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Não Contavam com a Minha Astúcia

“(...)o suporte das


representações ideológicas não
se coloca na consciência
indefinida (saco de gatos do
inexplicável), nem no sujeito
(categoria, aliás, que a
psicanálise já estilhaçou há
quase um século), nem na
noção mistificadora de ator
social. O sistema-suporte das
representações ideológicas é a
linguagem (não apenas verbal)
materialmente percebida.”
(Lúcia Santaella/ Produção
de Linguagem e Ideologia)

Os livros ‘Linguagem Jornalística’1 e ‘Linguagem e Persuasão’2 se


confrontam e complementam no que nos interessa analisar brevemente:
Aquilo que se escreve vem carregado de intenções nem sempre
confessadas, nem sempre percebidas pelo jornalista. A maneira como se
manipula o texto/voz/imagem na tessitura da notícia ou entrevista ou
reportagem traz consigo ideologia.
“a consciência se forma e se expressa concretamente, materialmente,
através do universo dos signos.(...)As palavras, no contexto, perdem
sua neutralidade e passam a indicar aquilo a que chamamos
propriamente de ideologias.”3
Mas não é assim tão simples. É que “no horizonte ideológico de
qualquer época e de qualquer grupo social não há apenas uma, mas
muitas verdades mutuamente contraditórias, não apenas um, mas
muitos caminhos ideológicos divergentes”4. Então, porque a sensação
que se tem quando estamos diante da maior parte do jornalismo
produzido na mídia – grandes jornais, grandes revistas, grandes tvs
comerciais, grandes rádios - de que é a mesma pessoa que fala?
11
LAGE, Nilson Linguagem Jornalística São Paulo Ática 1990
2
CITELLI, Adilson Linguagem e Persuasão São Paulo Ática 1985
3
CITELLI, Adilson Linguagem e Persuasão pg 28-29
4
MEDVEDEV, P. in SANTAELLA, Lucia Produção de Linguagem e Ideologia São Paulo Cortez 1980 ,
pg 70
É que a estrutura de montagem do jornalismo contemporâneo
está comprometida com uma visão de mundo a serviço de certos
interesses econômicos e políticos, e isso reverbera na linguagem - tudo
o que se faz, desde as tipificações, a rotina, a escolha das fontes, as
formas narrativas do jornalismo, a pressa, reforçam o senso-comum e a
ideologia dominante.
O livro de Citelli mostra o tempo todo os mecanismos da
persuasão agindo nos discursos. Ele vai nomeando os tipos de discursos
e recursos, como a troca dos nomes, o discurso dominante institucional,
o discurso competente de Chauí; depois fala das modalidades
discursivas (lúdico, polêmico, autoritário) e diz que nossa sociedade está
impregnada pelo terceiro. E mostra como funciona a persuasão em
alguns exemplos: publicidade, religião, ensino, literatura e jornalismo.
No jornalismo, ele toma dois casos que se poderia chamar de ‘o
paroxismo do modelo jornalístico’: Gil Gomes e Notícias Populares, uma
vertente que deu frutos – Aqui Agora, Linha Direta, O Dia, Ratinho... A
proliferação do pior, que é explorar os dramas humanos, as tragédias,
os crimes, para reforçar o moralismo, o autoritarismo, as forças
repressoras, a violência. Tudo isso usando e abusando da persuasão, e
da manipulação das emoções do leitor/ouvinte/telespectador.
Lage, renomado professor universitário de Comunicação Social de
uma das melhores faculdades do país, estranhamente, passa mais
informações históricas e técnicas sobre a linguagem jornalística, e usa
apenas 10% das 78 páginas de seu livro para colocar as questões em
torno da linguagem e seus efeitos ideológicos na produção textual
jornalística. O livro fica parecendo um manual, que já tem por resolvido
o que é a linguagem jornalística e o fazer jornalístico, sem nenhuma
sugestão crítica de mudança de estado de coisas.
Porque esta discussão sobre a comunicação crítica e democrática
está na ordem do dia, com o movimento das rádios livres/comunitárias,
das tvs de baixa intensidade, da teoria para uma comunicação
horizontal na América Latina, do on-line e dos veículos na internet. Mas,
talvez isso seja uma outra história.
Enquanto isso, vamos percebendo, cada vez mais que:
A comunicação não é o falar, é o fazer-falar. A informação não é o saber,
é o fazer-saber. O verbo 'fazer' indica que se trata de uma operação,
não de uma ação...a ação em si tem menos importância do que o fato de
ser ela produzida, induzida, solicitada, mediatizada, tecnicizada(...)para
que algo transite melhor e mais depressa, é preciso que o conteúdo
esteja no limite da transparência e da insiginificância(...)A boa
comunicação, isto é, o que hoje fundamenta a boa sociedade(...)passa
pelo aniquilamento de seu conteúdo."5
É possível mudar as coisas? Começando do começo, com uma
educação crítica, com uma formação em comunicação que seja crítica,
com profissionais críticos, e veículos críticos que se criem pelo esforço
da sociedade civil organizada. Vide Caros Amigos, Bundas, o retorno do
Pasquim; as rádios verdadeiramente comunitárias, as lutas políticas por
uma legislação de concessão de rádio/tv mais democrática...

5
BAUDRILLARD, Jean A Transparência do Mal Campinas/SP Papirus 1990

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