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junho de 2008
Obra Licenciada pela Atribuição-Uso Não-
Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 2.5
Edição, Capa e Diagramação: Brasil Creative Commons.
Todas as imagens publicadas são de domínio
Henry Alfred Bugalho público ou royalty free.
As idéias expressas e a revisão das obras são
de inteira responsabilidades de seus autores ou
tradutores.
Autores
Alian Moroz
RECOMENDAÇÕES DE LEITURA
O Episódio Humano na prosa em verso de Cecília Meireles 8
Marcia Szajnbok
Poemas - seleta 27
Olavo Bilac
CONTOS
Obra do Diabo 29
Henry Alfred Bugalho
O Caso Jersey 32
Volmar Camargo Junior
Luz e Sombras 41
Denis da Cruz
Terra Estranha 45
José Espírito Santo
A Caminhada 47
Pedro Faria
Herança Maldita 51
Giselle Natsu Sato
TRADUÇÃO
Unicórnio Perdido em Janeiro 54
Slavko Zupcic
Pecado e Tentação 56
Florencia Abbate
AUTOR CONVIDADO
Três Incisões no meu Dia 59
Erik Kurkowski Weber
TEORIA LITERÁRIA
Literatura: Arte ou Comércio? 60
Henry Alfred Bugalho
MICROCONTOS
Carlos Alberto Barros 64
Denis da Cruz 65
José Espírito Santo 65
Volmar Camargo Junior 66
Henry Alfred Bugalho 66
CRÔNICAS
Fábulas Brasileiras 67
Carlos Alberto Barros
Paradise, my ass! 68
Henry Alfred Bugalho
POESIA
Palavras Poéticas 70
Carlos Alberto Barros
Laboratório Póetico II 72
Volmar Camargo Junior
Anjos 74
Marcia Szajnbok
SEÇÃO DO LEITOR
Agora o leitor da SAMIZDAT também pode colaborar com a elaboração da revista.
Envie-nos suas sugestões, críticas e comentários.
Você também pode propor ou enviar textos para as seguintes seções da revista:
Resenha Literária, Teoria Literária, Autores em Língua Portuguesa, Tradução e Autor
Convidado.
Escreva-nos para:
revistasamizdat@hotmail.com
SAMIZDAT 5 - junho 2008
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na hora de ser absorvido pelo mercado. modo, o contato quase pessoal com os
leitores, o diálogo capaz de tornar a obra
E a autopublicação, como em qualquer melhor, a rede de contatos que, se não é
regime excludente, torna-se a via para tão influente quanto a da grande mídia,
produtores culturais atingirem o público. faz do leitor um colaborador, um co-autor
da obra que lê. Não há sucesso, não há
grandes tiragens que substitua o prazer
Este é um processo solitário e
de ouvir o respaldo de leitores sinceros,
gradativo. O autor precisa conquistar
que não estão atrás de grandes autores
leitor a leitor. Não há grandes aparatos
populares, que não perseguem ansiosos
midiáticos - como TV, revistas, jornais -
os 10 mais vendidos.
onde ele possa divulgar seu trabalho. O
único aspecto que conta é o prazer que a
obra causa no leitor. Os autores que compõem este projeto
não fazem parte de nenhum movimento
literário organizado, não são modernistas,
Enquanto que este é um trabalho
pós-modernistas, vanguardistas ou
difícil, por outro lado, concede ao criador
qualquer outra definição que vise rotular
uma liberdade e uma autonomia total: ele
e definir a orientação dum grupo. São
é dono de sua palavra, é o responsável
apenas escritores interessados em trocar
pelo que diz, o culpado por seus erros, é
experiências e sofisticarem suas escritas.
quem recebe os louros por seus acertos.
A qualidade deles não é uma orientação
de estilo, mas sim a heterogeneidade.
E, com a internet, os autores possuem
acesso direto e imediato a seus leitores. A
Enfim, “Samizdat” porque a internet
repercussão do que escreve (quando há)
é um meio de autopublicação, mas
surge em questão de minutos.
“Samizdat” porque também é um modo de
contornar um processo de exclusão e de
Ao serem obrigados a burlarem a atingir o objetivo fundamental da escrita:
indústria cultural, os autores conquistaram ser lido por alguém.
algo que jamais conseguiriam de outro
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SAMIZDAT 5 - junho 2008
Recomendações de Leitura
O Episódio Humano
na prosa em verso de Cecília Meireles
Marcia Szajnbok
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palavras. Mas é porque na verdade, já "Nasci aqui mesmo no Rio de Janeiro, três
foi usada a minha voz. Naquele tempo, meses depois da morte de meu pai, e perdi
minha mãe antes dos três anos. Essas e outras
ela acordava com espanto: como o grito mortes ocorridas na família acarretaram muitos
dos feridos recentes”. É assim que a contratempos materiais, mas, ao mesmo tempo,
autora nos convida a percorrer textos me deram, desde pequenina, uma tal intimidade
onde transbordam emoção, reflexões com a Morte que docemente aprendi essas
sobre o amor, a vida e a morte, a dor, relações entre o Efêmero e o Eterno.
(...) Em toda a vida, nunca me esforcei por
a existência. Não é um livro para ser ganhar nem me espantei por perder. A noção
devorado. Antes, um desses volumes ou o sentimento da transitoriedade de tudo é o
para se trazer junto de si e, de quando fundamento mesmo da minha personalidade.
em quando, abrir para degustar algumas (...) Minha infância de menina sozinha deu-
páginas. Há frases primorosas, que nos me duas coisas que parecem negativas, e foram
sempre positivas para mim: silêncio e solidão.
fazem orgulhosos deste nosso idioma tão Essa foi sempre a área de minha vida. Área
cheio de potencialidades estilísticas. Há mágica, onde os caleidoscópios inventaram
apreensões sutis e precisas de aspectos fabulosos mundos geométricos, onde os relógios
do humano, que pareceriam banais a revelaram o segredo do seu mecanismo, e as
olhos menos aguçados. Há, enfim, um bonecas o jogo do seu olhar. Mais tarde foi nessa
área que os livros se abriram, e deixaram sair
retrato, ou uma radiografia, da alma de suas realidades e seus sonhos, em combinação
uma mulher em contato permanente com tão harmoniosa que até hoje não compreendo
a substância viva que a constitui. Uma como se possa estabelecer uma separação
leitura para se fazer sozinho, no silêncio, entre esses dois tempos de vida, unidos como
permitindo que a alma se identifique com os fios de um pano."
Cecíclia Meireles
as palavras de cada página. Um livro para
se namorar.
Episódio Humano
Cecília Meireles
Editora: Desiderata
Ano: 2007
Edição: 1
ISBN 978-8599070-52-9
Fonte:
http://www.releituras.com/cmeireles_bio.asp
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Recomendações de Leitura
Um palhaço
no palco da Alemanha devastada
Henry Alfred Bugalho fracassou, e o país e seus habitantes
pagaram um alto preço. Tal qual a
punição ao herói trágico por sua hybris
Por causa dos delírios de grandeza (desmedida), a Alemanha foi invadida,
dum ditador, a Alemanha nazista declarou devastada, execrada globalmente,
guerra ao mundo. estigma que, de certo modo, o povo
germano traz até hoje: uma imagem
extremamente associada às sandices
A maior potência bélica de sua época
megalomaníacas de Hitler.
desafiou as duas grandes nações de
outrora, a Inglaterra e França, decidida a
controlar os rumos - políticos e ideológicos É interessante e curioso analisarmos
- do mundo Ocidental. o clima de histeria coletiva que dominou
o povo alemão, a ponto de grandes
intelectuais e artistas - Heidegger e Richard
Como bem sabemos, a Alemanha
Strauss são dois exemplos - fecharem os
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SAMIZDAT 5 - junho 2008
OS CABELOS DA CHINA
— Vancê sabe que eu tive e me servi muito tempo dum buçalete e cabresto feitos
de cabelo de mulher?…Verdade que fui inocente no caso.
Mais tarde soube que a dona dele morreu; soube, galopeei até onde ela estava
sendo velada;
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Pra mais nada prestava; andava sempre esmolambado, com uns caraminguás
mui tristes; e nem se lavava, o desgraçado, pois tinha cascão grosso no cogote.
Comia como um chimarrão, dormia como um lagarto; valente como quê... e ginete,
então, nem se fala!...
Para montar, isso sim!…, fosse potro cru ou qualquer aporreado, caborteiro ou
velhaco — o diabo, que fosse! —, ele enfrenava e bancava-se em cima, quieto como
vancê ou eu, sentados num toco de pau!... Podia o bagual esconder a cabeça, berrar,
despedaçar-se em corcovos, que o chiru velho batia o isqueiro e acendia o pito,
como qualquer dona acende a candeia em cima da mesa! Às vezes o ventana era
traiçoeiro e lá se vinha de lombo, boleando-se, ou acontecia planchar-se: o coronilha
escorregava como um gato e mal que o sotreta batia a alcatra na terra ingrata, já lhe
chovia entre as orelhas o rabo-de-tatu, que era uma temeridade!...
Um dia perguntei-lhe o que é que este fazia das balastracas e bolivianos, e meias-
doblas e até onças de ouro, que ganhava?...
Esteve muito tempo me olhando e depois respondeu, todo num prazer, como se
tivesse um pedaço do céu encravado dentro do coração:
— É a minha filha! Linda como os amores! Mas não é pra o bico de qualquer
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— Monta, gente!
E o Juca Picumã, que era o vaqueano, tomava a ponta e metia-nos por aquela
enredada de galhos e cipós e lá íamos, mato dentro, roçando nos paus, afastando os
espinhos e batendo a mosquitada, que nos carneava... Ninguém falava. A rapaziada
era de dar e tomar, e —sem desfazer em vancê, que está presente —, eu era do
fandango… e devo dizer, que nesse tempo, fui mondongo meio duro de pelar...
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Num campestrezinho paramos; o capitão mandou apear rédea na mão, tudo pronto
ao primeiro grito.
Depois voltaram.
— Esse gurizote?…
E apeamos.
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— Olha, furriel Blau, tu e o velho Picumã ides jogar o pelego numa arriscada... Ele
que te escolheu pra companheiro é porque sabe que és homem... Há dois dias, como
sabes, andamos nestes matos..., mas não é tanto pelo serviço militar, é mais por um
vareio que quero dar... por minha conta... Ouve. A minha china fugiu-me, seduzida
pelo comandante desta força... Vocês vão-se apresentar a ele, como desertados e
que se querem passar... Ele é um espalha-brasas; ela é dançarina..., arranja jeito
de rufar numa viola e abre o peito numas cantigas... Tendo farra estão eles como
querem... E enquanto estiverem descuidados, eu caio-lhes em cima com a nossa
gente. Agora... quando fechar o entrevero só quero que tu te botes ao comandante…
e que lhe passes os maneadores... quero-o amarrado...; entendes? És capaz?… O
Picumã ajuda... O resto… depois...
— Então, vou. Mas quem fala é o Picumã...; eu, nem mentindo digo que sou
desertor...
— Seu capitão é oficial… nada pega...; eu sou um pobre soldado que qualquer
pode mandar jungir nas estacas...
— Seu capitão, o mocito não é sonso, não! Deixe estar, patrãozinho, tudo é
comigo... vancê só tem é que atar o gagino..
O capitão montou.
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logo nos aceitam! Vamos! Ah! meta dentro da camisa uma cana de rédea... é
para a maneia do homem... Os companheiros depois nos levam os mancarrões, a
cabresto.
Andamos mais de seis quadras; nisto, o chiru pego a cantar umas copias, devagar,
meio baixo, como quem anda muito descansado, de propósito para ir chamando o
ouvido de algum bombeiro, se houvesse...
Ora… dito e feito! Com duas quadras mais, um vulto junto duma caneleira morruda,
gritou, no sombreado das ramas:
— É de paz!
— Alto! Quem é?
— Ora, pra quê... Pra escaramuçar os farrapos!... E queremos jurar bandeira com
o ruivo...
— Passem. Vão por aqui… até topar um sangradouro...; aí tem outra sentinela;
diga que falou comigo, o Marcos...
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Fomos andando, até a sanga dita; aí topamos com a outra sentinela; o chiru nem
esperou o grito,
— Oh... sentinela!
— Foi o Marcos que nos mandou; andávamos extraviados... ele nos conhece...
vamos levar um aviso ao comandante... É dos farrapos que andavam ontem por aqui...
foram corridos...
— Que nada! A reiunada está estransilhada... A gente a custo se mexia... E pra mal
dos pecados ainda o comandante traz uma china milongueira, numa carreta toldada,
que só serve pra atrapalhar a marcha... A china é lindaça... mas é o mesmo. .. sempre
é um estorvo!...
— Dá cá os avios, parceiro...
E bateu fogo. Reparei que a respiração do chiru estava a modo entupida... Mas
pegou outra vez:
Ora!...
— É... assim, é pena... Vamos, parceiro. Até logo. Como é a sua graça?
— Juca, patrício... Juca no mais... Quando render, espero a sua pessoa para um
amargo!...
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Mal que desembocamos do mato vimos tudo… e tudo com jeito de acampamento
relaxado.
O chiru foi andando como cancheiro, e eu, na cola dele. Nisto um sujeito, deitado
nos arreios, gritou-nos:
— Que Marcos?
— O Marcos, que está de sentinela… e o João Antônio... sim, senhor, para falar
com o comandante...
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E apontou.
O Picumã cochi1ava... mas estava alerta, porque às vezes eu bem via fuzilar o
branco dos olhos, na racha das pálpebras, entre o sombreado das pestanas...
Nisto, por cima de nós, dentro da carreta, ouvimos falar, e depois uma risada
moça, e logo uma mulher desceu, barulhando anáguas.
O chiru, que estava com os braços encruzados por cima dos joelhos, quando
sentiu a mulher, afundou a cabeça pra diante, escondendo a cara… e o chapéu ainda
ficou imprensado entre a testa e a curva do braço... Então passou pela nossa frente a
cabocla... viu um como dormindo e o outro, que era eu, mui derreado e bocó... E foi-se
à panela, mirou-a, apertando os olhos pro via da fumaça e do mormaço do brasido,
Por Deus e um patacão!... Era um chinocão de agalhas!... Seiúda, enquartada, de
boas cores, olhos terneiros... e com uma trança macota, ondeada, negra, lustrosa,
que caía meio desfeita, pelas costas, até o garrão!...
— Por que seria que este diabo largou o meu capitão, para se acolherar com este
tal ruivo?...
Isto de chinas e gatos... quem amimar sai arranhado... Talvez por este ser ruivo…
talvez por farromeiro... por causa dalgum cavalo que ela gabou e ele regalou-lhe… e
até… até por enfarada do outro... Ora vão lá saber!...
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— Os sentinelas?
— Sim; com certeza o capitão enxugou-os... Está me palpitando que a gente está
desabando aí...
Palavras não eram ditas, que saiu do mato um milico, pondo a alma pela boca, e
balançando, de cansaço e medo, mascou a nova:
Eu, pulei logo para o recavém da carreta, para me botar ao ruivo; mas antes de
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E berrou à gente:
A cabocla não estava tão perdida de susto, porque ainda deu um safanão forte e
gritou, braba:
— Larga, desgraçado!...
— O tata! O tata!...
— Me largue, tata!...
— Primeiro hei de cair-te de relho... pra não seres a vergonha da minha cara...
Neste instante, fulo de raiva, o nosso capitão manoteou-a pelo outro braço.
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cabeça da cabocla..., com a outra mão pelou a faca, afiada, faiscando e procurou o
pescoço da falsa...
Chegou a riscar… riscar, só, porque o chiru velho, o Juca Picumã, foi mais
ligeiro: mandou-lhe o facão, de ponta, bandeando-o de lado a lado, pela altura do
coracão!…
O capitão revirou os olhos e deu um suspiro rouco… depois respirou forte, espirrou
uma espumarada de sangue e afrouxou os joelhos... e logo caiu, pesado, com uma
mão apertada, sem largar a faca, com a outra mão apertada, sem largar a trança...
E a china, assim presa; rodou por cima dele, lambuzando-se na sangueira que
golfava pelo rasgão do talho, que bufava na respiração do morrente…
Vendo isso, o Picumã quis soltar a piguancha e forçou abrir a mão do capitão: qual!
era um torniquete de ferro; tironeou... nada! Então, sem perder tempo, com o mesmo
facão matador cortou a trança, rente, entre a mão do morto e a cabeça da viva... Foi
— ra… raaac! — e a china viu-se solta, mas sura da trança, tosada, tosquiada, como
égua xucra que se cerdeia a talhos brutos, ponta abaixo, ponta acima...
— Pois é... seduziu... e agora queria degolar... E mui triste, pra mim:
E mais não pudemos dizer, porque o entrevero rondou para o nosso lado.. . e
tivemos que fazer pela vida!... No meio do berzabum o Picumã ainda achou jeito de
atirar uns quantos tições pra dentro da carreta... e daí a pouco o fogo lavorava forte
naquele ninho de amores A la fresca!... que ninho!...
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— Vim trazer-lhe um presente; é um trançado feito por mim; e há de ficar mui bem
no tordilho, porque é preto...
Não sei como ele soube, mas de noute um fulano procurou-me dizendo que o
soldado Juca Picumã, um chiru velho, que estava muito ferido, pedia para eu não
deixá-lo morrer sem vê-lo.
Lá fui. Estava o chiru deitado nas caronas e todo reatado de panos, pela cabeça,
nas costelas, nas pernas.
Quando me viu, à luz de uma candeia de barro fresco, quis mexer os ossos e não
pôde...
— Tenho sim; meio estragado, mas tu ainda hás de compô-lo, não é?...
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Até que um dia, como lhe disse, soube que a Rosa morreu e então... ah!... já lhe
disse também: atirei para a cova da china os cabelos daquela trança... doutro jeito, é
verdade… mas sempre os mesmos!...
Fonte:
LOPES NETO, Simão. Contos Gauchescos. Porto Alegre: Editora Globo, 1976.
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=1829
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Biografia
Simões Lopes Neto (Pelotas — RS, 1865 —
Pelotas, 1916).
A copiosa bibliografia hoje existente sobre a sua obra, em que avultam os trabalhos
de Flávio Loureiro Chaves e Lígia C.
Moraes Leite, não deixa dúvidas a esse respeito. Com ele o regionalismo
ultrapassou as aparências nativistas e as limitações localistas, para tornar-se
francamente universal, como sempre acontece com os criadores verdadeiramente
representativos da sua terra e da sua gente.
Dos três livros por ele publicados em vida, dois se encarregariam, postumamente
de fazer-lhe a “carreira literária”: “Contos Gauchescos” (1912) e “Lendas do Sul”
(1913), ambos editados pela Livraria Universal, de Pelotas — RS.
Fonte:
http://www.releituras.com/jslopesneto_menu.asp
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Olavo
Bilac
Muitos dos que, como eu, cresceram no Brasil
durante o período da ditadura militar, associaram Olavo
Bilac apenas à autoria da letra do Hino à Bandeira,
compulsoriamente cantado repetidas vezes nos
páteos escolares. Ou a versos de exaltação nacional,
espuriamente declamados em meio ao típico “Brasil:
ame-o ou deixe-o”, no pior cenário possível dos ideais
ufanistas. Além disso, os parnasianos foram um dos alvos
preferidos do movimento modernista no Brasil. E, em
tempos de censura radical, tudo o que soa libertário torna-
se rapidamente bandeira. Assim, declaramo-nos, muitos
da nossa geração, com cinquenta anos de atraso, também
anti-parnasianos. Há nisso alguma injustiça: primeiro porque
o nacionalismo republicano de Bilac não tinha, de fato,
nenhuma relação com os generais da ditadura; segundo,
porque há uma vasta parcela de sua obra poética dedicada
aos temas líricos, e é uma pena que esse aspecto tenha
ficado um tanto eclipsado pelo uso político que se fez, em Autores em Língua Portuguesa
pleno século XX, de seu patriotismo abolicionista próprio do
final do século XIX. Segue aqui uma pequena amostra desse
lirismo. Que ele sirva de estímulo para que se busque mais!
Seleção: Marcia Szajnbok
Olavo Brás Martins dos Guimarães militar obrigatório, que considerava uma
Bilac nasceu no Rio de Janeiro em 16 forma de combate ao analfabetismo. Foi
de dezembro de 1865. Após os estudos eleito Príncipe dos Poetas Brasileiros
primários e secundários, matriculou-se na pela revista Fon-Fon em 1913. Fundindo
Faculdade de Medicina no Rio de Janeiro o Parnasianismo francês e a tradição
e, posterirormente, no curso de Direito lusitana, Olavo Bilac deu preferência às
em São Paulo, não concluindo nenhum formas fixas do lirismo, especialmente ao
deles. Voltou ao Rio e passou a dedicar- soneto. Foi um dos mais notáveis poetas
se ao jornalismo e à literatura. Foi um brasileiros, prosador exímio e orador
dos mais ardorosos propagandistas da primoroso, participou da fundação da
abolição, estreitamente ligado a José do Academia Brasileira de Letras, na cadeira
Patrocínio. Escreveu em vários jornais, 15, cujo patrono é Gonçalves Dias. Olavo
, substituiu Machado de Assis na seção Bilac morreu no Rio de Janeiro em 28 de
“Semana” da Gazeta de Notícias, exerceu dezembro de 1918.
vários cargos públicos no Rio de Janeiro.
Fonte:
Foi um dos fundadores da Liga da http://www.academia.org.br/abl
Defesa Nacional, tendo lutado pelo serviço
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Ouvir Estrelas
“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muitas vezes desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
o
Dia. A flor - o noivado e o beijo, como
l a v
Em perfumes um tálamo e um altar:
O
A árvore abre-se em riso, espera o pomo,
E canta à voz dos pássaros... Amar!
a c
Tarde. Messe e esplendor, glória e tributo;
B i l
A árvore maternal levanta o fruto,
A hóstia da idéia em perfeição... Pensar!
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Ilustração: Alessandro Andreuccetti
http://aandreuccetti.altervista.org
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Contos
OBRA DO DIABO
Henry Alfred Bugalho
Obtive as mesmas conclusões dela, não eram os amigos, nem colegas de escola,
Marquinhos tinha, inclusive, uma namoradinha no colégio, e dava belos amassos na
garota durante o intervalo do recreio, mãos no peitinho e dentro da calcinha.
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Marquinhos tinha a rotina comum dum menino da idade dele: ia à escola durante o
dia, jogava futebol no cair da tarde, flertava com a namoradinha à noite, jantava com
a família, era coroinha nas missas de domingo.
Estaria acontecendo algo inusitado neste tempo? Além disto, caso minhas
suspeitas se confirmassem, não seria nada fácil incriminar um bispo influente como
Dom Francesco.
Na sacristia, havia uma porta que conduzia a um prédio anexo, onde se localizava
a residência do bispo. Cheguei a tempo para vê-los entrar por esta porta e trancá-la.
Na semana seguinte, fui mais esperto. Dom Francesco rezava a missa, aproveitei
para me infiltrar na sacristia e ingressar no alojamento do bispo, uma cela decorada
com suntuosidade, ao invés do esperado ascetismo. Escondi-me no guarda-roupa,
cuidando para deixar aberta uma fresta por onde assistir ao que estava por vir.
Aquilo me fez ter engulhos, se eu não estivesse escondido, teria vomitado ali
mesmo. Mas esta cena seria apenas a primeira dos absurdos que presenciei. Depois,
dum baú, o bispo retirou um açoite e o entregou a Marquinhos:
— Você sabe o que fazer — Dom Francesco disse, então, virou-se para o rapaz
e se preparou para ser flagelado. Marquinhos fazia o chicote estalar nas costas e
nádegas do padre, que gritava, descontrolado — Mais, mais, mais!
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Marquinhos recebeu uma bela quantia de dinheiro do bispo e partiu. Dom Francesco
adormeceu, em êxtase. Pude, enfim, deixar aquele antro.
— Entendo que você não queira acreditar. Por isto, eu lhe direi como proceder.
Somente assim você livrará seu filho deste pervertido.
Recordei-me de meu avô, com sua simplória sabedoria, que sempre repetia: “O
diabo está em nós”.
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Contos
O CASO JERSEY
Volmar Camargo Junior
foto: http://www.flickr.com/photos/curiosita/1178581614/
Meu nome é Rafaela M. Sou médica Lembro que o assunto do dia era aquele
veterinária, sócia-proprietária de uma pastor que chutou uma imagem de Nossa
petshop e clínica de pequenos animais, Senhora em um programa de TV. Eu
junto com meu marido Breno S, jornalista estava no terceiro semestre da faculdade.
e fotógrafo. A história de como nasceu Breno, a esta época, estava quase no final
essa empresa é bastante curiosa, e pode do curso de Jornalismo. Fazia um estágio
parecer até um pouco absurda. Para no Diário Pereiropolitano para o qual
quem quiser conferir, temos ainda todas escrevia como “freela” desde o segundo
as provas de que tudo o que vou contar é grau – essas coisas de padrinhos. Em
a mais absoluta verdade. todo caso, ele já era bastante conhecido
por parecer mais um detetive que um
Foi em 1995, no mês de outubro. repórter. Nós ainda não namorávamos;
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eu, tremenda CDF, bolsista, certinha. Ele, começou a reportagem ali mesmo. Seu
popular na universidade, na redação, Ari não se importou, mostrando-se muito
na rua, no diretório acadêmico. Mas solícito às suas perguntas – diferente de
morávamos no mesmo prédio, e éramos Inspetor Silva, que o achava um estorvo.
muito amigos.
Segundo o dono da propriedade, não
Aconteceu por aqueles dias um evento aconteceu nada extraordinário, além da
curioso, um crime insolúvel para o qual forte chuva de granizo e a tempestade
a polícia não apresentava conclusões de raios, entre as onze a meia-noite. O
– o tipo de caso preferido do Breno. O disparo só pode ter acontecido nesse
agricultor Ari F. era um funcionário público horário, porque o barulho das trovoadas
aposentado (ou um político, não lembro certamente abafaram o estouro da arma.
bem) que tinha uma propriedade na zona
rural de Pereirópolis. Era uma fazendinha A primeira coisa que o jovem jornalista
tão bonita e bem cuidada que parecia de lembrou foi o fato de, na área rural, os
brinquedo. Sua generosa aposentadoria moradores terem armas de fogo e cães de
era toda investida naquele lugar. O que guarda. As armas de seu Ari, um revólver
mais lhe dava prazer adquirir eram os .38 e uma espingarda calibre .12, não
animais. Não eram bichos quaisquer, eram usadas havia muito tempo. Mostrou-
mas verdadeiros campeões de suas as: estavam empoeiradas, guardadas na
raças. Eram ovelhas, galinhas, cavalos, parte mais alta de um armário. Quanto
canários, cães e gatos, uma verdadeira aos cachorros, estes deviam ter contraído
Arca de Noé. De todos estes, seu xodó alguma virose, pois desde o começo da
era Princesa, uma vaquinha Jersey que – semana passavam a maior parte do tempo
segundo os relatos dos concursos que ela dormindo. Seria tristeza demais para ele
venceu – chegou a dar cinqüenta litros de se seus cães também morressem.
leite em um único dia. Um luxo de vaca.
Inspetor Silva pediu para falar com
Naquela sexta-feira treze, o seu Ari as outras pessoas da casa, em caráter
registrou a ocorrência logo de manhã informal, uma vez que aquilo não constituía
na D.P. de Pereirópolis: Princesa fora um depoimento. Na Granja Itália viviam
encontrada morta com um tiro na Seu Ari, sua esposa Teresinha, o filho
cabeça. O Inspetor Silva acompanharia o mais velho Tomás, e a caçula Tatiana.
inconsolável proprietário da vítima até sua
idílica fazenda. O fotógrafo que prestava
A esposa não pareceu nada
serviço para a Delegacia – para o total
abalada com a morte da vaca Princesa.
desgosto do policial – era o Breno.
Respondeu às perguntas sem titubear,
mas acrescentou pouco ao que já havia
Foi difícil chegar até a fazenda por sido dito pelo marido. Disse apenas que
causa da estrada, que virou um barro só só conseguiu dormir depois que a chuva
com a chuva da véspera. A cena do crime terminou. Era uma mulher bonitona, muito
era a seguinte: a vaquinha estava caída bem tratada, com as unhas e os cabelos
de lado dentro do curral, com as pernas arrumados. Pelo que aparentava, Dona
estendidas. Havia um buraco escuro na Teresinha não passava nem perto de
testa e uma poça de sangue no chão, ao uma estrebaria. E, provavelmente, seria
seu redor. Fora isso, não havia nenhum ainda menos provável que empunhasse
outro indício da autoria, nenhuma marca uma arma para matar uma vaca a sangue
de pneu, nenhuma pegada. Nada. Breno
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“Alô, Seu Ari. Ah... Tomas. Desculpe, “Lembra onde foi que ele se
as vozes são parecidas. Aqui é o Breno, hospedou?”
o fotógrafo da pol... sim, isso. Era eu
mesmo. Não... não..., não é isso. Olhe, “Ah, sim. Lembro sim. Ele ficou
eu tenho uma amiga que é veterinária. justamente na Granja Itália, porque o Seu
Ela disse que não se importaria de dar Ari era seu amigo.”
uma olhada nos cachorros de vocês.
Quando? Domingo, pela manhã? Claro,
“Exato. E lembra também o que
sem problemas. Ah... não, não. Ela não
aconteceu depois dessa visita?”
vai cobrar nada, não. Até domingo, então.
Um abraço.”
“Cara, não recordo. Eu sempre fui
desligada das notícias...”
Era óbvio que eu já havia sido
envolvida nos planos dele. Isso não era
raro. Teve uma vez que ele pediu para “Pois começaram a construir o
eu fazer um corte com um bisturi em sua Frigorífico Pereirópolis S.A. pouco tempo
perna só para ele ser atendido no pronto- depois. Um monte de gente conseguiu
socorro, e fotografar os pacientes sendo emprego, e os granjeiros da região só
atendidos no corredor. O sábado passou tiveram lucro com isso. Muitos pequenos
muito rapidamente, e eu não o vi o dia empresários e comerciantes começaram
inteiro. No domingo, saímos cedo de a depender do Frigorífico.”
casa. Fomos no seu Fusca 76 até a sede
da Granja Itália. Dentro do porta-luvas “Sim, e daí? Não to conseguindo
encontrei um pacotinho da farmácia, entender.”
contendo seringas, luvas descartáveis,
tubos plásticos para coleta de sangue, “Calma... já chego lá. Teve bastante
daqueles de laboratório de análises gente que prosperou com a vinda dessa
clínicas. Ele me olhou e riu empresa. Mas teve gente que não gostou
nem um pouco disso.”
“Ué, temos que prestar um serviço de
qualidade, doutora Rafa!” “Quem?”
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“Ah, sim.” Respondeu o rapaz, sem “Pois domingo é o dia perfeito para
entusiasmo.
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cobrar uns favores”, disse ele, arrancando era apaixonado pela mimosa. Duvido que
o Volkswagen rumo ao centro. ele tenha cometido o bovicídio.
Sim, a Élida, dona do laboratório, Por último eu coloco a Tatiana. Ela era
devia um favor para Breno, sobre o que a que, a meu ver, tinha menos motivos
preferi nem questionar. Entregamos o para atirar na Jersey.
material, sem dizer que era de cachorro.
Ruim foi explicar a ração. A moça deu a Breno ouviu-me pacientemente,
previsão de que o resultado só sairia na silenciosamente. E assim ficou por mais
manhã seguinte. O trabalho de conter alguns minutos, como se estivesse
a ansiedade evidente de meu amigo, ruminando o que eu havia dito.
agora, seria meu. Em casa, começamos a
divagar sobre os suspeitos. A partir do que
“Bem...” disse ele, me deixando
ele havia me contado, Breno quis que eu
apreensiva. “Há algumas coisas que eu
fizesse uma análise de quem eu achava
descobri, e outras que eu fiz algumas
ser o culpado. Enquanto eu falava, fiz
ligações que você não poderia ter
algumas anotações em um caderno. Ele
levado em conta porque não tinha
não interferiu em nada.
conhecimento”.
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nesse exato instante que começamos ração para bovinos que só a empresa dele
a namorar. Acabei não retomando meu tinha a fórmula. Quando veio a empresa
artigo, e o Breno também não foi pro grande, e que começaram a fazer uma
apartamento dele. inspeção pra valer no rebanho bovino
local, acabou-se descobrindo que a ração
que o tal Doutor Orlando produzia tinha uns
metais pesados que podiam causar câncer
em quem consumia a carne proveniente
Era cedinho da manhã de segunda.
dos bois que se alimentavam dela. Não
Nas segundas eu costumava dormir um
precisa nem dizer que a fabriqueta do
pouco mais, já que minhas aulas eram
Doutor faliu. Com isso, ele tinha mais de
somente à tarde. Nem percebi que ele
um motivo para detestar o Seu Ari, já que
havia saído e já estava de volta. Estava
todo mundo diz que o Frigorífico só veio
com as mãos para trás.
para cá porque o governador, amigo dele,
facilitou as coisas. Hoje em dia, o homem
“Nós temos o nosso culpado”, disse, tem um mini-mercado, perto da praça do
entregando-me dois envelopes, um hospital.”
branco e um pardo.
“Que história mais maluca, Breno. Mas
No primeiro estava o resultado dos e aí? Você está achando que esse Doutor
exames de sangue, de fezes, e o da ração Orlando foi quem matou a vaquinha.”
(!) do cachorro. Havia uma substância
química incomum. Ou melhor, comum
“Quer mais algumas evidências?
apenas em pessoas que estão sob efeito
Os cachorros da fazenda não estavam
de sedativos.
contaminados por virose nenhuma, mas
dopados, anestesiados por causa de
“Isso quer dizer que...” uma substância tranqüilizante que estava
onde? Na ração que eles comiam. E o
“... quer dizer que os cachorros não tal Seu Orlando pode, perfeitamente, ter
estão doentes, Rafa. Estão dopados!” fabricado a tal ração.”
“E então? Alguém misturou anestésico “Certo, mas... e como é que ela chegou
na comida deles. Mas só pode ter sido lá?”
alguém da família, certo?”
“Como? Quem foi que comprou a
“Não necessariamente. Você se lembra ração para os cachorros da Granja Itália
que eu comentei sobre um cara que não nesse último mês?”
gostou nada da vinda do frigorífico aqui
pra Pereirópolis? Esse cara é um certo “Segundo o Tomas, foi a mãe dele,
Doutor Orlando.” Dona Teresinha. E o que isso tem
demais?”
“Doutor Orlando... nunca ouvi falar”
“Aí está o coice da vaca! Você lembra
“Deve ter ouvido sim. Pois esse que eu achei muito estranha a reação
Seu Orlando era podre de rico antes do da Dona Teresinha quando o Seu Ari
Frigorífico instalar-se aqui. Dizem que ele falou para o Inspetor Silva que não tinha
ganhava rios de dinheiro vendendo uma inimigos?”
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“Então isso quer dizer que...” fazer o Seu Orlando cair na armadilha.
Quando o processo contra ele foi aberto,
“Quer dizer que a Princesa não foi e suas contas bancárias investigadas,
morta. Isso foi um golpe. Ela recebeu descobriu-se que Princesa havia sido
duas injeções, de algum anestésico vendida por ele para um fazendeiro
muito potente, ou uma dose muito alta. A uruguaio, tão dado a falcatruas quanto
vaquinha estava tão dopada que pareceu Doutor Orlando, por aproximadamente
morta. Ela não foi assassinada, Rafa. Foi quinze mil reais. Seu Ari não teve dúvidas.
roubada debaixo dos bigodes do Seu Mandou buscar sua Jersey campeã de
Ari.” volta. O caso teve alguma notoriedade no
estado, e acabou, depois, virando piada
em Pereirópolis. Doutor Orlando acabou
Eu fiquei estática. Abismada.
condenado por quase uma dezena de
Boquiaberta. Afônica. Tudo fazia sentido.
crimes contra o patrimônio e a saúde
Breno desvendou o quebra-cabeças em
pública, sendo obrigado a pagar uma
três dias, coisa que poderia levar anos
indenização por danos materiais e morais
sem nunca ter uma solução pela polícia.
ao proprietário da vaca.
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LUZ E SOMBRAS
- Kir, vá até Mauhaz e pegue a jóia! – grita papai da sala - E não perca tempo no
caminho, pois temos poucas horas de Luz.
Pobre Hat. Ficou sem a Luz e se transformou num espírito inferior. Sua sorte
foi que um marquiteto* fez este pequeno construto esferóide para transmutar o que
restou de sua essência em um djin.
Coloco-o em meu ombro, ao lado dos meus cabelos ruivos. Ele se agarra e corro
para fora. De fato, a Luz está indo embora e o céu já é tomado por um azul mais
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imagem: http://www.sgeier.net/fractals/fractals/06/Fireball.jpg
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Nas ruas, as pessoas se retiram para seus huszes*. Eu continuo correndo; Hat
cada vez mais firme.
- Quieto, Hat! – digo para o djin que solta faíscas e estala suas engrenagens.
Ele está certo em ter medo, pois a moradia de Mauhaz é realmente de dar calafrios.
Giro a maçaneta que tem a forma da cabeça de um corvo.
Ouço o “clac, brak” de vários djins espalhados pelo chão. Há de todas as formas,
quadrados, esferóides, cônicos e alguns lembram insetos.
- Seu pai mandou o pagamento pela jóia? – pergunta o marquiteto com um sorriso
desenhado por seu farto bigode. O cabelo espetado parece ter sido sugado pela
tromba de um Julufan*.
Ele o puxa para si, com um pequeno riso mórbido. Avalia-me com seus olhos
fundos e nariz pontudo, balançando quase até o queixo.
- Poderia ser você aqui, menina Kir. Poderia ser a sua essência aqui dentro.
- Mas não é! – digo de forma enfática, mas o medo escorre na forma de uma gota
de suor em minha têmpora. – Esta essência paga a jóia?
- Ah, claro que paga, menina Kir. Sim, paga sim – ele sorri como um Iadbo* da
Sombra – Vocês terão Luz por mais alguns meses. Nada mais justo; sacrificar uma
essência para que vocês tenham a proteção contra a Noite.
Mauhaz alisa o frasco com suas mãos de dedos ossudos e olha dentro dele.
Então, me diz em quase um sussurro:
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Maldito seja este mundo atacado pelas Sombras. Dependemos da Luz para viver,
ou a Escuridão nos leva. E esta Luz só os marquitetos nos fornecem, mediante a
paga de essências vitais. Pais e mães, às vezes, se sacrificam para que a família
possa continuar tendo as Jóias de Proteção.
Hoje eu entreguei nas mãos de Mauhaz a Essência do que seria um dos meus
irmãos, gerado apenas para que pudéssemos comprar uma Jóia e termos mais
alguns meses de Luz em nosso husze. Muitos usam esta estratégia para comprarem
a proteção e, por isto, crianças como eu são muito raras em nosso mundo.
Mauhaz me entrega a jóia. Agradeço com uma rápida mesura e corro para a porta,
tropeçando em dois ou mais djins.
Ao girar a maçaneta do corvo viro-me para traz e cuspo a Profecia para o maldito
marquiteto:
- Um dia a Grande Jóia virá e entregará sua Essência por todos nós. Teremos Luz
para sempre e não mais precisaremos de suas jóias.
- Sim, um dia Ela virá – diz o mago lá do fundo, com uma voz sarcástica. – Mas
ainda não veio e você terá que correr bastante, menina Kir, pois as Sombras já estão
caindo.
Olho assustada para fora. O céu está em um roxo quase negro. A Escuridão está
descendo.
Corro pelas ruas vazias. Hat se segura o mais firme que pode.
Um grito agudo rasga os céus. As Sombras estão caindo. Fortes, densas. Tomam
conta de tudo.
Aperto a jóia contra meu peito e ela emite uma tímida Luz azulada. Não será
suficiente para me proteger até meu husze.
A Escuridão está por todos os lados e os Iadbos das Sombras chiam e gritam.
Continuo correndo; Hat mantém um silêncio tumular em meus ombros.
Sem aviso, uma Sombra cai à minha frente. Salto para lado, mas outra criatura
me cerca. Mais um e outros vários o seguem. São escuros, parecendo mantos mais
negros que a própria Noite.
Estou cercada. Hat solta pequenas faíscas e a Luz da Jóia começa a ser ofuscada.
Um dos iadbos me puxa pelas pernas e caio. Aponto-lhe a pedra, mas sem muita
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utilidade, pois ela precisa estar no Altar ou em um Cetro para emitir sua Luz.
Vou sendo sufocada pelas Sombras que me cobrem. Vejo a energia prateada
saindo de meu corpo, sendo engolida pelo iadbo.
Não sei se quero ser um djin. E também não sei se quero ter minha essência
totalmente absorvida pela Escuridão.
Mas algo surpreendente acontece. O iadbo que sugou minha essência solta um
chiado ainda mais terrível que os anteriores. As outras criaturas se afastam dele,
quando feixes de Luz saem de sua boca, irrompendo numa claridade prateada, cada
vez mais forte.
- Sou Luz!?
Quando finalmente chego a meu husze e fecho a porta atrás de mim, meu pai e
mãe olham atônitos. Minha Luz invade o pequeno brilho da morada.
- Kir! – diz papai com a voz trêmula – Você é a Grande Jóia da profecia.
Depois disto, ele me contaria sobre como lhes fui entregue pelos Gons*, a fim de
cuidassem de mim até revelar minha Luz.
Glossário
*Marquiteto = mago arquiteto e necromancer
*Huszes = casas
*Missur = forma de tratamento para os marquitetos
*Julufan = espécie que lembra um elefante ou mastodonte
*Iadbo = Criatura de sombra.
*Gons = Antigos seres da Luz
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foto: http://www.flickr.com/photos/beija-flor/47276855/sizes/o/
HERANÇA MALDITA
Contos Giselle Natsu Sato
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foto: http://www.flickr.com/photos/snarl/42744921/
TERRA ESTRANHA
Contos
José Espírito Santo
“Se não te vi e não reparei, foi apenas por
não permaneceres comigo o tempo suficiente.”
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A CAMINHADA
foto: http://www.flickr.com/photos/binux/532976077/sizes/o/
Contos
Pedro Faria
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- Não, por favor, pare. Eu não agüento Finalmente avistei o cruzamento, e fui
mais. em direção à ele.
Não queria mais andar, queria parar, - É assim que você acaba.
sentar no chão e ficar ali mesmo. Mas não
podia, tinha que acabar aquela Avenida e
Sim, é assim que eu acabei.
chegar à próxima.
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ENTREVISTA
COM
O COVEIRO
foto: http://www.flickr.com/photos/seriykotik/121265292/
Contos
Alian Moroz
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Coveiro: Nada. Mas pra mim é bom... Sombra: (risos) Natal? Bem apropriado
Tem uns trocados a mais. não?
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TRADUÇÃO
UNICÓRNIO PERD
Slavko
Slavko Zupcic
Zupcic
Trad.:
Trad.: Henry
Henry Alfred
Alfred Bugalho
Bugalho
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DIDO EM JANEIRO
Sua visita marcou o início de minhas Para mim, bastava tocar duas ou
apresentações. Cada vez que, depois três peças e pronunciar logo algumas
desta noite, chegava alguma visita em palavras.
casa, minha irmã me convidava a tocar
violino no meio da sala. Eu caminhava — Antonius Stradivarius nasceu em
lentamente pelo corredor rumo à biblioteca, Cremona...
abria a porta do cômodo, acendia a luz
sempre à esquerda, alcançava a mesa
Foi num momento como este, cinco
de mogno e me detinha por cinco ou
anos depois da primeira apresentação, que
dez segundos contemplando o estojo.
um dos visitantes, por acaso engenheiro
Retirava cuidadosamente o pano que
musical, levantou-se de seu assento e se
o cobria, dobrava-o com calma, abria a
atreveu a tocar com suas mãos o violino,
fechadura com a chave que me havia sido
antes de pronunciar a terrível sentença.
entregue previamente e alçava o violino.
Uma voz soava no cômodo ao lado, eu
saía cerimoniosamente da sala e a visita — Não é um Stradivarius. É uma
respondia, surpreendida: imitação.
Sobre o Autor
Slavko Zupcic (Valencia, 1970) é um psiquiatra e escritor venezuelano. Praticou
vários gêneros literários. Entre suas obras, destacam-se a dramática evocação da
figura paterna em Dragi Sol, o tom escatológico da noveleta Barbie e as peripécias
duma peculiar detetive em Giuliana Labolita: El caso de Pepe Toledo. Seus contos
constam em diversas antologias de contos venezuelanos e latino-americanos.
Fonte: Wikipédia
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TRADUÇÃO
PECADO
PECADO
foto: http://www.flickr.com/photos/8415264@N03/1460911385/
E
E
TENTAÇÃO
TENTAÇÃO
Florencia
Florencia Abbate
Abbate
Trad.:
Trad.: Henry
Henry Alfred
Alfred Bugalho
Bugalho
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único realmente preocupante é o tato. outra parte fora – lhes responde que não,
Não acreditou exagerado afirmar que a não ser que incorra no erro de falar com
o homem se rebaixa a animal se se um vizinho.
abandona sem reflexão aos gozos da
pele. O cauteloso Sócrates falava do Afastadas da agitação urbana,
risco de se fazer acompanhar por um belo cercadas por véus e vestidos ásperos,
jovem, “aranha venenosa, cujos beijos as esposas de Cristo eram condenadas a
reduzem a escravo quem os recebe”; aplacar a sensibilidade da pele como se
o poder da pele é tal, ele acreditava, se tratasse dum estigma. Em 1670, havia
que pode chegar a nos transformar em 87 monjas gerônimas com um exército de
seres “sem vontade, nem senso crítico". mais de 200 serviçais e escravas. Não por
Piscadelas sobre a bochecha, um roçar acaso, as lacaias, índias ou mulatas, se
de lábios gelados, mordiscadas ou a chamavam “mães de amor”. Entre outras
inquietante sutileza de dois esquimós coisas, essas mulheres – que entravam
que friccionam, rapidamente, os narizes; e saiam do convento e para quem pele
como controlar todos estes atos, gestos, com pele não era acompanhada por
contatos que integram o infindo catálogo remorsos lutuosos – costumavam ser
de experiências táteis? Opulento as encarregadas de dar banho nas
cenário, a pele se apresenta como uma irmãs. Suavemente, elas as introduziam
incontestável evidência da força e da na mornidão da água perfumada com
fragilidade de milhões de corpos lançados ervas e ensaboavam seus corpos, não
ao caos: Chocar-se, afetar-se... sem se deterem a acariciar com pérfida
ternura zonas muito suscetíveis. Durante
estes banhos, as monjas deixavam de
ser monjas e se metamorfoseavam em
damas de belos seios, desejáveis coxas
Marcas sagradas e guaridas cheias de surpresas. Fontes
da época relatam que, numa ocasião, a
Agora, imaginemos um lugar madre superiora, para fechar o rito com
rigorosamente projetado para que a pele chave de ouro, ousou solicitar a uma
não experimente intensidade alguma. criada que a golpeasse até que um líquido
Estamos no século XVII, e o convento opaco escorresse por entre suas pernas.
de São Gerônimo ocupa uma mansão
inteira. Trata-se duma imponente fortaleza De todo modo, o caso de maior
murada, no meio da cidade. Fora, respira- repercussão não foi este, e sim o da irmã
se o ar; dentro, estrita clausura. Nenhum Tomasina, que, desde menina, havia
homem tem acesso ao interior — nem sofrido todo tipo de padecimentos devido
bispos, nem jardineiros, nem nobres, a sua incrível beleza. Sua mãe sentiu
nem inquisidores. O acesso havia sido inveja ao descobrir, precocemente, os
vedado até aos costureiros das monjas, sedutores dotes de sua filha e optou por
que se vêem obrigados a lhes tomar as encerrá-la num obscuro monastério. Ela
medidas para os hábitos olhando-as conseguiu fugir e se casou com um senhor
desde a portaria. O sacerdote lhes dá a cuja riqueza merecia ser equiparada, em
comunhão através duma pequena janela, magnitude, a seu ciúmes: ao morrer,
donde só aparecem suas bocas abertas. dom Franciso Pimentel deixou à viúva
Quando uma delas pergunta se é pecado uma grande herança, mas estipulou que
subir ao telhado e vislumbrar a rua – ela só poderia recebê-la com a condição
deixando assim parte do corpo dentro e de se tornar monja. Quando a abastada
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Sobre a autora
Fonte: Wikipédia
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Autor Convidado
***
Eu disse à ela, "Se você fosse noventa anos mais nova, não precisasse de um
enfermeiro carregando um tanque de oxigênio ao seu lado, não andasse nessa
cadeira de rodas motorizada, acho que teríamos sido um bom casal". E também,
"Ah, e claro, se sua irmã siamesa não fosse canibal. Claro". Ela riu enquanto a
irmã mordiscava uma de suas orelhas.
***
Peguei o controle remoto e mudei de canal, erroneamente: nada aconteceu. Verifiquei as
pilhas, mas elas estavam funcionando. Apertei os botões mais algumas vezes e nada. Fui
até meu carro e peguei outro controle e tentei abrir a porta da garagem, mas ela também não
abriu. Entrei em depressão e fui até meu quarto. Duas horas depois ouvi a notícia, que um
ônibus espacial da NASA estava sendo afetado por ondas de rádios vindas de meu bairro.
Ri muito, até saber que a trajetória tinha sido deslocada e que a espaçonave agora se dirigia
ao sol.
Peguei os dois controles, na esperança de reverter isso. Apertei os botões e nada. Entrei
em depressão e fui dormir. Na manhã seguinte ouvi no rádio a notícia que duas bombas
nucleares haviam devastado um país de terceiro mundo.
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Teoria Literária
LITERATURA:
ARTE OU COMÉRCIO?
Henry Alfred Bugalho
foto: http://litminds.org/8_bookstore.jpg
Esta questão, nem de longe incomum nos meios literários, é por si só enganosa, uma
pergunta viciada, isto por duas razões principais: a) não devemos, necessariamente,
considerar Arte e Comércio como pólos excludentes; b) não possuímos definições
apodícticas sobre o que é Arte, por isto, é complicado saber se determinada produção
é ou não Arte se nem ao menos sabemos o que isto significa.
O que é Arte?
O que entendemos por Arte já passou por tantas transformações e renovações
— conjunto de técnicas, entre os gregos; o que expressa o Belo, para Hegel; um
juízo sem conceito, para Kant; o que causa determinadas sensações estéticas nos
receptores, e assim por diante — que mal teríamos condições para definir quais delas
melhor se aplica ao objeto dito artístico. Podemos dizer que esta incapacidade é o
legado, e a maldição, das vanguardas modernistas do século XX. Ao tentar ampliar
os limites da Arte, os modernistas eliminaram qualquer possibilidade de se falar sobre
Arte.
Por isto, tentaram transferir do observado, i.e. obra de Arte, para o observador a
responsabilidade sobre a existência da Arte. Obviamente que isto cria uma série de
outros problemas, pois, supondo que jamais existe unanimidade de juízos estéticos,
uma obra seria Arte para uns, mas não para outros, ou seja, não resolvemos nada.
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O que é Comércio?
foto: http://www.flickr.com/photos/maddiedigital/523382758/sizes/o/
Enquanto precisamos recuar diante do conceito de Arte, ou fingirmos que o
entendemos sem a necessidade de explicações, definir comércio já é bem mais fácil
e inquestionável: o ato de troca de determinado produto, mercadoria, serviço ou valor
por outro produto, mercadoria, serviço ou valor, com a finalidade de obter lucro.
O que ocorreu de fato foi apenas uma mudança na conjuntura história. Anteriormente,
o artista não precisava vender o resultado de seu trabalho, pelo menos não como
o artista de hoje, mas atuava como um vassalo da Igreja ou da aristocracia. Eram
remunerados e sustentados por seu senhor e, deste modo, terminavam por vender,
mesmo que dissimuladamente, seus serviços a certa classe social.
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Este novo tipo de romance, que se afastou dos princípios e da temática do romance
de cavalaria, era uma literatura voltada para a classe burguesa ascendente. É a este
leitor ávido por capital, mas também sequioso por adquirir bens culturais, de modo a
se assemelhar à decadente aristocracia, que obras como as de autores ingleses —
Defoe, Henry Fielding, Walter Scott, Dickens — , ou na França, de Alexandre Dumas,
Balzac, Flaubert, Vitor Hugo, se destinam.
Não nos iludamos, tais autores, não mais sob proteção dum senhor feudal, ou de
algum outro tipo de soberano aristocrata, tinham de ganhar seu sustento à base da
venda de seu trabalho, literário ou não. A proliferação dos folhetins foi a oportunidade,
para muitos, de adquirir fama e fortuna, ou seja, na gênese do romance moderno está
vinculada a capitalização e a compreensão do livro enquanto produto.
A Intersecção
Agora, suponhamos que entendamos o que seja Arte e tentemos relacioná-la com
o comércio.
Para ser mais claro, o livro possui um preço e uma valoração qualitativa. O preço
é constante, mas a qualidade varia de acordo com os exemplares vendidos, quanto
maior a vendagem, mais simplória, mais adequada à mente do leitor do populacho é
a obra, isto se radicalizássemos esta perspectiva.
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Quer dizer então que as obras de tais autores teriam seu valor qualitativo diminuído
por causa das estatísticas de vendas?
Talvez fosse muito mais fácil pensarmos numa dualidade, em dois conjuntos —
Literatura e Comércio.
Considerações Finais
Parece ser da natureza humana mistificar a realidade, querer pintá-la com cores
que não lhe dizem respeito. É esta a impressão que tenho quando se fala em Arte, na
sublimidade de Belo, na intocabilidade do artista.
Os dois, ou nenhum, ou apenas um dos dois; no fundo, isto nem faz muita diferença
mesmo.
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Microcontos
O Saci
Um pesadelo terrível: sonhou que tinha duas pernas.
Reis Magos
O Moribundo
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Denis da Cruz
Viagem
Telegrama
Pequim, 2008. Equipa chinesa
campeã. Modalidade de tiro.
Impossível reutilizar alvos
,
femininos em muito mau estado.
, , ...
Pontuação
Entre as palavras de um texto corrido,
perfilavam-se vírgulas sós e nuas esperando
pelos derradeiros três pontos...
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Microcontos
Volmar Camargo Junior
HÁ VAGAS
Leu nos classificados “Precisa-se de homem disposto a matar um desafeto. Paga-
se bem. Ligar para.......”
— Fulano da Silva.
— Qual?
SUBMISSÃO
— Depois de ti, quero tua mulher e tuas filhas. – disse, ofegante.
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Crônicas
FÁBULAS BRASILEIRAS
Carlos Alberto Barros
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PARADISE,
foto: http://brasil.indymedia.org/images/2007/06/385801.jpg
Crônicas
MY ASS! Henry Alfred Bugalho
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E esta é uma constatação assombrosa De fato, acho que ele tinha razão,
para os estrangeiros, pois violência para uma semana é bastante tempo para
eles é algo comparável à guerra de Iraque. se conhecer todas as mazelas e
Quando eles descobrem que, no Brasil, problemas dum país com vários milhões
morrem mais pessoas ao ano do que em de habitantes, com a maior extensão
guerras, ninguém acredita. Pensam que territorial da América Latina.
é alguma ojeriza pessoal minha, que eu é
que sou um indivíduo antipatriota. Se o meu interlocutor não fosse um
senhor de quase oitenta anos, acho que
Há algumas semanas, numa conversa eu incorporaria o bordão da juventude
com um dramaturgo americano, surgiu esta americana e encerraria o diálogo com:
discussão e ele retrucou, espantado:
— Paradise, my ass!
— Nossa, sempre imaginei que o
Brasil fosse um paraíso! Você não está Que, em bom e politicamente correto
exagerando? português, seria: “paraíso, uma ova!”
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SAMIZDAT 5 - junho 2008
Poesia
PALAVRAS POÉTICAS
Carlos Alberto Barros
SONO
Vem, sono.
Vem
E tira-me deste pesadelo real,
foto: http://emma.museum/info/images/i0154.jpg
A tua ausência.
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Poesia
CORDEL PÓSTUMO DE UM BULINADOR
Carlos Alberto Barros
Em tua via, Que vadia!
Uma placa havia. Com a navalha fria,
Contramão, dizia, Que nem cirurgia,
E eu não quis parar. Um golpe foi dar.
Nostalgia Percebia
Era o que eu vivia. Que o sangue fluía,
Tua pele macia Meu membro pendia
Queria apalpar. E eu a gritar.
Heresia Já caía,
Pensei que tu via, E bem triste eu ria
Mas, já lá na pia Daquela ironia
Estava a chamar. Que fui me enfiar.
Todavia, Covardia!
Minha mente fazia Minha mãe já dizia:
Eu ter precavia “Filho, não confia...
E não descuidar. Tu vai te estrepar”.
Porcaria! Insistia
Como é que podia? E bem já sabia
De medo, em folia Que burro eu nascia,
Tu te transformar? Ia vacilar.
Só devia Parecia
De ser fantasia: Que era profecia.
Tudo que eu queria, Tudo acontecia,
Era só pegar. E eu a lembrar.
Na alegria, Fantasia,
De mansinho, eu ia, Que a vida fazia?
E tu só sorria, E a hemorragia
Já toda a pulsar. Sem nunca estancar?
Putaria Só sentia
Da boca saía. Que, aos poucos, morria.
Aquilo eu ouvia E ali eu jazia,
Sem nem me tocar. Sem mais bulinar.
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SAMIZDAT 5 - junho 2008
Poesia
LABORATÓRIO POÉTICO II
Volmar Camargo Junior
Preciosa prece
Se todo meu pesar pelo passado
Passasse para sempre para longe
Parasse para ser o que foi hoje
No ontem que ficou desmantelado.
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foto: http://www.flickr.com/photos/elwanderer/762694617/sizes/l/
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Conseqüências
O homem, frustrado,
Bateu na mulher, nas crianças e no cachorro.
A mulher, revoltada,
Bateu nas crianças e no cachorro.
As crianças, impotentes,
Bateram no cachorro.
O ser
Ser não é mais o que era.
É parecer o que não será.
Ser é mais que ser.
Ser é mais que o ser.
É sempre um não a si,
E sempre um sim ao não.
É um eu que não sabe ser-se.
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SAMIZDAT 5 - junho 2008
Poesia
ANJOS
foto: http://anemailfromtheangels.com/Angels%20in%20America3.jpg
Marcia
Marcia Szajnbok
Szajnbok
Sussurra o anjo:
- Olha! Ouve!
E o olhar pousa obediente e a escuta de uma voz se faz...
Sussurra o anjo:
- Ama!
E o coração bate tão forte que acorda o mundo...
Sussurra o anjo:
- Vem comigo!
E o coração pára, o olhar se apaga, cessa todo o movimento...
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DA DA
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S
RE
T
TO
AU
IZ
S
O
E
M
BR
SO
SA
B R E O S AU TO R E S D A
S O
SAMIZDAT
SOBRE OS AUT
ORES DA
SAMIZDAT
SOBRE OS AUTORES DA
SAMIZDAT
SOBRE
OS AU
TORES
SAMIZ DA
DAT 75
foto: http://www.labnews.co.uk/cms_images/Image/March_2/318239_4385web.gif
SAMIZDAT 5 - junho 2008
Alian Moroz
Formado em Matemática pela
UFPR,lecionou durante 20 anos. Formado
ainda pela Faculdade de Belas Artes do Paraná
em Licenciatura em Desenho,trabalhou junto
a Estúdios de propaganda e no setor editorial.
Historiador e Filósofo amador, venceu em
2006 o Prèmio ‘Destaque cultural’ promovido
pela secretaria de Cultura de Curitiba com
o livro ‘ Desvendando a História e os mitos
Bíblicos’. Lançou em 2007 a primeira edição
de ‘ O Manuscrito XXXII’,seu primeiro romance , pela Editora
Corifeu. Poeta e
músico nas horas vagas, têm como principais influências,Um
berto Eco e Luis
Fernando Veríssimo.
alian.moroz@hotmail.com
s
erto Barro enhista
Carlos Alb n o r d e stinos, des
, filh o d e ormado,
Paulistano s t a p lástico f
pre, a r t i l como
desde sem a v i d a profissiona
Começou s u rastro
escritor. ã o , j á deixou seu
, desde e n t ulturais,
educador e e Centros C
, Esc o l a s agógicos
por ONG’s a r t í s ticos e ped
trabal h o s cia sobre
através de ê m f o rte influên
cias q u e t za oficinas
– experiên l m e n te, organi -
tos. A t u a studa pós
seus escri p a r a c r ianças, e e p a r a
ação rev
de ilustr t ó r i a d a Arte e esc
em Hi s
graduação net.
ç õ e s na inter
publica
il.com
ador@hotma
carloseduc pot.com
t t p : / / d e s nome.blogs
h
Denis da Cruz
Advogado, Servidor Público, marido de Elisa
e pai dos pequenos Lívia e Kalel. Escritor amador,
faz da literatura um agradável e despretencioso
passatempo. Mais detalhes, o leitor poderá
foto: http://bonfireblaze.files.wordpress.com/2007/12/grafiti_wall.jpg
Giselle Sato
Giselle se autodefine apenas como uma contadora de
histórias carioca. Estudou Belas Artes e foi comissária de
bordo — cargo em que não fez muita arte, esperamos. Adora
viajar (felizmente!) e fala alguns idiomas.
Atualmente se diverte com a literatura, participando de
concursos e escrevendo para diversos sites pela net. Gosta de
retratar a realidade, dedicando-se a textos fortes que chegam
a chocar pelos detalhes, funcionando como um eficiente
panorama da sociedade em que vivemos, principalmente daquilo
que é comumente
jogado para baixo do tapete pelos veículos de comunicação.
gisellesato@superig.com.br
76 http://www.trilhasdaimensidao.prosaeverso.net/
www.samizdat-pt.blogspot.com
o
Henry Alfred Bugalh fase
a pela UFPR, com ên
É formado em Filosofi História.
lista em Literatura e
em Estética. Especia ân eas de
nces e de duas colet
Autor de quatro roma
contos. a
Nova York, com su
Mora, atualmente, em
sua cachorrinha.
esposa Denise e Bia,
m
henrybugalho@gmail.co
www.maosdevaca.com
jjsanto@gmail.com
http://www.riodeescrita.blogspot.com
/
Marcia Szajnbok
Médica formada pela Faculdade
de
de Medicina da Universidade
o psiq uia tra Pedro Faria
São Paulo, trabalha com
e psicanalista. Apaixonada por Estuda Matemática na
, Universidade Estadual do Rio de
literatura e línguas estrangeiras
lê sempre que pode e brin
ca Janeiro, músico amador e escritor
de escrever de vez em qua ndo . quando dá na telha. Nascido e criado
des de no Rio.
Paulistana convicta, vive
sempre em São Paulo.
punksterbass@hotmail.com
marciasz@hotmail.com http://civilizadoselvagem.blogspot.com/
v.camargo.junior@gm
http://recantodasletras.u ail.com
ol.com.br/autores/vcj
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foto: http://www.sgeier.net/fractals/fractals/06/Robot%20Spider%20Web.jpg
Links desta edição
Ligações
Sites ou páginas pessoais: Henry Alfred Bugalho
www.maosdevaca.com
Alessandro Andreuccetti
http://aandreuccetti.altervista.org/
José Espírito Santo
http://desnome.blogspot.com
Pedro Faria
http://civilizadoselvagem.blogspot.com/
Denis da Cruz
78
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Referências: Latido
Releituras
Ficción Breve Venezolana
http://www.releituras.com/
http://www.ficcionbreve.org/
Wikipédia
Flickr
http://www.wikipedia.org/
http://www.flickr.com/
Fotos e ilustrações:
Angels in America
http://anemailfromtheangels.com/Angels%20in%20America3.jpg
Flickr
Violino: http://www.flickr.com/photos/mazintosh/2104768410/
O Caso Jersey: http://www.flickr.com/photos/curiosita/1178581614/
http://www.flickr.com/photos/jdickert/539731437/
A Herança Maldita: http://www.flickr.com/photos/beija-flor/47276855/sizes/o/
Terra Estranha: http://www.flickr.com/photos/snarl/42744921/
A Caminhada: http://www.flickr.com/photos/binux/532976077/sizes/o/
Entrevista com o Coveiro: http://www.flickr.com/photos/seriykotik/121265292/
http://www.flickr.com/photos/stuart100/449951330/
Pecado e Tentação: http://www.flickr.com/photos/8415264@N03/1460911385/
Três incisões no meu dia: http://farm1.static.flickr.com/116/267005070_b4931892ab_o.jpg
Literatura: Arte ou Comércio?: http://www.flickr.com/photos/maddiedigital/523382758/sizes/o/
Laboratório Poético II: http://www.flickr.com/photos/elwanderer/762694617/sizes/l/
Grafites
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http://bonfireblaze.files.wordpress.com/2007/12/grafiti_wall.jpg
Latuff
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Livraria
http://litminds.org/8_bookstore.jpg
Salvador Dalí
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Alian Moroz
Denis da Cruz
Marcia Szajnbok
Pedro Faria
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