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Artefoto Lica CANONGIA ma das ligbes fundamentais que a modemidade nos legou foi a de que a forma nao precisava mais se su- jeitar ao real, a ser simples representagao do mundo. Distanciando-se de seu referen- te @ apresentando-se como pura ideagao - fluxo corrente do imaginario -, as formas eram livres para se de-formar, se re-formar, se tuans-formar. Impressionismo, cubismo, surrealismo e demais movimentos modernos foram esfor- os para essa liberagao: fazer com que as imagens fossem ao encontro da expresso de um sujeito sobre 0 mundo, e nao de um mundo que se sobrepée ao sujeito. As cépias seguiram-se, pois, as interpre- tages, as opinides, as visoes subjetivas e, sobretudo, as idéias. E se a arte é uma forma de pensar o mundo, ela é pensamento, pro- cesso estreitamente ligedo a inteligéncia, mais que & beleza. Fazer do sujeito o senhor da operacao estética, atrelar a pratica pictorica o exerci- cio do pensamento e da especulacao, ampli- ar o campo da arte para além dos limites sensiveis, e langa-la na arena das idéias fo ram verdadeiros tesouros da experiéncia modema. E nao precisamos lembrar que toda essa trajetoria foi fruto direto do surgimen to da maquina e das novas estruturas soci sis engendradas pela industrializagao. De fato, a manualidade e o virtuosismo técnico do pintor tradicional entravam em ctise diante de uma sociedade que se resol- via com outra velocidade, indispondo-se com co tempo do fazer artesanal. A maquina esma- gou a seducao do artesanato, substituindo suas formas originais e aurdticas pela nocao de mercadoria, e instaurou mecanismos de forca produtiva que revolucionaram 0 mundo do trabalho. Com a indiistria e os processos de acelerago urbana, a plasticidade ‘artisti- ca’ também se viu, pouco a pouco, substituida por formas de ago direta sobre a realidade, detonando o contagio, hoje téo sedimentado, entre a arte e a vida. Os dadaistas viriam a ser exatamente a pedra de toque desse con- tagio, con-fundindo sua arte com o cotidiano ¢ 0s acontecimentos banais. Quando Duchamp propés o readymade dissociou finalmente a questao da plastici- dade da nogao de arte, elegendo objetos in- dustrializados e ordindrios como obras artis- ticas. A criagao, para ele, estaria na simples seiecdo desses objetos, uma vez ja residir ali a Idéia. O readymade aparece como conseqii- éncia direta da crise do artesanato, como deciaragao de faléncia do ‘fazer’ pictérico daquele lento e progressivo trabalho artis: tico manual. O artista nao é mais, a partir dai, o tece- > que entrelaga os fios da seda, o pintor 450 que prepara suas tintas, estica suas telas faz composicées com 0 trabalho precioso dos pincéis. Ou, pelo menos, nao é apenas isso. Ele € aquele que pensa, que escolhe, que cria sentidos, que provoca, que desperta questées, que reage ou adere as pulsdes imediatas de seu tempo. © readymade foi um dos sinais mais evi- dentes da impoténcia do pintor na socieda- de industrial e seu aparecimento deve-s sem duivida, crise da pintura e a redencao da arte enquanto idéia, Thierry de Duve vai além, e nos diz que “é como idéia que a pintu- ra nasceu de novo de suas cinzas, e essa idéia nao poderia se reduzir ao critério de uma superficie plana e delimitada”." 0 metié pic- torico tornava-se impotente para enfrentar a tealidade da maquina, incluindo af a da mé- quina fotografia. Nao foram raros, inclusive, os pintores que trocaram a pintura pela foto- grafia. Walter Benjamin diz, ja em r93t, que “eles a abandonaram para tentar colocar seus meios de expresso em correlacao vivaz ¢ univoca com a vida de hoje"? Quando os dadafstas e os surrealistas, em suas colagens, utilizam-se de fotografias, 6 como se as incorporassem ~ independente das imagens ali estampadas - como um dado irreversivel da vida moderna: a maqui- na (0u seu produto) na arte. Era portanto mais uma busca de relacionar 0 mundo estético com 0 mundo da produgio mecanica, quer para aderir a realidade dos objetos e das imagens advindas da indusurializacdo, quer para criticé-ta Criava-se naquele momento o primeiro © grande paradoxo que jé vem implicito na relagdo entre arte e fotografia - objeto, inclu- sive, de teorizagGes bastante atuais. Por um lado, havia a apropriacao da foto- grafia como readymade, tomada como uma imagem-objeto ja dada e decodificada, ape- nas re-contextualizada em outro meio, fora de seu habitat original. Nesse sentido, Philippe Dubois, em teo- ria admiravel, compara a operacao do ato fotografico com o ato que presidiu a institui- a0 do proprio readymade, também ele um objeto jé dado e conhecido que adquiriu nova légica pela mudanga de contexto, Dubois diz ainda que, assim como o ready- made, a fotografia efetua um corte no con tinuum de um processo espacial e temporal, interrompendo 0 fluxo progressivo de uma cadeia: 0 readymade em relacao a cadeia fun- cional dos objetos, a fotografia em relacao a0 encadeamento do tempo na duragio. Se di- zemos que 0 fotdgrafo corta (isola e inter- rompe) e o pintor compée (age continuada e progressivamente), entendemos 0 quanto Duchamp estava mais préximo do fotégrafo do que do pintor. A fotografia “abandona o tempo crénico, real, evolutivo, o tempo que passa como um. rio, nosso tempo de seres humanos inscri- tos na duracéo, para entrar numa tempora- lidade nova, separada e simbélica, a da foto. (...) A pequena porgao de tempo, uma vez saida do mundo, instala-se para sempre no além a-crénico e imutavel da imagem"? © golpe duchampiano, que separa um objeto ordinario de sua série industrial, de sua ordem nessa cadeia serial, cria igual- mente para esse objeto uma nova inscrigio espacio-temporal e, uma vez ‘saido de seu mundo’, 0 objeto também se instala nesse além ‘imutavel da imagem’, de que nos fala Dubois. © fotégrafo, assim como Duchamp, ope- ra por subtracao: o primeiro, recorta uma fatia do tempo de sua evolugdo natural; 0 segundo, retira um objeto de sua serialida- de industrial progressiva, o que nao deixa de ser uma subtracao na temporalidade dese IIA DE ARTE NO BRASIL. TLMATICAS CONTEMPORANEAS objeto - um urinol ou uma bicicleta ‘conge- lados' na duragao eterna de uma estatua, justo 0 efeito do ato fotografico. “£ 0 cut que determina a imagem, toda a imagem, a ima- gem como um todo (...) tudo acontece por inteiro de uma sé vez,”« Havia, portanto, na utilizacao da fotogra- fia nas colagens modernas, essa idéia de apropriagao da coisa dada, readymade e me- canica. Mas, por outro lado, a fotografia, jus- toum dos principais motivos da crise da pin- tura, estava sendo assumida no corpo mes- mo de uma obra de arte, ‘A ambigiiidade estava em trabalhar com imagens fotograficas e, como tal, ‘realistas’ (absolutas em termos de fidelidade repre- sentacional do mundo), logo 0 que, exata- mente, o modernismo havia se esforcado em combater. A fotografia, sempre que tomada no ambito da arte, mesmo hoje, suscita a discussao da sua potencialidade realista, da sua efetividade mecanica e dos limites de sua curvatura ao simbélico, O problema, ainda hoje, parece estar no fato de o pensamento da relagdo entre arte e fotografia vir sempre atrelado & discussao das especificidades da fotografia e nao da arte, Indmeros pensadores discutiram a questo fotografica ~ seus aspectos deno- tativos ou conotativos, icénicos ou indiciais ~ langando mio de ilustragdes de obras de arte que fazem ou fizeram apelo ao meio fo. tografico. £ natural remeter-se ao mundo da fotografia propriamente dita, quando al. guém se defronta com um resultado hibrido em que ela esta inserida. O mesmo aconte- ce quando lidamos com obras que se repor- tam ao cinema, ao teatro ou a qualquer ou- tro canal de expressao da cultura, Sempre iremos buscar relacdes e referéncias que di- gam respeito a esses canais, em suas propri- as especificidades, para em seguida tracar paralelos ou cruzamentos. Mas, quando se trata da fotografia, talvez por ser ela mesma uma expressio até hoje em debate, ela ten- de ase fazer protagonista nas discussées € a tornara arte, coma qual se entrelaca na obra, quase coadjuvante, © cinema, por exemplo, bem mais jovem que a fotografia, ja havia semeado uma ba- gagem de reflexao respeitavel, quando a fo- tografia, nos anos 1980, comecava a desper- tar o interesse tedrico e académico. A rela- ao entre as duas linguagens parece ficar assim em segundo plano, pela necessidade de se pensar mais atentamente a operacao fotografia. A rigor, no discurso da relagdo, nao haveria o porqué da discussao sobre a natu- reza da fotografia. A situagao poderia talvez ser apresenta- da de outra forma: a de que existe um artis- ta com uma necessidade expressiva tal que precisa langar mao da fotografia para que essa expresso se resolva como imagem. A fotografia sendo o meio exclusivo e neces- sdrio para a realizacao plena da mediacao entre o imaginado e 0 executado. Quando o artista vai ao encontro da fotografia, ela é apenas o veiculo ideal naquele momento para a comunicagao da sua idéia visiva. E af a fotografia é matéria para e nao a obra em si, mesmo que esta obra se apresente por inteiro fotograficamente. A foto funciona entéo como podem funcionar o marmore, a tela, o cinema ou a internet no contexto de uma obra artistica, Se uma escultura ‘pede’ © marmore ou 0 aluminio, se um trabalho multimidia ‘pede’ o cinema ow a foto, é por que aquele determinado processo de cria- so inclui necessariamente esse material ou essa linguagem para proceder a exata comu- nhao entre sua intengao e seu efeito. Antes, um pintor precisava dominar seu metié, conhecer em profundidade suas téc- 4S) ase nicas, mas hoje, sabemos bem, hd pintores cuja realizacao de suas telas é feita por as- sistentes, pois a fatura, no caso, é secunda- tia em relagao a idéia, 4 criagao mental ou conceitual da obra. £ importante que o artis- ta conheca o processo de constituico do fil- me ou da fotografia para que possa fazer interagir sua imagem e seu meio com inte- ligéncia e perfeigao. Mas isso quando a obra Tequer em especial esse ajuste, esse saber, 0 que no chega a ser condigao sine qua non. Um artista plastico pode recorrer ao re- gistro fotografico de um fotdgrafo profissio- nal se ele ndo dominar a técnica e, nem por isso, a obra deixar de ser sua, pois a ima- gem fotografada e as formas de se apresen- tar serdo sempre fruto de sua criacio, dire- G0 ou edigdo. Serdo sempre seus os senti- dos e as idéias. Resta apenas que o veiculo esteja absolutamente conjugado a ideacao, para que @ imagem surja na sua integrida- de e atinja a plenitude de sua significacao. Quando a fotografia esta a servigo da cha- mada ‘aventura’ artistica, ela é parte desse fenémeno. Nao da para comparar ou sepa- rar 0s dois Ambitos, insistindo em debater 0 universo de apenes um deles, pois isso se- ria recair no purismo moderno greenbergia- no, justo que a operacdo esté a ultrapas- sar. Na obra de arte, a fotografia fica proviso- riamente distanciada de seu discurso, de sua ordem e seus principios originais. Quando vernos um trabalho de arte realizado fotogra. ficamente, vernos um trabalho de arte Se um artista usa, por exemplo, um tex. to, uma frase ou mesmo uma palavra, fato comum a arte conceitual, nao ha literatura ali, embora haja o que ler. As palavras sem. pre estarao de tal forma comungadas ao acontecimento visual, que permanecerao elas mesmas com o estatuto de imagem Magritte sabia bem disso em seu famoso tra: balho Cecinn’est pas une pipe. O que vemos nao 6a ‘coisa’ cachimbo, nem palavra, é imagem. ‘Também poderiamos dizer: Ceci n’est pas une photographie, é arte, mesmo que a obra seja inteiramente resolvida com as técnicas fotograficas, Uma fotografia pode ser um re- gistro, um documento, uma lembranga de viagem, uma fotografia “artistica” (no ant g0 espirito pictorialista) e pode ser obra de arte. Nesse caso, as perguntas deveriam ser outras: por que a fotografia foi o melhor meio para responder aquela ideacao? Por que a fotografia tem sido recorrente na constitui- ao da linguagem de tal artista? Que senti- do faz 0 ‘congelamento’ fotografico na tem- poralidade dessa obra? Quando um artista como Marcos Chaves, por exemplo, fotografa torneiras de cozinha ou de banheiro, descobertas a esmo, e colo- cadas em posigées absurdas que impedem sua funcionalidade, a operagao da apropria- Gao fotografica dessas imagens é a mesma que governa sua coleta direta de objetos co- tidianos. Sé que a fotografia lhe da a agilida- de de colher os mesmos absurdos em situa- des em que as coisas em si nao podem ser demovidas. £ preciso entio colher a coisa, a situagao e o lugar num sé canal de visibilida- de, ¢ isso s6 o clique fotografico pode captare transpor. Na verdade, o meio aqui é um faci- litador construtivo, guardando as mesmas matrizes conceituais das obras praticadas com ou sobre objetos tridimensionais Na obra Semeando Sereias, de Tunga, a ne- cessidade da fotografia é da mesma ordem. E insistimos na idéia da necessidade do su- porte para enfatizar sua absoluta participa- a0 na configuragao plena do trabalho. Tra ta-se aqui do desenrolar de uma agao que, partindo do plano totalmente fantasmatico, acontece de fato no ‘real’, isto é, o artista faz acontecer a imagem que estava em seu ima: ginario e a ‘documenta’, tornando ‘realida- de’ fotografica, portanto indiscutivel, um mundo de pura ideagao. A fotografia é a pro- va cabal de que aquilo existiu ou se passou. A fotografia é um plus de afirmacao de ver- dade numa situagdo de ilusao ~ um parado- xo, alias, tao bem explorado pelos surrealis- tas. Além disso, em Semeando Sereias, a ago tem desdobramentos temporais claros: é montada numa sintaxe seqiiencial, quase evolutiva, e tornava-se ‘necessario’ que o tipo de registro pudesse configurar suas di- ferentes etapas, seu transcorrer no tempo, embora em um tempo secionado por breves congelamentos. O cinema, por exemplo, nao poderia responder a esses cortes abruptos, nem desempenhar tao bem a fungao semi- discursiva, ficando assim a fotografia encar- regada de montar a seqiiéncia no clima das historias em quadrinhos. A simbiose entre a arte e a fotografia é tamanha, que nao hé por que averiguar os limites entre as linguagens, voltar a discus- sao sobre a natureza e as especificidades de cada uma. No entanto, muitos textos tem tentado pensar a fotografia através de sua insergao no contexto da arte, buscando en- contrar ali, e para a fotografia exclusivamen- te, caracteres de seu discurso préprio. Talvez, no inicio do que hoje entendemos como periodo contemporaneo, os anos de 1960/70, essa simbiose, essa comunhao, ain- da nao se efetivasse de todo. Numerosos artistas usaram a fotografia como rneros re- gistros de performances, happenings ou agoes, que até podem ter acumulado valor de obra, sem ter tido, porém, esse objetivo. Vale lembrar um artista como Artur Bar- rio, no Brasil, que sernpre declarou que #s fotografias de suas ages/situagdes nao po- deriam ser consideradas ‘trabalhos de arte’, muito embora sejam comumente apresen tadas como tal em exposigdes, Barrio decla- Ta que sao simples e precarios registros que jamais dariam conta da vivacidade e da tem- poralidade fugaz das acdes. £ importantis- simo que se marquem as diferengas nesse ‘Ambito ~e a clareza de Barrio, sem diivida, é louvavel - para que a prépria Hist6ria nao se perca em consideragées dispensaveis ou enganosas. Tudo muda, entretanto, se no proprio. Barrio encontramos colagens fotograficas em seus CadernosLivros, embrides conceitu- ais de todo o conjunto de suas acées e, por- tanto, obras de extrema relevancia, em que a fotografia assume papel estrutural e deter- minante na pontuagao de seus projetos e anotagées. Aqui sim, a fotografia esta intrin- secamente associada a elaboracao desses cademos-obras, interligada a escrita e a ou- tros signos, indispensavel a sua integra vi- sualidade Em outros trabalhos, como os da Land Art norte-americana, por exemplo, que dificil- mente teriam sido divulgados sem a ajuda de filmes e fotos, esses registros também se tornaram parte constituinte das obras, afir- mando-se como elementos participantes da rede do trabalho. Seguindo os termos de Robert Smithson, as fotos faziam parte do segmento dos non-sites (obras-extensdes, removiveis, expostas em museus e galerias, que advinham do site, a obra-mée, irremo- vivel, inscrita diretamente na natureza). Site enon-site, entendidos como processos e con- figuragdes de uma mesma matriz conceitu- al, formas reversiveis umas as outras, partes que apontavam para a idéia de uma opera cao em rede. ‘Também nos trabalhos do grupo Fluxus e da arte conceitual, a fotografia imiscuiu se e integrou-se por completo na tama mesma das obras, nao podendo deixar de ai 454 ser lida como estrutura. Ha, porém, dentro da propria histéria da arte recente, que se distinguir a foto com uso documental da foto jé na acepcio de obra. Um dos primeiros artistas no Brasil a ex- perimentar a linguagem fotografica e suas potencialidades no campo da arte foi Anto- nio Dias. A partir da década de 1970, passa a trabalhar com midias diversificadas - foto- grafia, cinema, video, projegao de diapositi- ;companhando o fluxo das van- guardas internacionais, que tentavam criar nova dinamica para os suportes da arte, imprimindo lug, ritmo e movimento a suas criagdes. A fotografia, como 0 video eo cine- vos, néon -, ma, tornaram-se novos meios de investiga- a0 da realidade e de suas condigées de re- presentagao. Os artistas queriam a liberda- de de poder experimentar outras formas de producdo de imagens, expandir seu espaco de intervengao no mundo, e estabelecer mecanismos que rompessem com a idéia de uma organizacao formal fechada e estavel. A diversificago das mi Dias iniciou-se no periodo em que o experi- jias em Antonio mentalismo fervia no pais e no mundo. 0 desafio, porém, estava longe de ser apenas a experiéncia com novos meios; “havia que se perceber as extensdes e os limites dessas linguagens e, principalmente, colocé-las a servigo da inteligéncia do trabalho de arte, © importante nas experiéncias de Anto- nio Dias € que ele soube, como pouces, pe netrar no mundo exclusivo dessas midias compreender as especificidades de cada téc nica, a ponto de fazer, nfo uma transferén- cia ou uma acomodagao de seu repertério usual, mas de criar formas que se integra vam necessdria e absolutamente aqueles novos meios. As imagens sao diretamente vinculadas aos suportes utilizados, Nao se trata de uma forma deslocada de uma tela ‘ou de um desenho para a pelicula, £ 0 mun- do da projegao, da luz, das transparéncias e dos circuitos que dé as imagens a possibili- dade de sua revelagio." Faz parte da obra de Dias, até hoje, expe- rimentar formas diferenciadas para a ex. pressio de suas idéias e de seu imagindrio, e ele chegou a assumir a experimentagao como atitude, como maneira de interferir na ordem do mercado e na politica institucio- nal. O curioso é que, se nas décadas por ex- celéncia do experimentalismo - 1960/70 ~ a foto, 0 video e o filme constitufam canais avessos & ordem mercadolégica e museolé- gica, hoje, sdo vefculos perfeitamente assi- milados, sobretudo a fotografia. Conclui-se, inclusive, que vivemos agora um verdadei- ro boom da producio artistica fotografica. Eo proprio Dubois chegaa perguntar: “A fotogra- fia é arte? Ou a arte contemporiinea tornou- se fotografica?”* Assim como Dias, diversos artistas da vanguarda experimental brasileira e da atu: alidade fizeram ou continuam fazendo uso da fotografia em suas obras, mas muitos deles em carter esporadico, em determina- do trabalho ou conjunto pontual e ocasional de trabalhos. Existe, entretanto, uma fatia consideravel da produgio, sobretudo nos dias de hoje, que se dedica de modo exclu- sivo a criar nessa midia. Miguel Rio Branco, por exemplo, é um desses casos, e de inega- vel importancia é Ha trinta anos trabalhando com o super te {otografico, Rio Branco tem se destacado pela exaltagao cromatica, pela luminosida- de barroca e a atmosfera dramatica, Embora aponte para questdes como o fervor misti- 0, a violencia, a morte e a sexualidade, com imagens que decerto encontram eco no dis- curso de Bataille? seu trabalho ndo se esgo ta na realizagao de fotografias, sejam elas apresentadas sobre papel ou em diapositi- vos projetados. 0 trabalho de montagem, de edigao, os cortes, fusdes, transparéncias e colagens - com os quais lida na elaboragao de ambien- tes/instalagdes ou na publicacao de livros - € que imprime a cadeia ritmica das imagens, sua temporalidade no espago, sua descon- tinuidade. Associando a fotografia a outras matérias - espelhos, vidros, jomais, tecidos -, Rio Branco monta um caleidoscépio de imagens em permanente processo de frag- mentaco e fusio, compondo um magma de recortes, e interligando poeticamente os préprios cuts que fundamentam a fotografia. Hoje, mais do que nunca, a fotografia, quando inserida na area das artes plasticas, est4 assumindo 0 campo total da imagem. Esse é um fato que, inclusive, tem contribu- ido para que alguns teéricos pensem o fené- meno da arte pelo discurso nascente da fo- Notas 1. DEDUVE, Thierry. Resonances du readymade: Duchamp en ‘re Vavant-garde et tradition, Nimes, (ed) Jacqueline Chambon, 1989 2, BENJAMIN, Walter Poési et revolution, Paris, Denodl 1971 43, DUBOIS, Philippe. O eto fotogrdfco, Campinas, Papirus, 1994 4 Idem 5. CANONGIA, Ligia. Antonic Dias: O pais inventad, Viton, ‘Museu Vale do Rio Doce, 2001(no folder da exposicic). tografia. Ao invés de ser um dos elementos da obra de arte, ela é a obra. Midias fundi- das, perplexidade teérica. Esse tern sido um. dos principais dilemas do pensamento, 0 mesmo acontecendo para o discurso das obras de arte em filme e video, dilema que remonta a tradicao do pensamento dicotd- mico do Ocidente, to recentemente contra- riado na filosofia, e que fornenta e re-atuali- 2a 0 ja historico debate sobre a distingo das reas de competéncia de cada arte. A fotografia, ao tornar-se cada vez mais dominante, e ao efetivar de maneira abso- luta o campo da imagem e as ideagdes do artista, cria, por outro lado, um problema novo para o observador, e também para a cri- tica. Maior acuidade e intuicao serao exigi- das para que se separe 0 joio do trigo, e se possa reconhecer quais, dentre tantos tra- balhos surgidos fotograficamente, sao de fato obras de arte. 66, DUBOIS, Philippe, op. cit. 7. Georges Bataille, escritor e pensador fiancés, que cons: truiu sua obra do inicio a meados do século XX. Seu ivro Lerotisme trata © tema como um interdito social, por ser avesso ao mundo da ordem e do trabalho, « poder sgerar a violencia. O autor interliga sexualidade, religido pulsio de morte como praticas einstintos, respectiva: ‘mente, de iberagio e contengio, criundos de mesmo im: pulso erético ‘RITA OE ABE No BRAS: TeMATICAS CONTEMPORENEAS Critica de Arte no Brasil: Tematicas Contemporaneas Copyrigth © 2006, by Fundacao Nacional de Artes - Funarte Giéria Ferreira (Organizagao) Fernanda Lopes e Izabela Pucu (Pesquisadoras colaboradoras) Todos os direitos reservados & Fundagdo Nacional de Artes ~ Funarte Rua da Imprensa, 16 - Centro - 20030-120 ~ Rio de Janeiro ~ Ru Tel: (21) 2279-8053 / (21) 2262-8070 numep @ funarte.gov.br Proibida a reprodugao no todo ou em parte, através de quaisquer meios. Produgao Editorial José Carlos Martins Produgao Grafica Joao Carlos Guimaraes Assistentes Editoriais Naduska Mario Palmeira e Sénia Oliveira Lima indice Onomastico e Bibliogratia Josiane Ferreira dos Santos e Marisa Colnago Coelho (colaboradora) Projeto Grafico e Capa Carlos Alberto Rios e Robson Lima Geréncia Operacional/Centro de Programas Integrados Anagilsa Franco, Adriana Machado e Roberta Castro Coordenador da Rede Nacional de Artes Visuais Nelson Ricardo Martins Setor Administrativo/Centro de Artes Visuais Lisiane Brito, Oswaldo Alves Silva Jr., Valéria Soares, Alvaro Maciel, Reginaldo Santos e Carlos Reis A reprodugao dos textos manteve-se fial aos originais, salvo corregdes de erros tipograticos. Catalogagao na fonte Funarte / Coordenagao de Documentagao e Informagao Critica de arte no Brasil : tematicas contemporaneas / organizadora: Glor Ferreira ~ Rio de Janeiro : Funarte, 2006. 580 p.; 18 x 25 cm. Inclul indice | ISBN 65-7507-079-7 | 4. chica de ane - Gras. 2, Ane - Aprecapdo - Brasil 1 Ferra, lon | | | 0701.18

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