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Capa: EUGENIO HIRSCH Diagramago: LEA CAULLIRAUX Revisto tipogréfica: LUCIA MOUSINHO Revisdo de originais: REGINA MELLO BRANDAO Foto de capa: WALTER GHELMAN (Flagrante da famosa feira de Caruaru,em Pernambuco.) ‘Composiglo e impressfo: GRAFICA PORTINHO CAVALCANTI LTDA. ‘Rua Irineu Marinho, 30, s/loja 206 — Tel.: 224-7732 Rio de Janeiro — RU CIP-Brasil. CatalogagSo-na-fonte ‘Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ E46 Encontros com a Civiizaggo Brasileira / Enio Silveira... fet al/ ~ Rio de Janeiro: Cilizapto Brasileira, 1979 (Encontros com a Civilizagso Brasileira; v. 17) Resumos biogrficos 1, Ensalos — Coletinea 1. Silveira, Enio IL Série DD — 808.84 79.9224 DU — 82.4(082) A Democracia como Valor Operdrio e Popular* (Resposta a Carlos Nelson Coutinho) Adelmo Genro Filho Bacharel em Diseito, Vereador em Santa Maria, no Rio Grande do Sul Carlos Nelson Coutinho pensa grande. Esse discfpulo de Lukics tem ivulgado como ninguém, entre os estudiosos brasileros, o mestre hiingaro do marxismo contempordneo. Mas nfo se trata apenas de um propagandista, (© que jé seria mérito, pois sua criativa intervengzo intelectual’ tem feito vangar nosso pensamento filos6fico, nosso debate filosbfico ¢ estético. Seu ‘combate is tendéncias extruturalstas ¢ neopositivistas que viccjam nas céte- ras universitiris, tanto na Europa como no Brasil, em alguns momentos tomowo quase um solitério. E 0 reconhecimento da persisténcia na solida0 de texes justas € 0 tributo minimo que the devemos. Assim é Carlos Nelson ‘Coutinho, um pensador com “R” (de razio dialética) msidsculo. Por tudo ‘sso € pela merecida acothida que teve seu artigo “A Democracia Como = Remetemor o leitor, para exame de dutras angulagSes sobre estes temas, 20 pore folio constante neste nero sobre “Democraia e Socalismo”. 195 Valor Universal”, publicado pela Civilizagio Brasileira”, aquele trabalho - brithante por seu estilo ~ merece a forma mais elevada de respeito: a criticg Nosso objetivo aqui é exatamente levantar algumas questdes que nos ‘Parecem problematicas do ponto de vista politico — e por isso flosifice to artigo de Coutinho. Aliés, um objetivo que talvez possa parecer pre. tensiosg para quem, buscando interferir na politica, nfo pode considerar ae Propriamente tm “‘estudioso” de filosofia, mas apenas um curioso. Entre. tanto, se os mestres, em qualquer campo do saber, nfo sio intocaveis. om politica eles nso existem. Dai a importincia do debate constante entre o {ilésofos que se pretendem filiados a uma perspectiva politica revolucioninia © 08 malitantes politicos que se pretendem fliados a uma revoluciondtia Perspectiva filosbfica. O que deve ser buscado é uma sfntese em movimento ‘que nada tem a ver com a alquimia, mas que possui a incrivel propriedade de twansformar as diversas priticas em eficicia politica e a filosofia no seu horizonte adequado, ¢ por que nao dizé-o, um horizonte humanistae revo. Iucionatio, ‘A tesposta 4 Coutinho poderia ser semelhante iquela dada por Althusser. a John Lewis*, isto é uma “tigorosa” contestagdo logica 20s fundamentos do humanismo marxista, mas absolutamente estérl se nio sceitarmos os prestupostos “positivs” (no ontolégicos) dogmaticamente ‘atabelecidos por Althusser. No caso presente a situagdo é diversa, na me. ‘ida em que aceitamos precisamente os pressupostos da anise de Coutinho, ais sejam, uma ontologia humanista ¢ uma ética revolucionaria sobre « Plataforma tebrica do marxismo. Em nome desses pressupostos, que preten- demos refutar 0 enfoque deste artigo, cujo equivoco tem sua sintese mais perfeita no proprio titulo: “A Democracia Como Valor Universal” Por onde comecar? Pelo titulo, talvez, propondo através dele outra tese: “A Democracia Como Valor Operirio e Popular”. NZo parece apro. priado, pois embora o autor mesmo elimine toda e qualquer possbilidade de que 2s opinides ali expressas sejam tomadas como colocagSes “téticas”,seja ‘no todo ow em partes, por enquanto tudo no passa do compromisso com ‘uma “expressio” tipicamente liberal. Ainda nfo existe qualquer compro- isso de contesido. Comecemos, entio, pela parte final, quando Coutinho procura implicar Sia anilise com a sociedade brasileira, com as tarefas estratégicas da clase operiria © das camadas populares em geral. A conseqilncia & desastross, pois sua proposta politica fica reduzida a mero raciocinio formal, tfo com. ‘batido por ele proprio quando se trata de filosofia. Vejamos suas palavrs: “Em primeiro lugar, logic ¢ cronologicamente,trata-se de conquistar ‘depois consolidar um regime de liberdades fundamentais, para 0 que se torna ecesséria uma unidade com todas as forgas interessadas nessa conquista € 196 na permanéncia das “regres do jogo’ a seem implantadas por uma Assem- iin Constitute dotada de leptimidade. FE, em segundo, trate-se de construir 2s alangasnecesiria para aprofundar a democraciano sentido de uma democracia organizada de masas, com crescents partiipago popula; 4 busca da unidade, nese nivel, eré como meta a conguista do consenso necessrio para empreender medias de carder antimonopolta e antiimpe- numa etapa posterior, para a consrugio em nowo Pais de umna tociedadesocialtafundada na democracia politic. "* ‘Nenhum vestigio de dilética. Em primeiro lugar, todo o powo vailutar ela democracia formal burguss, na qual teremos entfo “repr do jogo” tives (gagas a Dets?) © ~ segundo Coutinho também jé definiy como ‘ecessirio — regas implantadas por uma Assembléia Conttuinte. Depos, “em segundo”, a sociedade ja dendamente esteblzada(),trata-se apenas de “aprofundar a democtacia”. De que manera aprofundéia? Ora, muito simples, construindo as aliangas neces! Como fazélo? Também & Simpes, pois nesse momento vamos levntar um programa antimonopoisa ¢ antimperilista | Hauma pergunta, no entanto, que abala 0 simplismo politico dessa | proposta: Quais as forgas sociais interessadas na conquista e na permanéncia fas ‘egras do jogo” da democracia liber — burgucsa?.Absoltamente enim, A butguesa no Bras jé fez ua revolugdo, O bloco hegemenico posta na abertra como wma jogada de recu ttico, ald, uma “aertura” 2 seu modo, Os setores burueses no hegeménicos que extaram jogando rma democratizagdo um pouco mais répida e um pouco mais ample, de fato eso negociando sua paricipagzo no bloco de’ pode, pois a propria realidade Ines indica a inviabilidadehistorca de um desenvolvimento capita Ista autdnomo no quadro das relajdesecondmica internaionas. Os taba- Ihadorese as demais cates populares igualmentendo esto intressados na permanéncia das “Yeas do jogo” da democracia formal. Estas, so apenss Espectos das reivindicagSes potencializadasobjetivamente pela exrutura eco Omicaexisente.Portanto,seque as clases trabahadorasapostam na pe- Tinéncia da democraia formal, e sim no seu sprofundsmento imediato — fm sua negagdo formal, pela superagao de seu conteido. Noutras paler, renhuma forga social atualmente no Bras tem interes numa exabildae democraticoliberal como dimenaSo estratégics, exceto alguns setres das clases médias eda intelectualidade, Mas exes, como se sabe, nio possuem independéncia politica nem posiliade de hegemoni. Portanto, as palavia-deordem democriticetiberas nfo repreentam um “momento” da lua polities em nosso Pafs nem wma etapa 3 ser om pda, Mas no podem ser clasifcadas apenss de “ities” 08 “instrumen- tai” por motivos diferentes daqueesindicados por Coutinho, que assume 197 ‘uma postura ético-metafisica ao opor “democracia” (para ele um valor unis versal) e “titica politica” (um mero instrumento para alcangar um fim qua ihe é absolutamente exterior). Na verdade, as reivindicag6es liberais so maiy, do que “meramente téticas”, nfo porque sejam qualquer valor universal ou temo, mas sim porque sfo aspectos da estrarégia. E esta indica efetivae mente uma plataforma para a transformagio qualitativa, por isso combing ‘um programa intermediério de liberdades formals ¢ também de participagt direta, j& nitidamente antiburguesa. Por iso, contrariamente a0 que penaa Coutinho, a verdadeira estratégia de luta pelo socialismo é, desde agora, uma uunidade popular forjada sobre um programa nfo sb de “liberdades funds. smentais” como também j4 antimonopolista, antiimperilista ¢ socializante por suas formas radicalmente democraticas de participacdo dos trabalhado- tes no poder. Entlo, temos que a democracia formal nio é apenas uma titica, na medida que nfo é um meio, isto 6, uma coisa para ser instrumenta- lizada visando 2 enganar alguns ov a todos. Nfo € tampouco um valor permanente, porque © marxismo prope um novo conteédo democritioo, ‘uma ruptura essencial em sua qualidade. E também a democracia burguesa ‘fo é um problema estratégico, ela compde uma estratégia popular mais samplae radical. ‘A abordagem simplista de Coutinho toma-se, na pritica, reformista, Prestemos mais atenclo a0s rumos das lutas operdrias, as discussbes que ‘comegam a se ampliar entre os trabalhadores organizados, e veremos que clas ji estfo apontando questdes mais avancadas que as liberdades formais, cembora nfo socialists. A unidade em torno de um programa “democritioo- popular” (que jé contém elementos antiburgueses pelo conteido da partici: poffo que proptie) nfo é uma questdo posterior, mas um problema presente, Por outro lado, a unidade popular com setores que propiem apenas as liberdades formais, sejam burgueses ou pequeno-burgueses, esta realmente é thtica, E.nfo podemos abrir mio desse conceito, assim compreendido, sob pena de desmobilizarmos os trabalhadores por antecipaglo, de reduzirmos ‘mua Iuta aos aspectos burgueses dessa mesma Iuta. Tal reducdo significa acreditar numa etapa puramente democritico-burguesa, em cuja plataforma ‘estivel serdo colocadas propostas mais consequentes e eminentemente popu lares. Mas esse & um tragico equivoco. A hegemonia popular ¢ operdria precisa ser construida desde agora, ¢ isso 56 é possivel a partir de um ‘programa diferenciado da discurseira liberal. Pois os aspectos liberais desse Programa somente poderdo set conquistados de forma efetiva no contexto de outras conquistas maiores, ou seja, de um programa capaz de mobilizar ¢ corganizar os trabalhos a partir de seus interesses radicas.° © teformismo, entre os marxistas, via de regra nso é uma postura cons- Gente, é um espago que fica entre a anise ¢ a realidede. Coutinho instaura 198 ‘espago em seu artigo quando nio capta a complexidade das poténcias Contém a sociedade brasileira. Mas a origem do erro 6 produto de um de marxismo muito conhecido na Europa, especialmente no seu horror ateporia “revoluglo” quando se trata de politica, 0 artigo de Lucio viburdo Radice, “Um Socialismo a Ser lnventado”,* é uma boa sintese Marx reinventado. O autor aponta corretamente as novas formas qUe ‘© Estado nos paises de capitalismo maduro, seu enraizamento da ve civil, © @ hegemonia burguesa nesse Estado como nova forma de mninago. Tal fendmeno, em nosso entender, recoloca pata as clases tra ras — como novidade — a importancia que assume a luta pela hege- {deolbgica e cultural. Mas nfo substiti o conceit de revolueso como vrure necessaria deste process. Hi uma tendéncia ma andi de Carlos m Coutinho — em Radice é uma posigéo absolutamente explicita ~ de stituir o conceito leninista de revolugao pelo conceito de luta pela hege- enquanto processo continuo. Hi um ensaio de Oskar Lange”, no qual ele demonstra que a “Lei da jauperizago relative da case opera” ab aque sentido + compreendida remo forma de manifestagio da “Lei da pauperizagio absoluta”, Embora fata altima no se realize como “fendmeno” nos paises de capitalismo avany ado (ela vigora mas nfo ocorre), subsiste como poténci, s indicat sua eacsacia racional. A lei da panperizacio absotuta é uma tendéncia que define TTegaidade interna da exploragdo capitlista, mas imbricada com outras leis Sconbmicas ¢ com a Tuta de casses do proletariado no tem ocorréncia positiva. “Assim, a teoria Ieninista do Estado como “comité executivo da burgue- sia” ¢ da revolugio como ruptura forjada por um contre-poder que destr6i > fparciho estatal €, anda, o ceme racional do maraismo revolciontio, © Fatado, agora, possui novas formas de gert a sociedade, pois com o desen- olvimento dos meios de comunicagto de massa ¢ de suas instituigdes cultu- fais ¢ ideoldpicas, ele acrescentou formas de consenso & dominayio, Mas sem ‘divida alguma, 0 comité executivo da burguesa, pois ¢ nisso que est Canvada a raiz de sva racionalidade enquanto Estado de classe. Para Couti Sho, no entanto, essa tese € uma metifora entendida de forma muito literal: “A concepsfo segundo a qual a velha maquina estatal deve ser destruida para que se possa implantar a nova sociedade ~ uma smetifora que € muitas Vozes entendida em sentido demasiadamente Iiteral — quer indicar precisamente que a democracia politica no socialismo pressupSe a criagfo (e/ou a mudanga de fungfo) de novos institutes politicos que ndo existem, ou existem apenas em- brionariamente, na democracia liberal clissic."* 199 A burocraca sviética, que & a realizagfo de uma postbildade trégiog 4o socialismo, cujo combate politico deve ocorrer em nome do marxismo revoluciondio, tem confundido intelectual sinceos. Bo proms Lukes quem chama nossa stengéo para tas enganos: at ut “Hoje, estamos diante de duas grandes taefas. Em primeio Joga, mostrar ao mundo o que é o marxismo comparado con’ stalinismo, Por outro lado, a dretaocidental we esforg por provar ae Sal nao fez senao desenvolver até suas timas consea ences 2s dias de Lénin, Noss dever, portato, é mostrar a continue entre Marx, Engels e Lénin, provando que os trés empregaram'o. meamo método, 20 paso que Stalin ~ em muitos pont importay. tes deste método e de sua aplicagfo — rompeu com 0 marrsm (or exemplo, adotou em face dos sindicatos a mesma atitude que Trotsi).* “ A revohugSo burguessjé ocorreu no Brasil de forma completa, parla ‘mesmo ao proceso de intemaciondlizacdo da economia. Nfo podemos, por. tant, limita a tarefas da uta operdra pelos citris do berlismo emede. bista: Estado de Direito,elegGes livre, Uberdades sindcals ¢ Assemblée Cousituint, B neveséno, hoje, aqulo que dia Lenin em 1905; “desta as palavras-decordem democriticas de vanguarda para diferencias das pale vmasde-ordem de traigfo (..) indcar diretamente e sem rodelos as tarefas ‘meGiatas da Tuta verdaderamenterevolucioniria do proetariado e dos eam. poneses, diferentes dos ardisliberais dos latifundifrios e donos de tbr ccas”.'° Vale lembrar que na Réssia de 1905 havia uma revolugio burguesa ainda porser feta " ‘Vejamos agora outra afirmago de Coutinho: 7 “Pois se hd por sua vez algo de universal nas reflexes tedricas ¢ na pritica politica do que é hoje chamado de eurocomunismo, esse algo é precsamente 0 modo novo ~ um modo diaeticamente novo, iy Je uma novidade metaisicamente concebida, como ruptura abgoluta — de conceber essa relagio entre socialismo ¢ democracia”,!* 'Nio se pode acusislo aqui de falta de clareza. O modo novo de conceber a relagdo entre socialismo e democracia deixou de ser leninsta ou marxista. Ao invés de privilegiar a ruptura da democracia burguesa em relagZo 20 socialismo — em fungo da mudanga radical de seu conteido ~ Coutinho Privilegia a continuidade, Além disso, essa “nova” maneira de conceber a 200 relagdo legitima a “democracia” enquanto democracia burguesa, ¢ 0 sociali- ‘mo fica sendo apenas um determinado tipo de organizagdo econdmica. Sem por nem tira, éa conhecida tese social-democrata: capitalismo e socialismo sio estruturas econdmicas, enquanto que democraciae ditadura sio sistemas politicos. Tratase simplesmente de unit o dtl (socialismo econdmico) 20 agradavel (democracia politica, entendida na sua especificidade burguesa). Depois de tudo isso, a sintese filosbfica que prope Coutinho torna-se uum mero exercicio académico: “Podemos concur esse rapido esbogo afr- mando que a relagio da democracia socialista com a democracia liberal é uma relago de superagio dialética (Aufhebung): a primeira elimina, con- serva e eleva a nivel superior 38 conquistas da segunda”. A obviedade gené- rica aqui expressa jf est irremediavelmente comprometida. [Nas paginas anteriores ele nos dava uma indicapdo mais precisa de seu método: “O que Lénin tinha em vista, contra o formalismo oportunista de Kautsky, nfo era negar a validade do substantivo democracia, mas lembrar que ~ no plano do contetido concreto — ele aparece sempre adjetivado”.'? ‘Temos entfo, de maneira bastante original, um substantivo (democracia) que — como tal — existe antes ¢ fora de sua existencia concreta. E jé cexistindo anteriormente como alguma esséncia metafisica, quando desce 20 plano concreto deve apenas ser adjetivado. O que Coutinho chama de demo- racias adyetwvadas, na verdade sao “substantivos” diferentes, Eis o cerne da questio. E no bojo desse equivoco que esté a democracia como “valor universal", uma esséncia que se adjetiva e, portanto, nfo deixa lugar a ruptura como transformagao efetivamente revolucionsria. ‘As abordagens politicas e filosificas, cujo método parte da relacio entre “emocracia” e “socialismo”, formam 0 esteio das construcdes te6ri- ‘co-oportunistas, que desembocam sempre no reformismo, Se na histOria da arte hd um grande eixo realista que privilegia a categoria da continuidade, pela especificidade do fendmeno estétco, em politica essa nZo é uma pos- tura revolucionéria. O marxismo néo precisa € no deve, em nome do re Ppidio ao stalinismo, tomar emprestado 0 espelho da democracia bunguesa para mirar-se nele, ‘As formas de poder popular na democrecia socialista estao ainda em processo, em debate, em formacio ¢ experimentagio, mas nem por isso deve-se abragar 0 parlamento burgués ¢ demais instituigSes do capitalismo como valores universais. Tal procedimento, no minimo, ¢ fllosoficamente prematuro e politicamente timido, embora possa ser uma idéia apaziguante ¢ agradével para as camadas burocriticas intelectuais comodamente instala- das no Estado. E nfo se trata de ter da democracia “uma visio estreta, instrumental, puramente tética” — como condena acertadamente Carlos Nelson Coutinho — mesmo porque nio existe democracia em geral. Trata-se 201 de dizer, sem meias palavras, que, para as camadas populares e suas vanguay, as, a meta de um sistema democritico-liberal reivindicado por alguns setq. res burgueses interessa taticamente. Isso porque 0 socialismo — e 0 democritico-popular representa a transigdo — é uma ruptura fundamental, lum aprofundamento que the confere outra qualidade. Indicada a ruptura como essencial, a revolugéo como categoria imprey- indiva do marxismo, s6 entdo pode-se colocar a possiblidade de que o novo Estado mantenha certas formas da democracia burguesa. Mas que nfo serfo definidos aprioristicamente por quaisquer ‘valores universais” ou per- rmanentes e sim no processo revolucionério concreto, segundo as necessida- des e a criatividade das massas. H4 um valor — que nfo ¢ liberal nem burgués — que pode ser indicado a priori como fundamento da democracia socialsta, como antidoto ao burocratismo: a mobilizagdo constante da classe operiria ¢ demais camadas populares no exercicio direto do poder. Em sintese: falar de “‘socialismo” com “‘democracia politica” € uma postura teGrico-metodologica por demais conhecida na histéria das lutas operdrias, que néo faz avangar um centimetro sequer as questdes reais do exercicio de poder no socialismo. Ao contrario, elide o problema da verda- deira ¢ original democracia operéria e popular por construir. Portanto, a perspectiva da andlise marxista coloca exatamente 0 problema da “demo- cracia como valor operirio e popular” e nfo como “Valor Universal”. NOTAS 1.0 liwo de Carlos Neon Coutinho Estruturaliono e Misria da Rado & uma com ‘wibuigdo fundamental nee sentido. 2 “A Democracia Como Valor Universal”, artigo publicado na revista Encontrot com a Civilizagao Brailee, 0.99. 3, Posipdes ~ I, EdigBes Graal 4 p45. ‘5, Interesses “radicals”, no sentido global das potencialidades de lta da clase ope- ‘ia brallaira na atual etrutum internscionalizada e dependnte de sociedade 6 “Um Socialismo a Ser Inventado”, artigo publicado na revista Encontros com (Ghitiapto Brasilera, 20 9. 7. Nio temos em mios a edo onde foi publicado referdo ensaio. & p37. 9. Conversando com Lukics, Editors Paz e Tetra, p. 192.3. 10. Duas Tétces, Linin, Editors e Livraria Livramento, p. 39. UL. p34. 12, p40. 13. p35. 202

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