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SAMIZDAT

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30
julho
2010
ano III

ficina

fim?
SAMIZDAT 30
julho de 2010

Edição, Capa e Diagramação: Editorial


Henry Alfred Bugalho
É chegada a hora de nos despedirmos.
Revisão Geral Oferecemos a vocês o que tínhamos de melhor, de mais
Maria de Fátima Romani criativo, o nosso sangue e a nossa alma e esperamos que
tenhamos saciado parte da sua sede por Literatura.
Autores Nesta estrada das Letras, muitos de nós ainda ensaiam os
Caio Rudá primeiros passos e é difícil mensurar a importância que uma
Cirilo S. Lemos publicação como a Revista SAMIZDAT tem, quando se trata
Henry Alfred Bugalho de nos motivar e dar-nos um retorno dos leitores.
Joaquim Bispo Todos os escritores desejam ser lidos, que as pessoas, em
José Guilherme Vereza
conversas de bar com amigos, indiquem um bom livro que
leram e que estes sejam os nossos livros. Ansiamos sim por
Jú Blasina
reconhecimento e imortalidade; ninguém que deita meses ou
Léo Borges anos escrevendo um romance deixa de pensar, um minuto
Marcia Szajnbok sequer, se será lido daqui dez, vinte ou cem anos no futuro.
Maria de Fátima Santos Escrevemos para nos comunicar com você, nosso leitor de
Maristela Deves hoje, mas também escrevemos para nos comunicar com seus
Wellington Souza filhos e netos. A Literatura é a nossa ponte para o futuro.
Por isto, gostaríamos de acreditar que a Revista
­SAMIZDAT termina neste dia, mas que sua mensagem perdu-
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rará por muitos anos vindouros.

Henry Alfred Bugalho

Obra Licenciada pela Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada


a Criação de Obras Derivadas 2.5 Brasil Creative Commons.
Todas as imagens publicadas são de domínio público, royalty
free ou sob licença Creative Commons.
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ou autorização prévia dos autores, sob licença Creative Com-
mons, ou se enquadram na doutrina de “fair use” da Lei de
Copyright dos EUA (§107-112).
As idéias expressas são de inteira ­responsabilidade de seus
autores. A aceitação da revisão proposta depende da vontade
expressa dos colaboradores da revista.
Sumário
Por que Samizdat? 6
Henry Alfred Bugalho

O Fim da SAMIZDAT 8
Henry Alfred Bugalho

CONTOS
Como o melro no seu dragoeiro 10
Joaquim Bispo
La Chason Dernière 14
Ju Blasina

O sinal 16
Henry Alfred Bugalho
Na corda bamba 18
Henry Alfred Bugalho
Noite de festa 20
Cirilo S. Lemos

Bom dia, Carlinhos 22


José Guilherme Vereza

Vertigens de um recomeço 24
Léo Borges

ARTIGO
O que é o prazer? 28
Joaquim Bispo
A inspiração 32
Joaquim Bispo

CRÔNICA
Sex Toys 34
Ju Blasina
POESIA
Ciclo 36
Fatima Romani
fim? 37
Marcia Szajnbok
Testamento 38
Caio Rudá de Oliveira
Orvalhinho 40
Wellington Souza
Da mulher 41
Wellington Souza
dois poemas desvairados 42
Maria de Fátima Santos
Etapas 43
Maristela Deves

SOBRE OS AUTORES DA SAMIZDAT 44


O lugar onde
a boa Literatura
é fabricada
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ficina
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www.oficinaeditora.com
Por que Samizdat?
“Eu mesmo crio, edito, censuro, publico,
­distribuo e posso ser preso por causa disto”
Vladimir Bukovsky

Henry Alfred Bugalho Inclusão e Exclusão se converte em uma ditadu-


henrybugalho@hotmail.com ra como qualquer outra. É a
microfísica do poder.
Nas relações humanas,
sempre há uma dinâmica de Em reação, aqueles que
inclusão e exclusão. se acreditavam como livres-
pensadores, que não que-
O grupo dominante, pela
riam, ou não conseguiam,
própria natureza restritiva
fazer parte da máquina
do poder, costuma excluir ou
­administrativa - que esti-
ignorar tudo aquilo que não
pulava como deveria ser a
pertença a seu projeto, ou
cultura, a informação, a voz
que esteja contra seus prin-
do povo -, encontraram na
cípios.
autopublicação clandestina
Em regimes autoritários, um meio de expressão.
esta exclusão é muito eviden-
Datilografando, mimeo-
te, sob forma de perseguição,
grafando, ou simplesmente
censura, exílio. Qualquer um
manuscrevendo, tais autores
que se interponha no cami-
russos disseminavam suas
nho dos dirigentes é afastado
idéias. E ao leitor era incum-
e ostracizado.
bida a tarefa de continuar
As razões disto são muito esta cadeia, reproduzindo tais
simples de se compreender: obras e também as p ­ assando
o diferente, o dissidente é adiante. Este processo foi
perigoso, pois apresenta designado "samizdat", que
alternativas, às vezes, muito nada mais significa do que
melhores do que o estabe- "autopublicado", em oposição
lecido. Por isto, é necessário às publicações oficiais do
suprimir, esconder, banir. regime soviético.

A União Soviética não


foi muito diferente de de-
mais regimes autocráticos.
­Origina-se como uma forma
de governo humanitária,
igualitária, mas
Foto: exemplo de um samizdat. Corte- logo
sia do Gulag Museum em Perm-36.

6
E por que Samizdat? revistas, jornais - onde ele des tiragens que substituam
possa divulgar seu trabalho. o prazer de ouvir o respal-
O único aspecto que conta é do de leitores sinceros, que
A indústria cultural - e o
o prazer que a obra causa no não estão atrás de grandes
mercado literário faz parte
leitor. autores populares, que não
dela - também realiza um
perseguem ansiosos os 10
processo de exclusão, base- Enquanto que este é um mais vendidos.
ado no que se julga não ter trabalho difícil, por outro
valor mercadológico. Inex- lado, concede ao criador uma Os autores que compõem
plicavelmente, estabeleceu-se liberdade e uma autonomia este projeto não fazem parte
que contos, poemas, autores total: ele é dono de sua pala- de nenhum ­movimento
desconhecidos não podem vra, é o responsável pelo que literário organizado, não
ser comercializados, que não diz, o culpado por seus erros, são modernistas, pós-
vale a pena investir neles, é quem recebe os louros por ­modernistas, vanguardistas
pois os gastos seriam maio- seus acertos. ou q­ ualquer outra definição
res do que o lucro. que vise rotular e definir a
E, com a internet, os au- orientação dum grupo. São
A indústria deseja o pro- tores possuem acesso direto apenas escritores ­interessados
duto pronto e com consumi- e imediato a seus leitores. A em trocar experiências e
dores. Não basta qualidade, repercussão do que escreve sofisticarem suas escritas. A
não basta competência; se (quando há) surge em ques- qualidade deles não é uma
houver quem compre, mes- tão de minutos. orientação de estilo, mas sim
mo o lixo possui prioridades
a heterogeneidade.
na hora de ser absorvido A serem obrigados a
pelo mercado. burlar a indústria cultural, Enfim, “Samizdat” porque a
os autores conquistaram algo internet é um meio de auto-
E a autopublicação, como que jamais conseguiriam de publicação, mas “Samizdat”
em qualquer regime exclu- outro modo, o contato qua- porque também é um modo
dente, torna-se a via para se pessoal com os leitores, de contornar um processo
produtores culturais atingi- od­ iálogo capaz de tornar a de exclusão e de atingir o
rem o público. obra melhor, a rede de conta- ­objetivo fundamental da
tos que, se não é tão influen- ­escrita: ser lido por alguém.
Este é um processo soli-
te quanto a da ­grande mídia,
tário e gradativo. O autor
faz do leitor um colaborador,
precisa conquistar leitor a
um co-autor da obra que lê.
leitor. Não há grandes apa-
Não há sucesso, não há gran-
ratos midiáticos - como TV,

SAMIZDAT é uma revista eletrônica


­ ensal, escrita, editada e publicada pelos
m
­integrantes da Oficina de Escritores e Teoria
Literária. Diariamente são incluídos novos
textos de autores consagrados e de jovens
­escritores amadores, entusiastas e profis-
sionais. Contos, crônicas, poemas, resenhas
literárias e muito mais.

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Comuunicado

Henry Alfred Bugalho

O Fim da SAMIZDAT

8 SAMIZDAT julho de 2010


A Revista SAMIZDAT sos esforços, pois apenas futuro grande nome da Li-
acaba e nos deixa com a quem um dia já tentou uma teratura tenha passado pela
sensação de incompletude. empreitada semelhante sabe SAMIZDAT, também sei que
Todos perdemos um dos desafios de reunir tan- muitos de nós não chega-
pouco com o seu fim. Nós, tos talentos diferentes num rão até o fim desta estrada
escritores, teremos um único trabalho. e que esta publicação será
espaço a menos de expres- A sensação de incomple- apenas uma boa recorda-
são — um espaço demo- tude resulta da consciência ção de sonhos não realiza-
crático, livre e heterogêneo de que poderíamos mais, dos. Assim como foram os
—, vocês, leitores, um canal mas cada um tem sua trilha sonhos de infância, de se
a menos de comunicação individual para percorrer. tornar jogador de futebol,
com uma nova geração de É reconfortante para um bombeiro, modelo, atriz, ou
escritores em língua portu- escritor estar na companhia astronauta.
guesa. dos seus, cada um batalhan- Pessoalmente, o ciclo
Poderíamos tentar por a do por um lugar ao sol, da SAMIZDAT termina no
culpa do fim da SAMIZDAT mas o caminho solitário é exato momento em que um
a uma série de fatores, a igualmente importante e outro ciclo começa, quando
uma porção de pessoas, a necessário para o cresci- terei de enfrentar o desafio
uma combinação de omis- mento. As grandes ideias e de viver exclusivamente do
sões, a isto ou a aquilo. a motivação para perseve- que escrevo, sem a rede de
Falhamos e também acer- rarmos geralmente brotam segurança de um emprego
tamos, demos mais valor à naquele momento em que convencional, quando todo
criação e menos à divulga- estamos sozinhos, num em- e qualquer exemplar ven-
ção, mas isto não explicaria bate com as palavras e em dido conta. E acredito que
o fim, tampouco a longevi- como elas serão recebidas todos os demais membros
dade da SAMIZDAT. pelos leitores. também estarão por aí,
Não podemos pensar Nestes anos, vi vários atuando em novos projetos,
que ela teve vida breve, pelo escritores desistirem, su- concluindo projetos antigos,
contrário, como já repeti cumbirem às necessidades escrevendo, criando e se
em todos os aniversários e facilidades da vida co- aperfeiçoando.
desta publicação, supreen- tidiana, do funcionalismo A todos eles dedico os
dia-me todos os anos, e to- público, do salário fixo ao meus mais sinceros agra-
http://www.flickr.com/photos/timove/2202112003/sizes/o/

dos os meses em que ainda fim do mês, da vida fami- decimentos pela confiança
estávamos por aqui. Foram liar. Somos todos humanos que um dia depositaram
trinta edições, mais de oi- e também precisamos de em mim, por dedicarem seu
tocentos textos publicados, teto e comida, e isto acaba tempo e talento a um proje-
aproximadamente cinquen- sufocando, às vezes, a Lite- to ambicioso e que nos deu
ta autores colaboradores ratura. Nem todos engolem muito trabalho. E também
e meio milhão de acessos. meses e anos sem nenhum agradeço aos nossos leitores,
Para uma publicação li- resultado, sem reconheci- fiéis ou eventuais, que são o
terária, tenho certeza que mento, sem um tostão, e é fim e a motivação de tudo
fizemos mais do que jamais exatamente esta a realidade que escrevemos.
poderíamos ter imaginado. de milhares de escritores Vemo-nos em breve.
Se um dia, um dos auto- por aí.
res da SAMIZDAT obtiver Ninguém disse que seria Henry Alfred Bugalho.
reconhecimento, alguns fácil...
olharão para trás e se Por isto, do mesmo modo
espantarão diante de nos- que não duvido que um

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Contos

Joaquim Bispo

Como o Melro no seu Dragoeiro

10 SAMIZDAT julho de 2010


O nome de baptismo Aí pelos dezanove anos,
era Armindo, mas «Ro- começou a namorar com
lhas» foi o que começa- uma vizinha, a Alcina,
ram a chamar-lhe, desde que achava graça ao seu
que a namorada o deixou ar desajeitado. Sentavam-
e ele começou a pedir se aos domingos num
rolhas ao Sr. Mário do banco do Jardim Botâni-
Estrela – um restaurante co, debaixo dum choupo.
na Calçada da Ajuda – Ele recitava-lhe pequenos
ninguém sabia para quê. poemas de Cesário Verde
Desde pequeno, era um e ela sentia que não ha-
miúdo metido consigo, e via nenhum homem tão
o facto de ser muito ma- sensível como o Armin-
gro e alto, também não do. Numa dessas tardes,
ajudava a fazer amizades. à sombra do choupo, ele
O pai era «arrasta» na recitou-lhe um poema
praça da Ribeira e a mãe de sua autoria, como se
vendia hortaliça, de ma- fosse de Cesário, para ver
nhã, na praça da Travessa se ela notava a diferença.
da Boa-Hora. Nem para Começava assim:
uma coisa nem para a
outra arranjaram, os pais, Olhaste-me graciosa e
maneira de o entusias- prazenteira
mar. De vez em quando,
a mãe conseguia que lhe Como se eu fora de to-
dessem trabalho – carre- dos o mais nobre…
gador em lojas de móveis,
marçano em mercearias Ela não notou dife-
– mas rapidamente aban- rença, o que muito o
donava o trabalho, quan- envaideceu. Foi um na-
do não era o patrão a moro agradável e alegre,
dizer à mãe que o rapaz enquanto durou. Passado
andava sempre nas nu- um ano, Alcina sentiu
vens e não dava conta do que a mesa não se ia
recado. Deambulava pelo guarnecer com poesia e
bairro da Ajuda e do passou-se para o filho do
Caramão ou refugiava-se dono da serralharia do
na mata de Montes Cla- Altinho, com o qual ca-
ros. Ou então, isolava-se sou pouco depois. Foi um
na biblioteca do Centro rude golpe para Armin-
Paroquial a ler poesia. do. Alguns diziam que o
Numa dessas vezes, escre- moço desatinara e apon-
veu nas costas do cartão tavam o facto de ter pas-
de sócio: sado a andar sempre com
um bolso cheio de rolhas
Vagueio por um mundo de cortiça. Por essa altura
que me não conhece escreveu numa carteira
de fósforos:
A minha alma anseia o
além
O poema só brota nos

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peitos esfacelados papel colorido, o que o
íntimo lhe inspira: À noite, antes de ador-
Uns meses depois, um mecer, com o «Só» de
tio, que trabalhava no Todo o caule por mi- António Nobre à cabe-
Jardim Tropical, puxou- nhas mãos tange. ceira, sente às vezes algo
o para jardineiro. Tratar indefinível, como que
Esgrimo da mandrágora uma sintonia com um es-
das plantas e dos can- o alfange,
teiros, manter o jardim pírito desconhecido, mas
limpo, eram tarefas que o aloendro murmura e tão íntimo como si pró-
lhe agradavam. O con- range. prio. Gosta de imaginar
tacto com as plantas e que, lá longe, numa praia
os animais, a percepção remota, do outro lado do
Quando o dia de tra- Atlântico, alguém, vague-
dos seus ciclos, faziam-no balho termina, dirige-se
sentir-se em comunhão ando ao sabor dos seus
para a beira-rio, a jusante pensamentos solitários,
com o mistério da Natu- da estação dos barcos,
reza. Escrevia: encontra uma das suas
com uma bolsa de pano garrafas e lê:
a tiracolo. Senta-se no
Deixa a palmeira para paredão e fica a olhar o
a algazarra dos pardais rio. «Para onde irão todas Penso em ti,
aquelas águas? Alguém minha amiga, alma gé-
e a araucária para o lhes marca o destino?
bulício dos demais! mea, minha irmã.
Certo é que seguem de-
Na paz do dragoeiro faz, cididas, na direcção do Só e triste. Anseio por te
melro, o teu poleiro! sol-pôr. Outras pessoas as conhecer.
irão contemplar, lá lon- Pensa em mim, assim
ge.» nos vamos encontrar!
Quando ganhou expe-
riência, encarregaram-no Armindo tira então da
dos alfobres nas estufas, bolsa, uma garrafa vazia E adormece mansa-
onde pode trabalhar so- de vidro transparente, mente.
zinho, como gosta. Pre- separa a folha de cader-
para as pequenas leiras no com o seu pequeno
de terra, semeia e cobre poema, enrola-a, ata-a
as sementes, identifica as com um junco seco e
plantações, rega as pe- introdu-la meticulosa-
quenas plantas quando mente na garrafa. Num
rebentam, transfere-as ritual sempre igual, tira
para vasos ou canteiros, do bolso uma das rolhas
quando atingem tamanho e veda a garrafa cuidado-
adequado, e cuida delas samente. Então, levanta-se
até serem mudadas para e atira a garrafa ao rio,
o ar livre. tão longe quanto a sua
força alcança. Solene, fica
Embora atento ao que a observá-la, primeiro
faz, a sua mente arqui- com o gargalo a esbrace-
tecta frases, avalia rimas jar, como se apelasse por
e sonoridades, sobretudo socorro, depois num su-
ausculta o coração. De- ave gesto de adeus e, por
pois, à hora de almoço, fim, a deslizar lentamente,
senta-se num banco e imperceptivelmente, em
verte, num caderno de direcção ao mar.

12 SAMIZDAT julho de 2010


O lugar onde
a boa Literatura
é fabricada
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Contos

La Chanson Dernière
Ju Blasina

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14 SAMIZDAT julho de 2010


Deitada em sua cama, Rien Du Rien. Não era quarto a cada instante
ela brincava de adivinhar. uma canção romântica, e isso era o prelúdio do
Era um jogo simples, porém, ainda assim flo- fim. É claro que ainda
travado em seu lugar resciam quentes lembran- restavam muitas dúvidas,
secreto, usado nos mo- ças sob as cobertas que mas nenhuma necessida-
mentos de dor, de medo lhe guardavam do frio. de de saciá-las. Não seria
e de solidão, tendo como Havia amado tanto e por deselegante ao ponto de
único adversário, o tem- tantas vezes! Havia amado reclamar ao vazio. Não
po. Esperava com isso a tantos... E sido amada temia o partir – partiria
dele ganhar um pequeno também, nem sempre à francesa! – nem lamen-
crédito em instantes ou com a mesma intensidade tava a solidão: dizia a si
memórias, por menor que ou reciprocidade, mas o mesma que as pessoas são
fossem. Naquela altura da amor por si já fazia tudo mais belas nas memórias,
sua vida, isso era tudo o ter valido a pena! Se havia os momentos, mais colori-
que importava! algo para lamentar, era o dos, sejam eles de tristeza
Ouvindo a primeira silêncio que morava entre ou de alegria, e quando
música, Paris, foi levada o fim de uma faixa e o havia uma pequena falha,
ao momento em que ven- início de outra. ela logo a preenchia com
deu seu tempo em troca Quase apostou na uma bela pincelada de
de moedas que agora, já próxima, mas o tempo fantasia!
não tinham valor... Ah, lhe deu outra vanta- Por isso, não, não temia
se hoje lhe fizessem tal gem – estava generoso o fim. Mas temia profun-
proposta ou essa multi- ele hoje! O que viria a damente partir no entre-
plicada por dez, por mil, seguir? Padam... Padam... meio de uma canção tão
a resposta seria outra... dizia a vitrola. Seria essa linda quanto Adieu Mon
Qual a serventia de todas a última canção, a trilha Coeur... Por isso, nessa
as riquezas acumuladas, sonora do seu adeus? Um rodada, passaria a vez...
se já não havia tempo adeus que ninguém pode- _____________________
para desfrutá-las ou saúde ria ouvir. Não se entriste- Nota da Autora: Esse
para retornar à sua ama- cia por isso; despedir-se- conto foi escrito sob a
da Paris? Definitivamen- ia da vida e das pequenas súbita inspiração provo-
te, aquela não fora uma marionetes que dançavam cada pelo filme “Piaf - Um
troca justa! E balançando em suas memórias falhas Hino Ao Amor” (origi-
a cabeça negativamente, e o faria com o maior nalmente “La Môme”, em
no ritmo da canção, ela sorriso que suas forças inglês “La Vie En Rose”),
criticava a estupidez de pudessem permitir! lançado em 2007 sob a
sua juventude. Não temia a morte. direção de Olivier Dahan.
Não, não seria naquela Não mais... Depois de Todas as canções citadas
faixa... E tinha um bom tantos anos de dor, já no conto (títulos em itá-
presságio em relação à havia se habituado a sua lico) foram interpretadas
próxima; “se fosse La Vie proximidade gélida. Sen- por Edith Piaf.
En Rose...” mas não, era tia o calor se dissipar do

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Contos

O Sinal Henry Alfred Bugalho

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16 SAMIZDAT julho de 2010


O sol se punha pela soldados. Foi assim que, os oportunos visitantes.
milésima vez atrás das desde cedo, ele tomou a Sentou-se na escada e
montanhas. Todos os resolução de se alistar, acendeu um cigarro, fin-
dias, ao cair da tarde, parecia a solução mais gindo tranquilidade.
Alcebíades saía à varanda óbvia para seu anseio por Ouviu o trote dos ca-
à espera do sinal. aventuras. Equivocara-se, valos e seu coração bateu
Ainda não sabia qual por isto agora apodrecia com mais força. O dia
era seria este signo, mas longe de tudo e de todos. havia chegado!
aguardava-o religiosa- Se retornasse à sua ter-
ra e aos seus, nenhuma Todavia, assim que a
mente. O sinal que o tocha da varanda alu-
libertaria, que finalmente história teria para contar,
nenhuma novidade, nada miou os cavaleiros, Al-
o permitiria partir e co- cebíades reconheceu a
nhecer o mundo. que causasse inveja nos
outros. bandeira, os brasões e as
Ao receber sua missão, armaduras inimigas. Dei-
o combinado era por Portanto, uma vez que tou a mão sobre a empu-
apenas seis luas cheias. recebesse baixa, embarca- nhadura da espada, mas
Mas a outra guarnição ria num navio e desapa- os cavaleiros retesaram
não chegara para dar-lhe receria no mundo. Talvez seus arcos e ordenaram-
baixa e os meses e anos finalmente fosse feliz. lhe que largasse a arma.
se sucederam. Seu com- Pela milésima vez, o Dois deles desmonta-
panheiro de campanha sol se punha atrás das ram e, lendo um perga-
morreu logo nas primei- montanhas, vermelho e minho, anunciaram sua
ras semanas, vitimado silencioso, lançando raios sentença de morte. Foi
por uma serpente peço- dourados e púrpura para então que Alcebíades re-
nhenta. Sozinho, Alcebía- as nuvens compridas cebeu as primeiras notí-
des suportou o isolamen- acima. Mil pores-do-sol, cias de sua terra, da guer-
to e a solidão. todos diferentes, todos ra que a havia devastado
Quando os mantimen- trazendo a mesma expec- e como o império rival
tos acabaram, ele caçou e tativa. anexava todos os territó-
plantou. Durante a seca, Mas a nuvem de poeira rios e bens de seu povo,
andava duas léguas para que se erguia no horizon- que incluía aquele posto
apanhar água no regato. te rompeu a monotonia avançado de guarda.
Na grande nevasca do in- do crepúsculo. O sinal! O Puseram-no de joelhos
verno passado, ele pensou dia da baixa! e ele pôde sentir o fio da
que morreria congelado Alcebíades acendeu a espada em sua nuca.
quando uma avalanche tocha na varanda e to-
soterrou o casebre. Con- Por mil crepúsculos
das as luzes do casebre, Alcebíades esperou o
tudo, sobreviveu, aguar- pois somente assim se
dando apenas o dia do sinal da libertação e ele
certificaria que a nova enfim chegara, num gol-
sinal. guarnição chegaria ao pe rápido e fatal do aço
Em criança, sonhava destino depois de o sol inimigo.
em viajar aos confins do houver desaparecido e o
mundo, descobrir terras mundo ter sido recoberto
longínquas e conhecer por trevas. Correu para
povos diferentes, assim arrumar suas trouxas e,
como nas histórias que toda a hora, saía para a
ouvira de mercadores e varanda, mas não avistava

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Contos

Henry Alfred Bugalho

Na Corda Bamba
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18 SAMIZDAT julho de 2010


Quantas vezes havia Planejou, então, a des-
ensaiado a despedida? pedida, num temível des-
Quantas vezes havia re- filadeiro na Costa Rica. A
petido para si que jamais imprensa foi convocada,
pisaria novamente numa o equilibrista se prepa-
corda bamba? rou.
Foi assim em Roma, Sem dificuldades, atin-
Paris e Nova York. E a giu a metade do percurso,
despedida era sempre para assombro da plateia.
adiada, postergada por Só que, desta vez, algo in-
causa de provas ainda comum ocorreu: o equi-
mais ousadas, como da librista teve medo. Não
vez em que cruzou um da queda, nem da morte,
canyon gigantesco sem nem do esquecimento.
qualquer tipo de prote- Teve medo de ter desper-
ção. Sobrevivera. Como diçado toda sua vida per-
da vez em que atraves- fazendo um ofício vazio,
sou a corda sob ventos sem sentido, tolo.
inclementes na Turíngia. Por que fazia o que
Também sobrevivera. fazia?
Sua trajetória nada Não encontrava respos-
mais era do que um em- ta.
bate diário com a morte.
Quem sairia vitorioso, ele
ou ela? Por vezes, sentia o Pensou em precipitar-
toque cálido a empurrá- se desfiladeiro abaixo,
lo para baixo, a forçá-lo estatelando-se nos roche-
ao erro, e fazê-lo titube- dos e no riacho, mas não,
ar. Não tinha medo, pois caminhou passo depois
medo é para os fracos. de passo até o fim da
Esta presença soturna, corda bamba.
sempre pairando sobre Sob aplausos da mul-
seu ofício, era o seu ver- tidão, sob os flashes da
dadeiro estímulo, anima- câmera, o anticlímax: o
va-o, inspirava-o a ir mais equilibrista acenou, e
longe. nunca mais se soube dele.
Mas envelhecia e nin-
O equilibrista deu guém mais queria ver um
mais um passo: o último. velho equilibrista, que
não apresentava novida-
des.

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Contos

Noite de Festa
Cirilo S. Lemos

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20 SAMIZDAT julho de 2010


Noite de festa no ran- enxofre. O morto salta da
cho de César Romero. corda, salpicado pela pra-
Morrera com um balaço ta da lua e pelo vermelho
no peito seu grande ini- do fogo. Move-se rápido
migo Zé Diabo, que com que nem parece defunto.
seu bando de facínoras Agarra a peixeira de um
fizera mal às suas três desprevenido e começa
filhas. O corpo do demô- a lavar com sangue o
nio está pendurado pelo terreiro da festa. Passa a
pescoço num galho alto fio de faca os seresteiros,
de amendoeira. Moscas sangra feito porco seu
patinham por sua bar- inimigo jurado, mata de
ba, vapores apodrecidos terror o padre de cora-
sobem de seus poros, a ção fraco. Mata a música,
língua roxa agora é pre- mata a dança, mata a
ta. Há três dias encara festa e as pessoas, os ho-
com olhos defuntos a mens e as crianças, as ve-
bebedeira e a dança em lhas beatas e as moças de
volta da fogueira onde se carne nova. Mata, mata e
faz cinzas de seus treze mata. Das três filhas de
asseclas. É noite de fes- César Romero, Esperança
ta no rancho de César é a última que morre.
Romero, e a promessa é
que vai longe. Faceiras,
suas três filhas arrancam
suspiros da caboclada,
Das Dores, Das Almas e
Esperança, balouçando as
saias rodadas ao dedilhar
das violas. Cospem no
cadáver sujo toda vez que
a dança as conduz até ali,
efusivamente aplaudidas
pelos peões de chapéu na
mão. Estão felizes, seus
males estão vingados.
Tem comida, tem bebida,
tem cantoria: é noite de
festa no rancho de César
Romero. Mas eis que o
Inferno manda de volta
Zé Diabo num sopro de

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Contos

Bom dia, Carlinhos


José Guilherme Vereza

22 SAMIZDAT julho de 2010


Café da manhã. Carli- - Poesia não enche bar- Pois sim. Sabia de tudo
nhos já de gravata, olhos riga, Carlinhos. e bico calado.
pregados no jornal. - Mãe, me deixa ler o O importante é que ele
Chega a mãe de bule jornal em paz. nunca deixou faltar nada
na mão. Penhoar amas- - Você é tão inocente, nessa casa.
sado, cabelo preso mal meu filho. - Eu não acredito que
ajambrado, cara de que estou ouvindo isso.
madrugou para botar a Não sabe nada da
mesa. vida… Carlinhos, está - Você está irritado,
me ouvindo? meu filho.
- Bom dia, filhinho.
- Estou ouvindo uma - Não, não estou irrita-
- Bom dia. voz ao longe, do.
- Eu disse bom dia, voz de chapinha arra- - Por que está falando
filhinho. nhando no ladrilho, assim com irritação?
- Eu respondi: bom dia. unha arrastando no - Mas eu não estou
- Você fala pra dentro. quadro negro…só isso. irritado. Já disse.
- E a senhora não ouve - Você não era assim. - Está sim. Mãe sabe
de fora. - Assim como? quando o filho está irri-
Só ouve o que já está tado.
- Grosseiro e irritado.
dentro. Carlinhos tira os olhos
- Mas eu não estou do jornal, suspira,
- Você está irritado, irritado.
meu filho? levanta a cabeça e fin-
- Desde que voltou ge que conta as teias de
- Não. para casa ficou desse aranha no teto.
- Eu irritei você? jeito.
Com toda calma, pega
- Não. Claro, que não, Foi recebido com tanto bule, xícara, pires, prati-
mãe. carinho, meu Deus… nho, manteigueira, poti-
- Alguma notícia irri- - Provisoriamente, mãe. nho de geléia, joga tudo
tou você? Eu avisei: pro-vi-sio-ra- contra a parede.
- Não, mãe. Já estou va- men-te. - Agora estou irritado,
cinado com as irritações - Não sei por que lar- mãe. Satisfeita?
do mundo… gou a Belinha, moça tão A mãe, calada, arruma
- Foi essa Gabriela, boa, coitada… um pano para limpar a
http://www.flickr.com/photos/thepack/160619427/sizes/l/

então. - De novo, mãe: o ca- sujeira.


Ela irritou você. Você samento ficou chato, sem E se abaixa, vitoriosa,
chegou tão tarde… graça, acabou. para catar os cacos.
- Não, mãe. A Gabi - Por que você não ar-
não me irrita nunca. rumou uma amante?
Muito pelo contrário. É isso que os homens
É o meu bálsamo. Meu fazem para manter o ca-
oásis. A flor que nasceu samento.
no brejo Seu pai sempre foi
onde minha vida se assim. Você acha que eu
atolava… Gostou? não sabia?

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Contos

Vertigens de um recomeço
Léo Borges

http://www.flickr.com/photos/jjjohn/2207697692/sizes/o/

24 SAMIZDAT julho de 2010


Dizem que se o sol “Será bom passear pela na superfície trêmula e vi
morresse agora ainda vi- praia”. “Ela tem um caso um homem compreensi-
veríamos em sua presença por lá”. “Meu coração é vo com sua angústia. Dei
por mais alguns instantes, seu”. “Nunca mais vai vol- um sorriso, coisa que não
suficientes para que nosso tar”. “É só um recomeço”. fazia há algum tempo.
padecer se iniciasse sob “É o fim”. Vozes aleatórias Com as mãos banhei meu
luz. Nágila não era mais – explicativas ou acusa- rosto e procurei admirar
meu sol, talvez nunca tórias – se entranhavam a grandiosa queda d’água.
houvesse sido como que- em minha mente, zunindo Impressionante como ela
riam me fazer acreditar, como açoites, castigos que estava mais densa, mais
mas a solidão, sim, essa eu recebia sem saber o próxima de um cená-
era minha, tal qual um sol motivo. Esqueciam que eu rio natural e não de um
escuro e morto, com dé- não acreditava em indí- sonho. A Cachoeira das
beis raios de lembranças, cios, em palavras racionais, Vertigens possuía a pecu-
saudades que demoram a que sempre aceitei melhor liaridade de ser sempre
sumir. a inocência das emoções. interpretada pelo capricho
Alguns diziam que Mas os argumentos, frágeis crítico de seu admirador.
minha ingenuidade me como alegria resignada, Era o colírio de turistas,
impedia de entender a pa- continuavam brotando de mas transformava-se em
lavra ‘traição’. Mas porque todas as partes, em sua espaço lúgubre para os
eu deveria entendê-la? Eu ânsia por vitórias sem mal intencionados. Casais
vivia bem sem ela. Eu só sentido, sem uma razão apaixonados a tinham
não vivia bem sem Nági- que curasse minha ferida. como um paraíso terrestre,
la. Não me adiantavam as Se meus amigos enxerga- enquanto que para solitá-
inócuas teses dos poetas, vam o mal, eu os compre- rios era o ombro compa-
psicanalistas, amigos, dou- endia, queriam meu bem. nheiro. Não raro, homens
tores, mestres em dores da Se Nágila mentia, eu esta- eufóricos subiam até o
alma, angústias, vertigens, va ali para ouvir, tolerar, cume da rocha principal
assuntos que só o verda- mesmo que todos esses para declamar o amor por
deiro coração dilacerado truques só servissem para suas mulheres, atitude esta
domina. eliminar o obstáculo final potencialmente valorizada
para o seu reinício: eu. Fui pelo perigo daquela área.
Ipês tristes me escolta- excluído de sua vida para
vam por aquele caminho Imerso em meus de-
que suas ambições urba- vaneios eu acreditava ter
de terra vermelho-sangue nas aflorassem, crescessem
até a Cachoeira das Ver- como únicas companhei-
da forma como ela queria, ras as trêmulas folhas das
tigens, local de nome sem cheiro de mato, sem
sugestivo, pertinente aos palmeiras e a brisa serena
céu de estrelas, sem água que circulava por entre a
espíritos aflitos. O canto da pedra, sem meu sorriso
dos pássaros soava cinza mata . Foi quando notei na
por vê-la. Muito provavel- parte direita de uma das
com seus réquiens in- mente amar incondicional-
diferentes à infelicidade pedras um vulto feminino.
mente fosse isso mesmo: Agucei o olhar e percebi
humana. Recomeçar. As permitir ao invés de ques-
cigarras e seus silvos tão que era Nínive, uma moça
tionar, libertar antes de que, assim como eu, tam-
fortes quanto breves expli- exigir, recomeçar para não
cavam o verbo usado por bém morava e trabalhava
entristecer. na região. Nunca a repa-
Nágila. “Quero conhecer
outros mundos”. “Ela está O barulho da cacho- rara bem porque até então
te trocando por um sujeito eira já refrescava meus meus olhos só se serviam
da cidade”. “Vou fazer um pensamentos. Perto de de Nágila, mas sabia que
curso”. “Só ficou contigo um dos cantos do lago ela era noiva de um fazen-
enquanto isso era útil”. observei minha imagem deiro. Procurei decifrar o

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que ela fazia sozinha ali, já mas se você fizer isso a que possamos viver o que
que, até para experientes vitória será dos seus pro- ainda não vivemos – disse,
guias, aquela parte da ca- blemas. mantendo o braço estica-
choeira era muito traiço- Sua cabeça não levantou do.
eira. Acenei com as mãos. e seus olhos permanece- Nínive relutava em re-
Ela viu, mas não respon- ram namorando o preci- ceber a ajuda. As gotas da
deu. Seu rosto denuncia- pício. chuva se confundiam com
va uma chaga na alma, as lágrimas em seu rosto.
uma tristeza semelhante a – Eu não quero vitória,
Julian. Eu só queria que Um de seus pés derrapou.
que eu despejara no lago
minutos atrás. Um pânico respeitassem meus senti- – Segure minha mão.
atroz dominou minhas mentos. Mas não adianta... Vamos conversar um
ações quando vislumbrei quem é você para enten- pouco. Só estou pedindo
em seu semblante uma in- der alguém abandonado um minuto! Nem é tanto
tenção de autodestruição. pelo amor? tempo assim...
Corri por entre a mata – Talvez alguém que Finalmente Nínive ce-
lateral, escalando aos pulos também tenha sido. deu e segurou meu braço.
e tropeços robustas pedras A moça ergueu a ca- No momento em que sua
escorregadias, alheias ao beça e finalmente nossos perna buscava apoio na
desespero da situação. Gri- olhares se sintonizaram. parte seca, escorregou. Se-
tei para que ficasse parada Uma fina chuva começou gurei-a com força enquan-
até minha chegada, ouvin- a cair sobre a Cachoeira to ouvia seus gritos cor-
do como resposta apenas da Vertigem. O risco de tando o ar. Com alguma
o eco de minhas próprias queda aumentava a cada dificuldade, abracei sua
súplicas. Ao chegar perto segundo. Nínive comentou cintura e a puxei com fir-
de onde estava pude me sobre o motivo da decisão meza para, então, cairmos
certificar do risco real que derradeira. entre as árvores. Olhei
sua vida corria. Nínive com muito afeto para seu
– Meu noivo me lar- rosto afogado em medo
estava descalça na parte gou para ficar com minha
onde a incidência de lodo e desilusão. Seus cabelos
irmã. Tiveram um relacio- molhados deixavam ex-
era maior, sem nenhum namento durante meses
apoio para as mãos. Sua postos apenas parte de sua
sem que eu soubesse. face de traços angulosos, o
expressão carregada de
mágoa evidenciava claro – A mulher que eu suficiente para perceber o
desejo de morte. A primei- amava foi embora para a quanto era bela.
ra coisa que fiz foi pedir cidade. Disse que tinha vá- – Por que as pessoas
para que ela não se me- rias ambições, mas eu não fazem isso com quem as
xesse. Chorando, ela disse estava incluído em nenhu- ama? – indagou Nínive
em baixa voz para que eu ma delas. Meus amigos querendo uma resposta
não me intrometesse em contam que ela me trocou impossível.
sua vontade. Coloquei-me por outro.
– Não acredito que seja
o mais perto possível de – O apoio de meus ami- por ódio. Pode ser ego-
onde estava, num ângulo gos não serviu para juntar ísmo, mas quem não é
inferior, amparado pelo meus pedaços. Victor e egoísta? Eu queria Nágila,
galho de uma árvore, com Ariadne foram embora e ela queria ouras coisas.
o braço estendido. A água me deixaram aqui, morta – Talvez um dia ela também
fria fluía forte por entre falou, como se ali só hou- queira algo que não possa
seus pés. vesse um corpo oco, sem ter. Acho sinceramente que
– Nínive, olha, não sangue e sem espírito. na vida podemos ter tudo
conheço sua vida nem sei – Oportunidades apare- o que almejamos, só que
o que te trouxe até aqui, cem a cada momento para existem coisas que não

26 SAMIZDAT julho de 2010


deveríamos almejar. espaço a interesses vívidos. nossas almas. Viajando
– Não! As pessoas não Seu equilíbrio voltava ao visceralmente por minha
se preocupam com o sen- normal fazendo com que amante, saboreava cada es-
timento de quem as ama percebesse a insanidade de pasmo sentido, cada limite
de verdade. Mas e daí, né? seu ato no alto das Verti- conquistado, cada gemido
O que vale é seguir seu gens. ouvido. Ao tempo em que
caminho, independente – Nem sei o que fazer nos fundíamos, a chuva
do sofrimento que se vai para poder me desculpar triste abandonava a Ca-
causar em quem se doou pelo que fiz você passar – choeira das Vertigens, dan-
por um relacionamento, disse ela olhando o feri- do lugar a um sol discreto,
em quem foi seu amante. mento em minha perna cujos raios luminosos
‘Seja feliz’, esse é o lema. ocasionado por uma pe- faziam brilhar ainda mais
Engraçado como eu queria dra. o colo de minha ninfa.
que todos fossem felizes: Nágila, Victor, a chuva e as
– Se você sorrir já vai lágrimas já eram passado,
meu noivo, minha irmã, bastar.
meus amigos. Mas e a mi- lembranças remotas, tão
nha felicidade? Sei lá onde Um tímido sorriso esquecíveis quanto dores
ela está. Deveria estar ali emergiu sincero em seu infantis. Real era Níni-
embaixo agora, junto das rosto, convidando sua ve, seu corpo, sua boca e
pedras, mas nem isso você beleza a sair do anonima- nosso prazer. Eu percebia
deixou. to. Seus olhos castanhos que o tempo agora era um
brilhavam como se den- aliado e que nada mais
O pranto de Nínive era tro orbitassem pérolas. importava além da opor-
tão sincero quanto minha Pude sentir sua respiração tunidade que nos foi dada:
vontade em estancá-lo. quente muito próxima de um recomeço – vertigino-
Involuntariamente a moça mim. Como ímãs, nossos so como se apresentava,
apoiou sua cabeça em rostos foram se aproxi- mas integral também por
meu ombro, soluçando. mando até que nossos isso. Entrega e renascimen-
Afaguei sua cabeça com lábios se encontraram. to traduzidos em fluídos
carinho verdadeiro, procu- Um sabor fresco, de vida e emoções que brotavam
rando aliviar sua dor. Suas intensa, aportou em mi- por entre ecos vindos das
mãos juntas escondiam a nha boca. Havia tempo pedras, reencontrando
face de uma vergonha que que não sentia o gosto de emissores envoltos em or-
não era dela. uma mulher, sendo que gasmos possíveis, libertos
– Sabe, Nínive, eu ama- nos últimos anos o único das profundezas do ser.
va tanto minha namorada que provara havia sido A reflexão serena que
que agora fico feliz em o de Nágila. Aos poucos, se seguiu nos manteve ca-
saber que ela foi embora. sob o agora vivo ruído da lados – até porque tudo já
– Como assim? queda das águas, tudo foi havia sido dito. E a refres-
se tornando mais gostoso cante orquestra das águas
– Se ela está realizada e ardente. Impressionava
com outra pessoa na cida- naquela cachoeira trouxe
como a vida poderia nos sensações impregnadas de
de, por que eu deveria fi- surpreender com situações
car triste? Penso que amar vida, vertigens que, agora
tão antagônicas, destino eu entendia, tinham força
de verdade é querer ver o que, de uma angústia pro-
outro sempre feliz, estando para sobrepujar cicatrizes
funda, se transformava em através de um simples
ou não do nosso lado. vibração positiva, desejo recomeço.
Os olhos de Nínive fixa- pujante, de impensável
ram-se nos meus. O sen- plenitude.
timento de fim que havia Uma conexão de sabor
neles evaporava, cedendo indescritível conquistou

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Artigo

Joaquim Bispo

O que é o Prazer?
7 Perguntas à «Ética a Nicómaco» de Aristóteles

1. O que é o prazer e As opiniões acerca do pra- prazeres.


qual a sua origem? zer não são consensuais: uns Do bem, pode-se falar
«Pensa-se que o prazer dizem que é o bem; outros, do bem absoluto e do bem
é uma das possibilidades que é desprezível – seja por- relativo a alguém. Também
extremas mais profunda- que pensam isso, seja porque há prazeres que, parecendo
mente domiciliadas na nossa acham ser a atitude mais maus em absoluto, o não são
natureza.» Daí educarmos os pedagógica. Só são realmen- para certa pessoa. E há situ-
jovens a saberem lidar com te úteis os enunciados que ações que parecem prazeres
eles. Prazeres e sofrimentos reflictam verdadeiramente os sem o ser, como a convales-
acompanham a nossa vida, fenómenos como se apresen- cença.
fugindo nós destes e pro- tam na realidade. Se o forem,
têm credibilidade e levam «A actividade existente
curando aqueles, a fim de nos desejos é a actividade do
alcançarmos uma vida feliz. as pessoas a segui-los e a
adoptar um modo de vida que em nós ainda resta do
Sentir atracção e aversão são nosso estado naturalmente
disposições de enorme im- justo, caso contrário, serão
menosprezados em favor da constituído, outrora integral.»
portância para a realização Os prazeres resultam do
da excelência do carácter. força possante dos efeitos dos
exercício que fazemos do que

28 SAMIZDAT julho de 2010


já somos. São actividades do Há formas de prazer (vis) excelência e da perversão do
modo de ser naturalmente que resultam de acções de carácter humano. No entan-
constituído. O prazer que uma natureza vil, e formas to, prazer e bem não são a
sentimos é diferente, quer de prazer que funcionam mesma coisa;
estejamos num processo de como remédio para uma – os prazeres são persegui-
preenchimento do estado quebra do estado saudável dos por crianças e animais
natural, quer o tenhamos já natural. Mas é melhor ser e são um impedimento à
preenchido. No último caso saudável do que tornar-se sensatez – alguns são vergo-
http://www.uah.edu/colleges/liberal/philosophy/heikes/302/time/rembrant/aristotle-homer.jpg

o prazer pode ser absoluto. saudável. nhosos e repreensíveis, ou-


Pelo facto de os prazeres Os prazeres sensuais são tros nocivos, outros doentios.
do corpo serem a forma mais tão perseguidos pelo facto O temperado foge deles e o
conhecida e familiar, pensa- de serem tão fortes. Para sensato não persegue o que é
se que é a única existente. alguns, não ter prazer nem agradável;
Há prazeres sem sofrimento dor já é doloroso. Chega-se – embora algumas for-
ou desejo, como a activida- a provocar a falta de um mas de prazer sejam boas,
de contemplativa. Nenhum prazer necessário para se o prazer não é o bem, por-
prazer dado pela sensatez ou poder debelá-la. Se tal não que o prazer acontece num
por outra disposição pode for inócuo, tais atitudes são processo que se dirige para a
constituir um impedimento à criticáveis. formação de uma natureza. E
contemplação. O ser vivo está sempre o bem é um fim.
numa situação de constante Há, portanto, quem dis-
2. O que se diz acerca esforço de equilíbrio. Perí- corde que o prazer seja um
dos prazeres do corpo? odos da vida e pessoas há bem. Sendo perseguido por
que sofrem de desequilíbrio todos, como se fosse um
Há prazeres que devem crónico. O prazer só conse-
ser preferidos, devido à sua bem, não parece ter nexo
gue expulsar o sofrimento se esta tese.
excelência, mas outros – for suficientemente forte. Esta
aqueles a respeito dos quais é a razão responsável pelas Eudoxo pensava que o
se define o devasso – devem formas de vida que os vis e prazer era o bem, devido a
ser evitados. os devassos procuram. ser procurado, incondicio-
Mas porque é deprimente nalmente, por todos os seres.
As formas de prazer ver- Sendo o bem para todos,
o sofrimento devido à falta gonhosas não são verdadei-
destes? Se são maus, não se- seria o bem supremo.
ramente agradáveis, mas tão
ria a sua falta boa? Ou serão só para certos homens em Platão refuta a tese de que
maus só se excederem o li- particular, tomados, prova- o prazer é o bem supremo.
mite do melhor? O sofrimen- velmente, por uma afecção Para ele, uma vida de prazer
to não se opõe ao excesso de específica. Não se trata de é melhor se combinada com
prazer, mas à falta de todo o uma verdadeira escolha, a sensatez, do que sem ela.
grau de prazer necessário. como a que é feita sem Se o prazer isolado não é o
Porque são preferidos os condicionalismos. Um prazer melhor, então, não pode ser o
prazeres do corpo? Expulsam com origem vergonhosa não bem supremo.
o sofrimento; e os excessivos confere um prazer justo, mas
actuam como um remédio um prazer de acordo com
4. O prazer é ou não um
para o sofrimento excessivo. a disposição vergonhosa do
bem?
seu possuidor.
A nossa natureza não é Se o prazer não fosse um
simples. A cura é a acção bem nem um mal, também
da parte que ficou saudável 3. Que teses existem o sofrimento não seria bom
sobre a parte doente. Isso acerca de bem e prazer? nem mau e não havia razão
é sentido como agradável para evitar o sofrimento.
e confundido com prazer. Dizem:
Quando existe equilíbrio, – o que se passa com o O sofrimento é um mal e
parece não haver prazer nem prazer e o sofrimento acon- deve ser evitado, logo o pra-
dor. tece no mesmo horizonte da zer deve ser um certo bem.

www.revistasamizdat.com 29
Nada impede que o supremo antes dos prazeres do olfacto, atinge nela um maior «grau
bem seja uma certa forma da visão e da audição. Como de discernimento e rigor».
de prazer, só porque alguns se podia fazer sentir a falta, e Torna-se mais competente
prazeres são maus. Se não consequente prazer de pre- nessa tarefa.
houvesse formas de prazer enchimento, da falta que não A ligação entre uma
boas nem actividades que existia? actividade e o prazer que
dessem prazer, aquele que O prazer parece es- lhe pertence pode tornar-se
é feliz não teria uma vida tar completo em qualquer tão profunda e indissociável
agradável. Então, para que momento temporal do seu que se pode duvidar se não
precisaria dos prazeres, caso decurso. Por isso não se trata são uma única coisa. O que,
não fossem um bem? de uma mudança. As mu- muitas vezes, significa subal-
Todos pensam que a vida danças transcorrem no tem- ternizar outras actividades,
feliz é uma vida doce e po, enquanto que o prazer próprias ou alheias, igual-
envolvem o prazer na feli- pode transcender o tempo – mente merecedoras de aten-
cidade. O facto de todos os ser total num “aqui e agora”. ção, mas que não induzem o
animais e Humanos perse- «A actividade que chega mesmo prazer. Os prazeres
guirem prazeres é um indí- à máxima completude é a associados a essas actividades
cio de que a felicidade é de que dá um prazer extremo.» são vistos como estranhos
alguma maneira o supremo Quando a capacidade per- e funcionam à maneira dos
bem. Se houver activida- ceptiva se encontra em boas sofrimentos – arruínam a
des livres de impedimento condições, e é activada pela actividade mais aprazível.
para cada disposição, e a excelência do objecto que cai Cada homem encara cada
felicidade for uma delas, tal no seu campo de percepção prazer de modo diferente e o
actividade será a coisa mais específico do objecto, acon- que pode ser delicioso para
querida. Uma actividade livre tece a percepção mais com- um pode ser execrável para
de impedimento é o prazer. pleta nesse campo específico outro. Mas o que é unanime-
Portanto, o supremo bem e um prazer extremo. Tal mente considerado vergonho-
será uma certa forma de prazer, conduz a actividade so não poderá ser chamado
prazer. a uma maior completude, prazer senão pelo depravado.
numa interacção de estimu- Actividades diferentes
5. O prazer é um proces- lação. geram prazeres diferentes. «A
so de regresso a um estado Porque não acontecem, percepção visual é superior
equilibrado? então, estados de prazer em nível de pureza à táctil»,
A situação do prazer pare- permanente? É que a excita- bem como a acústica e a
ce assemelhar-se à da saú- ção inicial do pensamento, olfactiva são superiores às do
de. Admite maior e menor que intensifica a actividade gosto ou do paladar. «Tam-
equilíbrio. E não parece ser perceptiva, esmorece com o bém os prazeres se distin-
um fenómeno de mudança tempo. guem de modo semelhante:
de estado, como dizem os os do pensamento teórico
platónicos, pois a sua intensi- são superiores em grau de
6. Que relação existe pureza aos prazeres das sen-
dade não depende da rapidez entre prazer e completude
ou da lentidão da mudança sações.»
de actividade?
de estado. E qual será o que é, por
«A intensidade de uma excelência, pertencente à na-
Será um preenchimento actividade aumenta com o
do que falta ao estado natu- tureza humana? Deve ser o
prazer que lhe é pertinen- que se manifesta nas activi-
ral? O preenchimento não te», «porque cada espécie de
é prazer; acontece é que se dades especificamente huma-
prazer tem um laço estreito nas. E deve proporcionar um
sente prazer no decurso dele. de afinidade com a activida-
E nem todos os prazeres são alto grau de completude.
de a que confere um maior
precedidos pela dor da falta: grau de completude» , como Todos os homens desejam
não se sente dor antes do dito atrás. «Quem exerce a alcançar completude nas
prazer da aprendizagem, nem sua actividade com prazer», actividades a que estão mais

30 SAMIZDAT julho de 2010


afeiçoados. Como o prazer sabedoria. «Parece, então, pois quando os apelos de praze-
leva as actividades a um que a filosofia [o filosofar] res excessivos o acometem,
maior grau de completude, possui a possibilidade de resiste apoiado nessa decisão
os homens procuram alcan- prazer mais maravilhosa que amadurecida. Ademais, ante-
çá-lo, com a intenção dessa há» . cipa as situações de desejo e
possibilidade preferencial. enfrenta-as com a seguran-
Vida e prazer andam, assim, ça que a análise prévia lhe
ligados. Conclusão forneceu. Um homem assim
Os prazeres são elementos possui autodomínio.
profundamente arreigados Os prazeres do corpo são
7. O que é a felicidade? na nossa natureza. Acompa- os mais óbvios mas muitos
A felicidade é uma coi- nham a nossa vida tornando- outros há, os quais podem
sa séria, não é uma espécie a mais agradável, ou fazendo- ser tanto ou mais gratifi-
de divertimento, pois seria nos sofrer com a sua falta. cantes. Toda a actividade
absurdo a vida ter como A maneira como lidamos exercida com gosto faz o seu
meta a brincadeira. Também com eles determina se nos praticante atingir níveis de
o descanso (parecido com tornamos pessoas amargas completude que, por sua vez,
a brincadeira) não é o fim ou de bem com a vida, se a lhe transmitem um prazer
último – existe em função da desfrutamos saudavelmente suplementar. Aquela que
actividade. ou se vivemos reféns da pro- atingir um grau de excelên-
A felicidade basta-se a cura de prazeres. «É o modo cia fornece o prazer mais
si própria, é um fim e não como lhes reagirmos e não a excelente, o supremo bem, a
um meio. Tudo pode ser um intensidade com que eles se felicidade.
meio para outro fim, excep- fazem sentir o que determina
a relação que estabelecemos Para Aristóteles as activi-
to a felicidade que é o fim dades do pensamento teóri-
último. com eles.»
co fornecem prazeres com
A felicidade consiste nas Anunciam-se pelos de- maior grau de pureza do que
actividades que se produzem sejos, que são promessas de as sensações. O exercício de
de acordo com a excelência. exultação futura. «O desejo compreensão do mundo – o
Sendo a felicidade o fim mais de prazer arremessa-nos para filosofar – será a actividade
excelente, terá que ser de um futuro que ainda não que estará de acordo com
acordo com a mais poderosa se constituiu, mas que está a mais poderosa das exce-
das excelências. eivado de promessa.» lências. Possui, portanto, a
Nos prazeres do corpo há possibilidade de prazer mais
O poder de compreensão
que ser comedido e usar só a maravilhosa que há.
– aquilo que por natureza
parece «comandar-nos, ou porção necessária, pois «não
dar-nos uma compreensão é a qualidade do desejo que
traz consigo a perturbação Bibliografia:
intrínseca do que é belo e
divino» – será a actividade da vida, mas a quantidade.» ARISTÓTELES, António
que estará de acordo com a Ser comedido não é fácil, de Castro Caeiro (tradução
excelência que lhe pertence. porque os desejos são ve- do grego), «Ética a Nicóma-
«Tal será a felicidade na sua ementes e os sofrimentos co», Lisboa, Quetzal Editores,
completude máxima. Uma tal daí decorrentes podem ser 2009.
actividade é, como dissemos, dolorosos. Muitos homens CAEIRO, António, «A
contemplativa.» cedem aos seus apelos de Areté como Possibilidade
«Nós pensamos também uma maneira desregrada, seja Extrema do Humano», Lisboa,
que a felicidade tem de estar o devasso que nem sequer Imprensa Nacional-Casa da
misturada com o prazer, se tenta conter, seja o frouxo Moeda, 2002.
porque a mais agradável de que tenciona conter-se mas
todas as actividades que se abdica sem luta. O homem
produzem de acordo com a sensato e lúcido arma-se de
excelência» é a que é con- decisões sustentadas em ar-
siderada de acordo com a gumentos fundamentados e,

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Artigo

A Inspiração
Joaquim Bispo

A inspiração é uma ideias e as formas que ele ao artista – o que o des-


fulguração intelectual procurava. responsabiliza e o meno-
produtora de estruturas Este tema interessou e riza – ou que ela resulta
representativas novas. Às preocupou os artistas de de uma elaboração subtil
vezes chamada intuição, todos os tempos, manten- dos níveis mais elevados
criatividade, imaginação, do-se contemporâneas as do intelecto.
era, nos tempos de Só- questões da origem e do As teses modernas
crates, tida como tendo funcionamento da inspi- apontam para esta últi-
origem em entidades ração. É muito diferente, ma origem. Ao modo de
sobrenaturais: musas. A nas suas implicações, conhecimento próprio
entidade sobrenatural aceitar que ela resulta de da percepção, junta-se
“sopraria” ao autor as uma intervenção externa o modo da intuição,

32 SAMIZDAT julho de 2010


como «um sair-de-si e ciona, associa». relação ao pensamento
um captar, uma busca As conclusões são estético sério e trabalho-
de conteúdos significa- muitas vezes inesperadas samente seleccionado».
tivos.» «Ambas, intuição e surpreendentes, por- Um Giacometti, um Sara-
e percepção, são modos que, como reelaborações, mago labutam longamen-
de conhecimento, vias de podem parecer novidades te na luta com a peça,
buscar certas ordenações absolutas, mas, tendo sido com o texto, para lhes
e certos significados». Os baseadas em materiais extrair a forma e o senti-
dados do conhecimen- existentes, formulam do que procuram, sendo
to são conformados e visões de certo modo ambos apenas revelados e
ordenados previamente pressentidas. É mais reconhecidos no trajecto
para poderem constituir correcto falar-se de re- calcorreado.
imagens referenciais e conhecimento, um reco-
http://www.flickr.com/photos/h-k-d/3068888802/sizes/o/

normativas. As novas nhecimento imediato. Bibliografia:


estruturas resultam da
Esta teorização não NIETZSCHE, Friedrich,
reelaboração dos ma-
evita a declaração surpre- “Da Alma dos Artistas e
teriais de tudo o que o
endente de que «até agora dos Escritores” in «Huma-
homem sabe e imagina –
os processos intuitivos no, Demasiado Humano»,
conhecimentos, conjectu-
mostraram-se inabor- Lisboa, Relógio d’Água
ras, propostas, dúvidas –
dáveis por investigações Editores, Lda., 1997.
materiais continuamente
racionais e fogem mesmo
avaliados e comparados OSTROWER, Fayga,
à auto-análise. Surgindo
com imagens referen- “Caminhos Intuitivos e
de modo espontâneo das
ciais. Operações de rela- Inspiração” in «Criati-
profundezas do ser, não é
cionamento, diferencia- vidade e Processos de
possível explicar o como
ção, nivelamento ajudam Criação», Rio de Janeiro,
e o porquê do caminho».
a fazer escolhas, construir Imago, 1977.
No entanto, sabemos que
alternativas e formu- PLATÃO, Victor Jabou-
o processo se apoia nos
lar conclusões, sempre ille (trad.), «Íon», Lisboa,
materiais existentes, pelo
visando algum tipo de Editorial Inquérito, Lda.,
que pesquisar, meditar,
ordem. «A fantasia do 1988.
andar à volta do assunto,
bom artista ou pensador
recolher informação, tra-
produz continuamente
balhar, em suma, são os
coisas boas, medíocres e
cântaros que descem aos
más, mas o seu critério,
mananciais da criação.
extremamente aguçado e
«A improvisação artísti-
exercitado, rejeita, selec-
ca fica muito abaixo em

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Crônica

Sex Toys Ju Blasina

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Quando o assunto é convertendo o “livre” em amantes modernos são de
sexo, você se considera “liberal” e fazendo disso vidro transparente – tan-
uma pessoa liberal? Acha um pré-requisito social. to para ver, quanto para
que, entre quatro paredes, Ser heterossexual, mo- mostrar! E na ânsia por
vale tudo, ou essa simples nogâmico e reservado é esquentar, sacudir e api-
pergunta já lhe parece praticamente uma afron- mentar a relação, muitos
invasiva? De qualquer ta aos valores da socie- casais acabam perdendo-
forma, relaxe, pois essa dade contemporânea! E se mutuamente – o que
crônica não pretende por conta disso, existem é compreensível... Bas-
adentrar a sua intimida- hoje tantos falsos gays ta contar o número de
de. Talvez, só espiar um – aqueles que buscam acessórios que dividem a
pouquinho... Em busca do um envolvimento sócio- cama! E, quando a pilha
seu ponto de vista, seu sexual (sim, porque se deles acaba, muitos pre-
posicionamento sobre o não mostrar, não conta!) ferem trocar os antigos
assunto em questão. com pessoas do mesmo brinquedos por humanos.
Se você estiver sen- sexo por razões pra lá de E logo o casal vira de
tindo uma certa malícia duvidosas, longe daquelas três, de quatro e de quan-
por baixo dessas linhas, pelas quais a comunidade tos mais couberem na
lembre-se que o sentido verdadeiramente gay luta vontade do playcouple* e
das palavras é a nossa até hoje! no coração do polyamo-
mente quem dá! Mas não ri*.
Foi-se o tempo em que
se recrimine, muito pelo a palavra swing* quali- Se, entre quatro pare-
contrário: nos dias de ficava os indivíduos que des, vale tudo? Vale... Vale
hoje, ser inocente é uma possuíam malemolência tudo! Até mesmo dançar
atitude que não pega e samba no pé. A menos, homem com homem e
bem! é claro, que o sexo seja mulher com mulher! Só
E para satisfazer a considerado um novo não vale fazer de nós os
opinião alheia, tem mui- estilo de dança. Nesse sex toys*
ta gente por aí vestindo caso, já pensou no suces- ______________
http://www.flickr.com/photos/mharrsch/4443057583/sizes/l/

a carapaça de vinil, com so que faria a dança dos *Nota da autora:


medo de, sem ela, parecer famosos, para maiores Playcouple – nome dado
careta ou pior: não apa- de dezoito anos? Dá até ao casal adepto do swing,
recer! Desde que a série para imaginar a sentença ou de outras práticas se-
americana, Sex and the de um jurado: “Eu fico xuais liberais. Polyamori
City, fez do vibrador o com o casal A, porque ele – estilo de vida onde há,
melhor amigo da mulher, tem um belíssimo movi- além de uma vida sexual,
que muitas só faltam le- mento de quadril, e ela, envolvimento afetivo com
var o seu pra passear, de uma abertura de pernas mais de uma pessoa. Sex
coleira – e botas, pinos, perfeita!” – talvez, nesse toys – brinquedos sexu-
chicotes, algemas e o que contexto, as expressões ais; acessórios vendidos
mais o espaço permitir! perna-de-pau e duro de por lojas especializadas,
É como se a geração que assistir ganhassem novos chamadas sex shops.
recebeu a tão almejada significados... Só talvez.
liberdade sexual tivesse As quatro paredes dos

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Poesia

Ciclo Fatima Romani

No verão rubro
As ondas submergindo
O mundo todo
http://www.flickr.com/photos/victornuno/429759418/sizes/o/

As folhas mortas
Levadas pelas águas
No outono mortal

Gelo profundo
Cobriu toda a Terra
Outra era glacial

No âmago do
Planeta a vida ainda
deixou sua raiz...
Recomeço...

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Poesia

fim?
Marcia Szajnbok

do silêncio de donde veio


jamais retornará

http://www.flickr.com/photos/lunadirimmel/347588179/sizes/o/in/set-72157594456811573/
o pó das palavras
não se assopra
não se limpa
espalha tanto
deixa marcas
deixa rimas
deixa sonhos divididos
emoções compartilhadas
forja rastros
faz amigos...

um ponto que, de final, faz-se vírgula


pois a linha da escrita
é como o tempo
infinita

obrigada, amigos, por toda a partilha


que tivemos aqui!

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Poesia

Caio Rudá de Oliveira

Testamento

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38 SAMIZDAT julho de 2010
http://www.flickr.com/photos/mezone/73876655/sizes/l/
Eu quero morrer louco
são nem um pouco
doido de pedra
demente, decadente
sem mente, sim
completamente doente.

Eu quero morrer assim


para não fechar meus olhos
ciente de que é o fim.

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Poesia

Orvalhinho
Wellington Souza

És a gota
que vence
o incêndio.

e depois queda
esbaforida
na calma

sobre o meu peito.

Orvalho na folha salva.

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40 SAMIZDAT julho
junho de
de 2010
2010
Da Mulher
Wellington Souza

Jardineira que se pinta as rosas


de rosa, branco, grená.

Se poda os galhos,

http://www.flickr.com/photos/maubrowncow/565391508/sizes/o/
afia os espinhos,
unta as folhas
com essências
e fantasias.

... mas suas raízes


irrigam
um bonsai de carvalho.

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Poesia

dois poemas desvairados


Maria de Fátima Santos

viagens

Eu gostava de ter um barco


Que rumasse a norte
Um barco e um mapa

Eu gostava de ser comandante


De uma frota
guerras Vários barcos e o meu adian-
te
estavam quatro homens debaixo da janela do meu quarto
Andar com bandeirinhas
quatro
Acenando
quatro soldados armados de espingarda
“Olá! Como foi o almoço”
quatro homens fardados
E responder-me uma dama
No barco lá ao fundo
pendurada na parede do meu quarto havia uma aguarela
“ Vomitei tudo!”
um desenho pintado de um gato siamês

Um barco para andar


cada soldado disparou uma bala
De vento em popa
quatro
A passar ao largo
caiu a aguarela da parede
Algarismos, cotas, ramais
caiu esfacelado o gato com dois olhos verdes
As letras e os números

entro no quarto e vejo a última bala


uma bala a dançar em redor do que sobrou do gato
Um barco que fosse
De uma a outra costa
Atravessando o mapa
A desfilar na tinta

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42 SAMIZDAT julho de 2010
Poesia

Etapas
Maristela Deves

Cada fim
é um recomeço
um novo início
(um pouco do avesso).

Desafios vão,
desafios vêm
o sonho, no entanto,
http://www.flickr.com/photos/m2digital/3541739600/sizes/l/

se mantém.

Samizdat termina,
deixa saudade
Uma literatura
de verdade.

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SOBRE OS AUTORES DA

SAMIZDAT
Edição, diagramação e capa

Henry Alfred Bugalho


Formado em Filosofia pela UFPR, com ênfase em
Estética. Especialista em Literatura e História. Autor
de quatro romances e de duas coletâneas de contos.
Editor da Revista SAMIZDAT e um dos fundadores
da Oficina Editora. Autor do livro best-selling “Guia
Nova York para Mãos-de-Vaca”. Mora, atualmente, em
Nova York, com sua esposa Denise e Bia, sua cachor-
rinha.
henrybugalho@gmail.com
www.maosdevaca.com

Revisão
Maria de Fátima Brisola Romani
Nasceu em SP em 1957 mas mudou-se para Salvador
em 1984 onde reside até hoje. É arquiteta e artista plás-
tica, além de tradutora (inglês e italiano) e revisora de
textos. Escreve poesias esporadicamente desde adoles-
cente e há cerca de um ano começou a escrever contos.
Pretende concorrer ao mestrado em Artes Cênicas na
Escola de Teatro da Ufba.

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Colaboração

http://www.photoshoptalent.com/images/contests/spider%20web/fullsize/sourceimage.jpg
Maria de Fátima Santos
Nasceu em Lagos, Algarve, Portugla em 1948. Vi-
veu a adolescência em Angola e reside em Lagos.
Licenciada em Física, é aposentada de professora do
Ensino Secundário. Já participou na SAMIZDAT e por
afazeres de vida afastou-se. Tem poemas em diversas
antologias, e publicou em Janeiro de 2009 um livri-
nho com pequenas histórias, aquelas que lhe voam
no teclado: Papoilas de Janeiro é o título, com ilus-
trações de TCA do blogue http://abstractoconcreto.
blogspot.com/ Muito material está publicado nos
blogues e www.intervalos.blogspot.com e http://tris-
teabsurda.blogspot.com/ Escreve pelo gosto de deixar
que as palavras vão fazendo vida. Escreve pelo gozo.

Maristela Deves
Gaúcha nascida na pequena cidade de Pirapó, co-
meçou a sonhar em ser escritora tão logo aprendeu
a ler. Escreve principalmente nos contos nos gêneros
mistério, suspense e terror, além de crônicas. Man-
tém ainda o blog Palavra Escrita, sobre livros e litera-
tura (www.pioneiro.com/palavraescrita).

Léo Borges
Nasceu em setembro de 1974, é carioca, servidor
público e amante da literatura. Formado em Comu-
nicação Social pela FACHA - Faculdades Integradas
Hélio Alonso, participou da antologia de crônicas
“Retratos Urbanos” em 2008 pela Editora Andross.

www.revistasamizdat.com 45
Joaquim Bispo
Ex-técnico de televisão, xadrezista e pintor ama-
dor, licenciado recente em História da Arte, experi-
menta agora o prazer da escrita, em Lisboa.

episcopum@hotmail.com

Wellington Souza
Paulistano, mas morou também em Ribeirão
Preto, onde cursou economia na Universidade de São
Paulo. Hoje, reside novamente no bairro em que nas-
ceu. Participou das antologias do concurso Nacional
de Contos da Cidade de Porto Seguro e do Poetas
de Gaveta/USP. Escreve poemas, contos, crônicas e
ensaios literáios em um blog (Hiper-link), na revista
digital SAMIZDAT e no portal Sociedade Literária.
“Escrever é um modo de ser outro ser”.

Caio Rudá
Bahiano do interior, hoje mora na capital. Estuda
Psicologia na Universidade Federal da Bahia e espera
um dia entender o ser humano. Enquanto isso não
acontece, vai escrevendo a vida, decodificando o enig-
ma da existência. Não tem livro publicado, prêmio,
reconhecimento e sequer duas décadas de vida. Mas
como consolo, um potencial asseverado pela mãe.

Marcia Szajnbok
Médica formada pela Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo, trabalha como psiquiatra
e psicanalista. Apaixonada por literatura e línguas
estrangeiras, lê sempre que pode e brinca de es-
crever de vez em quando. Paulistana convicta, vive
desde sempre em São Paulo.
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http://www.photoshoptalent.com/images/contests/spider%20web/fullsize/sourceimage.jpg
Jú Blasina
Gaúcha de Porto Alegre. Não gosta de mensurar
a vida em números (idade, peso, altura, salário). Não
se julga muito sã e coleciona papéis - alguns afir-
mam que é bióloga, mestre em fisiologia animal e
etc, mas ela os nega dizendo-se escritora e ponto fi-
nal. Disso não resta dúvida, mas como nem sempre
uma palavra sincera basta, voltou à faculdade como
estudante de letras, de onde obterá mais papéis para
aumentar a sua pilha. É cronista do Caderno Mulher
(Jornal Agora - Rio Grande - RS), mantém atualiza-
do seu blog “P+ 2 T” e participa de fóruns e oficinas
virtuais, além de projetos secretos sustentados à base
de chocolate e vinho, nas madrugadas da vida.

José Guilherme Vereza


Publicitário, redator, executivo, professor, aluno, marido,
pai, filho, cunhado, tio, sobrinho, genro, sogro, amigo, bota-
foguense, tijucano, lebloniano, neopaulistano, escritor, leitor,
eleitor, metido a cozinheiro, guloso, nem gordo nem magro,
motorista categoria B, pedestre, caminhante, viajante, seden-
tário, telespectador, pilhado, zen, carnívoro, beatlemaníaco,
cinemeiro, desafinado, sinfônico, acústico, capricorniano,
calorento, alérgico a ditaduras, sonhador, delirante, insone,
objetivo, subjetivo, pragmático, enérgico, banana, introspec-
tivo, extrovertido, goleiro, blogueiro, colunista do Bolsa de
Mulher, colaborador do Mundo Mundano, tem livro publi-
cado, conto premiado, teve texto encenado no teatro, fez ro-
teiros para televisão, criou uma infinidade de comerciais e
aprendeu que aproveitar a vida intensamente é ser de tudo
um muito. Samizdat é seu mais recente energético..

Cirilo S. Lemos
Nasceu em Nova Iguaçu, Baixada Fluminense,
em 1982, nove anos antes do antológico Ten, do
Pearl Jam. Foi ajudante de marceneiro, de pedreiro,
de sorveteiro, de marmorista e mais um monte de
coisas. Fritou hambúrgueres, vendeu flores, criou
peixes briguentos. Chorou pela avó, chorou por seus
cachorros. Então cansou dessa vida e foi estudar
História. Desde então se dedica a escrever, trabalhar
como voluntário numa escola municipal e fazer feliz
a moça ingênua que aceitou ser mãe dos seus filhos.

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Também nesta edição, textos de

Caio Rudá Jú Blasina

Cirilo S. Lemos Léo Borges

Fátima Romani Marcia Szajnbok

Giselle Natsu Sato Maria de Fátima Santos

Henry Alfred Bugalho Maristela Deves

Joaquim Bispo Wellington Souza

José Guilherme Vereza

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