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sran017 nips publica p/2017I0416lsocedadenatcate-fsico (sico do pariculas que se terroujesuita- PUBLICO ENTREVISTA Ofisico de particulas que se tornou jesuita Terminado o doutoramento em Fisica, a decisdo mais natural para Bruno Nobre foi entrar na Companhia de Jesus. DAVID MARGAL 16 de Abril de 2017, 8:10 Bruno Nobre tem 39 anos, uma licenciatura em Fisica Tecnolgica e um doutoramento em Fisica de Particulas Elementares, defendido em 2005 no Instituto Superior Técnico. No mesmo ano entrou para a Companhia de Jesus, tendo posteriormente concluido uma licenciatura em Filosofia na Universidade Catélica Portuguesa e um mestrado em Teologia no Boston College, nos Estados Unidos. Foi ordenado sacerdote no ano passado e dedica-se agora a um pés-doutoramento em Filosofia da Ciéncia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Assinou com o fisico ateu Pedro Lind a obra Dois dedos de conversa sobre o dentro das coisas (edigao Frente e Verso), na qual trocam argumentos, na forma de cartas, acerca da existéncia ou nao de Deus e outros assuntos relacionados. Da-nos aqui, em entrevista, a sua perspectiva sobre a relagiio entre a ciéncia e a religifo. Areligiosidade parece ser uma dimensao omnipresente em todas as sociedades. Sera uma caracteristica intrinseca ao ser humano? Sim. Na verdade, a religiosidade, que se expressa de forma distinta nas diversas culturas, exprime algo que é fundamental em cada pessoa: a sua abertura 4 transcendéncia. Dito de outra forma, o horizonte da existéncia humana é Deus. E podemos perceber isso se prestarmos atencéo ao dinamismo profundo que nos habita: a procura incessante do bem e da verdade, e a consciéncia, que no fundo todos temos, de que nenhuma realidade criada pode satisfazer o nosso desejo de plenitude. Como disse Karl rculas-que-se-tornaujesula- 1766787 26. sran017 0 fisico de particu qe se ornoujosuita- PUBLICO Rahner, um tedlogo importante do séc. XX, o ser humano é uma pergunta para a qual Deus é a resposta. A religiosidade do ser humano é, neste sentido, uma expressio deste dinamismo que todos trazemos connosco e que nos orienta inevitavelmente para Deus. O que o levou, apés um doutoramento em Fisica, a seguir uma vocagio religiosa? A palavra-chave 6 exactamente essa: vocagao. Se entrei na Companhia de Jesus apés a conclusao de um doutoramento em Fisica foi porque estava convencido de que a minha vocagio era o sacerdécio na Companhia de Jesus. Nao decidi tornar-me jesuita de um dia para 0 outro. Durante os anos que passei na universidade, no Instituto Superior Técnico, em Lisboa, a minha fé foi amadurecendo, a minha insergao na Igreja foi-se fortalecendo, e aos poucos fui percebendo, num processo nem sempre linear, qual era o meu lugar na Igreja. Quando olho para trés, vejo que a minha vocacio tem raizes profundas. Quando era crianga, tinha uma sensibilidade religiosa invulgar, que foi de certa forma reprimida nos tiltimos anos de liceu e nos primeiros anos da faculdade. Mas mesmo durante estes anos tinha um grande desejo de radicalidade, o que tinha algo que ver, percebo agora, com os votos evangélicos e a voc: terminei o doutoramento, entrar na Companhia de Jesus foi a decisdo mais natural ¢ que correspondia ao meu desejo mais profundo. (0 A vida religiosa. Por estranho que parega, quando Como afirmou o padre Georges Lemaitre, um dos proponentes do modelo do Big Bang, um investigador crente abstrai-se da sua fé na sua investigacdo? De certa forma, sim. Digo “de certa forma” porque a religido pode, de um modo discreto, estar presente na pratica cientifica. Por um lado, a religiao pode ser uma importante fonte de criatividade e de formulacao de hipéteses cientificas. Por outro lado, o desejo de contemplar a ordem e a harmonia da natureza pode ter uma ressonancia religiosa, como aconteceu com alguns cientistas famosos. Neste sentido, a religiao pode servir de motivagao e estimulo para a pratica cientifica. E verdade, no entanto, que um cientista religioso deve respeitar, como qualquer outro cientista, os métodos e rigor proprios da sua Area de pesquisa. Nisto nao se distingue dos outros cientistas. A religido pode ser, para alguns cientistas, uma fonte de tpt. pulico 2017/04 Sisocedadanatca'-fsice-de-partcuas-que-te-tornaujesuila- 1766787 36. swear? fod pe motivagio. No entanto, creio que em geral um cientista religioso sério, como um cientista ateu ou agnéstico, desfruta da ciéncia pela ciéncia, sem segundas intengSes. Esse é, certamente, 0 meu caso. las que se ornoujesuita- PUBLIC Um cientista religioso sério, como um cientista ateu ou agnostico, desfruta da ciéncia pela ciéncia, sem segundas intencées Aciéncia e a religido tém implicitas concepgdes diferentes do mundo. Por exemplo, para a ciéncia, e pelo menos desde Darwin, no existe um propésito ou um sentido na natureza. E dificil conciliar as vis6es cientifica e religiosa? & dificil conciliar ciéncia e religiio sobretudo quando temos uma compreensio superficial destas duas dimensées da cultura humana. Ciéncia e religido so, de facto, concepedes diferentes do mundo e do ser humano, mas nao necessariamente contraditérias. E verdade, porém, que religido e ciéncia constituem formas diferentes de olhar a existéncia e o mundo. Mas isto nao quer dizer que ciéncia e religido sejam incompativeis, como dizia. John Haught, um tedlogo americano que tem escrito bastante sobre ciéncia ¢ fé, usa uma imagem que me parece bastante esclarecedora: dois mapas distintos da realidade. Mas nenhum deles é falso. Simplesmente ‘iéncia e fé sao olham a realidade de forma distinta. Por exemplo, um mapa de estradas é diferente de uma carta geol6gica. E, no entanto, ambas dizem algo fundamental sobre a realidade que procuram expressar. Quando ciéncia e fé entram em contradigio profunda, devemos perguntar-nos se uma delas, ou ambas, nao esta a ultrapassar o ambito que lhe é préprio. Pode uma pessoa crente, com uma sélida formacio cientifica, acreditar em milagres? Sim, O cerne da questo tem que ver, por um lado, com a concep¢io de natureza, e, por outro, com a forma como se entende a acco divina no mundo. A ciéncia moderna tenta compreender a natureza em termos de leis rigidas, regulares e imutaveis. Este tipo de leis aplica-se, geralmente, aos niveis de complexidade inferiores, em particular no dominio da fisica e da biologia. Mas a natureza é muito mais do que os niveis da fisica ou a biologia. Eha mz s, sobretudo, do que as leis que os descrevem. Nao é absurdo dizer tpt. pulico 2017/04 Sisocedadanatca'-fsice-de-partcuas-que-te-tornaujesuila- 1766787 48 sran017 0 fisico de particu qe se ornoujosuita- PUBLICO que a natureza tem uma potencialidade que no é evidente nas leis operativas nos niveis menos complexos. E também nao é absurdo pensar que a proximidade de Deus conduza a natureza a sua maxima actualizacio, superando o que seria expectavel de acordo com as teorias cientificas vigentes. Neste sentido, diria que os milagres ndo sao propriamente uma suspensio das leis da natureza (embora habitualmente se fale de milagres desta maneira), mas uma antecipagdo da sua transfiguragao final, que s6 pode ser iniciativa de Deus. Segundo Santo Agostinho: “Se compreendeis, nao é Deus.” £ sinal de pouca fé e de incompeténcia teolégica procurar provas da existéncia de Deus? Creio que a afirmagiio “se compreendeis, nao é Deus” nao tem exactamente que ver com as provas da existéncia de Deus. A afirmacao é propria de uma abordagem teoldgica de carcter apofatico e pretende sublinhar que 0 mistério de Deus esta muito acima das capacidades naturais da razio. Embora Deus nao seja opaco & raz humana, esta nao consegue nunca penetrar toda a Sua profundidade. Deus esta sempre mais além do que dele possamos pensar ou dizer. Ou seja, Deus no pode ser encerrado nas nossas teorias e conceitos. E se nos convencemos de que um determinado conceito ou ideia tem a capacidade de expressar totalmente o mistério de Deus, entdo jA no é Deus que est no nosso horizonte, mas uma ideologia ou um idolo. tpt. pulico 2017/04 Sisocedadanatca'-fsice-de-partcuas-que-te-tornaujesuila- 1766787 65.

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