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NÃO QUEBRARÁ A CANA RACHADA

– A mansidão e a misericórdia de Cristo.

– Jesus nunca dá ninguém por perdido. Ajuda-nos ainda que tenhamos pecado.

– O nosso comportamento para com os outros deve estar cheio de compaixão, de


compreensão e de misericórdia.

I. O EVANGELHO DA MISSA mostra-nos Jesus que se afasta da roda dos


fariseus, pois estes reuniram- se em conselho para ver como levá- lo à morte.
Ainda que se tivesse retirado para um lugar mais seguro – talvez a Galiléia1 –,
muitos o seguiram e ele curou- os a todos, e ordenou- lhes que não o
descobrissem2. É esta a ocasião em que São Mateus, movido pelo Espírito
Santo, se refere ao cumprimento da profecia de Isaías 3 sobre o Servo de Javé,
na qual se prefigura o Messias, Jesus, com traços bem definidos: Eis o meu
servo, o meu escolhido, em quem a minha alma pôs as suas complacências.
Farei repousar sobre ele o meu Espírito e ele anunciará a justiça entre as
nações. Não disputará nem vociferará; ninguém o ouvirá gritar nas praças. Não
quebrará a cana rachada nem apagará a mecha que fumega.

O Messias fora profetizado por Isaías, não como um rei conquistador, mas
como Aquele que serve e cura. A sua missão caracterizar-se-ia pela mansidão,
pela fidelidade e pela misericórdia, conforme descreve o Profeta servindo-se de
imagens belíssimas. A cana rachada e a mecha fumegante representam todo o
tipo de misérias e sofrimentos a que a humanidade está sujeita. O Messias não
acabará de quebrar a cana já rachada; pelo contrário, inclinar-se-á sobre ela,
endireitá-la-á com sumo cuidado e devolver-lhe-á a fortaleza e a vida que se
esvaem. Do mesmo modo, não apagará a mecha de uma lâmpada que parece
extinguir-se, mas empregará todos os meios para que volte a alumiar com uma
luz clara e radiante. Esta é a atitude de Jesus em relação aos homens.

Na vida em geral, dizemos às vezes de um doente que a sua doença “não


tem remédio”, e dá-se por impossível a sua cura. Na vida espiritual, não
acontece o mesmo: Jesus é o Médico que nunca dá por irrecuperáveis os que
adoeceram da alma. Nem o homem mais endurecido no pecado é jamais
abandonado pelo Mestre; também para esse, Jesus Cristo tem um remédio que
cura. Em cada homem, Ele sabe ver a capacidade de conversão que existe
sempre na alma. A sua paciência e o seu amor nunca dão ninguém por
perdido. Podemos nós dar alguém por perdido? E se, por desgraça, nós
mesmos nos encontramos alguma vez nessa triste situação, podemos
desconfiar de quem disse de Si próprio que veio buscar e salvar o que estava
perdido?

Como cana rachada foram Maria Madalena, e o bom ladrão, e a mulher


adúltera... O Senhor recuperou Pedro, que estava despedaçado pelas
negações da sua mais triste noite, e nem sequer lhe fez prometer que não
voltaria a negá-Lo. Limitou-se a perguntar-lhe: Simão, filho de João, amas- me?
É a pergunta que nos faz a todos, quando não sabemos ser inteiramente fiéis.
Amas- me? Pensemos hoje como é o nosso amor, como respondemos a essa
única pergunta que o Senhor nos faz quando sucumbimos sob o peso das
nossas misérias.

II. NÃO QUEBRARÁ a cana rachada nem apagará a mecha que fumega...

A misericórdia de Jesus pelos homens não decaiu nem por um instante,


apesar das ingratidões, contradições e ódios que encontrou. O amor de Cristo
pelos homens é profundo, porque se preocupa acima de tudo pela alma, para
conduzi-la com ajudas eficazes à vida eterna; e, ao mesmo tempo, é universal,
estende-se a todos. Ele é o Bom Pastor de todas as almas, conhece-as todas e
chama-as pelo seu nome4. Não deixa nenhuma perdida no monte. Deu a sua
vida por cada homem, por cada mulher.

A sua atitude, quando alguém se afasta, é a de lhe dar as ajudas suficientes


para que volte, e todos os dias sai ao terraço para ver se o distingue no
horizonte. E se alguém o ofendeu mais, empenha-se em atraí-lo ao seu
Coração misericordioso. Não quebra a cana rachada, não acaba de parti-la
para depois abandoná-la, mas recompõe-na com tanto mais cuidado quanto
maior for a sua debilidade.

O que é que diz aos que estão quebrados pelo pecado, aos que já não dão
luz porque a chama divina nas suas almas se apagou? Vinde a mim todos os
que estais fatigados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei 5. “Ele tem piedade da
grande miséria a que o pecado os conduziu; leva-os ao arrependimento sem
julgá-los com severidade. É o pai do filho pródigo que abraça o filho
arrependido pela sua falta. Perdoa a mulher adúltera prestes a ser lapidada;
recebe Madalena arrependida e descobre o mistério de amor que trazia
escondido debaixo da sua vida de pecado; fala da vida eterna à Samaritana
apesar da sua má conduta; promete o céu ao bom ladrão. Verdadeiramente,
nEle se realizam as palavras de Isaías: Não quebrará a cana rachada nem
apagará a mecha que ainda fumega”6.

Nunca ninguém nos amou nem nos amará como Cristo. Ninguém nos
compreenderá melhor. Quando os fiéis de Corinto andavam divididos dizendo
uns: “Eu sou de Paulo”, e outros: “Eu sou de Apolo, eu de Cefas, eu de Cristo”,
São Paulo escreveu-lhes: Porventura foi Paulo crucificado por vós?7 É o
argumento supremo.

Não podemos desesperar nunca. Deus quer que sejamos santos, e põe o
seu poder e a sua providência a serviço da sua misericórdia. Por isso, não
devemos deixar passar o tempo olhando para a nossa miséria, perdendo Deus
de vista, deixando que os nossos defeitos nos descoroçoem e sentindo
constantemente a tentação de exclamar: “Para que continuar lutando, se
pequei tantas vezes, se fui tão desleal com o Senhor?” Não, nós devemos
confiar no amor e no poder do nosso Pai-Deus, e no do seu Filho, enviado ao
mundo para nos redimir e fortalecer8.

Que grande bem para a nossa alma se nos sentirmos hoje, diante do
Senhor, como uma cana rachada que necessita de muitos cuidados, ou como o
pavio de uma débil chama que precisa do azeite do amor divino para brilhar
como o Senhor quer! Não percamos nunca a esperança se nos vemos fracos,
com defeitos, com misérias. O Senhor não nos abandona; basta que ponhamos
em prática os meios convenientes e que não rejeitemos a mão que Ele nos
estende.

III. ESTA MANSIDÃO e misericórdia de Jesus pelos fracos apontam-nos o


caminho a seguir para levarmos os nossos amigos até Ele, pois as nações
porão a sua esperança no seu nome9. Cristo é a esperança salvadora do
mundo.

Não podemos estranhar a ignorância, os erros, a dureza e resistência que


tantos homens opõem a Deus. O apreço sincero por todos, a compreensão e a
paciência devem ser a nossa atitude para com eles. Pois “quebra a cana
rachada aquele que não dá a mão ao pecador nem leva a carga do seu irmão;
e apaga a mecha que fumega aquele que despreza, nos que ainda crêem um
pouco, a pequena centelha da fé”10.

Os nossos amigos devem encontrar na nossa amizade e nas nossas


atitudes um firme apoio para a sua fé. Por isso, devemos aproximar-nos da
fraqueza que manifestam: para que se torne fortaleza; devemos vê-los com
olhos de misericórdia, como Cristo os vê; com compreensão, com um afeto
sincero, aceitando o claro-escuro formado pelas suas misérias e grandezas.

Por um lado, devemos ter presente que “servir os outros, por Cristo, exige
que sejamos muito humanos [...]. Temos que compreender a todos, temos que
conviver com todos, temos que desculpar a todos, temos que perdoar a
todos”11. Por outro, “não diremos que o injusto é justo, que a ofensa a Deus
não é ofensa a Deus, que o mau é bom. No entanto, perante o mal, não
responderemos com outro mal, mas com a doutrina clara e com a ação boa:
afogando o mal em abundância de bem (cfr. Rom XII, 21). Assim Cristo reinará
na nossa alma e nas almas dos que nos rodeiam”12.

Os frutos desta dupla atitude de compreensão e fortaleza são tão grandes –


para a própria pessoa e para os outros – que bem vale a pena o esforço por
ver, naqueles com quem convivemos diariamente, as suas almas; por vê-los
tão necessitados como os via o Senhor.

Diz um autor dos nossos dias13 que não é suficiente apreciar os homens
brilhantes por serem brilhantes, os bons por serem bons. Devemos apreciar
todos os homens por serem homens, todos os homens, o fraco, o ignorante, o
que não tem educação, o mais obscuro. E só poderemos chegar a esse ponto
se a nossa concepção do que é o homem o fizer objecto de estima. O cristão
sabe que todos os homens são imagem de Deus, que têm um espírito imortal e
que Cristo morreu por eles.

A consideração frequente desta verdade ajudar-nos-á a não nos afastarmos


dos outros, sobretudo quando os seus defeitos, faltas de educação ou mau
comportamento se tornarem mais evidentes. Imitando o Senhor, nunca
quebraremos uma cana rachada. Como o bom samaritano da parábola,
aproximar-nos-emos do ferido e lhes vendaremos as feridas, e lhes aliviaremos
a dor com o bálsamo da nossa caridade. E um dia ouviremos dos lábios do
Senhor estas doces palavras: o que fizeste a um destes, a Mim o fizeste14.

Ninguém como Maria conhece o mistério da misericórdia divina. Ela sabe


qual foi o seu preço e como foi alto. Neste sentido, chamamo-la também Mãe
de misericórdia... Mãe da divina misericórdia15. A Ela recorremos ao
terminarmos a nossa meditação, na certeza de que Maria nos leva sempre a
Jesus e nos anima a ser, como o seu Filho, compreensivos e misericordiosos.

(1) Cfr. Mc 3, 7; (2) Mt 12, 15-16; (3) Is 42, 1-4; (4) Mt 11, 5; (5) Mt 11, 28; (6) R.
Garrigou-Lagrange, El Salvador, Rialp, Madrid, 1965, pág. 322; (7) 1 Cor 1, 13; (8) cfr. B.
Perquin, Abba, Padre, Herder, Barcelona, 1968, pág. 89; (9) Mt 12, 21; (10) São Jerónimo, em
Catena Aurea, vol. II, pág. 166; (11) São Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 182; (12)
ib.; (13) cfr. J. Sheed, Sociedad y sensatez, Herder, Barcelona, 1963, págs. 37-38; (14) cfr. Mt
25, 40; (15) cfr. João Paulo II, Enc. Dives in misericordia, 30-XI-1980, 9.

(Fonte: Website de Francisco Fernández Carvajal AQUI)

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