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Complexo Juridico @ CURSO DO PROF. DAMASIO A DISTANCIA MODULO I DIREITO PROCESSUAL CIVIL Teoria Geral do Direito Processual Jurisdig¢ao Tel Rua: da Gléria, n°. 195 — Liberdade — $0 Paulo ~ SP - Cep: 01510-001 Tel. Fax: (11) 3164.6624 — www.damasio.com.br DIREITO PROCESSUAL CIVIL Teoria geral do Direito processual e jurisdigdo Prof. Vitor Frederico Kiimpel 41. TEORIA GERAL DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL 1.1. Direito Material e Direito Processual As normas juridicas de Dircito matérial ‘sfo aquelas que criam, modificam ou extinguem relagdes juridicas, sendo 0 préprio ato juridico, havendo, ademais, os atos ilicitos dentro do mundo do fato juridico. As normas juridicas de Direito material tratam das relagdes juridicas que se travam no mundo empirico. ‘As normas juridicas de Direito processual, por sua vez, disciplinam aquilo que acontece em juizo, visando a solugdo da lide. E 0 instrumento do Direito material junto ao Poder Judiciario ou, junto @ arbitragem. Por meio do processo ¢ que se consegue dar eficdcia e efetividade & norma juridica de Direito material desrespeitada por um dos sujeitos da lide. O Direito material visa as relagdes juridicas, com contetido eminentemente espontneo. Diante do descumprimento da norma ou do inadimplemento de determinada obrigagdo, o Direito material nada pode fazer, restando ao interessado buscar a tutela jurisdicional para seu interesse violado, 0 que é feito por meio da provocagio da atividade jurisdicional. Com a ocorréncia de um dano, Portanto, a aplicagiio do artigo 186 do Cédige Civil, a titulo de exemplo, s6 poder ocorrer or intermédio da ago reparatéria para compelir “B” a cumprir obrigagao perante “A”. ‘As normas juridicas processuais, portanto, constituem 0 critério do proceder, enquanto as normas de Direito material constituem o critério de julgar. 1.2. Instrumentalidade do processo. E preciso ressaltar que 0 processo nao é um fim em si mesmo. Ao contrério, é um instrumento da jurisdigao que fica a mercé do juiz para que ele possa por fim a crise do direito material. Essa é a fungdo primordial do processo. Por isso, ainda que a lei imponha a obediéncia a determinadas formas, o ato processual sera valido, embora tenha ocorrido 0 seu descumprimento formal, se o fim almejado atingiu a sua finalidade, nfo acarretando prejuizos a ninguém. 1.3. Classificagao das normas juri = Cogentes ou de ordem piiblica Quanto A sua obrigatoriedade - Dispositivas As normas juridicas sdo, portanto; cogentes, imperativas ou de ordem piiblica, ¢ se caracterizam pelas circunsténcias de deverem ser cumpridas sempre, independentemente da escolha daquele que as deva cumprimento. Sao regras inderrogaveis pela vontade das partes. Podemos citar, a titulo de exemplo, as regras que dispdem sobre casamento. Por outro Jado, as normas dispositivas ow facultativas, embora também devam ser cumpridas, podem ‘ser afastadas, nos limites permitidos pela prépria Jei, pela vontade das partes. Exemplo: regime de casamento do Cédigo Civil. ~ Obrigagao Quanto & natureza das regras juridicas - Dever - Onus + Obrigagéo: atitude que se deve tomar, sob pena de causar prejuizo a outra parte da relagao juridica, e que deixa de ser exigivel, desde que cumprida. Caso deixe de ser cumprida, a omissdo dara margem ao nascimento de pretens&o por parte daquele a quem se deixou de cumprir a obrigagao, condenando-se 0 devedor ‘omisso a prestagao, ou ao equivalente em dinheiro. Como exemplo, “A” firma o compromisso de entregar coisa fungivel a “B”. O inadimplemento faz com que “B” tenha 0 direito de receber a coisa, ou indenizagao correspondente. + Dever: sio normas que nao se esgotam com seu cumprimento. Ao contrario, exigem que os obrigados ao seu cumprimento continuem a vigilancia no seu cumprimento, cujo relaxamento, representado pelo descumprimento do dever, determinaré. o langamento de penalidade consistente em multa. A multa constitui verdadeira punigao ao faltoso no cumprimento do dever. + Onus: consiste em condutas transitérias e determinam, em decorréncia de seu ndo-atendimento, que recafam as conseqiéncias desse comportamento sobre 0 proprio faltoso, nfo causando qualquer tipo de prejuizo para 0 outro pélo da relagao juridica. A grande maioria das regras processuais ¢ 6nus para as partes, cujo descumprimento desfavorece aquele que deveria cumpri-las. Exemplo: 6nus do réu em responder aos termos da petigdo inicial ajuizada pelo autor - a conseqiiéncia da inércia é, na maioria das vezes, a revelia; Gnus de recorrer; 6nus da prova, ete. ‘A norma processual possui natureza de direito piblico, normalmente cogente com carter eminentemente técnico. A tecnicidade decorre da instrumentalidade do Direito material absorvendo os principios bisicos de ordem ética e politica que orientam o ordenamento juridico por ele integrado, wisaride-pacificar e fazer justica, aplicando as regras materiais aos casos que efetivamente soluciona. 1.4, Caracteristicas das normas processuais + Direito processual (ndo material): as regras processuais nfo sao materiais, pois dizem respeito & atividade jurisdicional (ao processo). + Normas de direito piiblico: séo normas decorrentes da soberania estatal, como jé dissemos, de forma que no tém cunho privado, pois estabelecem critérios para a atividade jurisdicional. + Normas obrigatérias: normas que no podem ser afastadas pela vontade das partes, Nem mesmo a escollia da arbitragem afasta as regras processuais. Isso implica que, mesmo no exercicio da arbitragem, as partes submetem-se as regras processuais préprias do sistema arbitral. + Normas que estabelécem nus: as regras processuais implicam 6nus, pois 0 descumprimento acarreta uma penalidade para aquele que deveria cumpri-la. + Normas auténomas: sob 0 ponto de vista epistemol6gico (conjunto sistémico de um ramo da ciéncia), 0 Dircito Processual Civil € auténomo em relagdo ao Direito Civil. Sob o prisma cientifico, portanto, os prinefpios do processo so préprios em relag%o aos do Direito Civil. Assim, 0 processo civil trata-se de uma ciéncia, sob os aspectos teérico, pritico e auténomo. + Norma interdependente: sob 0 ponto de vista ontolégico, isto é, sob o prisma da esséncia do Direito, ou seja, do estudo e do conhecimento em si mesmo, o processo civil ¢ interdependente do Direito Civil. Isto ocorre porque 0 Direito material e 0 Direito Processual estdo ligados, j4 que 0 processo s6 existe em fngtio do Direito Civil, sendo um instrumento para que o mesmo seja integralmente cumprido. 1.5. Fontes da norma processual As normas processuais, a0 lado das outras normas dos outros ramos, sao fontes formais do Direito, ou seja, sio os meios de formac&o ou produgao da norma juridica, visando a integragao do sistema processual. Ef a materializag&o do direito positivo. Existem fontes abstratas e concretas das normas processuais. A seguir, é apresentado organograma explicativo das fontes da norma processual, para fins de fixagao e disposigao didatica: - Constituigao Federal - Leis ~. Constituiges Estaduais ~ Lei Complementar ~ Lei Ordindria As fontes abstratas so - Usos ¢ costumes - Negécios juridicos - Jurisprudéneia - Constitucionais As fontes concretas so ~ Codificadas - Ordindrias - Extravagantes A Constituigdo Federal, como fonte concreta, contém normas de sobredireito (fontes formais legislativas das normas processuais, procedimentos pelos quais as fontes formais dio criadas). Repare que a Constituigdo é, ao mesmo tempo, fonte abstrata e fonte concreta, pois, é fonte tanto do Direito quanto especificamente do proceso civil, ramo deste. A Constituigao Federal, como fonte do processo civil, traz as normas que dispéem das maiores garantias processuais do jurisdicionado, v.g., 0 devido processo legal, 0 acesso jurisdi¢do, a isonomia, contraditério, motivago das decisdes judiciais, e outras mais. Os tratados intemacionais dos quais o Brasil faga parte, de acordo com 0 artigo 5° § 2° da CF, também séo importantissimas fontes do direito processual civil. Como exemplo, podemos citar um tratado que regule o cumprimento de cartas rogatorias. A legislagdo ordinaria € 0 Cédigo de Processo Civil, o Cédigo de Processo Penal, a Lei dos Juizados Especiais Civeis e Criminais, etc. 2. PRINCIPIOS Os principios que regem 0 processo civil nao esto elencados em um rol taxativo, sendo intuidos a partir do sistema legal ¢ constitucional. Por esta razo, vamos analisar apenas 0s principios de maior repercussdo sem negar a existéncia de outros principios processuais — alguns outros, inclusive, que serao analisados dentro dos institutos em que tém maior repercussao. Por ora, so apresentados os seguintes principios: © Isonomia (ou Igualdade); * Devido Processo Legal; * —Contraditério; © Demanda; * Dispositivo; © Imparcialidade; © Vedacio a tribunais de exceao; o Juiz natural; o. Promotor natural; * Oralidade; o Imediagao; © Identidade Fisica; © Concentracao; © Irrecorribilidade das interlocutérias; © Motivagao; © Publicidade; © Duplo Grau de Jurisdigao; * Economia Processual; * Celeridade. 2.1. Principio da isonomia ou igualdade De acordo com esse principio constitucional, todos so iguais perante a lei, sem distingaio de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros ¢ estrangeiros residentes no pais a inviolabilidade do direito vida, a liberdade, 4 igualdade, & seguranga e & propriedade (artigo 5.°, caput, da Constituigao Federal). Portanto, os iguais so tratados conforme seus pares e os desiguais conforme os seus, cada qual na medida de suas desigualdades. Podemos citar, como exemplo, algumas questdes controvertidas, segundo a dtica da isonomia, tais como o artigo 100, inciso I, do Cédigo de Processo Civil. Determina, 0 referido artigo, que “é competente o foro: da residéncia da mulher, para ago de separagaio dos cénjuges e a conversdo desta em divércio, e para anulago de casamento”, Hoje, poder- se-ia, em face desse principio, ser questionada a. constitucionalidade de tal disposigao. Devemos, ainda, levar em consideragao, para a hiptese.que estamos tratando, 0 artigo 226, § 5.°, da Constituigdo Federal, que estabelece a igualdade entre o homem e a mulher na sociedade conjugal, de forma que nao mais se justificaria a protego processual mencionada. Todavia, os beneficios processuais concedidos as mulheres, de acordo com a jurisprudéncia, devem manter-se vigentes, em razio da amplitude e da disparidade cultural ¢ territorial de nosso pais, onde o Cédigo de Proceso Civil possui total aplicago, por ser norma de Direito Processual, de competéncia exclusiva da Unido, de acordo com a Constituigao Federal/88 (artigo 22, inciso I). 2.2. Principio do devido processo legal Sendo, 0 direito processual, um instituto de direito piblico, sua estrutura ¢ seus institutos devem se ater ao principio da legalidade estrita. Neste interim, surge o principio do devido processo legal como garantidor de obediéncia A legalidade no ambito processual. Devido proceso legal (também conhecido como due process of law) € 0 conjunto de garantias constitucionais que sustentam 0 correto exercicio da jurisdigfio ¢ asseguram as faculdades processuais das partes. Conceituado também como “processo justo”, este principio € apresentado pelo inciso LIV do art 5°: “ninguém serd privado da liberdade ou de seus bens sem 0 devido processo legal”. Trata-se de um superprincipio que orienta todos os demais princfpios informadores do processo — muitos deles, seus derivados. principio impée a observancia das formas procedimentais previamente previstas em lei, mas nao se exaure nesta exigéncia. Diversas garantias constitucionais explanam mais de seu contetido, como 0 contraditério, a ampla defesa, o juiz natural, a publicidade, a proibigdo de provas ilicitas, e muitos outros principios essenciais para um processo devido ¢ legal, ou seja, justo. 2.3. Principio do contraditério Com o principio do contraditério assegura-se as partes, tanto no processo judicial quanto no administrativo, bem como aos acusados em geral, 0 direito constitucional & ampla defesa, bem como todos os meios e recursos a ela inerentes, proibindo ao érgao decisério a prolagdo de qualquer sentenga sem a observncia do referido principio, sob pena de nulidade processual (atente-se para a observagio acerca da simula vinculante sobre o tema no item 5.3). Portanto, a dialética do processo, isto é, a contraposigao das verdades (do autor e do réu) é que levam o juiz a uma justa deciséo, extraindo da tese e da antitese, a sintese. Esse principio pode ser decomposto em duas faces, quais sejam: a da participagiio e a da influéncia na decisio. A participagao consiste na oitiva, na bilateralidade dos atos do processo. Ser notificado com, antecedéncia’ da, prética de qualquer ato processual materializa a participagio,-do. contraditério. J a influéncia na decisdo, é a efetiva possibilidade, que tem a parte, de poder, com a sua manifestagéo, influir no animo do julgador, convencendo-o do seu direito. De que adianta permitir que a parte simplesmente participe do processo. Faz-se mister permitit que ela seja ouvida, Sbyio, mas em condigdes de poder influir na decisdo do magistrado. Grande exemplo do principio do contraditério encontra-se no artigo 599, inciso Il, do CPC, que diz que 0 juiz pode em qualquer momento do processo, advertir o devedor que 0 seu procedimento constitui ato atentatério A dignidade da justiga. Assim, antes de efetivamente punir 0 devedor, 0 magistrado 0 adverte acerca de seu comportamento aparentemente temerério e, antes de qualquer punigdo, dara a parte a possibilidade de explicagao. 2.4. Principio da demanda Segundo 0 principio’ acima mencionado, ¢ a-vontade ‘da parte que instaura o processo, movimentando a maquina judiciéria para apreciar determinado caso concreto. E relativo A propositura da aco. © principio da demanda tem como decorréncia 0 fato do juiz nfo poder agir de oficio, devendo aguardar a provocacao das partes, restando vinculado aos fundamentos trazidos por elas na pega inicial (causa de pedir). 2.5. Principio dispositivo © principio dispositive é aquele que confere as partes poder para dispor do processo, delimitando os pontos controvertidos, exigindo a inquirigao de testemunhas e a produgdo de outras provas. Portanto, versando a aco sobre direito disponivel, compete a parte a produgo das provas, trazendo elementos de convicgao ao julgador. Nao é nem fungdio e nem énus do juiz a produsao de provas ndo requeridas pelas partes. Porém, nosso Cédigo de Processo Civil estabeleceu em seu artigo 130 que pode o juiz determinar as provas necessérias a instrugio do proceso, podendo fazé-lo, inclusive, de oficio, ainda que 9 a matéria tratada verse sobre direito disponivel ("caberd a0 juiz, de oficio ou a requerimento da parte, detetminar as provas necessdrias a instrugio do proceso, indeferindo as diligéncias intiteis ou meramente protelatérias"). E de rigor observar que a jurisprudéncia admite a intervengaio apenas de forma supletiva aos litigantes, ¢ desde que no seja a prova produzida, de antemdo, benéfica a apenas uma das partes, como corolario do principio da imparcialidade, a seguir definido. 2.6. Principio da imparcialidade do juiz © principio da imparcialidade & aquele que coloca o juiz entre as partes ¢ acima delas, visando ao tratamento igual e a justa decisto. A imparcialidade do juiz é uma garantia de justiga para as partes. A questo é tdo essencial que a imparcialidade foi algada a pressuposto para que a relaeao processial se™instaure validamente, pressuposto processual subjetivo (Marcos Vinicius entende que ¢ de validade e Dinamarco que é de existéncia) do juiz. Para que essa imparcialidade seja assegurada, a Constituigao Federal estipulou garantias’ aos juizes, prescreveu-lhes, vedagdes € proibiu juizos e tribunais de excegao (artigo 5.°, inciso XXXVIL, da Constituigao Federal/88). + Tribunais de excegéio: séo aqueles que tém competéncia estabelecida apés a ocorréncia do fato ¢ por conseqiiéncia julgar um caso que ocorreu antes de sua competéncia. Fere o principio da imparcialidade do juiz, na medida em que 0 6rgao jurisdicional ja fica predisposto para 0 caso concreto. + Juiz natural: & 0 juiz. que integra 0 Poder Judiciério, investido de jurisdigéio, contrapondo-se ao juiz de exces que foi constituido, ndo por contingéncias gerais, mas sim por contingéncias particulares, ou seja, para um determinado caso concreto. + Promotor natural: 0 Supremo ‘Tribunal Federal decidiu pela existéncia do principio do promotor natural, aplicando-se-as mesmas regras e os mesmos fundamentos do juiz natural, em.razo da expressao processado, constante do artigo 5.°, inciso LIII, da Constituigao Federal/88. 2.7. Principio da oralidade De acordo com o principio da oralidade, o processo deve realizar-se verbalmente, adotando-se a forma escrita apenas com cardter subsidiério. O grande objetivo é a celeridade da prestagao jurisdicional. A maior parte dos termos e atos do processo € oral. Essa oralidade, no entanto, é relativa, visto que os atos praticados oralmente sao imediatamente reduzidos a termo. Contrapondo-se ao principio da oralidade temos o principio da documentagio, cujo objetivo € a conservagao por escrito de alguns meios de provas, para garantir a seguranga juridica. No regime dos Juizados Especiais Civeis, a oralidade € mais intensa, visto que so poucos os atos reduzidos a termo, havendo, inclusive, a utilizago de gravagSes dos atos praticados oralmente. 0 Ha quatro subprincipios que tém em comum a mesma finalidade, qual seja, fazer ‘com que o juiz fique o mais préximo possivel da instrugdo, da coleta de provas. Sao eles: + Imediagdo: exige do juiz. um contato direto com as partes e com as provas, para que receba, sem intermediérios, todos os meios necessarios para o julgamento. E © juiz do processo quem iré coletar as provas. No entanto, em casos de carta precatéria ou carta rogatoria ndo seré possivel que 0 juiz do processo acompanhe as provas. Essa produgdo de provas por carta é uma excego a0 principio da imediag&o. Todo e qualquer tipo de prova podera ser realizado por carta. + Identidade fisica do juiz (artigo 132 do Cédigo de Processo Civil - "O juiz, titular ou substituto, que concluir a audiéncia julgaré a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastéido’ =por,,.qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos em que passard os autos ao seu sucessor"): 0 ideal do sistema processual é que © mesmo julgador que inicie a instrugo em audiéncia, deve conclui-la para julgar 0 caso concreto. Porém, nosso sistema determina apenas que 0 juiz que encerrar a instfugao. estar vinculado..ao,,processo, ficando obrigado a proferir a sentenga, ainda que nao esteja mais na Comarca. Quando o juiz preside uma audiéncia em que haja produgdo de provas, fiearé vinculado ao julgamento, Em que pese a previsdo legal, existem situagdes em que 0 juiz se desvineula do processo. Sao el — quando é convocado para atuar como auxiliar dos Orgfios Superiores (exemplo: os integrantes do Conselho Superior da Magistratura/SP sto 0 Desembargador-Presidente, 0 Desembargador 1.° Vice-Presidente € o Desembargador Corregedor-Geral; os 25 Desembargadores, sendo metade mais antiga e a outra metade eleita, conforme determina o inciso XI do artigo 93 da Constituigiio Federal (Emenda Constitucional 45/2004). — quando € licenciado por motivo de doenga (licenga-paternidade ou maternidade nao desvincula o j — quando é aposentado; — quando é promovido; — quando ¢ afastado; — quando é removido. O juiz removido de qualquer Comarca para outra também se desvincula do processo, conforme orientago do Tribunal de Justica de Sao Paulo. Nos outros Estados a orientacao poderd ser distinta. + Concentragdo: a audiéncia de instrugao no processo civil € sempre una ¢ indivisivel. Porém, isso nao significa que a audiéncia deverd ser feita no mesmo dia, Se houver necessidade de nova data, seré marcada uma audiéncia em continuagdio. (Art. 455 CPC - "A audiéncia é una e continua. Nao sendo possivel n concluir, num sé dia, a instrugao, o debate e o julgamento, o juiz marcaré 0 seu prosseguimento para dia proximo") + Irrecorribilidade das decisdes interlocutérias: pelo sub-prineipio que leva 0 mesmo nome (da irrecorribilidade das decisdes interlocutérias), assim denominado por expressiva doutrina, entende-se que, no que tange a sua aplicagao no processo civil, como regra geral, os recursos contra as decisdes interlocutérias, decisdes proferidas no curso do processo sem extingui-lo, somente nio tém efeito suspensivo. O referido principio encontra integral acolhida no processo do trabalho, em que nao hd, efetivamente, recursos das decisdes interlocutérias nele proferidas. 2.8. Principio da motivagao das decisdes judiciais © principio da motivagao das decisGes judiciais foi algado pelo sistema constitucional brasileiro, a um principio constitucional disposto no artigo 93, inciso IX, que estabelece “todos os julgamentos dos érgaos do..Poder Tudiciério Serao piblicos, ¢ fundamentadas todas as decisdes, sob pena de nulidade:..." Passa, inclusive, a ser corolério da ampla defesa, assegurando as partes a legalidade e a justica das decisdes e a imparcialidade do juiz. Importante fazer alusio ao artigo 459, segunda parte, do CPC, que dispde que o juiz, nos casos de extingdo do processo sem julgamento do mérito (art. 267), decidira de forma concisa. Isso no quer dizer que o juiz esta livre da motivacao da decisao judicial, significa que sua motivaeao deverd existir, porém, sem’ muitas delongas. Basta uma simples explicagao. A fundamentagdo ¢ exigida em toda e qualquer decisdo judicial. Temos, porém, uma excegdo. Trata-se dos despachos de mero expediente, que agora, com a reforma recente do processo civil, chama-se tio. somente despacho. Essé’ ato, por no conter contetido decisério, néo exige fundamentago. dade 2.9. Principio da publi O principio da publicidade é, sem diivida, uma das maiores garantias do individuo no exercicio da jurisdi¢ao. Visa assegurar a fiscalizago popular no que se refere ao trabalho dos juizes, advogados, defensores piiblicos e promotores publicos, tendo em vista a livre consulta dos autos por todos, bem como a presenga publica em audiéncias, Obviamente que 0 principio goza de excegio nos casos em que o interesse social ou mesmo particular venham a exigir discrigao e anonimato. Portanto, a publicidade ¢ restrita, nestes casos, para nao ensejar violagGes a direitos constitucionais. A publicidade dos atos processuais também possuem uma outra fungo primordial, qual seja: a de permitir que possuam eficécia. 2 Ressaltamos, contudo, que somente a lei poder restringir a publicidade dos atos processuais, nos casos em que a defesa da intimidade ou 0 interesse social assim exigirem (artigo 5°, inciso LX, da CF). 2.10. Principio do duplo grau de jurisdigao © principio do duplo grau de jurisdigiio tem por objetivo possibilitar a reapreciagao ou revisio da decisao judicial por outro érgio, de superior hierarquia, do Poder Judiciério, em grau de recurso, visando evitar decisdes injustas e equivocadas do juizo de primeiro grau. Ha na doutrina divergéncia quanto a ser este principio verdadeira garantia constitucional, ou apenas principio interno do processo civil. 2.14 Principio da economia processual Por economia processual se entendea busca pelo maximo em resultado com 0 menor emprego de atividade processual. Ou seja, para aplicagio da justiga deve hayer proporcionalidade entre fins e meios, entre custo e beneficio. Um menor niimero de atos praticados implica economia em lapso temporal — 0 gue, por conseguinte, leva & economia nos cofres publicos e no bolso do: particulares em lide. Sendo, a economia em tempo, um de seus pilares, este principio (j antes existente em nosso sistema processual) ganha relevancia constitucional com a incluso da garantia de tempo razodvel para finalizagdo do processo inserida no art. 5° pela EC 45 em 2004. A titulo de exemple, institutos conto a conexao, o litisconséreio, a reconvengio, os juizados especiais, 0 julgamento antecipado da lide, entre outros, so mostras da aplicagao pritica da economia processual, produzindo maior utilidade aos resultados processuais com menor despesa. 2.12. Principio da celeridade processual Prinefpio constitucional inovador adicionado em 2004 ao art. 5° (inciso LXX VIII) pela EC 45, da Reforma do Judiciério. Vertente derivada do principio do devido processo legal, a garantia de celeridade é 0 princfpio de razoabilidade temporal. Por ele, o proceso deve se dar em lapso de tempo que garanta a utilidade do resultado da sentenga. Na versio do préprio inciso: “a todos, no Ambito judicial e administrativo, sao assegurados a razodvel duragio do proceso ¢ os meios que garantam a celeridade de sua tramitagao”. 13 © principio transporta para constituigao, de forma mais detalhada, disposigao prevista pelo Pacto de Séo José da Costa Rica (artigo 8° - Garantias judiciais, item 1): “toda pessoa terd o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razodvel, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuragdo de qualquer acusago penal formulada contra ela, ou na determinagao de seus direitos e obrigagdes de carter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza”. A redagéio do artigo trabalha com dois pardmetros: 1) a necessidade de tempo minimo suficiente para elaboracao de provas e formagao da convicgaio do juiz (razodvel durago); 2) a obrigagio de agilidade dos mecanismos processuais para que o resultado nao seja inécuo, atendendo a um clamor social contra impunidade (razoabilidade ¢ celeridade de tramitago). Ele atribui aos trés poderes a obrigagao de dar realizagdo concreta 4 expectativa de tramitagao célere dos processos ©, para no se deixar esvaziar em concretude, veio acompanhado (na emenda da reforma do judicidrio) de mecanismos voltados para celeridade processual, como a atividade jurisdicional ininterrupta (art..93, XID, a simula vinculante (art. 103-A) ¢ a obrigatoriedade (conferida pelo art. 7°, da EC 45) de elaboragio legislativa em 180 dias de projetos de leis voltados a celeridade da prestago jurisdicional. 3. GARANTIAS CONSTITUCIONAIS PROCESSUAIS As garantias constitucionais processuais so instrumentos do devido proceso legal, expressamente consagradas no artigo 5.°, inciso LIV, da Constituigao Federal ao afirmar: “Ninguém serd privado da liberdade ou de seus bens sem 0 devido processo legal”. Temos como garantias especificas, as abaixo elencadas, que explicitam também os direitos individuais, por sua vez expressos em principios atinentes ao processo, explicitados anteriormente: + juiz natural: vedagao aos juizos ou tribunais de excecao; + contraditério e ampla defesa (artigo 5°, inciso LV); + igualdade processual: principio da isonomia (artigo 5.°, caput e inciso 1); + publicidade e dever de motivar as decisées judiciarias (artigos 5°, inciso LX e 93, inciso IX) ; + inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilicitos (artigo 5.°, inciso LVI); inviolabilidade de domicilio (artigo 5.°, inciso XD; sigilo das comunicagdes em geral e de dados (artigo 5.°, inciso XII); presungdio de ndo-culpabilidade do acusado (artigo 5.°, inciso LVI): 4 + vedagdo da identificagao criminal datiloseépica (artigo 5.°, inciso LVI); + _ pristio por autoridade competente (artigo 5.°, inciso LXD); + direito a liberdade proviséria com ou sem fianga (artigo 5.°, inciso LXVI); + vedagaio da incomunicabilidade do preso (artigo 5.°, inciso LX); + celeridade processual: direito & realizagao processual em tempo razodvel (art. 5°, inciso LXXVII). 4. INSTITUTOS FUNDAMENTAIS Como pilastras de"uma construgao, pode-se afirmar que todo processo civil esta edificado sobre quatro institutos sendo, os demais, decorrentes deles. Qualquer tema que se aborde depende, para sua compreens&o, de ao menos um destés.quatro. Em razao disto, estes foram denominados institutos fundaméntais: Sao eles: © jurisdigao; * acdo; © excegdio; © proceso. Por sua importancia, os institutos fundamentais serao abordados um a um, a partir deste médulo, na seguinte sequéncia: jurisdi¢a0 (médulos I e IN), agao (médulo II), excegao (médulo IM), e proceso (médulo IV e seguintes). 5. JURISDIGAO 5.1. Formas de composic¢ao da lide Relembrando a tripartigo classica de Montesquieu, a atividade jurisdicional reconhecida como sendo uma das fungdes do poder estatal, ao lado das fungdes administrativas e legislativas. O poder, em si, é uno e indivisivel, estabelecido nas trés fungdes mencionadas, criando um sistema de freios e contrapesos. O objeto da atividade jurisdicional é a solugao de conflitos de interesse (lide) no Ambito do sistema juridico. As formas de solugo da lide podem ser divididas em: 1s + Autotutela: a primeira forma de solugo de litigio ocorre por meio da autotutela, isto é, por meio da hipétese em que as partes solucionam suas controvérsias de maneira direta, sem a intervengdo de um terceiro estranho a propria lide. Qualquer meio poderia ser utilizado para a solugo do conflito, inclusive a forga ruta, representada pelo poder bélico ou econémico. Como exemplo, cabe aqui a seguinte hipétese: caso 0 devedor nfo pagasse uma divida, 0 credor se apropriaria de um bem do devedor, de valor equivalente ao crédito. Hoje, a autotutela, via de regra, é rechacada pelo Direito, a exemplo da previséo contida no artigo 345 do Cédigo Penal (fazer justiga pelas proprias mos, para satisfazer pretensdo, embora legitima, salvo quando a lei o permite), sendo, excepcionalmente, autorizada no Direito modemno, como por meio da legitima defesa da posse (pardgrafo 1.°, do artigo 1.210 do Cédigo Civil, in verbis: O possuidor turbado, ou esbulhado, poderé ‘manter-se ou restituir-se por sua prépria forga, contanto que 0 faca logo; os atos de defesa, ou de desforgo, no podem ir. além do. indispensdvel & manutengao, ou restituigéo da posse). + Autocomposigdo: 20s poucos, a alitotutela foi dando lugar,a outra forma de solugdo dos conflitos entre as partes, sinalizando um avango da civilizagio, mediante 0 concurso de terceiro desinteressado e imparcial, eleito pelos contendores, como no caso da atual arbitragem. Podemos visualizar a autocomposi¢ao por meio das seguintes hipdteses: - submisso: uma das partes deixa de oferecer resisténcia @ pretenso da outra, submetendo-se inteiramente & pretensio desta; - desisténcia: uma das partes no se submete, mas abre mao da pretenstio em si, em prol da outra; ~ _ transagio: concessées materiais reciprocas entre as partes. Tais solugdes parciais e precérias geraram a arbitragem, forma integral e completa de autocomposi¢ao. + Jurisdigdéo: somente com o desenvolvimento da nog&o de Estado e, bem mais tarde, com a nogdo de Estado de Direito, € que a tarefa de solucionar a lide entre as pessoas foi admitida como fungao do Estado. HA uma absoluta preferéncia pela solugdo jurisdicional estatal dos conflitos de interesses, de maneira que se considera monopélio do poder estatal. Tal assertiva é verdadeira, porém nao pode ser vista de maneira absoluta, pois a parte tem a opgo de, em algumas hipéteses, buscar o exercicio da arbitragem, de acordo com a previsdo da Lei n. 9.307/96, nao substituindo a jurisdigdo, j que esta resguarda inclusive o correto e regular exercicio da arbitragem, passivel de eventuais revis6es pelo Poder Judiciario. 16 Cumpre ressaltar ser a arbitragem uma op¢do feita pelos interessados para a solugdo dos litigios expressamente prevista em lei. A arbitragem & um meio alternativo de solugo de conflitos e, por conseguinte, de pacificago social, ndo afastando o controle jurisdicional (artigo 5, inciso XXXV, da Constituigdo Federal: "a lei no excluird da apreciagao do Poder Judiciario lestio ou ameaga a direito"). A atividade jurisdicional estatal esté em consondncia com o artigo 1.° da Lei n. 9,307/96, segundo o qual: “As pessoas capazes de contratar poderdo valer-se da arbitragem para dirimir litigios relativos a direitos patrimoniais disponiveis”. Trata-se, portanto, de mecanismo alternativo & atividade do Poder Judiciario. 5.2. Conceito Jurisdiggio € uma das fungdes do; Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente, buscar, por meio da pacificagtio do conflito que os envolye, 0 maior bem juridico do Direito que € 0 justo. Eo poder-dever de aplicago do direito objetivo conferido ao magistrado, enquanto agente investido em tal fungio. Tem, portanto, triplice enfoque, vista:como poder, dever ¢ atividade. Com efeito, 0 Estado, por meio do processo, seu instrumento, busca a atuagio da vontade do direito objetivo. A jurisdigdo pode assumir trés papéis: + poder: a jurisdi¢ao gera um poder de império, no qual as decisées, quando nao acolhidas espontaneamente, sfio impostas para gerar eficdcia; + funco (dever): expressa os encargos que tém'os drgdos estatais de promover a pacificagao de todos os conflitos, quer interindividuais, quer difusos ou coletivos, mediante a realizagao do direito justo, pelo proceso; + atividade: a jurisdigao é, ainda, um conjunto complexo e dindmico de atos do juiz no processo, exerdendo o poder e cumiprindo a fungao por meio do principio de legalidade. E somente por meio do devido processo legal que vislumbramos o poder, a fungdo € a atividade jurisdicional (artigo 5.°, inciso LIV, da Constituigéio Federal). 5.3. Garantias e principios da jurisdicao ‘Temos como garantias e prineipios da jurisdigao: + Devido processo legal: fica assegurado ao individuo 0 direito de ser processado nos termos da lei, garantindo ainda o contraditério, a ampla defesa ¢ 0 julgamento imparcial (artigo 5.°, incisos LIV e LV da Constituigiio Federal) Esse principio € considerado informador de todo o sistema processual, civil & penal, dele decorrendo inimeros outros principios. a + Contraditério: é, além de um principio fundamental, uma garantia de audiéncia bilateral, gerando uma indispensavel dialética que rege 0 processo, pois 0 6rgao judicante néo pode decidir uma questo ou pretensio sem que seja ouvida a parte contra a qual foi proposta, resguardando, dessa forma, a paridade dos litigantes nos atos processuais. Mesmo no pronunciamento do juiz inaudita altera pars, ha oportunidade de defesa contra quem a pretensio se dirige, gerando, inclusive, retratagdo por parte do érgio judicial, como forma de manifestago diferida, postergada, do contraditério. O principio é de tal importancia que foi objeto da terceira stimula vinculante editada pelo Supremo Tribunal Federal: “Nos processos perante o Tribunal de Contas da Unido asseguram-se 0 contraditério e a ampla defesa quando da decisio puder resultar anulago ou revogagao de ato administrative que beneficie o interessado, excetuada a apreciaglio da. legalidade do ato de concessio inicial de aposentadoria, reforma e penséo”. Inovaido trazida pela lei n? 11.277 de 2006, 0 artigo 285-Aido Cédigo de Proceso Civil, autoriza 0 juiz, quando a matéria for unicamente de direito e no juizo j4 houver sido proferida sentenga de total improcedéncia em outros casos idénticos, dispensar a citago da parte contriria e proferir sentenca de improcedéncia da'demanda, + Juiz/‘natural: todos tém direito de serem julgados por juiz independente e imparcial, previsto como érgao legalmente criado e instalado anteriormente a0 surgimento da lide. A prépria Constituigao, como forma de garantir duplamente 0 juiz natural, profbe os tribunais de excecao, isto &, aqueles tribunais instituidos para 0 julgamento de determinadas pessoas ou de crimes de determinada natureza sem previstio constitucional, a exemplo do Tribunal de Nuremberg, criado apés a Segunda Guerra para julgamento dos delitos praticados pelos nazistas (artigo 5.°, incisos XXXVI e LIII, da Constituigao Federal). + Indelegabilidade: nenhum dos poderes pode delegar atribuicdes politicas. Por se tratar de questo atinente a estrutura e ao funcionamento do Estado, o préprio texto constitucional, fixa as atribuigdes de cada um dos Orgdos do Poder Judiciério, bem como do seu contetido, nao podendo outra fonte, que no seja a prépria Constituigdo, modificar, por meio de delegagao, as atribuigdes do Poder Judiciério. Por isso, nem a lei infraconstitucional pode, muito menos os proprios membros do Poder Judiciario, alterar seus ambitos de atuagio, exceto no que tange a critérios legais de competéncia interna dos tribunais. + Indeclinabilidade (inafastabilidade): & 0 principio expresso no artigo 5.°, inciso XXXV, da Constituigdo Federal, que garante a todos 0 acesso ao Poder Judicidrio, no podendo este deixar de atender a quem venha deduzir uma pretensao fundada no Direito e pedir uma solugdo a ela. Nem mesmo em caso de lacuna ou obscuridade da lei, pode 0 juiz escusar-se de proferir decisio (artigo 126 do Cédigo de Processo Civil - "O juiz nfo se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber- Ihe-4 aplicar as normas legais; ndo as havendo, recorrera & analogia, aos costumes e aos principios gerais de direito"). E 0 préprio acesso a Justiga; por 18 conseguinte, esta afastado do nosso sistema juridico 0 non liquet, isto €, o juiz. deixar de decidir 0 mérito sob qualquer pretexto, adotando-se, por conseguinte, 0 sistema integrativo para as hipéteses de anomia (auséncia de normas) . = Ampla defesa (artigo 5.°, inciso LV, da Constituigdo Federal - "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral so assegurados © contraditério ¢ ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes"): é 0 princfpio que assegura a todos que esto implicados no proceso que, conforme © contraditério, possam produzir provas de maneira ampla, por todos os meios licitos conhecidos (artigo 5.°, inciso LVI, da Constituiggo Federal, contrario sensu - "so inadmissiveis, no processo, as provas obtidas por meios ilicitos"). ‘A ampla defesa tem como elementos a defesa técnica, por meio de advogado, € a defesa atécnica, consistente no direito de audiéncia e de presenga. + Fundamentagéio. das decisdes: segundo esse. principio, todas as decisdes precisam ser fundamentadas sob pena de nulidade. A fundamentagio ¢ indispensdvel para que a parte tenha elementos para recorrer; para que a parte possa ter ciéncia do motivo da decisdo;.e para garantir o principio da legalidade. Note-se que a decistio jurisdicional nao é discriciondria, sendo 0 dever atribuido ao Estado-juiz de promover a subsungao do fato 4 norma, de forma motivada, nos termos do artigo 93, inciso EX, da Constituigaio Federal/88, in verbis: "todos 6s julgamentos dos érgios do Poder Judiciério serao piblicos, ¢ fundamentadas todas as decisées, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar’a presenga, em determinados atos, as proprias partes ¢ a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservacao do. direito & intimidade do interessado no sigilo nao prejudique o interesse piblico a informagao". + Principio da investidura: as pessoas fisicas, representando o Estado no exercicio da jurisdiga0, quer por agentes politicos, quer por érgiies, precisam de formal investidura para que encarnem 0 Estado e tenham poder delegado daquele, para © exercicio da judicatura, sob pena de nulidade absoluta das decisées ¢ atos praticados. + Principio da aderéncia ao territério: a jurisdiga0, por ser um poder, esté sujeita a soberania, isto é, a autoridade suprema do Estado, gerando sua independéncia de outros, e, por dbvio, tal exercicio de poder s6 pode ocorrer dentro dos limites fisicos do territorio, para ndo ferir a soberania de outro Estado. Por isso, a decisao de um juiz brasileiro s6 poder produzir efeitos nos Estados estrangeiros, com a expressa autorizagdo dos drgdos competentes desses Estados. Da mesma forma, as decisdes estrangeiras produzirdo efeitos no territério nacional, desde que preenchidos os requisitos legais . + Inevitabilidade: a autoridade dos érgios jurisdicionais advém do poder estatal soberano e impée-se independentemente da vontade das partes. Pouco importa se elas aceitardo, ou n&o, o resultado do processo, pois esto num sistema de sujeig&o a0 Estado-juiz. 19 + Inércia: € 0 prinefpio que garante a imparcialidade do juiz, pois este deve manter-se eqiiidistante das partes, evitando-se que tenha qualquer iniciativa na relago processual. O juiz, caso iniciasse 0 procedimento, somente geraria mais conflitos em vez de solucionar os ja existentes, além da inevitavel parcialidade. Cumpre observar que ha excegdes legais, informadas por critérios de ordem piblica, que possibilitam ao juiz 0 inicio ex officio de relagdes processuais, a exemplo da declaragao de faléncia no curso do processo de recuperagao judicial, da concessio de habeas corpus, da abertura de inventério, da execugio de créditos trabalhistas e da execugdo penal. §.4. Caracteristicas (atributos) da jurisdigao Entre as caracteristicas da jurisdigao, encontramos coincidéncias nas quais as caracteristicas so também principios da jurisdigdo. Sdo caracteristicas da jurisdigdo: sua unidade, aderéncia ao territério, ser inevitavel, indeclinavel, indelegavel, imparcial e inerte. + Substitutividade: 0 Estado, por meio do Poder Judiciério, substitui as partes envolvidas na lide. Existem algumas excegdes no proceso civil, como j4 vimos, por intermédio da autotutela e da autocomposieao. J4 no processo penal, nao pode haver punigdo sem 0 devido processo legal, ainda que o réu queira voluntariamente se submeter & sango penal. + Imparcialidade: 0 Poder Judicirio instrumentaliza suas atividades por meio de seus érgios ¢ agentes. Para que goze de credibilidade, nem os drgfios, nem os agentes podem ter qualquer interesse no desfecho da lide, sob pena de perda do principio da confianga que as partes tém ao’ se submeterem, voluntaria ou involuntariamente, a jurisdigao. + Escopo juridico de atuagdo do Direito: o objetivo da jurisdigao é garantir o fiel cumprimento, do direito substantivo, material, que € presumidamente do conhecimiento’ de todos (artigo 3.° da Lei de:Introducaio do Cédigo Civil - "Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegafido que nfo a conhece"), mas que deve produzir efeitos, muitas vezes; independentemente da vontade das préprias partes. Assim, 0 proprio objeto da jurisdigo é fazer cumprir o direito objetivo. Em tiltima andlise, tal busca é imperiosa, j4 que 0 direito objetivo reflete bens juridicos tutelados pelo Estado de maneira hierarquizada. + Lide: 0 grande escopo da jurisdi¢o & a solugao dos conflitos de interesses, muitas vezes, pelo emprego de direitos nio-cristalizados ou de pretensdes insatisfeitas. A jurisdigdo se substitu aos sujeitos em litigio e restabelece a paz social pela aplicagdo da norma. Também no processo penal temos lide ou controvérsia, pois, de um lado, existe a pretenso punitiva e, de outro, a busca da ndo-incidéncia de sangao, + Inércia: os érgaos jurisdicionais so por sua propria natureza inertes, havendo dois brocardos importantes sobre a matéria: 20 — ne procedat iudex ex officio (0 juiz ndo pode proceder de oficio):; e, — nemo iudex sine actore (nfio hé juiz sem autor). Se a atividade jurisdicional visa a paz social, caso no houvesse inércia, poderia 0 proprio Estado criar mais conflitos. Ademais, o préprio érgao judicante que desse inicio & lide dificilmente iria querer a extingo do processo ou a improcedéncia da ago, para néo dar margem de que deu inicio a algo infundado ou de forma precipitada. No processo penal temos: — principio da indisponibilidade (artigos 42 e 576 do Cédigo de Processo Penal): 0 parquet nao pode dispor da agao penal; — principio da obrigatoriedade (artigos.16 ¢ 28 do Cédigo de Processo Penal): 0 Ministétio Publico nao tem discticionariedade para intentar ago penal, adotando-se o principio de legalidade, pois tem a obrigagéo de processar fatos delituosos de que tenha noticia, salvo nas hipéteses de representaciio. ‘A inércia esté prevista expressamente no artigo 2.° do Cédigo de Processo Civil, no qual o legislador menciona que o juiz no prestara tutela jurisdicional, a ndo ser quando a parte requerer, na forma da lei. O Cédigo de Processo Penal tem sta previstio no artigo 24, segundo o qual a deniincia seré promovida pelo Ministério Pablico; porém, em alguns casos, dependerd de requisig¢ao do Ministro da Justiga ou de representagao do ofendido. A inércia, portanto, prevalece tanto no processo civil quanto no processo penal. Porém, existem excegdes, quais sejam: — ojuiz pode declarar a faléncia de um comerciante de oficio, na hipétese de, no transcorrer do processo de recuperagdo judicial, verificar que falta algum dos requisitos (incisos II e IV do artigo 73 da Lei n° 11.101/2005 - Il O juiz decretaré a faléncia durante o processo de recuperagao judicial - IV por descumprimento de qualquer obrigagdo assumida no plano de recuperacao); — a execugio trabalhista pode ter inicio por ato do juiz (artigo 878 da Consolidagao das Leis Trabalhistas - "A execugélo poder ser promovida por qualquer interessado, ou ex officio pelo proprio Juiz ou Presidente ou Tribunal competente, nos termos do artigo anterior"); — a execugdo penal pode ser instaurada de oficio, no momento em que o juiz expede a guia de recolhimento para 0 cumprimento de pena (artigo 105 da Lei de Execugao Penal - "Transitando em julgado a sentenga que aplicar pena privativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, 0 Juiz ordenard a expedigao de guia de recolhimento para a execugao"); — 0 habeas corpus pode ser concedido de oficio (artigo 654, § 2.° do Cédigo de Processo Penal - "Os juizes e os tribunais tm competéncia para expedir 21 de oficio ordem de habeas corpus, quando no curso de processo verificarem que alguém sofre ou estd na iminéncia de sofrer coagdo ilegal"), além dos outros exemplos acima mencionados, quando do estudo do principio da inércia da jurisdigao (item 1.3). Definitividade: 86 08 atos jurisdicionais podem ser imutaveis, ou seja, os atos jurisdicionais nao passiveis de revisdo ou alterago, O proprio artigo 5°, inciso XXXVI, da Constituigdo Federal estabelece: “A lei néo prejudicaré 0 direito adquirido, 0 ato juridico perfeito e a coisa julgada”. Coisa julgada é a qualidade de imutabilidade dos efeitos de uma sentenga, em virtude da qual nem as partes podem repropor a mesma demanda em Juizo ou comportarem-se de modo diferente daquele preceituado, nem os juizes podem voltar a decidir a respeito, nem 0 proprio legislador pode emitir preceitos que contrariem, para as partes, 0 que j4 ficou definitivamente julgado."Nenhum dos atos administrativos ou legislativos gozam de tal imutabilidade. §.5. Divisdo da Jurisdigao ~ Estadual - Civil - Federal - Comum - Estadual - Penal Jurisdigao - Federal - Militar = Especial ~ Trabalhista - Eleitoral A rigor, a jurisdigao nao comporta divisdes, pois ndo hé pluralidade de soberania. A jurisdigao € una e indivisivel, assim como o poder soberano também é uno e indivisivel. Desse modo, a divisio da jurisdigdo se da apenas com a finalidade de imprimir eficiéncia e especializagdo da prestacao jurisdicional, por meio do instituto denominado competéncia, a ser oportunamente estudado. Apresentam-se as seguintes divisdes: Jurisdigdo especial ou comum: a Constituigo Federal dispde sobre as justigas que exercem a jurisdigao especial e as justigas que exercem a jurisdigao comum. Entre as que exercem jurisdig&o especial esto: a Militar (artigos 122 a 124), a Eleitoral (artigos 118 a 121), a do Trabalho (artigos 111 a 117) e as Militares Estaduais (artigo 125, § 3.°). No ambito da jurisdig&o comum estiio: a Justiga 2 Federal (artigos 106 a 110) e as Justigas Estaduais Ordindrias (artigos 125 ¢ 126). + Jurisdigdo penal e civil: 0 objeto da atividade jurisdicional é uma pretenséo de cunho material, como ja dissemos. Apesar do objeto material ser muito variado ireito Administrativo, Direito Comercial, Direito Tributério, Direito Previdenciério etc), a tutela pode ser civil ou pode ser penal. A tutela penal trata de pretenses punitivas e a tutela civil trata todas as demais, por exclusdo. Sao chamadas causas no-penais. Por isso, a Justiga Trabalhista tem, sob esse aspecto, natureza civil. Alids, é esta a tnica que nao tem nenhuma competéncia penal. Existe um relacionamento entre a jurisdigdio penal e a jurisdigao civil, até porque 0 ilicito penal ndo difere do civil, exceto emri'grau, sendo um, mero agravamento de uma preexistente ilicitude civil, mormente em virtude do cardter fragmentario do Direito Penal. primeira instancia e os de segundo grau: de segunda insténcia, Instancia € grau de jurisdigo; entrancia 6 grau administrative das comarcas e das carreiras de juizes ¢ promotores estaduais. Em relago & denominada jurisdicdo de eqitidade, determina 0 artigo 127 do Cédigo de Proceso Civil que 0 juiz decidira por eqilidade nos casos previstos em lei. Decidir por eqilidade é decidir sem as limitagdes impostas pela precisa regulamentagao egal. A jurisdiggo de eqiiidade est4 contraposta 4 jurisdiggo de direito e sua admissibilidade € excepcional. Nas arbitragens e no processo penal é regra geral. Saliente- se que decidir. com eqiiidade, diferentemente da expressiio por eqilidade, é forma de decisio legal ese traduz na possibilidade de o juiz, na interpretacdo ¢ aplicagéo do dispositivo legal, utilizar-se do artigo 5.° da Lei de Introdug30,a0 Cédigo Civil, buscando 0s fins sociais a que a lei se dirige e as exigéncias do bem comum. Por fim, temos a jurisdigao voluntéria, também chamada jurisdigao graciosa ou administragdo piiblica de interesses privados, assim definida em perspicaz expresso da doutrina, tratando-se de atividades extraordindrias do Poder Judiciério. 5.6. Limites da jurisdigao Sao limites da jurisdigdo: limites intemacionais, imunidades a jurisdi¢go brasileira e jurisdigaio voluntiria. + Limites internacionais: cada Estado, de acordo com suas normas internas, apresenta os limites de sua jurisdiga0. Temos como critérios: = conveniéncia: cada Estado tem os seus proprios valores, que independem dos valores adotados por outros Estados; 2B ~ _viabilidade: cada Estado viabi a forma de cumprimento de sentengas. A regra geral € que cada Estado tenha os limites de sua jurisdigdo, nos limites de seu tertitério. Estéo, a priori, ligadas ao territério brasileiro as seguintes agdes: 1) quando o réu tiver domicilio no Brasil; 2) quando a obrigagao tiver de ser cumprida no Brasil; 3) quando 0 fato gerador ocorreu no Brasil; 4) quando o objeto da pretensio for um imével situado no Brasil, assim como os bens de inventirio (artigos 88 e 89 do Cédigo de Processo Civil). + Imunidades a jurisdigdo brasileira: — 08 Estados estrangeiros; — 08 Chefes de Estados estrangeiros; — 0s agentes diplométicos. + Jurisdigéio voluntéria: & a jurisdigio graciosa, ou. administraga0 judicial de interesses'privados. Nao hé jurisdigao porque nao ha decisao do direito aplicado a lide, em substituigao a vontade dos interessados. A jurisdi¢ao voluntaria néo se assemelha a atividade jurisdicional, j4 que nao resolve conflitos, mas somente chancela, por forga da lei, o que os interessados jé resolveram; mas a eficdcia depende dessa chancela, isto é da manifestagao do Poder Judicirio, ainda que com mero cunho homologatério da vontade dos interessados. Nao faz coisa julgada (material, artigo 1.111 do Cédigo de Processo Civil), e a alegagao de vicios nela inseridos se dé por ago’ anulatéria, com prazo de quatro anos (art. 178, CC). Além de nao ser jurisdigdo, também nao € voluntaria, pois caso os interessados nao recorram ao Poder Judicidrio, nao terao outra via para obter a eficdcia da medida, muito embora hoje existam excegdes, como no caso da separagdo consensual, por forca da entrada em vigor da Lei 11.441 de 4 de janeiro de 2007. Exemplo de jurisdigao voluntéria é o da separagio judicial consensual, em que os cOnjuges, com o mesmo objetivo, véo ao Poder Judiciério para pedir manifestagio, desfazendo a sociedade conjugal existente. Nao hé conflito. Ambos querem desfazer a sociedade conjugal por meio da separacdo consensual. Porém, nao basta a vontade deliberada de ambos, pois é imprescindivel a homologagio do juiz. Ressalte-se que 0 magistrado nao é obrigado a homologar a separagdo, caso fira interesses das partes ou da prole: o interesse na separagéio é das partes; todavia, os efeitos sio de ordem publica. Observe-se, porém, que com a entrada em vigor da j4 mencionada Lei 11.441/07 passou a vigorar 0 artigo 1.124-A admitindo a substituigo da homologagao judicial tanto da separagao judicial quanto do divércio judicial, ambos consensuais, por escritura publica lavrada em tabelionato desde que nao existam filhos menores ou incapazes do casal desde que se observem os prazos legais j4 vigentes. Dessa forma, houve uma mitigagao da jurisdigao voluntaria, passando-se a admitir uma via nao judicial para tal homologagio. 4 Muito embora adotemos esse entendimento (que na jurisdico voluntéria nao a jurisdicional por nfo haver conflito), ha doutrinadores' que discordam. Para estes, mesmo na hipétese de administragdio de interesses privados, tanto na jurisdigao contenciosa, quanto da voluntétia, o juiz busca a pacificagao social. Nao obstante a identidade do escopo social, analisando-se a questio pelo lado juridico, a distingio entre jurisdigo voluntéria e jurisdigo contenciosa_influi consequéncias praticas. O cabimento da agdo resciséria ou ago homologatéria, por exemplo, depende fundamentalmente da natureza da atividade desenvolvida pelo juiz. De acordo com José Roberto dos Santos Bedaque, citando a posigdo do STJ, se houver mera homologagao de reconhecimento juridico do pedido, cabivel a aco anulatéria, pois a finalidade é desconstituir o proprio ato de vontade. A previsdo do artigo 485, VIII, incide to somente nas hipéteses em que a transagdo, o reconhecimento ou a rentincia forem adotados como fundamento da decisdo judicial, proferida em jurisdigao contenciosa (REsp 13102/sp, 4° turma, Rel. Mint. Athos Cameiro, j. 2.2.1993, DJ 8.3.1993). Todos os direitos reservados. E terminantemente proibida a reprodugao total ou parcial deste material didatico, por qualquer meio ou processo. A violagao dos direitos autorais caracteriza crime descrito na legislagao em vigor, sem prejutzo das sangées civis cabiveis. Como José Roberto dos Santos Bedaque. 25

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