmente grande influência nos grupos indígenas ou
tradicionais, a tendência é que a exploração dos recursos passe a acontecer de forma
desordenada, alterando a fauna e flora locais, fazendo com que as plantas utilizadas
possam até deixar de estar disponíveis para o uso popular.
Acredito que o saber popular quanto às propriedades das plantas deveria ser
mais bem explorado, visto que além do fator empírico, este se encontra, assim, nas
vias de sua extinção. Nosso país, apesar da imensa variedade de recursos naturais,
característica mais enaltecida por povos além do brasileiro do que pelo próprio, não
vem dando a devida atenção à exploração consciente dos recursos medicinais das
plantas de nossa flora. Os órgãos de fomento deveriam estimular essas linhas de
pesquisa, disponibilizando financiamentos e buscando junto ao governo, novas
regulamentações que facilitem a coleta de informações e amostras. É sabido que, por
cultura, a tendência da própria indústria farmacêutica brasileira é de investir em
medicamentos já consagrados, ao invés de buscar novos princípios ativos. E para tal,
muitas plantas utilizadas tão pronta e eficientemente pelas sociedades tradicionais e
indígenas deveriam ser utilizadas. Com este objetivo, os estudos das áreas de
etnoecologia, etnobotânica, etnofarmacologia e outras relacionadas se fazem
necessários e indispensáveis. A observação da forma como esses povos utilizam e
manipulam o solo, fazendo de suas terras, muitas vezes, até auto-suficientes, e da
possibilidade de domesticação das espécies utilizadas, ou não, constituiria guia
importante para nossa sociedade.
Estes estudos, baseados na utilização das plantas na medicina popular, além de
sua colheita e/ou cultivo, devem apresentar, entretanto, aspectos característicos da
reprodutibilidade, e embasamento teórico científico, de modo a serem reconhecidos
na comunidade científica, e para que apresentem informações estatisticamente
significantes. As análises quantitativas e qualitativas das informações retidas por esses
povos tradicionais devem sempre levar em conta o tipo de dados que estão em
análise, bem como o objetivo da pesquisa, sem se desconsiderar a importância do
retorno que podem ser oferecido às sociedades pesquisadas.
A utilização da multidisciplinaridade nesse campo, com o objetivo de analisar os
mais variados aspectos culturais, geográficos, sociais e farmacobotânicos, possibilita
que a pesquisa seja mais acurada e abrangente. Fatores externos, sendo eles relativos
ao cultivo ou mesmo da colheita das plantas, podem interferir nos constituintes, nas
propriedades dos mesmos, e até mesmo na constituição da flora de uma região para
outra, mesmo que apresentem climas e solos semelhantes, de modo que tais fatores
interferentes externos devem ser minuciosamente considerados e avaliados.
Ademais, as informações coletadas a partir da população local podem ainda
apresentar fatores de interferência, como a desconfiança em relação à pessoa do
pesquisador, estranha àquele grupo. Assim, a disponibilidade de tempo amplo para um
processo inicial de familiarização com o grupo, por parte do pesquisador, pode evitar
resultados imprecisos ou mesmo falsos. Isto é importante visto que estamos aqui
tratando de grupos sociais fechados e tradicionais, às vezes indígenas, cujos membros
tendem ao protecionismo das informações que sua cultura contém, e dos próprios
membros. Os “estrangeiros” muitas vezes não são bem-vindos, de modo que a
necessidade de se sentirem à vontade com a figura do pesquisador pode ser crucial.
O impacto que um processo de levantamento de dados de determinada região,
e posteriormente, da utilização e aplicação das informações coletadas pode exercer
sobre a população local, sem mencionar o retorno que pode ser dado àquele grupo
que serviu de fonte de informantes, não deve ser menosprezado. Os pilares sociais do
grupo podem sofrer abalos importantes devido à interferência externa, de modo que
essa interferência deve ocorrer da forma mais sutil possível, amenizando tais impactos.
Além disso, a propriedade e o crédito das informações recebidas não devem ser
esquecidos.

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