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Capitulo um Técnica basica Saindo fora dos trilhos Portia, mulher de 30 anos de idade, extrovertida, atraente, com pe- s0 acima do normal, queixa-se no grupo de que “muito irracionalmen- te” desistiu do sauddvel estilo de vida que adotara no ano anterior. Ago- ra, declara, fuma pela manha, a fim de “por em funcionamento as tur- binas dos pulmédes”, Alega beber em demasia, comer uma comida mui- to pouco sauddvel e puxar fumo exageradamente. De algum modo ela “saiu dos trilhos”, conforme sua descricao. Don, o diretor, pede a Portia que construa alguns “‘trithos””. Por- tia escolhe quatro pessoas do grupo, que se deitam no chao em linhas paralelas, Portia fica de pé entre as linhas e Don pergunta-the quando ‘foi que ela saiu dos trithos. Apds alguns momentos de reflexao, Portia rresponde que foi em agosto. Don indaga 0 que estava acontecendo em agosto, Inicialmente Portia ndo consegue lembrar. Entdo recorda-se de ‘que uma amiga, Lucy, candidatou-se a um emprego na empresa onde ela trabathava é ficou muito zangada por néo ter sido escolhida. Don diz a Portia que “saia dos trithos"’. Ela cai para um dos lados e se esconde debaixo de uma cadeira. Objetos que representam comida, bebida, cigarros e drogas Ihe sio entregues. Ela os consome todos e fica angustiada, Quanto maior sua angiistia, mais répida e desesperadamen- te fuma, come e bebe. Don pergunta se ela jd esteve alguma vez nesse estado. Portia responde que isso Ihe recorda a época em que tinha 3 anos de idade, agachada por detrds da porta do banheiro, comendo pao, en- quanto seus pais discutiam na cozinha. ‘As cenas da cozinha e do banheiro sao delineadas e Portia escolhe ‘pessoas do grupo para representar os papéis do pai e da mae. Os pais de Portia estdo discutindo furiosa e histericamente. A mée acusa 0 de “‘ndo prestar” e grita com ele repetidas vezes: “Nao quero mais vi- . vaide um lado para outro edizque nao e estd acontecendo, que estd totalmente con- por detrds da portado bankeiro, enche sua boca de Comesa a chorar descontroladamente, u desamparo. Em um aparte dirigido a Don, declara Don pergunta se alguém poderd ajudd-la, “‘Nin- resposta. Pede-the que escolha alguém do grupo para atwar jue passe a observar a cena. Portia retir ‘menininha, naquele contexto tao tenso e esmagador. , esse papel de mera testemunha torna-se passivo demais ‘ransforma-se numa protetora indignada da menininha e pe- ue parem. Insiste em que eles prestem atencao em sua filha ‘se machucar um ao outro, Don solicita a Portia que represente, primeiro, a mde e depois 0 pai la. Nesses papéi imente eles ficam indignados com a interferén- cia indevida desse novo personagem e retomam a discussdo, ignorando a ajuda eo carinhoso est ‘quer interrupeao. De volta ao seu papel de 3 anos de idade, e com a iulo de seu protetor, Portia luta fisicamente com depois de muita pancadae gritaria, coloca-os porta afora. Estd triun- ‘mas também muito triste. Don faz com que os pais voltem para a iae Portia, em prantos, diz a mae o quanto gostaria que ela fosse mais ‘em sua vida e como sua depressao e seu “‘terrivel casamento”” interferiram na proximidade que deveria existir entre ambas. por ter Don, em seguida, faz Portia retornar a primeira cena comsuaa) ta aos participantes do grupo que voltem a atuar como ‘mais uma vez, estd de pé, entre os trilhos, Lucy fica furiosa laa responsdvel por ndo ter sido aceita no emprego. Inicial- ment Portiacomeyea querer aduareumigacsdarerpinartes nan Serencorajude porseu ‘roterorindignade”s que cinta stg 10 na: ‘A culpa nao é minha, a culpa ndo é minha, Poderia ter cuidado das ige-se aos paisedeclara: @ poreni tudo a perder. Néo sou culpada.”* A dramaticagao termina com Portia mais uma vez de pé, entre os tri- indo sua “‘testemunha™, quese transformou em seu protetor. do se separardo e declaram o miituoafetoeo qi nutro. Ela faz uma pausa durante alguns mome ‘pasado, mas livre dele. Entio agradece aos participan- desempenharam os varios papéis e senta-se com Don. ‘Como a agéo é a esséncia do psicodrama, torna-se tentador sim- apresentar aqui as dramatizages, uma apés a outra, e de jem hi wut6nomas, singelas ¢ compactas e, de certo modo, vao além das icagdes ¢ das andlises. So documentos humanos com sua propria imaginativa, suas proprias formas de expressdo verbal e seu \quanto produtos estéticos. Criaram uma atmosfera moral e emocional ligada a um lugar ¢ a um tempo e revestiram os aconteci- ‘mentos de um sentido verdadeiro. Sao uma expressio da paixao humana. Psicodramas encenados com hon pacidade de nos surpreender e nos encantar, apelam ao senso de mis rio e de temor respeitoso em nossas vidas, despertando sentimentos de piedade, beleza, dor ¢ companheirismo para com toda a criacao. Po- dem despertar um senso de solidariedade, conforme Conrad expressa em outro contexto, um senso que “‘entrelaga a sol meros coragdes, que conduz & solidariedade nos sonhos, na alegt tristeza, nas aspiragdes, nas ilusdes, na esperanca, no medo, que unem cada homem a outro, que ligam a humanidade inteira — os mortos aos vivos € 0s vivos aqueles que esto por nascer.”” A esse emprego do psi- codrama eu denomino ‘‘o psicodrama como revelagao”’ (> Comecemos agora por alguns termos e descricdes. O psicodrama | €um proceso no qual alguém representa situacSes pessoalmente rele- | vantes, numa situacdo de grupo. Tais situacSes podem ser penosas e, esse caso, a pessoa tentard las. Podem também ser satisfatérias | eentdo o psicodrama simplesmente as festeja. O psicodrama nao se preo- cupa unicamente com a raiva, a dor ou as emog6es “‘sombrias’”, mas | pode realizar-se com a simples finalidade de ilustrar ou exaltar. A maior 0 de Portia, contém uma afirmagao que que o rativa diante de outras pessoas que com sica, Os psicodramas auténi no paleo nosso _para_vivermos com nossa propria singularidade humana. wulos deste livro constituem uma introdugao_ para aqueles que esto seriamente interessados nos processos psicodrama, Os capitulos subseqiientes sa respeito ‘a exercer. Para explicacOes mais amplas sobre ‘am-se excelentes introdugdes em Blatner (197: tribui¢do a psicologia social. u A linguagem do psicodrama ’a assemelh 10 teatro popular. Com aparente natu- ica das vidas, mortes, amores, ddios ¢ cae seus encontros e desencon miembros do grupo, a pltéia, pereebern, 2, um eco de si mesmos, As pegas no con como as do teatro, mas so trabalhos dramaticos e posticos cr 20, aos olhos dos espectadores. Estes observam seu desenvol asso a passo, desde 0 momento da catarse e da 0. No drama aristotélico, a "catarse” (0 experimentar o medo 4 piedade, que ibera a pessoa dessas emogdes)realizava-se na platéia, No picodrama, o gar da catarse se desloca do espectador para 0 pal 0, para os prépros atores, Eniretanto, raro €0 psicodrama no qual 0s espectadores nfo sfo igualmente mobilizados. A catarse torn: se to- tal, envolvendo atorese espectadores. AS pessoas que representam as situagdes — os protagonistas — ex- pressam seu mundo fe na tragédia grega: “1 arrebatamento, um \c0s, representando sua vida em cena’’ (Moreno, 1946, p. 12). Ce- © termo empregado para indicar um tempo e um lugar q sendo apresentados. O cenario pode ser construido detalhadamente ou pode ser mero fragmento, sugerindo um tempo e um espaco reais ou imagindrios. O cenario ajuda a pessoa a aquecer-se para aquele tempo aquele lugar. Um trecho do diario do dramaturgo francés Jean Cocteau ilustra a ligagao existente entre o cendrio e o aquecimento. Encontrando-se no bairro onde passou a infancia, Cocteau tenta recapturar lembrancas per- didas, caminhando ao longo de um muro ¢ passando o dedo nele, como fazia quando crianga. As recordagses s4o poucas e sem vida. Ele fica desapontado. De repente recorda-se de que, quando crianca, deslizava, ledo num nivel diferente, sobre pedras diferentes. Cocteau abaixa-se, fecha os olhos e desliza 0 dedo na parede. Escreve: Assim como a agulha capta a melodia do disco, obtive uma melodia do passado com minha mao. Encontrei tudo: minha capa, minha pasta escolar, de couro, os nomes de meus amigos e professores, certas ex- DressOes que eu usava, a voz de meu av6, o cheiro de sua barba, 0 ccheiro dos vestidos de minha irma e da saia de minha mae. itado em Van den Berg, 1975, p. 212). e-em torno do problema “for. Os egos-auxiliares ajudam o diretor a produzir uma experién Uma crianga possui uma perspectiva diferente da do adulto, con- forme Cocteau descobriu. Ao voltar a expressar 0 acontecimento que fez surgir aquela perspectiva, a experiéncia pode ser reavaliada em ter- mos do mundo adulto. No muro, Cocteau ¢ simultaneamente crianga eadulto. A exemplo de Cocteau, os protagonistas se ajustam aos sulcos do passado como a agulha se ajusta ao disco, eles “‘captam a melodia do pasado”. Fles, em esséncia, o reavaliam em termos do presente, em ‘geral pelo fato de terem alterado aquela melodia, na cena representada, situada no pasado, conforme Portia fez na cozinha e como muitos pro- tagonistas fazem, segundo veremos. Apés esses dois capitulos introdu- t6rios, alguns modos nao padronizados de alterar essa melodia sero sugeridos. ‘Em geral, a primeira cena de uma dramatizacao ocorre no presente entado. A primeira cena de Portia, na ver- ;presentagdo da metéfora conti- \s”. Uma primeira cena costuma = que, algumas vezes, podem chegar a quatro icialmente para outros compartimentos da vida 7, para.o passado recente ou distante. Na dra- a segunda cena ocorreu com Lucy e foi uma cena curta, enquanto que a terceira cena se desenrolou na cozinha da fami- lia, quando Portia tinha trés anos de idade. ‘As cenas slo representadas num ‘‘palco’’, que pode ser um tabla- do, formal; porém, mais comumente, é um espaco da sala deli para esse objetivo. O mundo fisico do protagonista se expressa exter ‘mente por meio de cadeiras destinadas a representar objets — port bbancos, paredes, camas, aparelhos de televisio, fogdes (uma quat de surpreendente de psicodramas tem a cozinha como cenétio), sofas ce mesas de jantar. No psicodrama os elementos cénicos so, no entanto, ‘muito simples, em geral meia diizia de cadeiras ou o equivalente. Mem- ‘bros do grupo, denominados egos-auxiliares, representam personagens relevantes, sejam elas pais, até mesmo partes da pessoa”. Ej ‘empregado-para designar qualquer pessoa que fome parte na dramatizaco, além do di- “reior e do protagonista. Na medida em que garante a natureza drama- tuirgica do processo, o terapeuta ow lider do grupo & denominado dire. ‘matizacdo de Pe a proporcionar uma soluedo satisfatéria para o que quer que seja dra- ‘matizado pelo protagonista, — ‘Uma das cenas pode referir-se a infancia precoce, onde se imagina que se situam as origens dos sentimentos basicos e até mesmo do pro- bblema que se apresenta. O objetivo dessa representagdo nao é tanto a andlise das experiéncias relevantes quanto 0 fato de elas serem revividas e sentidas profundamente, Na cena nuclear o diretor pode encorajar os 13 sl + ‘OW Oy 9 aN O AINHIP SOUT eniog “missy “euad enpwiLd e awiuesaidar © OpuEyjOn Zaye ‘Blu "S]uSUNTSARMOSTpUT "opp “WaTEIPODT a mi ayUDUNsaf UNS 198 apo OF ‘Bus9 ® tod ayaMTeuOIDes OpEHasaide 10] anb PUTa|qOId 0 -t19} anb ster 40g “o17%>1 OOD ope: umeiporisd 0, ‘eugnejsies aiuadsearieuresp 198 apod uidesaioo1sd v 2 0 7 95 [O98 ap sopiren OFS ‘patina vlouguiedxs vuin 19s spod. euresp anb wo epipeu eu juofej01d SO swaIonU BUDD Up OBSE: injouoy ds OPUEN) ‘an aiafns (6 "4 “196 fT TOMEI “Pa|ONE jeaorousauoa etsesp 4 Idk US aytsUod “eI wD “onD “soTw 9p dao} vs aT 2 gd ue OIEy DOD —puUoyTOqUIS WearwayTearw FEI TORBIOIA 50 BpATE IOIDIP O sOsIHO SO “Oh $3 59 SBAOU YFPAS| iMod sS0SeIaTUF sens op 9 seuISOW IS 9p OFUUUP OU “Sos[ndul Sop 2 SOLaSop Sop OpSe7I[BOI F OBSONP WS SOTUAUNXOUI sHOs "SeOSSOT SEP, SOTE ap 3UT x “widersy 9 OBsePaAar OueNbU jur “eossad euin ap PUeIpII09 EpIA EU SeSuEpNU ap OPSEUDIUD “S28 p somnydea sou opnnasip ered Jesh] Win wD oRSezneUIp v eB>dus OoISgyAIS BUTBIpODISA O 208 apeproueiuodso ep ooninadeios 9 ouiprej9%a1 optitas © “=peplaut odni8 0 Woo 3 JOreup 0 wido OBSeieiu ep SpAbie BPEZTEIUIS 9 wp “tiodseureznptco anb sopentope soyuiuues urewasoide opu opuenb > i ShUSS8SAI5]3 "WOOO UD OBS sepedout¥901q0s T1UDU "J91000 PAap BSUEPNU F 9puO TRAN] wn anb op sepla sens ap apepioa vexed seistuoseioud so weniodsap op opuenb zeSny wngye Ws “STMOUIPONIIUIOq!D UPIPUDTUD > ‘ogdepoxos outo9 owen s1uaureotinadeia) owe esse oes5 wapod s995e7 ‘vureIPOISC OW aBIOUD anb OBxTed Vy ‘soyuaUeUOIDEI>4 Sop ep eRe OpSesyipou » opsuseiduioo eu “eanesiufis uu sos pod $9988) yewreap sty “So]WoUTeUOTDe[ar sios Uo Opniaiqos “CUD uy spu WOLTUyap as P svossad se Iepnfe wrvd a1uaUTe>ySOTBsISD wpHRud B SBOSSOC SP EPHTE “OPSE|DKAT O]UETDUD "EUTESPOIIST Q 9s ‘eideio) ojuenbua ‘avsseowss wapod PALs9p WO 98 “ORD ‘opSeZi7RuIesp ® EpIM|DUOD ap SIOdap « 189 anb 0,, janljur wassoud a wrouguodxa ¥ OpRaLIN eceran 40} se ses1u09UD 9 ‘OF OgSeuaou Ep aued oWlOd “SepETes0ouD “OpUpITe Hed OFS SeUadE OFU SPISEIUR] 9 SOIMBOTIOS “SSOSBULNNTE Dost (ORPTONT SG) wialadas as ssid se Sout opis, ‘opSezT Purp v ap SOg8M1 30 “woseUOSiad o Woo wistAasIUa ep ‘eSuepnut wp ep ojos STOA'W DTUUELIOIND 2ST OBS SOTTO SOP'T vf 2 qIX9 Ure SOD SE snu OPIS 101 Bssod , ows ovseuaoua vu souroson OWI0D ‘0% sOYAereUL OpsUN BUEN B no [oapHodnsut wORPH BUN 488 apod anb ‘Pfougtsadxa ens ayuouruajd wosnssaudyo v smis}uoM E precisamente com essa indagagdo que este ja, se a terapia pode ser uma técnica apaixona- -ossigamos com nossas definicdes € processos bi- quan juagdo em si, 0s protagonistas, de modo geral, nao possuem ja clara do que esto fazendo. Eles se encantam ¢ se aterrorizam jernativamente com lampejos de potencialidades, de esperangas e com ddoces alegrias que advém de uma aco desprovida de complicagées. les se movimentam dentro e fora do tempo, dentro e fora das estrutu- ras convencionais da realidade. Ser protagonista Ihes di um senso apai- xonado daquilo que so, de certo modo mais profunda ¢ explicitamente do que costumam viven a. No momento quando Portia teve um confronto com seus pais, ela vivenciou mais am- plamente a prépria culpa em relacdo ao sofrimento deles, mas também sua propria raiva diante do fato de eles serem como eram um para com ‘0 outro, independentemente das nevessidades dela enquanto crianca de trés anos de idade, Enquanto atuava a raiva que sentia dos pais ¢ a ne- cessidade que tinha deles, tornou-se evidente a frustraeao pelo fato de cles no se fazerem presentes em sua vida de maneira adequada. Blatner (1973) chama a atengao para a maxima psicoterapéutica: “Nao aborde a hostilidade sem que os protagonistas também vivenciem sua dependéncia”. Isto quer dizer que a necessidade que 0 protagonista sente em relagdo a algo (digamos, amor ou reconhecimento) se frustra, de certo modo, pelo outro, que para ele encerra um significado. A frus- trago ¢ o dio aparente das pessoas sio, de modo geral, mais acessiveis, do que suas necessidades e, assim, a camada de raiva deve ser vivencia- da antes que se possa ver a camada de amor. Portanto, na encenagdo de Portia, no temos a raiva ou 0 ddio como base real do drama, embo- ra tais emogdes ocupassem boa parte da narracao. O amor frustrado €0 tema fundamental. Ela se vé bloqueada diante do minimo de amor diante da estabilidade que uma crianca de trés anos poderia esperar tenta compensar isso com comida, A se enraivece antes que possa chorar de um modo dif ce, ela pode entrar em contato com o confli foal relatoda bell o: de recordagdes daquela bri- arregadla com recordagdes de outras brigas ¢ experiéncias se- , mesclada com as prdprias reflexdes de Portia sobre as expe- je ela viveu, Discutiremos mais amplamente a natureza cons- la realidade terapéutica no Capitulo 3, ao abordarmos a dramati- zacao intitulada “0 dilema de Dale”. Por enquanto, fica bem claro que ra declaradamente uma fantasia, na qual as agdes € 0 psicodrama acontecia. No psicodrama isto € denominado realidade su- lgade que alo ocorieu, mas. vossivel *, Bla é construida de acordo cor mento & com. a ae 5 anos de idade. Nao apenas nao é aconse- ‘Assim, as esperancas, temores, impulsos, mégoas, julgamentos jo de mundo do protagonista so trazidos para 0 palco. Nele, os protagonistas vivem e desempenham tu io amplamente quanto possivel. Durante algum tempo Portia pode realizar experimentos com ‘uma espécie um tanto alarmante de utopia, na qual a tinica moralidade € a verdade tal como ela a vé. ‘Apés a dramatizago, a sesso termina com olcompartilhams s objetos de cena jd nao so mais mesas, camas de casal, fogdes, gela- deiras etc., mas voltam & condigao anterior de meras cadeiras. Os egos- auxiliares sairam de seus papéis, ¢ so reconhecidos por aquilo que na verdade sio, isto é membros do grupo, ¢ sentam-se no circulo formado pelos demais participantes. O protagonist e o diretor juntam-se a0 grupo © 0 compartilhamento se inicia. Nao se trata de um bate-papo informal ‘ou de uma avaliaglo da dramatizacao, antes de uma costura semifor- mal dos sentimentos e das reacées do grupo narrativa e as emogdes da dramatizacio, jéncias mais profundas, os temores mais terr ‘raumatizantes podem muito bem ter sido encené dos, Os protagoni nelo medo-ou possuldos por una profunda terra, mostrando tudo nie ie eat crseaca, No maanio do compartibaente ox peotago- 5 se dao conta, através esomash fes costumam surpreender-se com o vigor do es- grandeza e beleza da pessoa que mostrou sua vida. de dramatizagdes encenadas com honestidade tornam-se 15 — generosas, sorridentes, enraivecidas, medrosas, cho- \cerram todas as parabolas e paradoxos da prépria hu- ‘coneeitos-chave de Moreno nao dizem respeito ao indi- jportante. Tele “é a mais la de um individuo a ou- ento emocional que existe do em que Moreno 0 emprega, quer dizer“ éempatia, significa um processo de mio dupla, ofluxo de sentimento que ‘corre entre duas ou mais pessoas, Tele, em oposigdo a transferéncia, io é uma repetigdo do passado, mas um processo espontiineo que é apro- nor das timento, ‘Assim, um étomo se, a cunhada, 0 pai, o pri- trabalho, 0 cachorro, pessoa, quando jodos os mem- um determinado A filosofia essencial ga que deu origem e direedo ao psicodrama chamou-se Jacob Durante seus tempos de estu- trabalho que agora se conhe- grupo. Na verdade, ao.que se diz, foi ele quem dew origem a terapia _de grupo ou empregou o termo pela primeira vez. Em 1922 el ‘um palo especialmente adaptado ao trabalho sobre a esponta Das Stegreiftheater — o teatro da espontancidade, Os primeiros atores de sua “‘companhia’” eram eriangas, mas, aos poucos foram sendo substituidos por adultos. No teatro da espontancidade de Moreno, 0 _esforgo para se aleancar a perfeicdo foi posto de lado em favor do ‘estar-presente-no-momento-da-criaca0. O que contava era @ aventura € 0 radical 10: A diferenga entre 0 modo como eu construia o paleo e a maneira co- ‘mo os russos o faziam consistia no fato de que seus palcos, por mais icionarios que fossem em sua forma exteri dedicados a uma produedo ensaiada, Eram, portant rios na expresso externa e no contetido revolucdo que eu advogava era complet: 08 atores, o dramaturgo ¢ os produtores, em outras palavras, as pré- prias pessoas ¢ no unicamente as formas de apresentacio, (Moreno, 1964, p. 100) revolucioné- no teatro da espontaneidade, le inocéncia origi 1984). A palavra falada, que, para ut ional era o ponto de partida, para o ator do teatro da espontaneidade era apenas o fim. O ator esponténeo comega, de fato, pelo estado de “espontaneidade: © ator convencional precisa ser destreinado e descondicionado para que possa se tornar um ator do teatro da espontaneidade. Eis aqui uma outra razio pela qual tantos ‘‘ndo atores” sao bem-sucedidos no teste para o trabalho espontaneo. A fonte em que se inspiram & 4 propria vida e no as pecas escritas do teatro convencional. (Moreno, 1964, p. 74) fa (atores cuja “fon suldade de preparar no iminando seus pre- conceitos arraigados em relagdo ao teatro, o Stegreiftheater de M acabou fechando as portas. Segundo ele argumentava, para que po de teatro fosse bem-sucedido, primeiro seria preciso modifi uma revolu: ‘ido no Stegreiftheater, Moreno reco- ‘ cspectadores, eldade, tao vital, interessante ¢ de seus procedimentos. E se a espont 19 verdade, a chave da ‘‘satide mental’? Moreno ob- imente seus atores e, vez por outta, notava uma trans- do palco para suas vidas pessoais. Em casa, a esponta- ile produzia bons resultados. ‘O movimento da espontaneidade era essencialmente religioso e trans- yrmativo, Moreno afirmava ter escolhido “a via do teatro em vez de ade- ‘uma seita religiosa, entrar para um mosteiro ou desenvolver um sistema 3), Entre 1908 ¢ 1914 ele viveu um periodo de Levi para Moreno, que era também um no- jino-chefe’ Ele e quatro jovens fundaram (Mo- es recebidas iam para um fundo de sa do Encontro”, um abrigo para pessoas carentes em Vi 10 tumultuado perfodo que precedeu a Primeira Guerra Mundi ‘Moreno comecou a aplicar na terapia suas idéias transcendent spgdes que obteve da espontaneidade tal como ela se expressava ro, No terapia, no teatro e na religido, as pessoas se relinem para vem a si mesmas e umas is outras, para estabelecerem um vinculo com sua propria existencia, Elas procuram significado, aquilo que thes €comum e redengao, Na espontaneidade os “dois eus” — o narrador’) -0 consciente ¢ o fazedor inconsciente — se encontram de tal mo- / mncjonarem.como um todo harmonioso, A agdo fui com facilida | de e-sem impedimentos. A agao e a avaliagao da acdo so automaticas | ¢, em conseqiiéncia, nada problemitica. Moreno, com grande coerén- cia, sustenta que o mais alto valor da espontaneidade e da criativid se manifesta através de um ser totalmente espontaneo, a ‘‘divindade No mundo psicodramatico, 0 fato da personificagdo € central, axio- matico e universal. Todo mundo pode retratar sua prdpria versdo de s prOprias agbes e, assim, comunicar essa versio aos jcado de meu primeiro livro, no qual eu pro- do eu foi considerada a mais notavel manifestagtio de megalomania Na realidade, quando 0 eu-deus esta universalizado, mania mais do que uma megalom: s mos ‘40 diminutos e jamais foi tdo universal em sua ‘como se encontra em meu livro. (Moreno, 1969, p. 21). 20 (por vir, real, eri Em 1925 Moreno emigrou para os Estados Unidos, onde passou a clinicar como psiquiatra. Em 1928, casou-se com Zerka Toeman, co- autora dos volumes II ¢ Ill do Psychodrama. Como Zetka Moreno, cla exerceu profunda influéncia no no era a favor de uma abordagem ima, ao passo que Zerka Moreno preconizava uma aborda- al’” que se concentrava em uma experiéncia passada funda- . Essa abordagem catdrtica con: 1a base para 0 da geragdo moderna de estudantes e hoje ¢ considerada ca’” (Fox, 1987). Moreno estabeleceu um centro particular de tratamento ¢ forma- ‘sao em Beacon, no estado de Nova York, onde ensinou e escreveu pro- digiosamente até sua morte, ocorrida em 1974. Acreditava que suas téc- nicas eram mais avancadas que as de Freud. Através da espontanei: do psicodrama o cliente ¢ terapeuta poderiam_participar ativame! de situagdes semelhantes as que se davam na vida e modificar compor- tamentos in situ, por assim dizer. O conceito de Moreno relativo a uma ‘Pessoa que funcionasse bem baseava-se na idéia da personalidade que desempenha multiplos papéis, isto é, de uma pessoa flexivel, com capa- cidade de adaptacao, que poderia agir de modo apropriado em quais- quer situagoes que a vida Ihe apresentasse. problema ndo consiste em abandonar 0 mundo da fantasia ou vice- versa, mas em det 10 possa obter am- plo dominio da situagdo, vivendo em ambos os mundos, mas sendo capaz de ir de um para outro. Isto espontaneidade. (Moreno, 1964, p. 72) A espontaneidade é 0 “‘aqui e agora’’. F 0 “*homem em ago, o homem Tangado na acéo, 0 momento nao como parte da historia, mas a hist6ria. ‘como parte do momento” (Moreno, 1956, p. 60). Na vida sempre existe ‘um certo grau de imprevisibilidade. Se alguém pudesse saber como é 0 futuro, néo haveria necessidade de espontaneidade. Poder-se-ia estabe- lecer um padrao fixo de comportamento para enirentar todos 0s pro- blemas que viessem a surgir. No entanto, como nao se pode predizer © futuro, é preciso estarmos preparados para tudo. Até mesmo um be- comida, mudanga de roupa e contato humano. Nos adul 8, a falta de espontaneidade gera a ansiedade. A medida que a espontanei- ‘dade aumenta, a ansiedade diminui. A pessoa ¢ capaz de se haver com O-momento seguinte e até mesmo de crié-o. A pessoa no apenas se adap- ages, mas reage a elas Ea ‘modo construtivo. Bla no s0- ia. lade, aquela que esta a, atual, Em sua forma mais elevada, a espontanei- 21 ago, que pode ser simplesmente um novo modo de com- itura, um poema, um: a ire duas pessoas. A verdadeira cri tividade pode ser encontrada na vida cotidiana. jatividade s4o, portanto, categorias de uma ) idade pertence & categoria da substincia — 6a substancia primordial — e a espontaneidade pertence a categoria isador primordial. eet - —) (Moreno, 1953, p. 40) ‘Talvez por esse motivo, a agdo era essencial, na abordagem de Mo- reno em relacio a terapia, Sua énfase no grupo, nos encontros intensos na ago foi muito mais revoluciondria no universo psiquidtrico dos ‘anos 20.e 30 do que nos pode parecer hoje. A acdo era sindnimo de ragdo. Como a flexibilidade do papel era 0 objetivo e como os papy quase sempre sao interpessoais, 0 psicodrama se firmou como uma te- rapia essencialmente interpessoal. J4 em 1916 Moreno empregava di sgramas para indicar 0 espago e os movimentos entre os atores do psico- Grama, quase do mesmo modo como Lewin os adotaria em 1936, ‘Até mesmo sua nogao do inconsciente era dinamica e interpessoal cc, assim,.ele criticava a énfase que Freud airibuia ao inconsciente en- ‘quanto éntidade. Os diretores do psicodrama seguiram este conceito di- nndmico, embora simples. Tendem a encarar 0 material néo como algo “enterrado” no inconsciente, mas consideram que alguns-significados indo estao A disposicao das pessoas devido a indmeras razSes. Sob esse “ponto de vista, 0 assim chamado material “reprimido”” & mera extensio de uma estrutura usual endo algo que existe em um estado diferente psicodrama en iza a extensfo e a criagdo do significado, mais do {que a escavagio de algo sepultado no inconsciente e que contém o signi- ficado. Os diretores entram com os protagonistas numa experigncia que, jvez ndo faga sentido e deixam a integraedo para out yrocessamento” de uma dramatizacdo). Moreno pos ‘experimentagiio em seus pacientes, of proprios ‘a capacidade de experimentar: a espontaneidade preciss Moreno, portanto, foi um maravilhoso defensor da 1981). A natureza Por ndo possuirem uma fundamentago tes- * e, mais substantivamente, pelo fato de seus went além do individuo que estava sendo analisado, Moreno era de ¥A.0s grupos interpessoais possuia maior amplitude e incluia “uma total ‘compreensio do comportamento humano”’. Na verdade, ele achava que as formulagdes da criatividade/espontancidade estavam na raiz de todo comportaniento, fe 0 comportamento do préprio universo. Embora amplamente festejado enquanto viveu, Moreno jamais ob- teve o reconhecimento que almejava (Moreno, 1953). Denominava seu método “terapia para deuses decaidos” etalvez se considerasse um deus no to decaidlo assim. Nao era pessoa que ambicionasse pouco em sua terapia, conforme alguns dos tftulos de seus livros sugerem: Palavras do pai ou Psicopatologia e psicoterapia do cosmos ou Psicodrama de Adolf Hitler ow Salve, Criador.. viso de Moreno era essencialmente teoldgica (Kraus, 1948). Bla foi transposta para a terapiae ‘cada enquanto tal, colocacdo que se tornaré um dos pont deste livro. Muitos acham calorosa e simpatica a ingénua grandeza de suas ambigées em relago ao movimento que ele fundou. No entanto, nna comunidade cientifica, ndo é de se esperar a mesma a raa“‘citncia”” da tenha provocado grande imps cadlas de 40 e 50: Hoje ele é lembrado como fazendo parte do ps cologia so desem método de terapia de grupo do psicodrama, que é pra- ticado ainda do modo como ele o iniciou. (Hare, 1986, pp. 90-1 136 ¢ 1956 e também usou a revista Group Psychotherapy como a principal veiculadora de seus es- critos. Tomou a i parte dela tem um sabor autocongra reno, Moreno ¢ Moreno, 1963; Moreno, latério (ver, por Moreno e Moret cultural prolongado. De certa form: seu messianismo com as provas cot de que o mundo nao estava melhorando, conforme se predissera. Ele tinha a ambigdo de que o ps \ciodrama nao fossem apenas uma “terceira revolucdio’ ldgica (Moreno, 1964), mas que ocupassem um lugar no (Masserman e Moren\ Moreno, 1968). Eis as palavras de abertura de Quem sobreviverd?: “Um procedim 2B (Moreno, 1953). O inconsciente era o minimo de- im da humanidade, ¢ a espontaneidade era a mais alta ‘ava o destino do século XX como algo que dependi o do relacionamento das pessoas com a prdpria espontaneida- ‘Quando 0s fatos pareciam se opor a esse acontecimento, © cardter Moreno o levava a procurar com determinacao ainda maior, respos- idas de ambigtidade. as ambigdes em rela¢do ao psicodrama e & sociometria até agora 1 foram realizadas e talvez jamais 0 serao. Embora muitos profissio- is da psicologia e até mesmo muitos leigos tenham ouvido falar do icodrama, em escala mundial o processo do psicodrama (que se dis- gue dos métodos de aciio) € pouco empregado enquanto modalidade inica. Ele provocou certo impacto na Europa (Leutz, 1973) ¢ é muito jpular nos paises da América Latina. No entanto, dificilmente pode- ria ser considerado como ‘a terceira revolugao psiquidtrica’’, segundo a previsio de Moreno. Até mesmo a casa onde se fundou o movimento, em Beacon, foi vendida, Embora 0 movimento conte com muitos bol 1s, publicados por associacdes locais, possui apenas uma revista em gles. O psicodrama raramente é ensinado nos cursos de psicologia, psi- € servigo social, em nivel universitario e ndo parece ser objeto produgdes ou de pesquisas conceituais, seja no Psychodrama ‘ado em inglés ou em outras publicagdes cientificas. Nao re- ignificativas enquanto teoria da personalidade (Bischof, , trechos e fragmentos foram emprestados do génio icados em espacos clinicos como ‘‘métodos de ago", as adicionais visando outros modos de se fazer terapia. Sem- pre foi assim, desde os dias da terapia de grupo, ¢ parte considerdvel dos escritos de Moreno foi dedicada ao brado: “Ladrao! 24 Capitulo dois Paixao pela acao ‘Quando partires para Itaca Pede que tua viagem seja demorada, Repleta de aventuras, repleta de aprendizado. C. P. Cavafy ‘Acesséncia dos métodos de ago € a acdo. Os **métodos de agi slo formas de compreender e de atuar, derivadas do psicodrama, que nao envolvem um psicodrama completo enquanto tal. Por exemplo, a troca de papéis um metodo de aco, assim como a “técnica da cadeira vvazia" e varias formas de sociometria..Os métodos de ago remetem uma arr: verbal ao espaco e ao tempo. Produzem didlogo. Captam ‘mensagens do inconsciente"’, a0 fazerem uso de pequenos movimen- tos corporais, maximizando-os. Assim, a boca que se torce, ou um sus- iro, ou um punho cerrado ou o bater os pés sA0 agdes que sao repeti- ddas ¢ ampliadas. Bater os pés pode transformar-se em sapatear; 0 sapa- teado pode transformar-se em um pulo ou em um chute. ‘Naturalmente esse tipo de comportamento modifica aquilo que, no inicio, poderia ter sido um dilogo um tanto sobrio e travado (por exem- plo, o que ocorre entre um empregado e seu patrao), transformando-o em algo muito diferente. Enquanto pulam para cima e para baixo, os pprotagonistas provavelmente terdo novos pensamentos ¢ dirdo coisas mui- to novas a alguém, mais do que faziam antes ou mais do que fariam imilhanea nao esti em questo. A realidade iteragdo € ampliada, mesmo que o contetido nao possa fora da sala de terapi “Os métodos possuem a capacidade de chegar rapidamente ao “‘cer- sto", no que se refere a emocdo e & interardo. Digamos que ia que esta tendo “problemas” com seu filho. O diretor Ihe solicita que diga duas palavras que poderiam descrevé-lo. ‘*Fraco e delicado” é a respos iata. Em seguida € instado a empregar uma palavra ou um simbolo que descrevam seu relacionamento com 0 filho. “E como tentar pegar uma mosca com aqueles pauzinhos que se usam nos restaurantes chineses”, diz. ele. Entdo o diretor pede a pessoa que escolha alguém para ser a mosca. Segue-se a perseguigdo na sala ¢ o ho- ‘mem tenta pegar a mosca, como se ele fosse o par de pauzinhos. Ele troca de papel, torna-se a mosca e sente o que significa conseguir escapar 28

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