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Inovação

Ilustração: Gabriela Regina

56 HSMManagement 80 • maio-junho 2010 hsmmanagement.com.br


Em entrevista, o especialista em inovação Vijay Govindarajan, que
atua há quase dois anos como consultor-chefe de inovação e
professor-residente da General Electric, explica por que o futuro
agora está na inovação reversa e não mais na “glocalização”

Q ual é o antônimo de
frio? Quente. De pou-
co? Muito. E de “gloca-
lização”? “Inovação re-
versa”. É o que garante
o especialista em estratégia e inova-
ção Vijay Govindarajan, que atua há
quase dois anos como consultor-che-
fe de inovação e professor-residente
domésticos, que é o mundo desenvolvi-
do, e levaram esses produtos aos países
em desenvolvimento. Mas agora o que
está acontecendo é inovar nos merca-
dos emergentes e, então, levar essas
inovações para os países desenvolvidos.
É o oposto da “glocalização” [termo que
une as palavras “globalização” e “lo-
cal”], que foi definida como “pensar
mercado de massa é de quase US$ 50
mil per capita, que possa ser adaptado
e comercializado na Índia, onde o PIB
per capita é US$ 800 na prática [US$ 2
mil pelo cálculo oficial]. Mesmo em re-
lação a emergentes como o Brasil, cujo
PIB per capita é cerca de US$ 10 mil, há
grande desnível.

da General Electric –um pioneiro em- O sr. pode dar um exemplo de produto
bedding de acadêmico no ambiente que não funciona?
corporativo–, onde tem a missão de
guiar, ensinar e prestar consultoria.
“agora o que está Um exemplo interessante é o do
aparelho de ultrassom da GE. Nos
Se “glocalização”, a palavra de or- acontecendo é Estados Unidos, ele se parece com
dem dos anos 1990 para multinacio- um equipamento industrial. É enor-
nais norte-americanas e europeias, inovar nos mercados me, custa em torno de US$ 100 mil a
significava “pensar globalmente, atuar emergentes e, então, US$ 350 mil e pode realizar opera-
localmente”, “inovação reversa” reme- ções bastante complicadas. No entan-
te a inovar nos mercados emergentes e, levar essas inovações to, 60% da Índia é formada por áreas
então, levar essas inovações aos países rurais pobres, onde não há hospitais.
desenvolvidos. A mudança de paradig-
para os países Então, os pacientes não podem ir ao
ma, que já está ocorrendo na GE e em desenvolvidos” hospital, o hospital tem de ir até eles.
outras megacorporações, transformará Isso significa que não se podem usar
drasticamente a estratégia e a opera- aquelas máquinas tão grandes. Elas
ção das empresas, com consequências globalmente, atuar localmente”. Nós es- têm de ser portáteis. E, de novo, tam-
como a transferência dos esforços de crevemos sobre a inovação reversa, que bém o poder aquisitivo é diferente; o
pesquisa e desenvolvimento (P&D) é, simplesmente, fazer o contrário. que os norte-americanos pagam por
para as subsidiárias instaladas nas eco- um exame de ultrassom seria impen-
nomias emergentes. A “glocalização” não funciona mais? sável na Índia rural. E não há diferen-
Na entrevista a seguir, Govindara- Sabe por que a “glocalização” fun- ça somente entre rural e urbano.
jan detalha essa transformação, anali- cionou um dia? Porque as empresas
sa os gargalos que ainda a retardam e norte-americanas levavam seus pro- A GE fez inovação reversa?
fala sobre seu trabalho na GE, que ele dutos para a Europa e o Japão, onde os Sim, ela desenvolveu um aparelho
considera seu maior desafio em termos consumidores eram similares aos dos de ultrassom barato, que custa apro-
intelectuais. Estados Unidos de certa maneira. ximadamente US$ 15 mil, e, desse
Essa mesma abordagem não funcio-
Ouvi dizer que a máxima “pensar glo- na nos mercados emergentes, porque
balmente, atuar localmente” já ficou toda a estrutura de mercado e os pro- A entrevista é de Stuart Crainer,
superada [risos]. É isso mesmo? Por blemas dos consumidores são funda- editor da Business Strategy Review
favor, me explique como. mentalmente diferentes. Por exemplo, e um dos criadores do prestigiado
Ela já fez sentido, foi a grande ideia da considere o PIB per capita em dois paí- ranking de pensadores de gestão, o
década de 1990. Empresas de atuação ses: Estados Unidos e Índia. Não existe Thinkers 50, em que Govindarajan
mundial inovaram em seus mercados produto nos Estados Unidos, onde o ocupa a 24ª posição.

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inovação
inovaCão

desafio organizacional, de tornar local

Saiba mais sobre tanto o desenvolvimento de produtos


como o fornecimento, e também as

Govindarajan capacidades estratégicas de marke-


ting. Isso representa, provavelmente, a
maior mudança exigida na maneira de
Autoridade em estratégia e inovação, pensar dos líderes de multinacionais.
Vijay Govindarajan é professor de co-
mércio internacional da Tuck School Por quanto tempo a GE vem praticando
of Business, do Dartmouth Colle- a inovação reversa?
ge, onde dirige o Center for Global É um conceito relativamente novo
Leadership. Recentemente, ele tirou lá dentro; eu diria que teve início nos
uma licença e ingressou na General últimos cinco anos. A Índia e a China
Electric como professor-residente e abriram suas fronteiras faz 15 anos,
consultor-chefe de inovação. mas foi somente de 2005 para cá que as
O especialista indiano tem pelo empresas ocidentais se deram conta de
menos dois livros publicados no Bra- que precisavam de produtos baseados
sil –Os 10 Mandamentos da Inovação naquilo que os mercados emergentes
Estratégica (ed. Campus/Elsevier) e necessitam, querem e pelos quais con-
Sistemas de Controle Gerencial (ed. seguem pagar.
Atlas)– e deve lançar, no segundo
semestre de 2010, o livro Great Idea, Não percebo que toda grande empre-
What’s Next. Outras obras relevantes sa esteja indo nessa direção. O que as
suas são The Quest for Global Do- retém?
minance (ed. John Wiley) e Strategic É provável que o maior problema da
Cost Management (ed. Free Press). inovação reversa para grandes em-
Além de presente no ranking dos presas seja o sucesso obtido com o
50 maiores pensadores mundiais de paradigma “pensar globalmente, atuar
gestão há cinco anos, Govindarajan localmente”. A “glocalização”, isto é,
é reconhecido por publicações como pegar os produtos globais e vendê-los
Financial Times e BusinessWeek. Es- em mercados locais com alguma adap-
tará na HSM ExpoManagement 2010, tação, requer uma arquitetura organi-
em novembro deste ano, para falar zacional diferente. E, quanto mais você
da estratégia como inovação. tem sucesso na “glocalização” e dedica
a maior parte de seus recursos a ela,
mais você achará difícil ser bem-suce-
dido na inovação reversa. Isso parece
modo, abriu um mercado gigantesco mento. Na realidade, acredito que, nos ser o grande gargalo, o sucesso históri-
na China e na Índia. Agora, a mes- próximos 25 anos, as maiores oportu- co. As empresas se direcionarão para a
ma máquina portátil está chegando nidades de crescimento para multina- inovação reversa à medida que aumen-
aos Estados Unidos e encontra novos cionais estarão entre os consumidores tarem os cases de sucesso, tais como o
usos. Isso é inovação reversa. de países pobres. Daí por que a inova- do aparelho portátil de ultrassom.
ção reversa é tão importante para a GE
Esse fato deve propiciar à GE uma opor- e empresas similares. A GE deparou com esses gargalos?
tunidade de crescer na Índia também? Sim, sem dúvida. Eis um exemplo: há
A maioria das empresas multinacio- Isso significa que muitas mudanças cinco anos, dentro do modelo de “glo-
nais como a GE tentou vender seus grandes acontecerão, certo? Por exem- calização” da GE, a principal respon-
produtos prontos em países pobres plo, onde as empresas desenvolverão sabilidade do líder da divisão de saúde
como Índia e China, sem sucesso. Elas suas pesquisas no futuro? da empresa na Índia era distribuir pro-
estavam captando apenas 1% das opor- O maior desafio para empresas euro- dutos globais. Se ele tivesse de elabo-
tunidades de negócios nesses países. peias e norte-americanas será mudar rar um novo conceito para solucionar
Mais adiante, essas nações represen- seu centro gravitacional para onde a os problemas do consumidor indiano
tarão grandes oportunidades de cresci- inovação acontecerá. Trata-se de um com cuidados médicos, ele teria de

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inovaCão
inovação

fazê-lo nos fins de semana, porque es- Jeff Immelt ainda é relativamente novo
taria muito ocupado vendendo produ- como CEO da GE, mas o sr. acha que o
tos globais nos dias úteis. Mais ainda: “Há 15 anos, quando as foco nos emergentes e na inovação re-
se esse diretor da área de saúde hou- versa será seu legado?
vesse escrito uma proposta durante o empresas avaliavam Um dos aspectos notáveis a respeito da
fim de semana, ele teria de vendê-la GE é que é uma empresa de mais de
para o chefe dos produtos globais em
uma estratégia cem anos, e o único modo de uma em-
Milwaukee, alguém que provavelmen- global, pensavam presa sobreviver tanto tempo é tornar
te nunca visitara a Índia nem entendia obsoleta a si própria quanto a produtos
os problemas dos habitantes de áreas em Europa, Estados e soluções. Esta é a verdadeira marca
rurais. E, mesmo que conseguisse con-
vencer essa pessoa, ele teria uma série
Unidos, Japão e No da GE: está disposta a mudar, a aco-
lher novos modos de concorrer. Nesse
de outras para convencer também. resto do mundo. Daqui sentido, todo CEO eficaz define um
Então, implementar a inovação re- novo esquema estratégico para a em-
versa representou um gigantesco desa- por diante, terão de presa que lidera –não porque o velho
fio organizacional. julgar sua estratégia esquema seja irrelevante, mas porque
é um novo ambiente, um novo mundo.
Como as coisas mudaram na GE? Como global levando em O modelo estratégico que Immelt está
podem mudar em outras empresas? implantando, sem perder o desempe-
A questão central é, e sempre foi, a trans- conta os países BRIC nho e a disciplina que Jack Welch im-
formação cultural necessária, e tem de [Brasil, Rússia, Índia plantou, está adicionando a inovação
começar pelo topo. É por isso que Jeff à oferta. O legado de Immelt será jul-
Immelt, CEO e presidente do conselho e China], O oriente gado em termos de se ele foi capaz de
da GE, sempre visita Índia, China, Bra- incorporar a inovação dentro de uma
sil e outros países emergentes e espera
Médio, a África e o empresa conhecida pela eficiência.
que os CEOs das diversas empresas do resto do mundo”
grupo também os visitem. O sr. tem um papel único dentro da GE:
Quando Immelt se reúne com o pri- professor-residente. Como surgiu?
meiro-ministro da China e conversa Há cerca de dez anos fiz uma palestra
com ele sobre prioridades nacionais, dos países desenvolvidos para os no seminário em que Susan Peters,
ele obtém informação em primeira em desenvolvimento. chief learning officer [principal execu-
mão sobre as possibilidades na China. Há 15 anos, quando as empresas tiva de aprendizado] da GE também
Esse tipo de compreensão desenvolvi- avaliavam uma estratégia global, pen- se apresentou. Eu realmente gostei do
da por CEOs é o início de uma mudan- savam em Europa, Estados Unidos, que ela disse, então fui cumprimentá-
ça cultural. Foi Immelt quem demons- Japão e no resto do mundo. Daqui por -la. Ela me perguntou em que eu tra-
trou a necessidade de a GE adotar a diante, terão de julgar sua estratégia balhava e eu lhe contei sobre meu tra-
inovação reversa e quem encorajou a global levando em conta os países balho em inovação reversa. Cinco anos
organização a acompanhar sua visão a BRIC [Brasil, Rússia, Índia e China], mais tarde, encontrei-me com Immelt,
esse respeito. o Oriente Médio, a África e o resto do quando discursou em uma formatura
mundo. Europa, Estados Unidos e Ja- do Dartmouth College, onde sou pro-
Os líderes de outras empresas norte- pão tornaram-se “o resto do mundo”. fessor há algum tempo. Em uma reu-
-americanas têm a mesma visão de Im- Essa é a mudança de perspectiva que nião de meia hora, eu lhe contei sobre
melt? Ouvi dizer que apenas 25% dos permitirá que todos os líderes de ne- meu trabalho em inovação.
norte-americanos têm passaporte... gócios pensem como a GE de agora. Então, quando Immelt e Susan esta-
Verdade. Cada vez mais, os líderes vam conversando sobre “instalar” um
de empresas ocidentais precisam E uma vez que o façam... acadêmico dentro da empresa para
reconhecer que têm um papel dife- Você identificou o que talvez seja o de- conduzir o pensamento organizacional
rente dentro das empresas. Eles de- safio mais significativo para as multi- como um todo, meu nome surgiu. Foi
vem favorecer um novo “olhar glo- nacionais norte-americanas. Elas pos- uma série de eventos de sorte, e acho
bal” em suas organizações. Penso suêm muitos talentos, mas têm eles a que bem poucos acadêmicos conse-
que grandes empresas cujos líderes perspectiva global? Então, afirmo que guem uma oportunidade como essa.
tenham essa visão serão muito mais o maior desafio para os CEOs norte-
capazes de vencer nesta nova era -americanos e outros é incorporar tal Qual é seu trabalho na GE exatamente?
em que a oportunidade mudou-se perspectiva. Meu papel consiste em três coisas: en-

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importantes para nos guiar e moldar.
Meu avô exerceu enorme ascendên-
cia sobre mim e sua maior influên-
cia foi elevar minha ambição. Ele
realmente me fez acreditar que eu
poderia fazer qualquer coisa com que
eu sonhasse, por assim dizer. Então,
ele inculcou essa ambição em mim,
e acredito que ela tenha me trazido
pela vida até aqui, até mesmo para
essa posição na GE. Eu poderia estar
confortável como professor universi-
tário, mas apenas pisar na GE já me
alçou a outro nível.

O sr. consta de todas as listas Thinkers


50 desde 2005. O que pensa sobre essa
conquista?
É, evidentemente, uma grande honra,
mas também uma experiência de hu-
mildade, porque, quando se entra para
uma lista dessas, as pessoas pensam
que você sabe muito. Na verdade, uma
das coisas que eu descobri é que o
único modo de você se manter em alta
como pensador é ser humilde. Apenas
os humildes sabem como aprender,
porque eles sabem que não sabem
sinar, guiar e dar consultoria. Ministro negócio a dirigir. Penso que posso fa- tanto assim. Então, de certa maneira,
aulas para os 600 mais altos executivos zer a diferença na GE, principalmen- é uma honra, mas também um senti-
da GE acerca das melhores ideias em te porque entrei como acadêmico. As mento de que eu tenho muito mais a
inovação. A diferença entre meus pa- pessoas sabem que meu ponto de vis- explorar e aprender.
péis de guia e consultor é que eu traba- ta, portanto, não tem vieses.
lho em mais profundidade em poucos E o sr. deve ter pesquisado e aprendido
projetos quando atuo como consultor, O sr. se sentiria tentado a assumir um muito escrevendo seu livro Great Idea,
enquanto, como guia, converso com posto em período integral, se lhe fosse What’s Next [Grande ideia, e o próximo
diversos executivos da GE sobre ques- oferecido? Os grandes títulos e orça- passo?], seu próximo lançamento...
tões de sua alçada. Não há um dia igual mentos o seduzem de alguma maneira? A ideia por trás de Great Idea, What’s
ao outro. Essa é a beleza desse traba- Na verdade, esse meu papel simples- Next é que a maioria das empresas
lho. É, provavelmente, a oportunidade mente me convenceu de que não quero não carece de ideias. O que acontece
de crescimento mais desafiadora, em coisas como essas. Como diz o ditado: é que se confunde inovação com cria-
termos intelectuais, que jamais tive. “Aqueles que podem fazem; aqueles tividade. A inovação tem pouco que
que não conseguem ensinam”. Eu não ver com quão criativo se é. Ela está re-
Isso o surpreendeu? consigo, daí por que comecei a ensinar. lacionada com a comercialização da
O que realmente me surpreendeu De alguma maneira, se você se torna criatividade. Como destacou o grande
é que eu nunca havia pensado que uma pessoa interna, perde sua base de inovador Thomas Edison, a inovação
uma pessoa sozinha pudesse im- poder. Como alguém de fora, não tenho é 1% inspiração e 99% transpiração.
pactar uma empresa, especialmente de amolar machados, então as pessoas O livro fala desses 99%.
uma com mais de 300 mil funcioná- me escutam. Um indivíduo de dentro
rios. Surpreendentemente, descobri não goza desse luxo.
que, como estranho, tenho uma força HSM Management
que uma pessoa de dentro não tem, Parece que o sr. se mantém fiel às © Thinkers 50
ainda que eu não tenha um alto cargo raízes... Reproduzido com autorização.
lá, nem um orçamento grande ou um Os anos de formação de todos nós são Todos os direitos reservados.

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