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quis se revela“a singularidade da posi¢io no in- terior da classe ¢ da trajetria” [béd., p. 101] A nogio de “trajetéria social” permite que Bourdicu escape de uma concepgao fxista do habitus, Part ele, o habitus nao & um sistema ci- ido de disposigdes que determinariam de ma- neira meciaica as representagies e as ages dos individuos © que garantisia a reproducio social pura ¢ simples. As condigdes sociais do momen- to nfo explicam totalmente © habitus, que € sue cetivel de modificagdes. A trajetéria social do grupo on da individuo, ou seja,a experiencia de mobilidade social (ascensio ou queda de nivel social, on ainda a estagnacio) acummulada por ve ‘nas geragies ¢ interiorizada, deve ser levada em conta para analisar as variagdes do habitus. 7a ‘galitita obteve, ha algun icesso fora do circulo ¢s @ que € freqitentemiente associado a cle jentidade" - cujo uso € cada vez, mais fre- qiiente, levando certos analistas a verem neste uso 0 efeito de uma verdadcira moda [Galissot, 1987]. Resta saber 0 que se enlende gor identi- dade” ¢ que significa esta “moda” das identida- ds, alls, em grande parte alheia a0 desenvaivi- mento da pesquisa cicatifica, ‘Atualmente, as gcandes interrogagdes so- bre a identidade remetem freqiientemente & ‘questio da cultura. Ha o descjo de se ver cultu- sa em tndo, de encontrar identidade para todos. ‘Véem-se as crises culturais come crises de iden- tidade.Chega-se a situar o desenvolvimento des. ta problemitica no contexto do enfraquecimen- to do modelo de Estado-nagio, da extensio da integracio politica supranacionat ¢ de certa for. mia da globalizaclo da economia, De maneire mais precisa,a recente moda dla identidade € 0 prolongamento do fenémeno da exaltacio da diferenga que surgi nos anos sctenta € que te vou tendéncias ideokigicas muito diversas ¢ até opostas a fazer a apologia da sociedade multi cultural, por um lado, ou, por outro lado, a exak WS lagio da idéia de “cada um por si para manter sua identidade”, No se pode, pura € simplesmente confun- dic as noges de cultura ede identidade cnttural ainda que as duas tenfam uma grande tigacho, Em dittima instancia, a cultura pode existir sem conscigncia de idemidate, a0 paso que as es- tratégias de identidade podem manipular ¢ até modificar uma cultura que nic teri entio quase nada em comum com o que ela era anterior: mente.A cultura depende em grande parte de Pfocessos inconscientes. identidade remete a uma norma de vinculacio, necessariamente consciente, bascada em oposigdes simbélicas, No imbito das ciéncias sociais, o conceito de identidade cultural se caracteriza por sua po- lissemia ¢ sua fluidez. Apesar de seu surgimento recente, este conceit teve diversas definigdes € reinterpretagies. Nos Estados Unidos, ma década de cingiients, conceituouse a idéia de identida- de cukural. Equipes de pesquisa em psicologia social buscavam entio um instrumento adequa- do para anilisar os problemas de integracio dos imigeantes. Esta abordagem que concebia a iden- tidade culturdl como pruicamente imurivel € determinando % conduta dos individuos, seria em scguida wittrapassada por concepgdes mais. dinimicas que nfo veem a identidade como um dado independente do contexto retacional. A questo da identidade cultural remete, em um primeito momento, & questo mais abrangente da identidade social,da qual ela € um 176 dos componentes. Para a psicologia social, a identidade € um instrumento que permite pen- sar a aticulacio do psicolégico € do social em umn iodividuo. Bla expcime a cesultante das diver- sas interacies entre o individuo ¢ seu ambiente social, préxime ou distante. A identidade social de um individue se caracteriza pelo conjunto de suas vinculagSes em nm sistema social: vincula- fo a uma classe sexual,a uma classe de idade, a uma classe social.a unta nagio, etc. A identidade permite que 0 individuo se localize em um siste- ma social ¢ Seja localizado socialmente. Mas a identidade social nio diz respeito unicamente a0s individuos.Tado grupo € dota- do de uma identidade que corresponde a sua definigio social, definigko que permite situi-lo no conjunto social. identidade social €a0 mes- mo tempo incluso € exclusio: ela identifica 0 grupo (sio membros do ginpo os que sto idén- ticos sob um certo ponto de vista) ¢ o distingwe dos outros grupos (cujos membros sio diferen- 15 dos primneiros sob o mesmo ponto de vista) Nesta perspectiva,a identidade cultural aparece como uma modalidade de categorizagio da dis- tingio nés/eles, baseada na diferenca cultural AS concepedes objetivistas subjerivistas da identidade cultural THs uma estreita relacio entre a concep¢io que se faz de cultura e a concepgio que se tem de ictentidade cultural. Aqueles que integram a W7 cultura a uma “segunda natureza”, que recebe- ‘mos como heranca ¢ da qual no podemos esca- par, concebern 4 identidade como um dado que definiria de uma vez por todas o individuo © que o marcaria de maneira quase indelével. Nes ta perspectiva, a identidade culural remeteria necessatiamente ao grupo original de vincula- io do individuo, A otigem, as “raizes® seerindo a imagem comum, seriam 0 fundamento de toda identidade cultural, isto é, aquilo que definiria 0 indivictuo de maneira auténtica, Esta representa- lo quase genética da identidade que serve de apoio para ideolagias do enraizamento, leva A “naturalizagao” da vinculagao cultural, Em ou tras palaveas, a identidade seria preexistente a0 individuo que io teria alternativa sendo aderie a cla, sob o risco de se cornar um marginal, um ‘“desenraizado". Vista desta maneia, a identida- de é uma esséncia impossibilitada de evoluir e sobre a qual 0 individuo ou o grupo nio tem ne- nhuma influéncia. Em Giltima instancia,a problemitica da ort gem aplicada 4 identidade culnucal pode levar a uma racializagio dos individuos ¢ dos grupos, pois para algumas teses cadicais, a identidade est praticamente inscrita no patriménio genéti- co (ver, sobretudo, Van den Berghe (1981). O individuo, devido a sua hereditariedade biolbgi- ca, nasce com os elementos constittivas da identidade étaiea € cultural, entre os quais os ca ractetes fenotipicos € as qualidades psicolégh cas que dependem da“mentalidade”, do "genio" 178 i ' Préprio do povo 20 qual ele pertence.A identi- dade repousa entdo em um sentimento de“tazer parte” de certa forma inato. A identidade é vista como uma condigio imanente do individue,de- finindo-o de mancira estavel ¢ definitiva, Em uma abordagem culturalista, a énfase milo € colocada sobre a heranca bioligica, niio mais considerada como determinante, mas, na heranga cultural, ligada A socializagio do indivi duo no interior de seu grupo cultural. Entrctan- to, 0 resultado € quase 0 mesmo, pois segundo esta abordagem,o individuo € levado a intetiori- zar 0s modelos culturais que lhe sic impostos, até o ponto de se identificar com seu grupo de otigem, Ainda assim a identidade € definida como preexisiente 40 individuo. Toda identida- de culural é vista como consubstancial com ‘uma cultura particular Os pesquisadores tenta- Ho endio fazer a lista dos atribucos culturais que deveriam servic de base a identidade coletiva. Procurariio ceterminar as invaziantes culturais que permitem definir a esséncia do grupo, ow seja, sua identidade “essencial”, peaticamente invariivel Outras teorias de identidade cultural, cha- madas de “primordialistas", consideram que a identidade etno-cultural € primordial porque a vinculagio a0 grupo étvico € a primeira ea mais fundamental de dotas as vinculagdes 80- ciais. E onde se estabelecem os vinculos mais determinantes porque se trata de vinculos ba- seados em uma genealogia comum (ver, sobre- 179 tudo Geetz [1963]). E no grupo étnice que se partitham as emogbes € as solidariedades mais, profundas ¢ mais estruturantes. Definida deste modo, a identidade cultural € vista como uma propriedade. essencial inerente ao grupo por- (que € transmitida por ele € 10 seu interior, sem referencias aos outros grupos. A identificagic € automitica, pois tudo esti detinido desde seu comego. (© qne une estas duas teorias é uma mesma concep¢io objetivista da identidade cultural. ‘Tritase em todos os casos da definigio ¢ da des. crigho da identidade a partir de um certo mime- to de critérios determinantes, considerados como “objetivos", como a origem comum (a he- teditariedade,a genealogia), a lingwa,a culeura,a teligiio, a psicologia colctiva (a "personalidade bisica"), 0 vinculo com um territério, ete. Para 0s objetivistas, um grupo sem lingua propria, sem cultura propria, sem territério proprio, € mesmo, sem fenstipo proprio, wio pode preten- der constiouir um geupo etno-cultural, Nao pode reivindicat uma identitade cuttural auténtica. Estas definigSes sto nmiito criticadas pelos que defendem uma concepgio subjetivista do fendmeno de identidade.a identidade cultural, segundo cles, nio pode ser reduzida 2 sua di mensio atributiva: no é uma identidade recebi- da definitivamente. Encarar 0 fendmeno desta forma € consideri-to como um fendmeno estati- co, que remete a uma coletividade definida de mancira invaridvel, ela também quase imutivel. ~ 180 } Or, para os “subjetivistas", a identidade etno- cultural no € nada além de um sentiment de vinculagdo ou uma identificagio a uma coletivi- dade imagindria em maior ou menor gran. Para estes analistas,o importante sio envio as repre- sentagies que 0s individuos fazem da realidad social ¢ de suas divisdes ‘Mas 0 ponto de vista subjetivista levado ao extremo leva A redugio da identidade a uma questio de escolha individual arbitearia, em que cada um setia tivre para escolher suas identifica- cées. Em tltima instincia, segundo este ponto de vista, tal Identidade particular poderia ser analisada como uma elaboracdo purnmente fan- tasiosa, nascida da imaginaco de alguns ideslo- 05 que manipnlam as massas ceédulas, buscan- do ebjetives nem sempre confessiveis.A abor- dagem subjetivista tem 0 métito de considerar 0 carater varidvel da identidade, apesar de ter a tendéncia a enfatizar excessivamente o aspecto efémero da identidade. Nio é rato, no entanto, que as identidades sejam relativamente estiveis. A Concepcio relacional € situacional Adotar uma abordagem puramente objetiva ‘ov puramente subjetiva para abordar a questio da identidade seria se colocar em um impasse, Se- ria raciocinar fazendo a abstracio do context re- lacional, Somente este contexto poderia explicar porque, por exemplo, em dado momento tal identidade ¢ afirmada ou, 0 contrasio, reprimida. 184 Se a identidade é uma consirucio social € no um dado, s¢ ela € do Ambito da representa- ‘cio, isto niio significa que ela seja uma ilusio que dependeria da subjetividade dos agentes so- cinis.A construgio da identidade se faz no inte- rior de contextos sociais que determinam a po- sigHo dos agentes € por isso mesmo orientam. suas representacics ¢ suas escolhas. Além dis: 50,8 construcio da identidade nfo é uma ilusio, pois € dotada de eficacia social, produzindo efel- tos sociais reais. A identidade é uma construcao que se et: bora em uma relacio que opie um grupo aos ‘outros grupos com os quais esti ein contato, Deve-se esta concepeiio de identidade como ma- nifestacio relacional 2 obra pioneira de Frederik Barth [1969]. Esta concepcio permite ultrapas. sar a allernativa objetivismo/subjetivismo. Para Batth, devese tentar entender o fendmeno da identidade através da ortiem das relacdes entre 08 grupos sociais, Pare ele, a identidade € um modo de categorizacio utilizado pelos grupos para organizar suas trocas. Também, para definir aidentidade de um grupo,o importante nao é in- vyentariat seus tragos culturais distintivos, mas lo- calizar aqueles que so wtilizados pelos mem- bros do grupo para afirmar ¢ manter uma distin- do cultusal. Uma cultura particular nao produz por si 36 uma identidade diferenciada: esta iden. tidade resulta unicamente das interagies entre 08 grupos € os procedimentos de diferenciagio que eles utilizam em suas relacées. 182 NS Em conseqii@ncia disto, para Barth, os membros de um grupo nio sio vistos como de- finitivameate detesminados por sua vinculagio etno-cultural, pois eles sio 0s proprios atores que atribuem uma significacie a esta vincula- cio, em fungio da sittacio relacional em que eles se encontram. Deve-se considerar que a identidade se constrdi ¢ se reconstréi constan- temente no interior das trocas sociais. Esta con- cepgio dindmica se opie Aquela que vé a iden- tidade como um atributo original ¢ permanente que nao poderia evoluir Tratase entio de uma mudanga radical de problematica que coloca 0 estudo da relagio no centro da andlise © néio mais a pesquisa de uma suposta esséncia que definiria a identidase. Nao hd identidade em si, nem mesmo uni camente para si.A identidade existe sempre em relagio a uma outra. Ou seja, Klenticade € afteri- dade sio ligadas ¢ estio em uma relagio dake ca.A identificacio acompanha a diferenciacio. Na medida em que a identidade é sempre 4 re- sultante de tim processo de identificagio no in- terior de uma situacio relacional, na medica também em que ela é relativa, pois pode evoluit se a situago relacional mudar, seria talyez. prefe- tivel adotar como conccito operatério para a anilise 0 conceito de “identilicago” do que a “identidade” [Galissot, 1987]. A identificagéo pode funcionar como afir- macho ou como imposigio de identidade. A identidade € sempre uma concessio, uma nego- 183 ciagio entre uma ‘autoidentidade” definida por si mesmo ¢ uma “heteroidentidade” ou uma *exoridentidade” definida pelos outros [Simon, 1979, p. 24]. “hetero-identidade” poxte devar a idemtificagées paradomais: por exemplo, na Amé- rica Latina, no fim do século KIX € no comeso do século XX, os imigrantes sirio-ibaneses, em geral cristios, que fugiam do Império Qtomano, foram chamados (¢ continuam a so) de Tur 0s, porque chegavam com um passaporte rur- €0, 20 passo que eles niio desejavam justamente s€ recorthecer como turcos. O mesmo aconte- eu com os Judeus orientais que emigraram para a América Latina na mesma época. A autoidentidade ter’ maior ou menor le- gitimidade que a heterodentidade,dependendo da situacio relacional, isto é,em particular da re- ago de forca entre os grupos de contato - que pode ser uma relacio de forgas simbéticas . Em uma siuacio de dominagio caricterizada, a he- teroidentidade se traduz pela estigmatizacio dos grupos minoritérios. Ela leva freqitentemen- te neste caso ao que chamamos uma ‘identidade negaliva’, Definidos como diferentes em relagio a referéncia que os majorititios constituer, as aminoritatios reconhecem para si apenas uma di ferenga negativa. Também podese ver o desen- ‘volvimento entre eles dos fenémenos de despre- 0 por si mesmos. Estes fendmenos so freqiien- tes entre os dominados ¢ sao ligados a aceitacio ¢ A interiorizagio de uma imagem de si mesmos construida pelos outros. A identidade negativa 184 7 aparece entio como uma identidade vergonhosa € rejeitada em maior ou menor grau, o que Se tra- duit muitas vezes como uma tentativa para el: minac na medida do possivel, os sinais exteri- orcs da diferenga negativa. No entanto, una mucanca da situacgio de relagées interétnicas pode modificar profunda- mente a imagem negativa de um grupo. Isto acontecen com os Hmong, refugiados do Taos a Franga nos anos setenta. No Taos, onde etes constituiam uma minotia étnica muito margina- lizada, eram conhecidos pela denominacio de “Méo”, que hes fora atribuida pelos Lao, grupo majozitério, Para cles, o termo era sindnimo de “selvagem’, de “retardado”. Na Franca, eles pur deram impor seu préprio ctnénimo, “Hmong”, que significa simplesmente“homem” em sua En gua. Impuseram sobretudo uma represeatacio mutito mais positiva de si mesmos, participando, como a maioria dos refugiados do Sudeste Astitico, da imagem do "bom estrangeiro” adap- tivel ¢ trabullrador. Outro beneficio simbélico deste exilio que € uma realidade, no entanto, fundamentalmente dolorosa: os Hmong gozam de um nivelamento interétnico ne interior do conjumto dos refugiados do Laos e se encom tram, na Franca, classificadas socialmente no mesmno nivel que os L40 € Os Sine-Laosenses que os desprezavam no Laos (Hassoun, 1988]. A identidade € entio 0 que esta cm jogo nas Iutas socials, Nem todos os grupos tém © mesmo “poder de identificacio", pois esse 185 poder depende da posigo que se ocupa no sis- toma de relagdes que liga os grupos. Nem todos os grupos tém o poder de nomear e de se n0- mear. Bourdieu explica no classico artigo “A identidade ¢ a represcntacia” [1980] que so- mente os que dispdem de autoridade legitima, on scja, de autoridade conferida pelo poder, po- dem impor suas proprias definicdes de si mes- mos ¢ dos outros. O conjunto das definigaes de identidade funciona como um sistema de classi- ficacko que fixa as respectivas pasicbes de cada grupo. A autoridade legitima tem 0 poder sim- bilico de fazer reconhecer como fundamenta das as suas categorias de representacio da reali dade social e seus proprios principios de divi sio do mundo social. Por isso mesmo, esta auto- ridade pode fazer © desfazer os grupos. este modo, nos Estados Unidos, grupo do- minante WASP (White AngloSaxun Protestant) classifica os outros americanos na. categoria de “grupos étnicos” ou na categoria de “grupos re ciais’. Ao primeiro grupo pertencem os descen- dentes dé imigrantes europews nio WASP; a0 se- gundo grupo, os ameticanos chamados “de cor” Negros, Chineses, Japoneses, Portoriquenhos, Me- -xicanos...3. Segundo esta definicio,os*étnicos" sia 195 outtcos,os que se afastam de uma mancira oude outra da referencia de identidade americana. Os WASP escapam por um passe de magica social a esta identificacdo étnica ¢ racial. Fles esto fora de qualquer classificagio, por estarem evidentemente muito "acima" dos classificados. 186 © poder de classificar leva A “etnicizagio” dos grupos subaltcmnos. Eles siio identificados a partir de caracteristicas culturais extetiores que so consideradas como sendo consubstanciais a eles € logo, quase imutaveis. © argumento de sua marginalizacio € até de sta teansformacio em minoria vem do fato de que eles sio muito diferentes para serem plenamente associados direcio da sociedade. Pode-se ver que a imposi- cio de difereneas significa mais a aficmagio da nica identidade legitima, a do grupo dominan- te, do que 0 reconhecimento das especificida- des culturais. Ela pode se prolongar em uma po- litica de segregacio dos grupos minoritérios, obrigados de certa maneira a ficar em seu lugar, no hugar que thes foi destinado em funcio de sua classificacio. ‘Compreendida deste modo, como um mo- tivo de lutas, a identidade parece problematica io se pode entio esperar das ciéncias sociais uma definigio justa ¢ irrefutével de tal ou tal identidade cultural. Nio a sociologia ou a an- tropologia, nem a bistéria ou outca disciplina que deverd dizer qual seria a definicio exata da identidade bret’ ou da identidade kabyla, por exemplo, Nao € a sociologia que deve sc pro- nuinciar sobre 0 cariter auléntico ou abusivo de tal identidade particular (em nome de que prin- cipio ela faria isto?). Nao € 0 cientista que deve fazer“controles de identidade” .O papel do cien- tista € outro: ele tem o dever dle explicar os pro- cessos de idemtificacio sem julg-los. He deve 187 clucidar as I6gicas sociais que fevam os indivi duos € 0 grupos a identificar, a rotular,a catego- fizar,a Classificar ¢ a fazé-lo de uma certa manei- fa ao invés de outra. A identidade, um assunto de Estado. Com a edificagio dos Estados Nagdes mo- dernos, a identidade tornowse um assunto de Estado. © Estado tornase o gerente da icentida- de para a qual ele instaura regulamentos € com troles. A légica do moxielo do EstadaNagio 0 leva a ser cada vez mais rigido em matéria de identidade, O Estado moderno tende 2 mono- identificagio, seja por reconhecer apenas uma identidade cultural para definir a identidade na cional ¢€ 0 caso da Franca), seja por defini uma identidade de referencia, a tinica verdade+ ramente legitima (como no caso dos Estados Unidos), apesar de admitir um certo pluralismo cultural no interior de sua nacio.A ideologia na- cionalista é uma ideologia de exclusio das dife- rengas culturais, Sua légica radical é a da “putifi cacko €tnica" Nas sociedades modernas, Estado regis. tra de mancita cada ver mais minuciosa a iden- tidade dos cidadios, chegando em certos casos a fabricar carteiras de identidade “infalsitics- ‘veis". Os individuos ¢ 9s grupos sio cada vez ‘menos livres para defini suas proprias idlentida- des. Alguns Estados pluriétnicos impoem aos seus cidadios a mencio de uma identidade 488 ‘tno cultural on confessional em sua cacteita de identidade, mesmo que alguns deles no se re- ‘conhecam nesta identificacio. Em caso de con. flito entre diferentes componentes da nagio, esta rotulagio pode ter conseqiiéncias dramiti- cas, como se viram no conflito libanés ou no conflito em Ruanda. A tendéncia 4 monoidentificaco, 4 ident dade exclusiva, ganha tecreno em muitas soci dades contemporineas.A identidade coletiva é apresentada no singular, seja para si OU pars as outros, Quando s¢ trata dos outrs, isto peemite todas as generalizacaes abusivas. O artigo defini do identificador permite reduzit um conjunto coletivo a wma pesonalidade cultural Gaica, apreseatada geralmente de forma depreciativa: *O Arabe € assim,..""Os Afticanos sao assim..”, © Estado-Nacio moderno se mostra infi- nitamente mais rigido em sua concepgao ¢ em seu controle da identidade que as sociedades tradicionais, Ao contrario da idéia preconcebi- da, as identidades etno-culturais nestas socie- dades nfo cram definidas de uma vez por to- das. Deste modo, pode-se chami-las de “socie- dades com identidade fexivel” [Amselle, 1990]. Estas sociedades deixam um grande es pago para a novidade € para a inovacio social. Nelas, os fendmenos de fusko ou cisto étnicas sio comuns € niio implicam necessariamente conflitos agudos. Nao se pode, no entanto acreditar que a acio do Estado no provoque nenbuma reacio 189 por parte dos grupos minoritarios cuja identida- de € negada ou desvalotizada. O aumento das reivindicacées de identidade que se pode obser- ‘var em muitos Estados contemporaneos é a con- segfiéncia da centralizago ¢ da burocratizagio do poder. A exaltacio da identidads nacional pode levar somente a uma tentativa de subver- sio simbdlica contra a afimacio da identidade. Segundo o enunciado de Pierre Bourdicu L108 individuos € os grupos investem nas Ive tas de classificaczo todo 0 seu ser social, tudo © que define a idéia que eles fzem de si mes: ‘mos, tudo 9 que os consticei como “nés" cm oposigio a ‘eles"e aos “outros'e tudo 20 que eles cém um apreco € uma adesto quase com poral. O que explica a forga mobilizadora ex- cepcional de tudo 0 que toca a identidade [1980b, ».69, nota 20) ‘Todo 0 esforeo das minorias consiste em se reapropriar dos meios de definir sua identida- de, segundo seus proprios critérios, ¢ no ape- nas cm s¢ reapropriar de uma identidade, em mnuites casos, concedida pelo grupo dominante. ‘Trata-se entao da transformacio da heteroiden- tidade que € frequentemente uma identidade negativa em uma identidade positiva, Em um primeiro momento, a revolta contra a estigmatl zagio se traduzicd pela revirsvolta do stigma, como no caso exemplar do black # beautiful. Em um segundo momento, o esforgo consistiré 190 em impor uma definigiy tio auténoma quanto possivel de identidade (para retomar o exemplo dos negros americanos, pode se observar 0 sur- gimento da reivindicagio de uma identidade “afcoamericana’ ou de Black Muslims ou ainda de Black Hebrews). © sentimento de uma injustiga coletiva- mente softida provoca nos membros do grupo vitima de uma discriminagio um forte senti- mento de vinculacio a coletividade. Quanto maior for a necessidade da solidariedade de to- dos na luta pelo reconhecimento, maior seri a identificagio com a coletividade. O risco € no entanto, de sait de uma identidade negada ou desacreditada para cais, por sua vez, em uma identidade que seria exclusiva, andloga 3 identi- dade dos que pertencem ao grupo dominante, ¢ ‘ta qual todo individuo considerado como mem bro do grupo minoritirie deveria se reconhe- cer, sob pena de ser tratado como traidor, Este fechamento em uma identidade ¢etno-cultural, que em certos casos apaga todas as outras iden- tidades sociais de um individuo, seri mutilante para ele, na medida em que ela leva 2 negacio de sua individualidade, como foi explicado por Georges Deverewx: LJ quando urns idenddade éinica Bipertmees- ida oblkera todas as outras identiiades de Classe, ela detxa de see uma ferraments ou uma ccaixa de fecramentas; ela se torna [J 94 Cae risa de forga.Na realidade,a realizagie de uma 194 diferonciabilidade colettoa por meio de uma idemtidade hiperinvestida € hiperatualizada pode (..] levar a uma abiteracto da diferen clabitidade tndividteal (1 Atuatizando sua identidade étnica hiperinvesti- da tende-se cada vez mais a minieaizar ¢ até a hegar sua propria identidade individual. E ne entanto, € a dissimilaridade, functonaimente -perténente, de um homem em relacio a todos 08 outros que 0 tora humano: semethante aos ontros precisamente pelo seu alto grau de dife- renciagio. & isto que Ihe permite atribuir a si mesmo“uma identidade humana”, conseqtien- temente, também uma identidade pessoal (1972, p.162 - 1631 A identidade multidimensional Na medida em que a identidade resulta de ima construcdo social, ela faz parte da comple- xidade dlo social. Queter reduzit cada identida- de cultural s uma definicio simples, “pura”, seria mio levar em conta a heterogeneidade de todo grupo social. Nenhum grupo, nenhurp individuo esti fechado @ prtort em uma identidade unidi- mensional. © cariter flutuante que se presta a diversas interpretagées ou manipulagdes € ca- tacteristico da identidade, E isto que dificulta a definicio desta identidade, Querer considerar a identidade como mo- nolitica impede a compreensia dos fendmenos de identidade mista que sie freqtientes em toda 192 sociedade.A pretenss “dupla identidadle” dos jo- vens de otigem imigeante est ligada,na realidae de, a uma identidade mista [Giraud, 1987]. Ao conttétio do que afirmam certas anilises, estes jovens nfo rém dus kdentidades opostas entre a8 quais eles se sentiriam dividtidos, o que expli- caria sua perturbacio de identidade e sua insta- bilidade psicolégica e/ou social. Esta representa. gio nitidamente desqualificante vem da incapa- cidade de pensar 0 misto cultural, Ela € explica da também pelo medo obsessive de wma dupla lealdade que € veiculada pela ideotogia nacio- nal. Na reatidade, como cada um faz a partir de sttas diversas vinculagies sociais (de sexo, de idade, de classe social, de grupo cultural...),0 in- dividuo que fiz parte de varias culturas fabrica sta prépria identidade fazendo wma sintese ork ginal a parti cestes diferentes materiais. O re sultado &, ento, uma identidade sincrética e no dupla, se entendermos por isso uma adi¢io de duas identidades para uma 6 pessoa. Como jf foi dito, esta “fabricacio” se faz somente cm fungio de um contexto de relagio especifico a uma situagio particular. O Fecurso 4 nocio de “dupla identidade” esti ligado as lutas de classificacio evocadas an- teriormente. A concepgio negativa da “dupla identidade" permite que se desqualifiquem so- clalmente certos grupos, principalmente as po- pulacdes vindas da imigeagio, Num sentido verso, seri elaborado um discurso part reabili tar estes grupos, fazendo a apologia da “dupla 193 identidade" como algo que representa um enti- quecimento . Mas qualquer que seja a represen- taco da suposta “dupla identidade”, positiva ou negativa, ambas esto ligadas a0 mesmo erro analitico, Os encontros dos povos, a8 migragdes ine temnacionais multiplicaram estes fenémenos de identidade sincrética cujo resultado desafia as expectativas, sobretudo quando elas sio base- adas em uma concepeio exclusiva da identidae de. Para tomar um exemplo, no Maghreb (norte da Africa) tradicional no € raro que os mem- bros das velhas familias judias presentes ha sé culos sejam chamacos de “Judeus arabes”, dois termos que parecem hoje pouco conciliaveis desde crescimento dos nacionalismos. Em um contexto completamente diferen- te,o do Peru contemporaneo, existem pernanos chamados de Chines que se reconhecem como tais, Sio os descendentes dos imigeantes chinc- ses, chegados ao Perti no século XIX,apés a abo- igo da escravatura, Eles se sentem hoje total mente peruanos mas continuam muito ligados a sua identidade chinesa. Isto no choca no Peru, pais que elegeu ¢ reclegeu recentemente um fi- Iho de imigrantes japoneses para a presidéncia Ga Repiiblica, sem que a maioria dos peruanos (mesmo dos que no voraram nele) considere esta eleicio uma ameaca para a identidade nacional. De fito, cada individua integra,de maneira sinté:ica, a pluralidade das referencias ide! 194 catérias que estio ligadas a sta histéria.A iden tidade cultural remete a grupos cullurais de re- feréncia cujos limites no slo coincidentes. Cada individuo tem consciéncia de ter uma identidade de forma variavel, de acordo com as dimensées do grupo a0 qual ele faz. referéncia em tal ow tal situagio relacional, Um mesmo in- dividuo, por exemplo, pode s¢ definir, segundo © caso, como natural de Rennes, como bretio, como francés, como europen ¢ talvez. até coma ocidental. A identidade funciona, por assim di- zet, como as bonecas russes, encaixadas umas nas ontras (Simon, 1979, p. 31]. Mas, apesar de ser multidimensional, 2 identidade niio perde sua unidade. Esta identidade com multiplas dimensoes em geral no causa problema ¢ € bem aceita. O que causa problema para alguns é a“dupla iden: lidade"cujos polos de refeténcia estariam si tuados ne mesmo nivel. No entanto, nig se sabe por que a capacidade de integrar varias referén- cias identificatérias em uma s6 identidade nao funcionaria,a menos que uma autoridade dom nadora a proibisse em nome da identidade exclusiva. Everdade que, mesmo no caso de uma in- tegragio de duas referencias de mesmo nivel em uma s6 identidade, os dois niveis raramente sie equivalentes, pois remetem a grupos que nin estdo quase nunca em uma posigao de equi valencia no context de uma dada situacio. 195 Ag.estratégias de identidade A identidade € tao dificil de se delimitar € de se defini, precisamente em raziio de seu ce iter multidimensional e dinimico. £ isto que Ihe confere sua complexidade mas também o que Ihe dé sua flesibilidade.A identidade conhe- ce variagbes, prestase a reformulacdes ¢ até a manipulagtes, Para sublinhar esta dimensio mutivel da identidade que nao chega jamais a uma solugio definitiva, certos autores utitizam 0 conceito de “estratégia de identidade”. Nesta perspectiva, a identidade & vista como um meio para atingie um objetivo, Logo, a ideotidade no € absoluta, mas relativa, O conceito de esteatégix indica também que 0 individuo, enquanto ator social, niio € desprovide de uma certa margem de ma- nobra. Em fungao de sua avaliagio da situagio, le utiliza seus recursos de identidade de manci- ta cstrateégica. Na medida em que ela € um mo- tivo de lutas sociais de classificacio que buscam a reproducio ou a reviravolta das velagdes de dominagio, a identidade se constrél através das estratégias das atores sociais, No entanto, recorrer ao conceito de estraté git nfio deve levar a pensar que os atares sociais so totalmente livres para definir sua identidade segundo interesses materiais e simbdlicos do mo- mento. As estiatégias devem necessariamente fe- var em Conta a situagio social, relaciio de farca catre os grupos,as manobras dos outros, ete Mes 196 mo que a identidade se preste & instrumentalize io por sua plasticidade - segundo Devereux ela setia nea *fetramenta” e até uma “caixa de ferra- mentas”- nito & possivel aos grupos ¢ aos indivé- duos fazer 0 que quer que desejem em materia de identidade:a identidade € sempre a resultante da identificagio imposta pelos outros ¢ da que © grupo ou © indixiduo afirnta por si mesmo, Um tipo extrema de estratégia de idenifi- cagio consiste em ocultar x identidade preter- dida para escapar A discriminagio, ao exitio ou até a0 massacre. Um caso hist6rico exemplar desta estracégia € o dos Marranas. Os Marranos so os judeus da Peninsula Ibérica que se con verteram exteriormente 20 catolicismo no secu. Jo XV para escapar A perseguicio e a expulsio, continuando fiéis a sua f€ ancestral ¢ mantendo secretamente um certo ntimero de fitos trad cionais. A identidade judaica pode assim ser transmitida clandestinamente no scio de cada familia durante séculos, «le geragio em getacio, até poder se afirmar novamente em plblico, Emblema ou estigma, a identidade pode entio ser instrumentalizada nas relagdes entre 08 grupos sociais. A identidade no existe em si mesma, independentemente das estratégias de afirmagio dos atores sociais que sio 40 mesmo Tempo 0 produto € @ suporte das Jutas socizis € politicas [Bell, 1975]. Ao se enfatizar 0 caratcr estratégico da identidade, pode-se ultrapassar 0 falso problema da veracidade cientifica das afir. macies de identidade. 197 Segundo Bourdieu, 0 cariter esteatégico da identidade nao implica necessariamente uma perfcita consciéncia dos objetives buscados pe- Jos individuos © tem a vantagem de dar conta dos fendmenos de eclipse ou de despertar de identidade, Esses fendmenos suscitam muitos comentitios contestaveis, pois sio marcados na maior parte das vezes por um certo essencialis- mo. Por exemplo, 0 que foi chamado nes anos setenta, na América do Norte © na América do Sul, de “despertar indio” no pode ser considera- do como a ressurreicao pura e simples de uma identidade que teria conhecido um ectipse € que teria se muntido invariével (certos autores evocam de maneira inapropriada um “estado de hibernagao” para descrever tal fenémeno).Trata se na fealidade da reinvencio estratégiea de uma identidade coletiva em um contexto completa mente novo: o contexto do aumento dos movi- mentos de reivindicagio das minorias étnicas nos Estados nacées, contemporaneas. De uma maneira mais geral, o conceite de estratégia pode explicar as variscdes de identi- dade, que poderiam ser chamadas de desloce mentos de idemtidade:Ele faz aparecer a relative dade dos fenémenos de identificagio.A identi- dade se consttdi, se desconstréi e se reconstr6i segunda as situagdes. Ela est4 sem cessar em movimento; cada mudanga social levara a se re formular de modo diferente. Em um estudo sugestivo, Francoise Morin [2990] analisa as recomposicdes da identidade 198 dos haitianos imigrados para Nova York. A pri- meira geracio da primeira grande onda migrar- tix @écada de sessenta), vinela da elite mulata do Haiti, optard pela assimilacio i nagio ameri- cana, mas acentuando tudo 0 que pudesse evo- car uma cesta “brancura"e a “distingio” para se diferenciar dos Negros americanos ¢ escapar da relegaciio social.A segunda onda migratéria (dé- cada de setenta), composta essencialmente de familias da classe média (de cor negra), diante das dificuldades de integracao, escotheré uma outra estratégia, a da afitmacio da identidade htitiana, para evitar qualquer tisco de confusio com os negros dos Estados Unidos; a utilizagio sistemética da lingua francesa, inclusive em pu- blico, © 0 esforgo para se fazer reconhecer como grupo étnico especifico serio os insteu- mentos privilegiados desia estrarépia, Quanto aos jovens haitianos, sobretudo os da “segunda geracdo”, sensiveis A desvalorizacio social cada vez maior da identixlade haitiana nos anos olten- ta nos Estados Unidos, devido ao drama dos boat people naufragados na costa da Florida ¢ da classificagio de sua commidade como “gr po de risco” no desenvolvimento da Aids, eles sejeitam esta identidade ¢ reivindicam uma identidade transnacional caribenha, aproveitan- do Eato de Nova York ter se transformado, de- vido 2 imigracao, na primeira cidade caribenkya do mundo. 4199 As “fronteiras® da identidade © exemplo anterior mostra cliramente que toda identificagio é aa mesmo tempo dife- renciagio. Para Barth [1969}, no processo de identificagio o principal é a vontade de marcae 0s limites entre “eles* “nds” logo, de estabele- cet ¢ manter © que chamamos de “fronteira”. Mais precisamente, a fronteita estabelecida re- sulta de um compeomisso entre a que © grupo Pyetende marcar € a que os outros querem the designar. Tratase, evidentemente de uma fron tcirs social, simbélica. Ela pode, em certos ca- S08, ler compensagses tetritoriais, mas isto no €o essencial. © que separa dois grupos etno-cutturais nao € em principio a diferenca cultural, como imaginam erroneamente os culturalistas. Uma coletividate pode perfeitamente funcionar ad- mitindo em seu seio uma certa pluralidade cul tural O que cria a separacdo, a “fronteira”, & a vontade de se diferenciar ¢ 0 uso de certos tr 0s culmurdis coma marcadores dle sua identiclae de especifica, Grupos muito proximos cultural mente podem se considerar completamente e trunhos uns em relacko aos outros e até total mente hostis, opondose sobre um elemento solado do conjuto cultural A anilise de Barth permite escapar & con- fusio to freqliente entre “cultura” e “identida- ce”, Purticipar de certa cultura particular no implica aucomaticamente ter cerca identidade particular.A identidade etno cultural usa a cult. a, mas raramente toda a cultura, Uma mesma cultura pode ser instrumentalizada de mode di- ferente € até oposto nas diversas estratégias de identificacio. Segundo Barth, a etnicidade que € © pro- duto do processo de idemtificagho, pode set de- finida como a organizacio social Ga diferenca cultural. Para explicar a etniciclacle o importante no € estudat 0 contetido cultural da iclentidade mas os mecanismos de interagio que, utikizande a caltura de mancira estratégica ¢ seletiva man- tém ou questionam as “frontciras” coletivas. Contrariamente a uma conviegao large mente difundida,as relagdes continuas de longa duragio entre grupos étnicos nao levam neves sariamente 20 desaparecimento progressive das difereagas culrurais. Freqiientemente,a0 contra- tio, estas relagdes sfio organizadas para manter & diferenca cultural. As vezes, elas provocam até uma acentuacio desta diferenga através do joge da defesa (simbilica) das fronteiras de identida- de. Entretanto, as “fronteiras” nfo sic imutaveis. Barth, toclas as fronteiras sio concebidas ‘omo wma demarcacio social suscetivel de set constantemente renovada pelas trocas. Qual. quer mudanga na situacéo sacial, econdmica ou politica pode provocar deslacamentos de fron tciras. © estudo estes deslocamentos € neces sirio se quisermos explicar as variagdes de identidade. A anilise da identidade no pode entio se contentar com uma abordagem sincté+ 201 nica ¢ deve ser feita também em um plano diacrsnico. Logo, no existe identidade cultural em si mesma, definivel de uma vex por todas. A anvil se cientifica no deve pretender achar a verda- deira definigio das identidaces particulares que cla estuda.A questio no ¢ saber, por exemplo, quem sio "yerdadeiramente” os Cotsos, mas 0 ‘que significa recorrer 4 identificacio "corsa" Se admitirmos que a kfentidade € uma construciio social,a Gnica questio pertinente &: “Como, pot que © por quem, cm que momento © em que contexte € produzida, mantida ou questionada certa identidade particular?” 202 usidos anteriormente, como "mentalidade”,"es- Pirito", ‘tradigio"e até "ideologia®. Este sucesso € devido em parte a uma cesta vulgarizacio da antropotogia cultural, vulgarizacio que nao acontece sem certas interpretagSes erréness aut sem simplificacio excessiva; desca disciplina re- tomam se, freqiientemente as teses mais discuti- veis de seu inicio, ja abandonadas pels maior parte dos antropsiogos. “Cultura” foi introdurida recentemente em campos semantices que ela nio freqitentava an- teriormente. A palavra € correntemente utiliza da nos dias de hoje pelo vocabutirio politico: evocase assim a “cultura de governo” a qual se compara a “cultura de oposigio", Um dirigente do partido socialista se referia, em outubro de 1995, no jornal Le Monde, a “cultura de decen- tratizacao” (que se opie implicitamente a*cultu- ra de centralizagio"), Outro exemplo: durante 0 jornal radiofonico das 13 horas ca emissora France Inter do dia 11 de setembro de 1995, foi citada a seguinte declaracio de um alto funcio- nario da ONU a respeito do conflito militar na 203

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