Professional Documents
Culture Documents
Direito Processual
A mera existência de direitos enumerados em instrumentos internacionais
nunca foi suficiente para garantir o respeito à dignidade da pessoa humana. É por
essa razão que desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos tinha-se a plena
consciência de que era necessário desenvolver mecanismos para fazer valer os direitos
enumerados nos instrumentos internacionais.
As normas internacionais de direitos humanos não se reduzem a declarar di-
reitos; há mecanismos – muitas vezes altamente sofisticados – para lidar com vio-
lações desses direitos tanto do ponto de vista preventivo como repressivo.
Nos capítulos a seguir, serão vistos os principais procedimentos e institu-
ições devotados à proteção do ser humano em nível internacional; posteriormente,
serão analisados os pressupostos de admissibilidade de petições ou comunicações in-
dividuais apresentados perante os procedimentos e instituições cujo acesso é garanti-
do aos indivíduos.
Sumário:
I. Mecanismos extraconvencionais da ONU
1. Direitos humanos e os órgãos principais da ONU
2. O Alto-Comissariado para os direitos humanos
3. O Conselho de Direitos Humanos
a. A revisão periódica universal
b. Os procedimentos especiais
c. O procedimento de reclamações
II. Mecanismos Convencionais
1. Procedimento de consideração dos relatórios dos Estados-Partes
2. Comunicações individuais
3. Reclamações interestatais
4. Investigações
b) Os procedimentos especiais
Os procedimentos especiais surgiram da prática da Comissão de Direitos
Humanos de investigar não Estados específicos, mas temas. A partir dos anos 1990,
o número de procedimentos especiais aumentou exponencialmente. Nos dias atuais,
os procedimentos especiais podem abranger temas, mas também Estados específicos.
Sua denominação pode variar. Grupo de trabalho, relator especial, representantes es-
peciais são apenas algumas denominações que recaem no rótulo mais amplo dos pro-
cedimentos especiais. O Conselho tem promovido esforços para uniformizar a termi-
nologia.
Há uma flexibilidade patente tanto na criação quanto na atuação dos 2pro-
cedimentos especiais. A Resolução 5/1 do Conselho de Direitos Humanos estabe-
lece não mais que princípios gerais para as funções que devem ser desempenhadas
pelos procedimentos especiais; por outro lado, o Conselho insistiu em estabelecer re-
gras mais rígidas sobre a escolha dos membros que o compõem.
Mesmo ante a falta de clareza sobre as funções dos procedimentos especiais,
algumas podem ser identificadas: (1) agir com urgência quando haja informações
que sugiram que violações a direitos humanos estão acontecendo ou na iminência
de ocorrer; (2) responder a alegações sobre violações que já hajam ocorrido; (3) real-
izar missões para a investigação de fatos quando haja alegações de violações; (4) ex-
aminar o fenômeno global de um tipo específico de violação a fim de compreender o
problema e propor soluções; (5) clarificar a estrutura jurídica internacional aplicável
para tratar de uma violação em particular; (6) apresentar pareceres anuais ao Consel-
ho de Direitos Humanos, documentando suas atividades. Essas funções são realiza-
das muitas vezes com o contato direto e a negociação com os Estados.
Há atualmente 30 procedimentos relativos a temas e 8 procedimentos rela-
tivos a Estados. Em relação a temas, existem procedimentos especiais quanto a: (1)
moradia adequada; (2) pessoas de descendência africana; (3) detenção arbitrária; (4)
Ver HRC 5/1, de 18.6.2008. Disponível em: <http://ap.ohchr.org/documents/E/HRC/
resolutions/A_HRC_RES_5_1.doc>. Acesso em: 30 abr. 2009.
Ver Steiner, Henry; Alston, Philip; Goodman, Ryan, op. cit., p. 767.
c) O procedimento de reclamações
O procedimento de reclamações é aquele originalmente denominado Proced-
imento 1503 no âmbito da Comissão de Direitos Humanos. Essa antiga denomi-
nação tinha sua razão de ser pelo fato de o procedimento se originar da Resolução
1503 do Conselho Econômico e Social.
O procedimento de reclamações existe para lidar com padrões consistentes
de graves violações de todos os direitos humanos e todas as liberdades fundamentais
em qualquer parte do mundo e sob quaisquer circunstâncias. Por esse procedimento
são admitidas reclamações de indivíduos que veem algum direito seu sendo violado.
Os pressupostos de admissibilidade serão estudados no próximo capítulo.
Dois grupos de trabalho existem no âmbito do procedimento de rec-
lamações. Enquanto o Grupo de Trabalho sobre Comunicações faz um juízo de ad-
missibilidade acerca dos casos aptos a serem apreciados, podendo rejeitar de plano
comunicações mal-fundadas, o Grupo de Trabalho sobre Situações tem a função de
apresentar ao Conselho de Direitos Humanos um parecer sobre os casos e formular
uma recomendação sobre eles.
O Procedimento 1503 sempre foi conhecido – e muitas vezes criticado
– por seu caráter de confidencialidade. O procedimento de reclamações
perante o Conselho de Direitos Humanos continua confidencial, porém
este pode decidir dar publicidade à situação em casos de inequívoca falta de
cooperação por parte do Estado.
Ver <http://www2.ohchr.org/english/bodies/chr/special/themes.htm>. Acesso em: 31
maio 2009.
Ver <http://www2.ohchr.org/english/bodies/chr/special/countries.htm>. Acesso em:
31 maio 2009.
2. Comunicações individuais
As comunicações individuais são previstas para cinco dos oito mecanismos:
o Comitê de Direitos Humanos, o Comitê sobre a eliminação da discriminação con-
tra a mulher, o Comitê contra a tortura, o Comitê sobre trabalhadores migrantes e
o Comitê sobre os direitos das pessoas com deficiências. A competência para receber
comunicações individuais dos comitês hoje em funcionamento deve ser reconhecida
pelos Estados, seja pela aceitação de um protocolo facultativo seja pela feitura de uma
declaração específica no âmbito de um tratado.
As comunicações individuais são analisadas internamente pelos Comitês
que se pronunciam pela violação ou não por parte do Estado de um ou mais dispos-
itivos do tratado. As decisões dos Comitês não são obrigatórias, mas certamente pos-
suem um peso político expressivo ao realizarem pressões sobre os Estados.
3. Reclamações interestatais
Um outro tipo de procedimento de reclamação refere-se às reclamações in-
terestatais. Aqui, Estados estabelecem procedimentos contra outros Estados em vir-
tude de um alegado descumprimento de preceitos do tratado. Essas reclamações in-
terestatais até hoje não foram utilizadas pelos Estados. Elas são, contudo, previstas,
de maneiras ligeiramente distintas, no Comitê contra a tortura, no Comitê sobre tra-
balhadores migrantes, no Comitê de direitos humanos, no Comitê sobre a elimi-
nação da discriminação contra a mulher e no Comitê sobre a eliminação da discrim-
inação racial. Vale destacar que, em relação a esse último Comitê, o procedimento de
reclamações interestatais é obrigatório para todos os Estados-Partes na convenção re-
spectiva, diferentemente dos outros comitês, em que esse procedimento deve sempre
ser sujeito à aceitação dos Estados.
Para uma discussão atualizada sobre o tema, ver Blake, Conway. Normative instruments in
international human rights law: locating the general comment (CHR&GJ Working Paper 17, 2008).
Disponível em: <http://www.chrgj.org/publications/docs/wp/blake.pdf>. Acesso em: 31
maio 2009.
Sumário
I. Comissão Interamericana de Direitos Humanos
1. 1. Funções e atribuições no sistema OEA
2. Funções e atribuições no sistema da Convenção Americana
II. Corte Interamericana de Direitos Humanos
1. A competência contenciosa
2. A competência consultiva
17
Um dos poucos casos que podem ser citados é Nicarágua vs. Costa Rica, em que se alegava a
ocorrência discriminação da população migrante nicaraguense em território costarriquenho.
A comunicação, no entanto, foi considerada inadmissível pela Comissão Interamericana. In-
forme n. 11/07, caso interestatal n. 01/06, Nicaragua vs. Costa Rica, de 8.3.2007. Disponível
em: <https://www.cidh.oas.org/annualrep/2007sp/Casointerestatalsp.htm>. Acesso em:
31.5.2009.
18
O meio político é um dos meios disponíveis no direito internacional para solução de con-
trovérsias. Para a classificação dos diferentes meios de solução controvérsias no plano inter-
nacional, ver Merills, John. The meaning of dispute settlement. In: Evans, Malcolm D. (ed.).
International Law. Nova York: Oxford University Press, 2003, p. 529-557.
19
Corte Interamericana de Direitos Humanos, caso Caballero Delgado y Santana vs. Colombia.
Excepciones Preliminares, sentença de 21 de janeiro de 1994, série C, n. 17.
20
Disponível em: <http://www.cidh.oas.org/Basicos/Basicos10.htm>. Acesso em: 31
maio 2009.
1. A competência contenciosa
A competência contenciosa é a que com maior frequência é exercida
pela Corte. A grande maioria dos casos sobre os quais a Corte é chamada
a se pronunciar envolve um conflito entre a Comissão Interamericana
(demandante) e um Estado (demandado) – embora seja possível que Estados
demandem uns contra os outros.
Perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos, os indivíduos ou gru-
pos de indivíduos não podem demandar diretamente. Somente o podem fazer por
intermédio da Comissão Interamericana – hipótese mais frequente – ou de um Es-
tado. Muito se tem criticado a Corte por não admitir essa possibilidade23 – o jus pos-
tulandi dos indivíduos –, ainda mais em se considerando que a Corte Europeia de
22
Para a compilação de algumas críticas à judicatura ad hoc no âmbito da Corte Interameri-
cana de Direitos Humanos, ver Ramírez, Fernando Vidal. La judicatura ad hoc. In: El sistema
interamericano de protección de los derechos humanos en el umbral del siglo XXI. San José: Corte Inte-
ramericana de Derechos Humanos, 2001, p. 584-594.
23
Um dos grandes defensores da capacidade processual dos indivíduos no sistema interame-
ricano é Antônio Augusto Cançado Trindade, que desenvolveu uma teoria própria para sus-
tentar a viabilidade dessa proposta. Para apenas um de seus escritos que abordam o tema, ver
Cançado Trindade, Antônio Augusto. La consolidación de la personalidad y capacidad ju-
rídicas internacionales del ser humano en la agenda de los derechos humanos del siglo XXI.
In: Cançado Trindade, Antônio Augusto. A humanização do direito internacional. Belo Hori-
zonte: Del Rey, 2006, p. 129-142.
2. A competência consultiva
Além da competência contenciosa, a Corte Interamericana também exerce
28
Como muito bem demonstra, com exemplos práticos, o estudo de Nikken, Pedro.
La función consultiva de la Corte Interamericana de Derechos Humanos. In: El sistema intera-
mericano de protección de los derechos humanos en el umbral del siglo XXI. San José: Corte Interameri-
cana de Direitos Humanos, 2001, p. 161-181.
§ 13 Pressupostos de admissibilidade
Sumário:
I. Âmbito universal
1. Admissibilidade de petições individuais perante órgãos
extraconvencionais
a. Falta de motivação política
b. Descrição dos fatos e dos direitos afetados
c. Proibição de linguagem abusiva
d. Identificação do autor ou autores da comunicação
e. Proibição de a comunicação ser baseada
em informações jornalísticas
f. Proibição da litispendência
g. Esgotamento de recursos internos
2. Admissibilidade de comunicações individuais
perante órgãos convencionais
II. Âmbito regional
1. Petição individual no sistema da Convenção Americana
2. Petição individual no sistema OEA