You are on page 1of 3

“Nois foi” é errado. Será?

Que trem bão escrevê pro jornal Clarim! Se eu continuasse escrevendo

este artigo em mineirês, três coisas poderiam acontecer: o artigo seria rejeitado

pelo jornal, o jornal seria criticado por tê-lo publicado, ou ainda, o artigo não

seria levado a sério pelos leitores. Se milhares de pessoas em Minas falam

assim, por que existe uma reação, muitas vezes negativa, a esta variação

linguística?

Através da nossa fala e dos elementos linguísticos pertinentes ao nosso

dialeto, nós comunicamos aos outros muita da nossa identidade, revelando, por

exemplo, nossa origem, etnia, gênero, etc., seja de forma consciente ou não. Em

outras palavras, língua e identidade estão intimamente relacionados.

Quando nos referimos a língua portuguesa, logo pensamos na língua

padrão, aquela que muitas vezes só adquirimos na escola, e que associamos

mais de perto com a linguagem escrita. Acreditamos ser esta a forma correta da

língua e aos outros falares lhes damos o baixo rank de dialetos.

A verdade é que não existe nenhuma evidência linguística que separe

língua de dialeto. Em outras palavras, não existe diferença entre eles, sob o

ponto de vista linguístico. Socialmente, entretanto, a história é outra. Língua é

considerada a variedade que tem prestígio porque a associamos com as classes

mais altas, intelectuais, enfim, com os membros mais poderosos da nossa


sociedade. Os livros de português para estrangeiros, por exemplo, trazem em

seus CDs a pronúncia de São Paulo, capital, aquela mesma que ouvimos na

televisão e que soa aos nossos ouvidos como uma pronúncia neutra, livre de

sotaques, não marcada, apesar de, na realidade, não haver língua/dialeto sem

sotaques. A escolha desse sotaque tem relação com o domínio econômico e

cultural que São Paulo tem em relação a outros lugares do Brasil. Damos

preferência ao falar padrão em relação ao nosso falar regional por uma questão

de poder e prestígio dos falantes da língua padrão. Se Minas Gerais fosse o

estado mais poderoso e rico do Brasil, as pessoas certamente teriam uma

percepção diferente do nosso jeito mineiro de falar. Existe uma grande diferença

entre expressar uma opinião e descobrir os fatos. E o fato é que não existe

nenhuma evidência linguística de que uma língua seja mais correta que outra.

Então, quando julgamos uma maneira de falar, estamos, na verdade, julgando o

falante, e não a fala propriamente dita. Preconceitos em relação a língua estão

sempre associados com outros tipos de preconceitos, como origem e etnia.

O leitor deve estar se perguntando, já que nenhuma forma de falar é

melhor que outra, vale tudo? Bem, depende do meio em que você está e dos

ouvintes. Só será considerado inadequado, se, por exemplo, uso o português

padrão para falar em uma comunidade linguística onde outro dialeto é a norma.

Como disse no início, língua e identidade estão associadas. Falando o mesmo

dialeto das pessoas que estão ao nosso redor, nos comunicamos melhor e nos

aproximamos mais das pessoas com quem queremos nos relacionar.


Denise Osborne é mestranda em Lingüística Aplicada no Teachers College

Columbia University (Nova York) e professora de português como língua

estrangeira.

Artigo originalmente publicado pelo Jornal Clarim (Minas Gerais, Brasil):

Osborne, D. (2007, July 20). ‘Nois foi’ é errado. Será? Clarim, Ano 12, n. 577, p.
A2.

You might also like