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la, canci6n popular guilherme de alencar pinto : DNELISG: deus Ihe pague Br ersreronsrnn capa emi - dadapelo musicdlogo ings Philip Tagg durante 0 120. _ainteroretaro eo arranjo, como fatoresexsonciais para Curso Latine-Amercano de MUsiea Comemporénea, em 0 efeito provecado por esse fonograma em particular. “Tatu, Sk Paulo, a 15 dejanciro de 1984, Nao me preocupei em distnguir © trabalho do Empregando-se 0s métodos ecrtérios de andlise ‘compositor, letrstee cantor (Chico) do trabalho do expostos anteyiormente por Tass, foram dedicados vérlas _arranjador¢ regents (Rogério Duprat) na autora real aulas andlise de cangbes populres as mais diversas, do fonograma, a dentreellat, uma segdo de uma hora e maa contrada em 0 fator mals impressionante a sobresair de andlise de Deus he Pogue, de Chico Buorque, que resultou em uma Deus he Pague é 0 emprego igualitirio de todos os dos mais surpreendentrse produtivas de todo © curso, _slementos composcionais disponives conjugados na Deserevendose muito suscintaments,o métadode __eomunica¢o de um tnico contsido expressive. andlice de Tagg bazsa-z na utilizars0 de material de Podo-s dizer que nesta cangSo, a letra, o canto, 0 comparago inter-objetvo (ou sja, ume anise arrarjo,eharmoria,o melodia, o ritmo, diem musia|, utilizagdo de exempios musicas, endo apenes _aproximademente& mesma coisa usando de recursos Clementos verbsis para e chegar 2 significado da obra diferantes,e go se superporem no todo dacangio, em questi). O procedimento mais commun corwste interferer unsnos outros amplifcando-se numa listagam do musica equivlentes, derivaqao de sous mutuamente, rmusemas (1) ¢ comparaeo com os musomasdo objeto Deusthe Pague 6 uma cangioextrfica, com seis analisado. ‘estrofes mais uma instrumontal, antacedides por urna Muito mais que uma simples anise descritva, este curta introducZo instrumental. A melodia mantém- ‘método permite, através de um certo trabalho Invariada do prinepio ao fim, exceto por infimas arqueotégico-misical, aque se cheque, 3 vezes, 20 ponte adaptagdesrftmicas letra, e por uma mudanpa de histrico erm quo ocorreu a rola entre cada clsso de registro no dltimo verso ds fo, extrofe, A vaiag fea formulas sonoras @ uma classe de respostas associativas por conta da letra, da instrumentago e da interpretagio. ou aetivas. 2 introdugio se abre com um toque de berimbas ‘A sugestio de pasar para o papel ofruto do trabalho scompanado por baixo elétic evilGo de 12 cordss, ealetivo vaio de Adlia Bezerra de Moness, autora de Q berimbau (3} poss, no Bras, conotaresespecticas: extenso trabalho sobre as letras de Chico Buarque,e _eua presenca ¢ associada a misice afro-brasileir presente a aula om Tatu. Empolgado com a iia, principalmente como principal instrumento de od estendi, modifiquei a acrescentei muita eoisa, motive _gcampanhamento da capoeira. O berimbau no foi ‘elo qual prefiro assinar 0 trabalho para no ineorporede & mésica popular comercial, sendo sua Tesponsabilizar ninguém pelos meus delirios analiticos, _utiizago bastante rare, Talvez por isso, seu uso quese Sandra Lobato, Carlos Sandroni, Luis Ifandini e Tato nunea eumpra uma fungio neutra, meramente ‘Taborda Jtnior ajudaram muito com sugestOvs e criticas. imbefsties (uma das raras excogGes & ado (0 objeto deste estudo é um fonograma: 2 fia Deus Ihe percussionista Nang Vasconcelos), O berimbau surge Pague do LP Construpo de Chico Buarque (2). Ou seja, mais freqiientemente para situarregionalmente uma foram tevados em cantando apenas os aspectat ‘msiea (por exemplo, em Triste Bahia, de Caetano maetanay 19 Voloso © Gregério de Mattos (4), ou para dar ihe um lima oxético e misterioso (Boto, de Antonio Carlos Jobim o Jararaca (6). Invariavelmente, para o brasileiro ‘oborimbau porsul uma conotarlo auto-afirmativa, {quate guerreira {20 evocar a capoeira, as lutas pela libertap’o dos escravos, a emancipaco da africanidade) Esso significado freqientamente & explorado diretamante (Os Eserawos de 16, de Milton Nascimento @ Fernando Brant (6)). 0 primeiro afcito de estrantveza provocado por Deus Ihe Pague esti ina introdugao, no uso especitico que recebe o berimbau. Em sou uso tradicfonat (ritual) 0 berimbau executa “pontos” (formulas riumicas eapeciticas ligadas a entidades mistcas e a rituals). AS incervencGes de berimbau nos exemplos citados de Caetano, Tom Jobim ou Mitton, estritamente aos pontos, situam-se em seu ambito ico geral. Mas em Deus ihe Pague o berimbau ‘no executa ponto nenhum nem nada que se assemethe: ‘toca quadradamente uma figura rtmicacurta e nervosa, ‘que se opie a seu uso gingado, ¢ que nada tem de exotista, Essa violago do uso tradicional do instrumento seré ‘multiplicada com a inclusio do agogd (7) e do caxixi, © primeiro marcando cada eabera de tempo o alternando ‘macanicamente suas duasalturas, © sogundo marcando Cadnrotae det {jj | N71 29090 E tudo o que fardo, sem variagio ou interrupezo, até 0 final da cangSo, O berimbau passa a intervir com iemtormitineia. 0 pulso executado pelo caxixi passaré a cumprir até a 50. estrofe a fungi do pulso nas obras minimalistas como Four Organs de Steve Reich: passam s ser 0 ‘maximo divisor comum de todos os ritmos de todos os Instruments (quer os ritmos escritos quanto os ritmos reals executados: no hd rubatos, rallentandos, aceleraeGes, balanco, etc). Essa rigidez maquinal torne-se excepcionalmente agressiva pelo efeito de estranheza causado por sua associa ao timbre sam stico” da base rfunica: instrumentos carregados ‘de conotagdes especiticas inevitavelmenteligados a um género preciso, tm seu uso pervertido, sua sensualidade ppotencial reprimide. Aism disso, fica cada uma metéfora de certos aspectos jé contidos na letra: @ ‘conversio —pela repeti¢o mecdnicae vazia, e pelas circunstincias- de eventos comumente tidos como piques emocionais (0 futebol, o crime, as mulheres, 0 ‘amor @ o samba) em simples cotidiano, adesflar invativel e ser sentido. ‘Apperversfo timbrica no cossa af no uso desse grupo de instrumentos, mas esté também na sua associaeSo com os ‘outros que forman o arranjo. ‘A instrumentarao de Deus the Pague pode ser dividida Poa datatar ‘em 10s grupos distintos, segundo o conexto cultural ‘com que s# associa normaimente: o primeiro &0 grupo das porcussées ligadas & misica afro-bratilira,e 20. & constinu/do pelo plano, beixo, sapros e percussies de ‘membrane, © 0 3o. pels flautasolista ¢ pelo violo de ‘12 eordst. No to. grupo, os instrumentosjé esto earragados de ‘significado, e & explorado o choque entra esse significado ‘seu Uto extranho. J no 20. grupo, temos um strumantal neutro”, empregado correntsmente er diversos géneros (inclusive no samba), e que s6 recebe uma eonetarSe espee{fica pelo tratamento do arranjo. Essa conotardo remete a outra referénca brasileira: 8 época do disco Construgio eram moda programas de rédio em que um locutor narrava em tom dramético ‘eusando oftia policial, as mals racentes atrocidades dos ‘fasc(noras que ameagavam a tranquilidade dos cidados de nostas metrépoles. Esses programas tinham grande fudiéneia entre a clases C e D e ecupavam bom esp3¢0 ‘das radios do Ro de Janeiro e de Sfo Paulo. A trilha ‘sonora desses programas era instrumentada exatamente ‘camo 0 20. grupo de Deus the Pague (as vezes com acréscimo de cordas),¢ o tipe de acordes empregados era ‘raticaments o mesmo (embora fossem dispostos em ‘estruturas harmonicas mai simples)... (0s acordes e alguns dos elementos instrimentals dessos _arranjos descedem indiretamente do jazz, passando por ‘su uso mas trilhas sonoras de thrillers a partir do final {dos anos 60, Por esse tempo, o free jazz, 0 cool jazz ¢ 0 ‘bebop mostravam-se o fundo ideal pare a tecnologia dos filmes de espionagem & 007, por tepresentarem,~ simultaneamente, moderidade e sofisticagdo (no eram ‘misica de massa), Substitu‘am 2s é obsoletas passagens ‘orquestrais roménticas o jazz das big bands da 20. Guerra, Do novo jazz, certos clichés espectticos foram sendo seleccionados ¢ através do poder de difusio das ‘grandes produtoras cinematogréficas, foram associados, ‘em quase todo o mundo, & ambiéncia des filmes que ‘acompanhavam, No Brasil (e talvez om outros patses ‘com cultura semelnante), onde a iia de sofisticago ‘no se liga & poli cia, e onde a espionage nio faz Roticia, os elementos cool do jazz deram lugar @ um ‘ratamento mais sensacionaista » neo-roméntico: nada de combinacSes camer(sticas com vibrafone e bateria ‘com escovinha, Ficaram 0 baixo elétrico, o piano com ‘exploragdo dos resists graves, os “acordes policils” (8) como 0 acorde menor com 7o. ¢90. rmaiores, No entanto, 0 recheio ficou a cargo de grupos ‘pesados, com predominio dos metas, e pontuados por ‘timpanos, que freqlentemente eram superpostos 20 som de sirenes. O swing cedeu lugar & majestade e 2 ‘quadradeos. Na época do Milagre Brasileiro, em que se alsrdesva o progresso espantozo que o Brasil aparentemente ‘btvera, os artistas comegaram a tomar conciéncia da rmodernidade de nostae grandes cidades, e dos problemas inerentes a seu super-croseiinento, Era comun o emprego dos clichés radiofonicos para o scompanhamento de ‘novelas do telovisso, reportagens jornalsticas, ‘ropagandas ooolégices, sempre que se queria evocar o 1a de intaguranga urbane. O recurso foi empregado na ‘eangéo popular algumas vez3s, e, 20 que me consta, 0 ‘co Construgio foi um dos precursores, erm suas faixas Deus the Pague e Construgio (9). mesmo tipo de arranjo pode ser encontrado om Epleo, de Caetano Veloso (10) e mais explicitamente nas gravacdes recentes, dde Moreira da Silva, Hé referencias a ele na introdue3o de Acorda Amor, de Chico (11). ‘Adm das acordes, o 20. grupo executa figuras bastante Cearacter(stias dos arranjos polcials, como essa, que parece no plano e no baixo: ‘que so assemetha 20 baixo de indmeras trthas sonoras, mais freqenterente na seguinte variapSo rftmice: E curioso notar que o tema da série Batman (da ABC TV norte-americana), sobre esse ditimo ritmo acima, ‘percorre as mesasalturas relatives de melodia de Deus the Pague: Ge Assim, 020. grupo instrumental de Deus the Pague ‘cumpre a funcio de dar & cangio uma posicio especitica ro tempo @ no espago. Estas referénciss poderiam ser fornecides de outra maneira, como por exemplo nos ‘rranjos em estilo Burt Bacharach aliado a harmonizacdo bosta-novistics, formula muito em voga no inicio dos ‘anos 70 no Brasil (Marcos Valle, Egberto Gismont). Mas, (© autor aptou por uma dtica especffica, um aspecto precizo daquela situagl0, evocando, nfo 0 s0 tropical, 0 progresso tecnolégico e econdmico e 2 queda dos pre-concsitos sexuais, mas sim trazendo 2 tona todo tipo {de idéias rolaciondvels com aqueles clichés: insegurange, neurose urbana, marginalidade, poluiglo, opresséo policial,alienago, e a classe gociel aque pertencem os ‘uvintes dos programas. Trata-se de uma funcéo equlvalente & do uso, mals 6bvio, da citagfo directa de lum programa de ridio clase C om Luzia Luluza, de Gilberto Gil (12), ambfentando os personagens do ator de teatro ¢ sua namorada blheteira de cinema. ‘Os outres dols grupos Instrumentais reforgam 9x80 Jocalizacko espaco-temporal com referéncias étnicas: © 10, grupo, de que é trate, refere-se claremente 90 elemento africano. Jé 0 30. grupo é menos explicito (ou ‘melhor, estabeloe uma associagao no necesséria, ponies ‘possive); € uma evocagio timbrica do elemento ‘ordestino: o violfo de 12 cordas assemelhae 8 viole, ‘que 6 0 instrumento caboclo por exceléncia (12). Durante 2 segunda etapa de bossa‘nova (a etapa mais “pacionalista”), quando comegaram a surgir conjuntos de misicoscultos executando estlizapSes de misica folclérica nordestins, o violde de 12 cortdes (8 guise de la) estava compre presente, assim como a flauta (8 {uisa de p(fance). A fusSo de ambos em unéssono ou. oitava foi uma das marcas registradas do Quarteto "Novo, sendo provavelmente um aporte deste (14), Logo {ol copiado por inimeros grupos, como 0 Quinteto Violado, a Banda de Pau e Corda e o Quinteto Armoniat, Na mésica bratilaira, nfo me ocorre um dnico exemplo ‘em que ossa maneira de tocar incida fora de um contexto com referéncia nordestina. Tal como no To. grupo, a combinacdo de timbres destoa totalmente do uso, principalmente no que se refere 20 ritmo, Os desonhos melédicos a cargo desse grupo reforcam a idéia de nordestinidade. Compare-se a figura meiécica do viogo e da tlauta entre os versos “pela cechaga de grapa que a gente tem que engolir” © “pela fumaga, desoraca, que a gente tem que tossir” com & Introduggo de Pontelo, de Edu Lobo e Capinam (15): ous he Pague Pontsio 1a al tes 22 Em resumo, 0 arranjo de Deus Ihe Pague, pelos clichés & pla instrumentaglo, reproduz o ambiante dos Programas radiofonicos policials, a que 6 adicionada uma expecificanso étnica, que é também classista(atinal, ot negros, descendentes dos escravos,e os nordestinos, em (rande parte refugiados das socas e da miséria, ‘ertenoam, em sua malaria, &faixa populacionel mais pobre dos grandes centros urbanos bresileiros), Todos 08 elementos do arranjo se encontram em meio estranho: 08 lichés radiofénicos pelo contexto de cango —s que nfo Dertence— e pela presenga dos elementos étnk ‘elementos étnicos pelo tipo de uso, e pela ambientao radiofonica. A estranheza evita que os elementos do arranjo sejar ouvidos como em seus contextos originais: ‘feito produzido é diferente, © 0 ouvinte mantém uma posture erica. efeito de angistia pois nfo realizar (ou ngo-resolugSo), resuitante do conflito entre timbes © ‘tras no to. ¢ 3o. grupos, esté presente também no ambito do trabalho harménico 9 melédico de Deus the Pague, resultano de processos diferentes. Harmenicamente, Deus the Pague se caractariza pela ambivaléneia de acordes @ notat. A indefinigdo de slgumas fungi harménicas, oontudo, ndo ¢ suficiente ‘para que a misica possa ser considersda atonal, © que ‘significaria a oliminacSo da tenso que nasce justamente dda ambigedade: a tonalidade esté presente todo © ‘tempo, sb que néo se realiza totalmente em nenhum ‘momento: é negado a0 ouvints © prazere 0 apoio de ‘uniirecionalidade das funcas. ‘A.cangéo tem seu centro tonal ern mi. A melodia (2 parte da voz) em nenhum momento toca a ténica’ ‘onto de partida e de chagada é a dominante (i), quo ‘acaba sendo imposta como urn centro secundério (que seria ume finalis era outro contexto harménica). Muito da part vocal solisa se desenrola entre a nota

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