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Lucimar Coneglian
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Lucimar Coneglian
Labirintos..., o terceiro e ltimo captulo, descreve a trajetria da protagonista a partir do assassinato de sua filha,
Elvira Maria. Este captulo demonstra como as questes de
gnero esto imbricadas no inqurito policial, que chamou
para testemunhar apenas figuras masculinas. Isso tambm
direcionou o destino de Pierina, uma vez que Wadi sugere
que a lgica masculina poca desconsiderou as queixas de
infelicidade que ela h meses manifestava para sua famlia
e conhecidos. Apesar de Pierina ser incansvel em sua tentativa de no ser vista como louca - eu no so loca, eu so
criminosa (p.327) -, fato repetido em suas cartas, na data de
05 de julho de 1909 ela foi internada no Hospcio So Pedro.
A mstica de um amor materno inato natureza feminina
surgiu, invocada pelos peritos, para comprovar o carter distorcido de Pierina (p. 370). Crime ou ato de loucura? Considerar a ao de Pierina como crime implicaria em qualificar
as razes apresentadas por ela para explicar o ato cometido.
Considero este captulo especialmente interessante no
que diz respeito descrio da lgica presente naquele tempo histrico sobre a loucura. O quotidiano de tratamento no
Hospcio So Pedro, com sua teraputica moral; as manifestaes de insatisfao dos mdicos diretores e tentativas de
melhoria dos servios; a laborterapia, geralmente atrelada s
questes de gnero, reforando a normatizao dos papis
atribudos aos homens e s mulheres; estas so questes
importantes na compreenso da histria da psiquiatria no
pas.
Pierina queria ser ouvida e, para isso, escreveu. Porm,
as cartas de Pierina foram interpretadas como sintomas de
doena, frustrando seu intuito de comunicar-se e expor as
razes de seu crime. Seu projeto de comunicao foi totalmente ingnuo, como o de todo escrevente que acredita ser a
explicao contida em seus escritos, irreversvel ou incontestvel (p. 37). Seu discurso e suas aes foram classificados,
como est registrado no Pronturio do Hospcio So Pedro
como depresso melanclica com idias delirantes msticas
associadas perverso dos sentimentos afetivos psicopatia
constitucional (p. 351). Com o diagnstico posto, a fala de
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