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I. QUEM AMA O SEU PAI ou a sua mãe mais do que a mim não é digno de
mim; quem ama o seu filho ou a sua filha mais do que a mim não é digno de
mim, lemos no Evangelho da Missa1. Quando decidimos livremente seguir a
Deus por completo, entendemos que os outros planos devem ceder: pai, mãe,
noivo, noiva... O chamamento de Deus vem em primeiro lugar, e todas as
outras coisas devem ficar em segundo plano.
Geralmente, não há razão para que surja uma oposição entre ambos, mas
se em algum caso chega a dar-se, será necessário lembrar-se daquelas
palavras de Cristo adolescente no Templo de Jerusalém: Por que me
buscáveis? Não sabíeis que devo ocupar- me nas coisas de meu Pai?2 É a
resposta de Jesus a Maria e a José, que o procuravam angustiados, e que
constitui um ensinamento para os filhos e para os pais: para os filhos, porque
devem aprender que não se pode antepor o carinho familiar ao amor de Deus,
especialmente quando o Senhor pede um seguimento de entrega total; para os
pais, porque devem ser conscientes de que os seus filhos são acima de tudo
de Deus, e que Ele tem direito a dispor deles, ainda que por vezes isso
implique um grande sacrifício para os pais3.
Triste decisão seria a daquele que fizesse ouvidos surdos a Deus para não
causar um desgosto aos pais, e mais triste consolo seria nesse caso o dos
pais, pois, como diz São Bernardo, “o seu consolo é a morte do filho” 4.
Dificilmente poderiam causar-lhe maior mal.
“Pelo contrário, é uma honra imensa, um orgulho grande e santo, uma prova
de predilecção, um carinho particularíssimo, que Deus manifestou num
momento concreto, mas que estava na sua mente desde toda a eternidade”5. É
a maior honra que o Senhor pode conceder a uma família, uma das maiores
bênçãos.
São Tomás sublinha que Tiago e João são louvados por terem seguido o
Senhor abandonando o pai, e que não o fizeram porque este os incitasse ao
mal, mas porque “consideraram que o seu pai poderia passar a vida de outro
modo, seguindo eles o Senhor”6. O Mestre passou pela vida deles, chamou-os,
e a partir desse momento todas as outras coisas ficaram em segundo plano.
No Céu, os pais terão uma glória especial, fruto em boa parte da
correspondência dos seus filhos à chamada de Deus: a vocação é um bem e
uma bênção para todos.
A vocação é iniciativa divina; Ele sabe muito bem o que é melhor para
aquele que foi chamado e para a respectiva família. Muitos pais aceitam
incondicionalmente e com alegria a vontade de Deus para os seus filhos, e dão
graças quando algum deles é chamado a seguir o Senhor por toda a vida;
outros adoptam atitudes muito diferentes, alimentadas por vários motivos:
lógicos e compreensíveis uns, com laivos de egoísmo outros.
Esquecem que eles são “colaboradores de Deus”, e que é lei da vida que os
filhos deixem o lar paterno para formarem por sua vez um novo lar, ou
simplesmente que o façam por razões de trabalho, de estudo. E não lhes
acontece nenhuma desgraça. E há casos em que são as próprias famílias que
fomentam essa separação para o bem dos filhos. Por que hão de pôr
obstáculos ao seguimento de Cristo? Ele “jamais separa as almas”8.
III. OS BONS PAIS sempre desejam o melhor para os seus filhos. São
capazes de realizar os maiores sacrifícios pelo bem humano de cada um deles.
E, é claro, pelo seu bem espiritual. Sacrificam-se para que cresçam cheios de
saúde, para que progridam nos estudos, para que tenham bons amigos, para
que vivam conforme o querer de Deus e levem uma vida honrada e cristã. Para
isso Deus os chamou ao matrimónio; a educação dos filhos é um querer
expresso de Deus nas suas vidas; é de lei natural.
Os pais devem pedir o melhor para os seus filhos, e o melhor é que sigam a
chamada divina com que Deus os abençoou. Este é o grande segredo para
serem felizes na terra e chegarem ao Céu, onde os espera uma
bem-aventurança sem limites e sem fim. Do ponto de vista de cada chamada
considerada em si mesma, não há dúvida de que a castidade no celibato por
amor a Deus é a vocação mais excelsa de todas. “A Igreja, durante toda a sua
história, defendeu sempre a superioridade deste carisma – da virgindade ou
celibato – em comparação com o do matrimónio, por causa do vínculo singular
que o prende ao Reino de Deus”13.
Quantas vocações para uma entrega plena não concedeu Deus aos filhos
em atenção à generosidade e à oração dos pais! Mais ainda: o Senhor
serve-se normalmente dos próprios pais para criar um clima idóneo em que
possa vingar e desenvolver-se nos filhos o germe da vocação: “Os cônjuges
cristãos – afirma o Concílio Vaticano II – são um para o outro, para os filhos e
para os demais familiares, cooperadores da graça e testemunhas da fé. Para
os filhos, são eles os primeiros anunciadores e educadores da fé. Formam-nos
para a vida cristã e apostólica pela palavra e pelo exemplo. Ajudam-nos com
prudência na escolha da vocação e fomentam com todo o esmero a vocação
sagrada quando a descobrem neles”14. Não podem ir mais longe, pois não lhes
compete discernir se os filhos têm ou não vocação; devem unicamente
formar-lhes bem a consciência e ajudá-los a descobrir o seu caminho, sem lhes
forçar a vontade.
Uma vocação no seio de uma família significa uma especial confiança e
predilecção do Senhor para com todos. É um privilégio, que é necessário
proteger – especialmente mediante a oração – como um grande tesouro. Deus
abençoa a mãos cheias o lar em que nasceu uma vocação fiel: “Não é
sacrifício entregar os filhos ao serviço de Deus; é honra e alegria”15.
(1) Mt 10, 34; 11, 1; (2) Lc 2, 49; (3) cfr. Sagrada Bíblia, Santos Evangelhos, notas a Mt 10,
34-37 e Lc 2, 49; (4) São Bernardo, Epístola, 3, 2; (5) São Josemaría Escrivá, Forja, n. 18; (6)
São Tomás, Suma Teológica, II-II, q. 101, a. 4, ad. 1; (7) Pio XI, Enc. Ad catholici sacerdotii,
20-XII-1935; (8) cfr. São Josemaría Escrivá, Sulco, n. 23; (9) Mt 15, 21-28; (10) Mt 17, 14-20;
(11) Mt 9, 18-26; (12) Mt 20, 20-21; (13) João Paulo II, Exort. Apost. Familiaris consortio,
22-XI-1981, n. 16; (14) Conc. Vat. II, Decr. Apostolicam actuositatem, 11; (15) São Josemaría
Escrivá, Sulco, n. 22.