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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 35 : 55-79 FEV.

2010

ADJUSTMENT CHANGES:
A POLÍTICA AFRICANA DO BRASIL NO PÓS-GUERRA FRIA1

Cláudio Oliveira Ribeiro

RESUMO

O artigo analisa a política externa adotada pelo Brasil em relação à África no período posterior à Guerra
Fria. Por tratar-se de um tema permanente na agenda diplomática brasileira há décadas, as relações entre
o Brasil e a África assumiram um papel de destaque no quadro da política externa do governo Lula.
Queremos compreender seus significados e as possibilidades que se abrem para o Brasil no continente
africano. Fazemos isso ressaltando a dinâmica político-comercial entre o país e os parceiros africanos, e
mobilizamos as seguintes variáveis de análise: as ações diplomáticas e o fluxo de comércio estabelecido
pelo Brasil com os países africanos localizados na região da África subsaariana. Como principal argumen-
to, defende-se que o término da Guerra Fria implicou transformações substanciais na agenda diplomática
brasileira, afetando diretamente o relacionamento do Brasil com os parceiros africanos. Desse modo, sus-
tenta-se que as relações Brasil-África têm se caracterizado por um movimento de intensidade variável, com
acentuado declínio entre as décadas de 1980 e 1990 e recuperação e possível adensamento a partir da
gestão Lula. O trabalho divide-se em quatro partes. Na primeira, apresenta-se um quadro geral das relações
entre o Brasil e a África no período anterior à década de 1980. Em seguida, enfoca-se o impacto restritivo
das crises econômicas internacionais sobre a realidade africana e brasileira, procurando identificar suas
repercussões sobre a política externa brasileira em direção ao continente africano. O terceiro tópico dá
atenção às potencialidades abertas para o Brasil no continente africano, enfocando as diretrizes e propos-
tas da política externa desenvolvida pelo governo Lula. A última sessão procura sintetizar os argumentos
desenvolvidos.
PALAVRAS-CHAVE: Política externa; agenda diplomática; relações comerciais; Brasil; África.

I. INTRODUÇÃO tes (adjustment changes) da agenda diplomática


brasileira no período posterior à Guerra Fria.
Tema permanente da agenda diplomática bra-
sileira há décadas, as relações Brasil-África assu- O período selecionado justifica-se pela ocor-
miram um papel de destaque no quadro da políti- rência de dois aspectos decisivos para a formula-
ca externa desenvolvida pelo governo Luiz Inácio ção e, conseqüentemente, para a análise da políti-
Lula da Silva. A fim de compreender seus signifi- ca externa africana brasileira. O primeiro diz res-
cados e as possibilidades que se abrem para o Brasil peito às mudanças ocorridas na ordem mundial,
no continente africano, este trabalho faz uma aná- com o início do processo que leva ao término da
lise da política africana brasileira, procurando res- Guerra Fria: seus impulsos mais decisivos são
saltar a dinâmica político-comercial entre o país e observados a partir de 1985, quando Mikhail
os parceiros africanos. Desse modo, procura-se Gorbachev ascende ao governo soviético, dando
demonstrar, com base proposta metodológica início a reformas políticas domésticas e externas
apontada por Hermann (1990), que as relações que aceleraram o declínio da União das Repúbli-
Brasil-África têm se caracterizado por um movi- cas Socialistas Soviétias (URSS) e apressaram o
mento de intensidade variável, que reflete os ajus- fim da Guerra-Fria (NEY JR., 1997; HALLIDAY,
1999.). A partir de então, o sistema internacional
passa a operar de forma indefinida, impondo tan-
to novos constrangimentos quanto novas pers-
1 O autor agradece às sugestões realizadas pelos
pectivas para inserção internacional do Brasil.
pareceristas deste artigo, que é, com modificações, uma
versão do texto apresentado no I Encontro da Associação Quanto ao segundo aspecto, é fato que, no
Brasileira de Relações Internacionais (ABRI), ocorrido em mesmo período, são observadas alterações e
2007, em Brasília.
redefinições importantes na política externa bra-

Recebido em 28 de maio de 2008.


Aprovado em 7 de agosto de 2008.
Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 18, n. 35, p. 55-79, fev. 2010
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sileira, boa parte delas oriundas das próprias mu- Jânio Quadros (QUADROS, 1961). Essa noção
danças registradas na ordem mundial no período surge respaldada por debates acadêmicos que já
posterior à Guerra Fria. Tais mudanças são se realizavam durante o governo Juscelino
marcadas pela nova ordem internacional, que passa Kubitschek, protagonizados por intelectuais como
a ser configurada pela hegemonia mundial logra- Gilberto Freyre, que defendiam a constituição de
da pelos Estados Unidos e pelo processo de uma comunidade luso-tropical no espaço atlânti-
globalização das relações econômicas após a su- co (FREYRE, 1958; 1960; GONÇALVES, 1994).
peração do sistema bipolar. No período analisado, Naquele período, entretanto, a ratificação pelo
como se pretende demonstrar, as ações da Chan- Brasil do Tratado de Amizade e Consulta obscu-
celaria para a África enquadram-se num proces- recia a temática africana e relegava-a à esfera das
so de mudança em que as relações do Brasil com questões lusitanas.
os países africanos caracterizam-se por ajustes
Assim, ao longo da segunda metade do
na política externa tradicionalmente desenvolvida
século XX, a dimensão das potencialidades afri-
para o continente africano.
canas foi sendo incorporada de forma progressi-
Para tanto, o trabalho divide-se em quatro par- va e substancial à política externa brasileira. As-
tes. Na primeira, apresenta-se um quadro geral sociada a um discurso terceiro-mundista, inicial-
das relações Brasil-África no período anterior à mente pretendeu contrabalançar o peso das rela-
década de 1980. Em seguida, enfoca-se o impac- ções do país com os Estados Unidos e opor-se às
to restritivo das crises econômicas internacionais limitações impostas pela clivagem Leste-Oeste da
sobre a realidade africana e brasileira, procurando Guerra Fria. Em meio ao processo de
identificar suas repercussões sobre a política ex- descolonização que se realizava no mundo afro-
terna brasileira em direção ao continente africano. asiático, o Brasil identificava na África a possibi-
O terceiro tópico centra atenção nas lidade de arranjos diplomáticos capazes de possi-
potencialidades abertas para o Brasil no continen- bilitar-lhe um posicionamento diferenciado no ce-
te africano, enfocando as diretrizes e propostas nário internacional (JAGUARIBE, 1958; BITELLI,
da política externa desenvolvida pelo governo 1989).
Lula. A última sessão procura sintetizar os argu-
A ação brasileira para África e a política de
mentos desenvolvidos.
solidariedade para com os povos do Terceiro
II. RELAÇÕES BRASIL-ÁFRICA: ANTECE- Mundo, no início da década de 1960, estão inte-
DENTES DIPLOMÁTICOS E COMERCIAIS gralmente associadas ao papel de ator protagonis-
ta pleiteado pelo Brasil na esfera internacional.
Em que pese o fato de o Brasil ser o segundo
Enquadram-se num conjunto de ações (estabele-
país com maior população negra, entre o período
cimento de relações comerciais e diplomáticas
que vai do processo de Independência à primeira
com os países socialistas da Ásia e da Europa,
metade do século XX, a temática africana revela-
principalmente com a URSS) que buscavam a re-
va-se ainda tímida na esfera governamental brasi-
visão das relações do país com os Estados Uni-
leira. Sua aparição dava-se apenas em função do
dos e seu poderio hegemônico. As iniciativas para
interesse brasileiro pelo norte da África, onde o
a África constituem-se em elementos que dão iní-
país, desde 1861, mantinha instalado um consu-
cio a uma efetiva política africana no Brasil. Pen-
lado. Nesse período, a timidez das relações do
sada e planejada no contexto do quadro diplomá-
Brasil com a África está associada à prioridade
tico, altamente insulado, no caso brasileiro
dos problemas de fronteiras na agenda diplomáti-
(CHEIBUB, 1985; LIMA, 2000; LIMA & SAN-
ca do país após a conquista da Independência,
TOS, 2001), correspondendo a uma política que
quando os interesses brasileiros deslocaram-se,
guarda em si consistência e cálculos estratégicos.
com nitidez, do Oceano Atlântico para a Bacia do
Caracterizou-se, então, um capítulo importante na
Prata, num processo de regionalização da política
busca brasileira por novos parceiros políticos e
externa (SILVA, 1989).
econômicos internacionais e, ao mesmo tempo,
A percepção de que a África poderia represen- um espaço para a conquista de maior autonomia
tar uma dimensão privilegiada para a política ex- no quadro das relações internacionais da época
terna brasileira emerge de forma emblemática so- (SARAIVA, 1994).
mente na década de 1960, no quadro da Política
Externa Independente, inaugurada pelo governo

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Desse ponto de vista, a política africana do operando no continente africano, o intercâmbio


Brasil seguia o comportamento universalista de sua comercial demonstra o aspecto efetivamente po-
diplomacia, em que se valoriza o estabelecimento sitivo tanto no interesse de compradores africa-
de parcerias não excludentes com vistas à pro- nos por produtos brasileiros, como também o de
moção da própria autonomia. Nesse período, en- importadores brasileiros por produtos africanos,
tretanto, a prevalência das relações especiais do haja vista que, de 1973 a 1974, as exportações
Brasil com Portugal dificultava a implementação brasileiras crescem 129,1%, passando de US$ 190
de uma política de efetivo apoio aos territórios 001 000 para US$ 435 323 000. No mesmo perí-
africanos em processo de independência. A pos- odo, as importações originadas do continente afri-
tura brasileira de apoio a Portugal nas questões cano registram o expressivo crescimento de
relativas às colônias portuguesas ainda se encon- 300,2%, avançando de US$ 169 903 000 para US$
trava atrelada à retórica dos laços tradicionais de 679 998 0004 (SANTANA, 2003).
amizade, baseados na condição de ex-colônia e na
III. POLÍTICA AFRICANA: AJUSTES E
herança cultural lusitana (PINHEIRO, 1988).
FRAGILIZAÇÃO
Somente a partir década de 1970, com o ad-
Depois de um período marcado por um visí-
vento da Revolução dos Cravos (1974) e a inde-
vel dinamismo diplomático, caracterizado pelo
pendência das colônias portuguesas (1974-1975),
"pragmatismo ecumênico responsável" no qual se
é que as ações do Brasil para com a África passa-
destacava uma ativa política em direção à África
ram a evoluir mais consideravelmente em favor
e uma constante participação nas agendas do
da autonomia dos novos Estados e da consolida-
mundo em desenvolvimento, que acompanhou a
ção de relações amistosas e equânimes destes com
grande expansão do modelo de industrialização e
Lisboa (SANTOS, 2001). A partir dessa década,
exportação de manufaturados dos anos 1970, com
Portugal dá início ao processo de redefinição de
forte crescimento econômico, as mudanças, tan-
seu papel nas relações internacionais, deslocan-
to de âmbito doméstico quanto externo, inferiram
do-se de seu relativo isolamento internacional para
negativamente sobre a atuação externa brasileira.
o processo de integração à Comunidade Econô-
A política externa do Brasil foi compelida a reagir
mica Européia, que se concretiza em 1985 (FREI-
às investidas do exterior, e, por não as poder pre-
XO, 2001).
ver ou controlar, viu-se obrigada a assumir uma
Neste período, sob os governos militares Emílio postura reativa e defensiva.
Garrastazu Médici (1969-1974), Ernesto Geisel
No processo de transição do regime militar, a
(1974-1979) e João Baptista de Oliveira Figueiredo
Nova República herda o grave problema da dívida
(1979-1985), as relações do Brasil com as colôni-
externa, que debilitava sensivelmente o relaciona-
as portuguesas na África registram um substan-
mento externo brasileiro5. Sua renegociação co-
cial aprofundamento. Por meio da denominada
política do pragmatismo responsável, o Brasil tor-
na-se parceiro privilegiado de países africanos, rações em Angola após o início da guerra civil. Estabelecen-
com destaque especial para a Nigéria (de quem o do uma relação sem igual com o governo do MPLA, essa
país compra petróleo), de países da África aus- empresa teve funcionários seqüestrados, aviões destruídos
tral e das ex-colônias portuguesas2. e um sem-número de embates no território angolano. Sua
própria atividade em Angola ainda hoje é pouco explorada
Contando com a presença de empresas brasi- pelos pesquisadores, sendo merecedora de investigações
leiras, como a Petrobrás, por meio da subsidiária mais sistemáticas e aprofundadas. Um dos poucos relatos
Braspetro, e a Construtora Norberto Odebrecht3, existentes sobre a atuação da Odebrecht em Angola consta
em Hazin (1997).
4 Nesse período, as exportações brasileiras para o conti-
2 É importante registrar que, ainda que sob governo mili- nente africano caracterizam-se pela venda de produtos in-
tar, o Brasil foi o primeiro país a reconhecer a independên- dustrializados, como tratores, caminhões e ônibus, entre
cia de Angola em 1975, à época sob o governo do Movi- outros.
mento Popular de Libertação da Angola (MPLA), de ori- 5 Entre o final da década de 1970 e o início da década de
entação marxista-leninista.
1980, o contexto internacional foi extremamente desfavo-
3 Em relação à participação da construtora Odebrecht, é rável para o conjunto dos países em desenvolvimento, e,
relevante mencionar o fato de que foi uma das poucas conseqüentemente, para uma das premissas básicas da
instituições privadas brasileiras que mantiveram suas ope- política externa brasileira em sua vertente Sul-Sul. O preço

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loca em xeque a própria capacidade do país em, mercial e combater o crescente endividamento
por um lado, obter novos prazos de vencimento externo que, desde o governo Figueiredo, vinha
do principal, reformulando as condições gerais que comprometendo sobremaneira as finanças e a pró-
regulam a dívida; e, por outro, ampliar as expor- pria margem de manobra internacional do país
tações como meio da elevação do superavit co- (Quadro 1).

QUADRO 1 - BRASIL: DÍVIDA EXTERNA TOTAL, POR PRAZO, 1979-1989 - US$ BILHÕES
LONGO E
ANO CURTO PRAZO TOTAL
MÉDIO PRAZO

FONTE: Banco Central do Brasil.

No país, à estagnação do nível de atividade tendo sua participação no Produto Interno Bruto
somaram-se graves desequilíbrios macroeconô- (PIB) diminuída de 33,7% em 1980 para 29,1%
micos: entre a década de 1980 e início dos anos no início da década seguinte. O fracasso de uma
1990, a taxa de crescimento médio da economia seqüência de planos heterodoxos de estabilização
brasileira foi claramente baixa (2,1% ao ano), sen- em curto período de tempo (cinco planos em cin-
do que o setor industrial, a principal locomotiva co anos) só fez aumentar a inflação e a sensação
do crescimento econômico desde o governo Jus- de instabilidade6 (Quadro 2).
celino Kubitschek, foi particularmente atingido,

QUADRO 2 - BRASIL: VARIÁVEIS MACROECONÔMICAS, 1980-1989

FONTE: IBGE (2000).


NOTA: 1. Como proporção do Produto Interno Bruto (PIB).

do petróleo, por exemplo, elevou-se pela segunda vez, pas- leira de US$ 37,7 bilhões entre 1979 e 1983. Registra-se,
sando de US$ 12,4 para US$ 34,4 o barril, fato que acarre- além disso, a ocorrência da alta das taxas de juros internaci-
tou um adicional nas despesas da balança comercial brasi- onais: nos Estados Unidos, a taxa básica de empréstimos

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Nesse contexto, o diálogo Norte-Sul, tradicio- am pela adoção dos padrões internacionais de nor-
nalmente pautado pela articulação do Grupo dos mas de proteção do trabalho, dos direitos huma-
77, no contexto da bipolaridade Leste-Oeste, ad- nos, do meio-ambiente, dos inventos, dos consu-
quiriu um tom dissonante em relação ao Sul. As midores, entre outros. Esses foram somados a
acusações do Norte quanto ao cumprimento dos condicionamentos tradicionais, como os referen-
direitos humanos, às pressões para adesão ao Tra- tes à segurança e à exploração da Amazônia.
tado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), ao com-
Frente ao quadro, tanto setores governamen-
bate ao narcotráfico, ao terrorismo, à imigração
tais quanto da sociedade civil passaram a relativizar
ilegal, aos conflitos regionais e à democratização
a importância das relações Sul-Sul, compreenden-
ditam a agenda e condicionam as negociações in-
do que os países do Terceiro Mundo encontra-
ternacionais do país.
vam-se em situação igualmente insatisfatória do
Conseqüentemente, não resta outra opção à ponto de vista político, financeiro e comercial,
diplomacia brasileira que não o enfrentamento de tornando-se incapazes de suprir as demandas na-
temas até então tidos como inegociáveis, o que cionais para a ampliação das exportações. Essa
indica sua preocupação em responder positiva- percepção é ratificada pela análise da situação dos
mente às demandas políticas internacionais. A par- países em desenvolvimento ao longo do período
tir da segunda metade da década de 1980, o forta- em que, imersos num processo de marginalização
lecimento da hegemonia norte-americana e a econômica entre as décadas de 1970 e, mais subs-
implementação da "agenda de valores hegemônicos tancialmente, na de 1980, registram uma retração
universalmente aceita" (VIGEVANI, CORREA & na participação no comércio mundial (Quadro 3),
CINTRA, 1999) abriram novos contextos de ao mesmo tempo em que há um aumento expres-
vulnerabilidade para o Brasil, que se caracterizari- sivo do endividamento externo (Quadro 4).

QUADRO 3 - PARTICIPAÇÃO DOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO NO COMÉRCIO MUNDIAL (EM % DO


COMÉRCIO GLOBAL)

FONTE: International Trade Statistics Yearbook apud Sennes, 2003, p. 78.

QUADRO 4 - INDICADORES DA DÍVIDA EXTERNA DOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO, 1980, 1988, 1995

DÍVIDA TOTAL DÍVIDA COMO % DO SERVIÇO DA DÍVIDA


COMO % DAS
(BILHÕES $) PIB EXPORTAÇÕES

FONTE: World Bank (1995).

bancários sobe de 5,7% em 1975 para 18,8% em 1984, mente, 16,4% e 21,5%, no ano de 1980. Em conseqüência,
sendo que a taxa libor e a prime rate atingiram, respectiva- o pagamento de juros sobre a dívida externa brasileira pas-

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No caso dos países africanos, a situação é da década de 1950, é precisamente entre as déca-
particularmente agravada pela progressiva deteri- das de 1980-1990 que sua participação no fluxo
oração de sua capacidade econômico-financeira. internacional de comércio diminui mais expressi-
Na região da África subsaariana, em menos de vamente (Quadro 5). Tal fato repercute diretamente
dez anos a dívida externa praticamente duplica, na composição do fluxo de comércio, pois, a
registrando uma evolução da dívida total de 84 menor participação na corrente internacional de
para 165 bilhões de dólares entre 1980-1988, o comércio inibe a capacidade de absorção de no-
que corresponde, respectivamente, à evolução do vas tecnologias e a própria eficácia e viabilização
comprometimento do PIB dos Estados da região de projetos estruturais. Em conseqüência, nesse
de 31% para 67%. As relações comerciais dos período, percebe-se que as exportações e impor-
países africanos são igualmente afetadas, uma vez tações continuam a exibir os típicos padrões co-
que o serviço da dívida em relação à porcentagem loniais de especialização: exportação de produtos
das exportações salta de 10% para 21% no mes- agrícolas e matérias primas minerais, o que inclui
mo período. o petróleo, no caso de alguns países; e importa-
ção de bens de capital, máquinas, bens manufatu-
A crise no comércio exterior africano, ressal-
rados e energia, largamente adquirida pela maioria
te-se, é particularmente severa. Embora se regis-
dos países.
tre que seu arrefecimento processe-se ao longo

QUADRO 5 - ÁFRICA1: PARTICIPAÇÃO NAS IMPORTAÇÕES E EXPORTAÇÕES MUNDIAIS (EM %)

FONTE: Elaborado a partir de Unctad (1999, p. 35).


NOTA 1: Exclusive Oriente Médio.

Frente a esse cenário, e em meio às demandas articulações frente ao embate Norte-Sul inviabiliza
comerciais e às dificuldades financeiras enfrenta- parte da legitimidade da ação diplomática que,
das pelo Brasil, depreende-se que o relacionamento mesmo não se declarando terceiro-mundista, ti-
com os países africanos não é uma dimensão que nha na identidade com o Terceiro Mundo um dos
possa ser privilegiada, mesmo porque os Estados seus pilares básicos. A partir de então, o Brasil
africanos não são capazes de favorecer um inter- passa a perder espaço no continente africano.
câmbio político e comercial satisfatório. Dessa
Os esforços diplomáticos do país são concen-
forma, apreende-se que a conjunção de variáveis
trados no espaço sul-americano, onde a agenda
de ordem doméstica e externa põe em xeque a
seria sensivelmente pautada pela idéia de integração
manutenção da política externa que vinha sendo
regional. Como resultado, o peso dos
desenvolvida pelo país em relação ao Terceiro
condicionantes econômicos internacionais e a per-
Mundo. Para o continente africano, conseqüente-
cepção governamental dessa situação alteram ne-
mente, essa política externa vê-se sensivelmente
gativamente as relações e perspectivas da política
abalada, pois a desarticulação da lógica terceiro-
externa nacional para o continente africano. Em
mundista e dos postulados diplomáticos nas suas

rada da inflação. Assim, não seria incorreto deduzir que a


sou de US$ 2,7 bilhões em 1978 para US$ 11,4 bilhões em
crise dos anos 1980 tem como origem o endividamento
1982. Nesse ínterim, o país entrou em um processo de
externo oriundo dos objetivos industrializantes da ditadura
insolvência externa: o endividamento brasileiro acumulado
militar, no contexto das duas crises do petróleo e da explo-
até aquele momento chegou a US$ 93 bilhões de dólares em
são dos juros internacionais.
1983. Endividamento que, registre-se, perdurou ao longo
da década e esteve na origem de vários problemas enfrenta- 6 Nesse período, a taxa de inflação medida pelo Índice
dos pelo Estado: a deterioração das contas internas (crise Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI) atingiu
fiscal do Estado), a queda da atividade econômica e a dispa- o patamar médio de 438% ao ano.

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boa medida porque, nesse contexto, a persistên- ques do petróleo e pela dívida, bem como pelo
cia da crise no Brasil contrastava com o rápido surgimento de novas áreas dinâmicas entre os
crescimento da economia mundial, impulsionado países recentemente industrializados - NIC's: Hong
pela recuperação dos países afetados pelos cho- Kong, Coréia, Cingapura e Taiwan (Quadro 6).

QUADRO 6 - BRASIL E NIC'S ASIÁTICOS: INDICADORES SOBRE PRODUÇÃO, RENDA E PARTICIPAÇÃO


NO COMÉRCIO INTERNACIONAL (EM %)
NIC’s
INDICADORES ANOS BRASIL
ASIÁTICOS

FONTE: Adaptado de Veiga (1991).

Os problemas econômicos brasileiros - tais tecnologia. Como demonstra o Quadro 7, mesmo


como a queda no ritmo de expansão, a falta de quando comparado com outros países latino-ame-
capacidade para corrigir os desequilíbrios ricanos, a participação brasileira nos fluxos inter-
macroeconômicos e o agravamento do quadro nacionais de investimento direto é nitidamente re-
social - dificultavam a atualização e o aprimora- duzida, passando de cerca de 5,2% entre 1977 e
mento de nossos vínculos com o contexto mun- 1980 para 3,31% entre 1981 e 1985, e menos de
dial. O país não consegue beneficiar-se desse novo 2% e 1%, respectivamente, entre a segunda me-
dinamismo externo, sofrendo com a incapacida- tade da década de 1980 e o início da década de
de de ampliar sua participação nos fluxos de co- 1990.
mércio e de investimento, de financiamento e de

QUADRO 7 - BRASIL E PRINCIPAIS PAÍSES LATINO-AMERICANOS: PARTICIPAÇÕES NO FLUXO DE


INVESTIMENTO DIRETO TOTAL, 1976-1992

FONTE: Bielschowski e Stumpo (1996, p. 10)

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Por conseqüência, a percepção governamen- relacionamento comercial brasileiro agora se via


tal é a de que o crescimento "generalizado" adversamente afetado em função da crise que atin-
vivenciado no período militar arrefece-se e torna- ge a maioria dos países da África subsaariana e
se, claramente, desigual. Alguns países crescem pelo fim da política de incentivos às exportações
sensivelmente mais do que outros e os processos subsidiadas de bens e serviços pelo Brasil. Após
de diferenciação acentuam-se. Entre as potênci- ter experimentado seu apogeu nos anos 1960-
as, consolida-se a afirmação do Japão e da Co- 1970, em decorrência de um conturbado período
munidade Econômica Européia e, com isso, o de crise política e econômica pelo qual o país atra-
universo econômico torna-se multipolar; também, vessava, o interesse brasileiro pelo continente afri-
há a crescente diferenciação no Terceiro Mundo, cano na segunda metade da década de 1980 en-
com a distância entre os NIC's, os países africa- contrava-se em acentuado declínio, registrando-
nos e os latino-americanos, na década de 1980. se que, no curto período de 1985 a 1989, a parti-
cipação da África na corrente de comércio do
Os dados descritos convergem para mi-
Brasil decresce de 7.8% para 2,81%, no caso das
nar a sustentabilidade da política brasileira em di-
exportações, e de 13,6% para 3,0% nas importa-
reção à África atlântica, sub-região com a qual o
ções (Quadro 8) .

QUADRO 8 - INTERCÂMBIO COMERCIAL BRASIL-ÁFRICA, 1985-1990 - US$ BILHÕES


EXPORTAÇÃO IMPORTAÇÃO

FONTE: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

Já no início dos anos 1990, as relações Brasil- A menor importância comercial dos países afri-
África caracterizam-se por um processo de ajus- canos não chegou a eliminar as perspectivas da
tes, em que se verifica a clara perda de importân- política externa brasileira para esse continente. Se
cia dos parceiros africanos para a projeção inter- as expectativas econômicas e comerciais viram-
nacional do país, uma vez que os Estados africa- se frustradas, o mesmo não se pode dizer em re-
nos haviam favorecido ao Brasil a possibilidade lação ao lugar ocupado pelos Países Africanos de
de acesso a novos mercados e o apoio nos fóruns Língua Oficial Portuguesa (Palop) e pelo próprio
internacionais, como a Organização das Nações Atlântico Sul, na diplomacia brasileira. A instaura-
Unidas (ONU). Contribuem para esse processo, ção do Instituto Internacional da Língua Portu-
de forma conjugada, fatores econômicos e políti- guesa (IILP), durante o governo José Sarney, em
cos. No primeiro caso, destaca-se a crise econô- 1989, e da Comunidade dos Países de Língua
mica internacional, que afeta os países em desen- Portuguesa (CPLP)7, em 1996, na gestão Itamar
volvimento, particularmente os Estados da África Franco, nesse sentido, não podem deixar de ser
subsaariana e a conjuntura econômica doméstica
adversa. No espectro político, pesam as transfor-
mações por que passa a ordem internacional e a 7 A CPLP foi oficialmente criada em 17 de julho de 1996
clara perda da capacidade de articulação dos paí- pela congregação dos sete países do globo que tem o portu-
ses em desenvolvimento - em conseqüência, dos guês como língua oficial - Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-
postulados que orientavam a diplomacia brasileira Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe, re-
no âmbito das relações Sul-Sul. gistrando-se a inclusão do Timor Leste, em 2002.

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vistos como resultado de iniciativas do governo adesão a regimes internacionais e arranjos coope-
brasileiro que, em 1999, protagoniza o primeiro rativos, em que a política externa em direção ao
encontro dos Chefes de Estado dos Países de Lín- continente africano passa a ter um "custo" relati-
gua Portuguesa. Quanto ao Atlântico Sul, com a vamente elevado.
constituição da Zona de Paz e Cooperação do Atlân-
Ao longo da década de 1990, observa-se
tico Sul8 (Zopacas), também na administração
uma nova postura internacional do país no que
Sarney, passa a representar um espaço singular
diz respeito à adesão a regimes internacionais e
para a projeção diplomática brasileira - um con-
arranjos cooperativos, ganhando relevância a po-
texto geopolítico no qual o Brasil vê-se particular-
lítica regional em direção ao Mercado Comum do
mente capaz de atuar como protagonista e media-
Sul (Mercosul). As principais mudanças foram
dor entre os países da América do Sul e os da
observadas na área de segurança, culminando na
África subsaarina banhados pelo oceano.
assinatura do Tratado de Não-Proliferação Nuclear,
Em todo caso, o cômputo geral das rela- nas relações econômicas externas, no novo
ções Brasil-África subsaariana após a Guerra Fria posicionamento assumido nos temas do meio
indica que foi atribuída a elas uma dimensão de ambiente e dos direitos humanos, bem como no
menor relevância para a inserção internacional do aprofundamento da integração regional.
país, sobretudo quando comparada ao período do
Nesse cenário, verifica-se que a diploma-
regime militar. Esse fenômeno, entretanto, não
cia brasileira, ao logo do governo Fernando
pode ser relacionado propriamente à mudança de
Henrique Cardoso, passou a estar comprometido
regime político ou simplesmente à lógica das rela-
com a modelagem de uma nova inserção interna-
ções comerciais, mas à própria dificuldade de lei-
cional, particularmente orientada por uma maior
tura e resposta do Brasil aos constrangimentos
aproximação econômico e comercial com os paí-
externos que empurraram o país e, com maior
ses desenvolvidos, tidos como os únicos capazes
rapidez e intensidade, o continente africano, para
de garantir ao Brasil o ingresso no eixo dinâmico
uma situação marginal no ambiente internacional.
da economia globalizada (Quadro 9). Conseqüen-
Os ajustes realizados sobre a política ex- temente, a promoção do comércio Sul-Sul e, em
terna brasileira para o continente africano deno- particular, a expansão ou mesmo a manutenção
tam, assim, o processo de reorientação em que dos níveis do comércio Brasil-África, encontra
ingressa a diplomacia brasileira frente ao cenário poucos defensores. Sinal disso é que, a despeito
internacional das décadas de 1980 e 1990, mar- do fato de vários países africanos registrarem,
cado pelo fim da polarização estabelecida entre os entre 1993-2002, uma taxa de crescimento eco-
Estados Unidos e a URSS e pela imposição de um nômico geral de 3,7%, contra menos de 1,0% em
sistema internacional de caráter transitório anos anteriores, não se observa mudança subs-
imprevisível. Para o Brasil, esse período reflete tancial na conduta diplomática brasileira para a
uma nova postura do país no que diz respeito à região9 (Quadro 10).

QUADRO 9 - BRASIL: EXPORTAÇÕES POR BLOCOS ECONÔMICOS (EM %)

ANO ESTADOS ÁSIA² UNIÃO EUROPÉIA ALADI DEMAIS TOTAL


UNIDOS1

FONTE: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.


NOTAS:
1. Inclusive Porto Rico;
2. Exclusive Oriente Médio.

da frota soviética no Atlântico Sul, após a instalação de


8 A constituição da Zopacas tinha por objetivo essencial regimes pró-comunistas nas ex-colônias portuguesas da
África.
ocupar o vazio estratégico representado pelo Atlântico Sul.
Sua principal função seria a de evitar que a região pudesse 9 Ainda que tais resultados econômicos permaneçam aquém
vir a se tornar foco de conflitos, como o que havia ocorrido dos níveis considerados desejáveis, dadas as demandas e
em 1982, com a crise das Malvinas; e mesmo de projeção necessidades a serem superadas, são sinais claros de

63
ADJUSTMENT CHANGES

QUADRO 10 - ÁFRICA: INGRESSO DE INVESTIMENTO ESTRANGEIRO DIRETO (IED), 1996-2002

FONTE: Elaborado a partir de Unctad, (2003), anexo, tabela B.1.


NOTA: 1. Média anual.

Nesse sentido, a agenda externa do governo a ampliação das relações bilaterais com parceiros
Fernando Henrique Cardoso manteria como obje- importantes, como a China e o Japão.
tivos constantes o fortalecimento da capacidade
O conjunto de ações descritas revelou resulta-
negociadora do país mediante a consolidação do
dos positivos para o Brasil, que passou a ser con-
Mercosul e sua possível ampliação. Por outro lado,
siderado como país merecedor de maior confian-
os esforços diplomáticos voltar-se-iam para a pro-
ça no tabuleiro internacional. Sinal disso é que a
jeção internacional do país nos temas e cenários
atração de Investimento Estrangeiro Direto (IED),
dos mais distintos. Ao longo dos oito anos, o go-
pelo país, tornou-se um dos aspectos mais signi-
verno trabalhou na negociação e assinatura do
ficativos desse período. Como ilustra o Quadro
Tratado de Não-Proliferação Nuclear, e ainda em
11, ao longo do governo Fernando Henrique Car-
temas como desarmamento, terrorismo, meio
doso, o Brasil tornou-se, em média, o receptor de
ambiente, direitos humanos e defesa da democra-
metade dos ingressos de IED na América do Sul e
cia, além de candidatar-se a uma vaga permanen-
de, aproximadamente, trinta por cento daquele
te no Conselho de Segurança da ONU.
absorvido pela América Latina e Caribe. Obser-
Assim, tiveram lugar de destaque na agenda vando-se, ainda, que o país registrou um cresci-
externa do governo o acordo de livre comércio mento apreciável na participação do fluxo de IED
com a União Européia, a integração hemisférica e para o conjunto das Economias em Desenvolvi-
negociações da ALCA, alianças no âmbito da Or- mento entre 1996-2002; ainda que no fluxo mun-
ganização Mundial do Comércio (OMC) e o de- dial mantenha-se com participação media inferior
senvolvimento de programas de cooperação para a três por cento.

reaquecimento econômico. No decurso dos últimos anos,


as taxas de crescimento ultrapassaram os 8% em três paí-
ses (Lesotho, Ilhas Maurício e Uganda), oito países tive-
ram um crescimento entre 6 e 8% e 12 registraram cresci-
mento entre 3% e 6%. Indicadores que criam um ambiente
favorável ao aumento dos fluxos de Investimento Estran-
geiro Direto (IED).

64
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 35 : 55-79 FEV. 2010

QUADRO 11 - BRASIL: INGRESSO DE IED (1991-2002)


1991-96
MÉDIA
ANUAL

FONTE: Elaborado a partir de Unctad (2003), anexo, tabela B1.

Às expectativas do governo, no entanto, so- grande porte e com seu próprio desempenho em
maram-se dados macroeconômicos negativos. Ao décadas anteriores. Entre 1990 e 1999, a taxa
longo dos dois mandatos, a debilidade do cresci- média de crescimento da economia foi de 1,78%
mento econômico observado no Brasil (Quadro ao ano. Se comparado com a década de 1980,
12) revelou-se um impeditivo às pretensões di- quando a economia brasileira cresceu em média
plomáticas do país. Ainda que, ao longo da déca- 2,2% ao ano, constata-se os anos 1990 como
da de 1990, o crescimento brasileiro tenha sido o uma década em que a economia esteve claramen-
melhor da região, tendo inclusive sendo o menos te comprometida. Em conseqüência, o fechamento
afetado pelo desaquecimento da economia mun- de postos brasileiros no exterior, e particularmen-
dial que o resto da América Latina, seu desempe- te no continente africano, veio sinalizar, por um
nho nos anos 1990 foi, em geral, decepcionante lado, as debilidades orçamentárias da União, e, por
quando comparado com o de outros países de outro, as prioridades da política externa.

QUADRO 12 - TAXAS DE CRESCIMENTO DO PIB NO BRASIL E EM PAÍSES SELECIONADOS, 1991-2002


(EM %)

1991-93 1994-98 1999-02 1994-02

FONTE: World Bank (2006, p. 30).

Com base nisso, a análise das relações Brasil- relevância para a política externa brasileira. Ao
África indica, invariavelmente, que a vertente governo, passou a ser essencial garantir ao Brasil
atlântica deixara de representar uma dimensão de uma presença na nova arquitetura internacional,

65
ADJUSTMENT CHANGES

em que as relações Norte-Sul tornaram-se o eixo atlântica sob um foco de concentração e


de sustentação político e econômico-comercial do seletividade. Assim, a política externa em direção
país, interessado em maior participação nos foros ao continente africano orientou-se pelo
decisórios internacionais e nos fluxos internacio- adensamento das relações do Brasil com poucos
nais de comércio e investimento. A diplomacia países (África do Sul, Angola e Moçambique) e
nacional, diante desses desafios, viu-se pela consolidação da CPLP.
constrangida pela falta de recursos financeiros, e
Como visto no Quadro 13, as relações comer-
mesmo humanos, para exercer uma política exte-
ciais Brasil-África, a despeito do crescente volu-
rior que fosse, ao mesmo tempo, hemisférica e
me das importações (que, entre o primeiro e o
global, optando por alguns eixos principais no
segundo mandato de Fernando Henrique Cardo-
conjunto de suas relações internacionais.
so, saltam, respectivamente, de cerca de 3,0%
No âmbito dos países do Sul, a África, entre- para 5,5%), e da própria mudança de cenário ocor-
tanto, não ocupou um lugar de destaque na agen- rida no continente africano, não registrou maio-
da externa do governo, que trabalhou a vertente res significados ao Brasil.

QUADRO 13 - INTERCÂMBIO COMERCIAL BRASIL-ÁFRICA*, 1995-2002 - US$ BILHÕES

EXPORTAÇÃO IMPORTAÇÃO

FONTE: Elaborado a partir de dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio.


NOTA: 1. Exclusive Oriente Médio.

A consecução do processo de regionalização, de relações com os Palop11 e com a África do Sul


com o Mercosul, e a fragilidade econômica ob- revelam uma tendência geral de declínio das rela-
servada no Brasil e no outro lado do Atlântico ini-
bem a política externa brasileira para a África, que
passa a ser focada no desenvolvimento de rela-
11 Sinal disso é que os PALOP são os maiores beneficiários
ções preferenciais com os países membros da
CPLP. A redução de diplomatas10, o contínuo da cooperação técnica internacional brasileira, observando-
se que países latino-americanos seguem a uma distância
declínio das relações comerciais e a concentração
considerável, como segundo lugar no tocante aos recursos
aplicados. Com relação à cooperação técnica, cabe ressaltar
o trabalho desenvolvido por algumas instituições brasilei-
ras, como SENAI, SEBRAE, ENAP, FIOCRUZ. Contu-
do, a manutenção e eficácia destes programas de coopera-
ção estão, quase sempre, sob risco de paralisação ou mes-
10 Dos 34 diplomatas brasileiros mantidos na África em
mo suspensões de suas atividades em função da falta de
1983, apenas 24 diplomatas lá estavam em 1993. Dados recursos brasileiros ou de problemas políticos locais. Por
que contrastam com a evolução do número de diplomatas outro lado, vale ressaltar a permanente participação de tro-
servindo em outras partes do mundo que, entre 1983-1993, pas brasileiras nas missões de Paz coordenadas pela ONU
passaram, respectivamente, de 134 para 161, na Europa, em países africanos de língua oficial portuguesa, como é o
de 44 para 52, na América do Norte, e de 68 para 77, na caso da Primeira Missão de Verificação das Nações Unidas
América do Sul (SARAIVA, 1996, p. 217-218). em Angola (UNAVEN I).

66
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 35 : 55-79 FEV. 2010

ções diplomáticas que se torna mais nítida com a do Brasil sofre, a partir de então, um ponto de
decisão, ao longo da gestão Fernando Henrique inflexão, voltando os parceiros africanos a ocu-
Cardoso, de fechamento dos postos diplomáticos par um lugar de destaque na agenda internacional
em Adis Abeba (Etiópia), Dar es Salam (Tanzânia), do Brasil.
Iaundê (Camarões), Kinshasa (República Demo-
IV. POLÍTICA EXTERNA DO GOVERNO LULA:
crática do Congo), Lomé (Togo) e Lusaca
AJUSTES E INOVAÇÕES
(Zâmbia). Fato que acabou por limitar, portanto,
a capacidade da política externa em alavancar os Em que pese a apreensão de vários setores
objetivos estratégicos de caráter político e econô- políticos e econômicos (tanto em plano domésti-
mico na África. co quanto externo), a eleição de Luiz Inácio Lula
da Silva para a Presidência da República não che-
Nesse contexto, percebe-se que a diplomacia
gou a alterar de forma substantiva a condução da
brasileira atravessava uma fase de redefinição de
política macroeconômica brasileira (PAULANI,
suas prioridades, voltando os vizinhos da Améri-
2003). O governo Lula manteve os parâmetros
ca do Sul a assumir lugar prioritário na agenda
econômicos da gestão Fernando Henrique Cardo-
externa do Brasil. A partir de então, a diplomacia
so - o câmbio flexível associado a uma crescente
brasileira trabalha no sentido de: a) atualizar a agen-
abertura financeira; um regime de metas de infla-
da externa do país, em consonância com o mo-
ção e a realização de expressivos superavits pri-
mento internacional; b) redefinir as relações com
mários nas contas públicas. O argumento gover-
os Estados Unidos, superando os contenciosos
namental para a manutenção desse "tripé" seria o
então existentes e c) retirar da política internacio-
de que somente a manutenção dos fundamentos
nal brasileira o seu caráter "terceiro-mundista"
de política macroeconômica seria capaz de ga-
(HIRST & PINHEIRO, 1995).
rantir a "credibilidade" do governo junto aos mer-
No plano doméstico, a política de estabiliza- cados financeiros. O que, ademais, imporia o es-
ção da economia e a reforma do Estado brasileiro forço de criar-se condições estruturalmente está-
exercem influências consideráveis, levando o país veis de financiamento do setor público, em espe-
a promover uma política de abertura comercial cial, e pela via de reformas constitucionais
que privilegia as relações com os Estados Unidos (previdenciária, tributária, independência do Ban-
e a União Européia. Nesse cenário, percebe-se com co Central, etc.) capazes de comprimir gastos e
nitidez que o declínio comercial Brasil-África ar- cristalizarem o referido "tripé" (PRATES & CU-
ticula-se à própria retração no papel do Estado na NHA, 2004).
economia, caracterizada pela desregulamentação
Por outro lado, o curso da política externa bra-
e pela ampla privatização registradas ao longo do
sileira sofreu consideráveis ajustes de agenda,
período. Nesse aspecto, é forçoso reconhecer que,
sobretudo quando em comparação com o gover-
com raras exceções, as relações comerciais Bra-
no Cardoso, que teve como preocupação e meta
sil-África estiveram quase sempre apoiadas por
externa a consolidação das relações com a cor-
projetos de agências estatais. Fato que tem
rente principal da economia global - Estados Uni-
fragilizado a promoção de uma política africana
dos, Europa e Japão - em oposição às orientações
de maior vulto. A institucionalização da CPLP du-
terceiro-mundistas. Contando com Celso Amorim,
rante o governo Cardoso revela-se, assim,
reconduzido ao cargo de Ministro das Relações
emblemática. A promoção e constituição da Co-
Exteriores, o qual havia ocupado durante a gestão
munidade ocorrem estritamente no âmbito da es-
Itamar Franco, e com Marco Aurélio Garcia, como
fera diplomática, que passa a conferir aos Palop
assessor especial da Presidência da República para
um papel prioritário no desenvolvimento da políti-
Assuntos Internacionais, o governo Lula promo-
ca externa para o continente africano.
veu mudanças significativas na política externa do
O peso do continente africano na agenda di- país. Em grande medida pelo fato desses atores
plomática brasileira, entretanto, viria alterar-se com serem, historicamente, favoráveis à aproximação
a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presi- política e comercial do Brasil com o conjunto de
dência da República. Como será analisado nos países em desenvolvimento.
próximo tópico, a partir de 2003 os países africa-
A agenda externa do governo seguiria no sen-
nos serão merecedores de maior atenção e inves-
tido de favorecer a integração com a Argentina e a
timento diplomático brasileiro. A política africana
consolidação da Comunidade Sul-Americana de

67
ADJUSTMENT CHANGES

Nações (CASA); promover as exportações e a fério como forma de ampliar seu poder de influ-
articulação de interesses com o Grupo dos 20 ência no âmbito internacional a partir de uma agen-
países mais industrializados do mundo (G-20) nas da ativa e de um comportamento protagonista.
negociações da OMC; o fortalecimento do
As prioridades externas seriam, assim, a con-
multilateralismo, com a reforma da ONU e do
solidação e possível ampliação do Mercosul e a
Conselho de Segurança; o aprofundamento da
integração sul-americana, concebidos como um
parceria com a Índia e a África do Sul; a aproxi-
espaço para a promoção internacional brasileira.
mação com outras regiões do mundo em desen-
O governo passaria a dar ênfase à construção de
volvimento, como a África, os países árabes e a
acordos com outros parceiros, visando à aproxi-
América Central (incluindo o Caribe) e o desen-
mação comercial e econômica que tem como pres-
volvimento das relações com parceiros tradicio-
suposto que "a estratégia de inserção global não
nais (Estados Unidos, Europa e Japão), além de
deve desprezar os países do sul, onde as oportu-
China e Rússia.
nidades podem ser extremamente atraentes para
Como observa Lima, tais mudanças derivam o exportador brasileiro" (AMORIM, 2003). As-
do projeto internacional do governo, respaldado sim, tomou forma o projeto de integração na Amé-
por sua visão do ordenamento internacional, ou rica do Sul a partir da negociação do acordo
seja, de que, no plano global, existe espaço para Mercosul-Comunidade Andina, ao qual se soma-
uma presença mais afirmativa do Brasil, o que re- ram aos acordos de complementação econômica
flete "[...] uma certa avaliação da conjuntura mun- firmados com Chile e Bolívia e os entendimentos
dial, que assume a existência de brechas para uma Mercosul-Peru e Mercosul-Venezuela.
potência média como o Brasil, que, por via de uma
Paralelamente, organizaram-se esforços para
diplomacia ativa e consistente, podem até ser
a exploração de outras possibilidades de aproxi-
ampliadas" (LIMA, 2003). Tal percepção sobre a
mação econômico-comercial com parceiros do
ordem internacional pode ser observada tanto nos
mundo em desenvolvimento, em particular com o
pronunciamentos quanto nas iniciativas do gover-
México, África do Sul, o mundo árabe e da Asso-
no Lula. É basicamente endossada pela avaliação
ciação do Sudeste Asiático, China e Índia. Sobre
de que, a despeito do predomínio militar logrado
esses dois últimos mercados, vale ter em mente
pelos Estados Unidos em plano global, a ordem
que a China ascendeu à condição de quarto maior
econômica ainda guarda possibilidades mais
importador de produtos brasileiros em 2002, e que
pluralistas, pois, com a criação do euro, a União
o comércio bilateral com o a Índia praticamente
Européia e sua moeda fortalecem-se, e, conse-
triplicou em valor nos últimos anos da virada de
qüentemente, o poder do dólar enfraquece-se.
século, alcançando 1,2 bilhões de dólares em 2003.
Portanto, constata-se a existência de um mun-
Quanto à África, o crescente interesse domés-
do menos homogêneo e mais competitivo, no qual,
tico por países africanos, como Angola, Namíbia
considera o atual governo, haveria espaço para
e Moçambique, bem como por negócios e empre-
um movimento contra-hegemônico, cujos eixos
endimentos conjuntos com o Brasil, tornaram
estariam na Europa ampliada, com a inclusão da
possível a articulação, pelo governo brasileiro, da
Rússia, e na Ásia, onde potências como China e
negociação de dois acordos de preferências com
Índia podem vir a representar um contraponto aos
vistas à constituição de uma zona de livre comér-
Estados Unidos na região. Por essa percepção, a
cio entre Mercosul-União Aduaneira da África
unipolaridade não consegue legitimar-se, pois a
Austral e Mercosul-Comunidade para o Desen-
tentação imperial é permanente, e isso, simultane-
volvimento da África Austral.
amente, estimula o investimento das demais po-
tências (idem). Como será visto mais adiante, no Atlântico, a
política em direção ao continente africano tornar-
Por tal perspectiva, a nomeação do embaixa-
se-ia prioridade. Sinal disso é que, durante seu
dor Celso Amorim para o Ministério das Relações
primeiro mandato, o Presidente Lula realizou seis
Exteriores constituiu um sinal de que a política
viagens ao continente africano, visitando um total
externa não iria alterar significativamente seus
de 20 países (Quadro 14). Fato substancialmente
rumos. Porém, procuraria rever os termos das
considerável, sobretudo quando comparado aos
negociações e parcerias internacionais do país,
governos predecessores que, em seu conjunto,
buscando a construção de alianças fora do hemis-
não registraram mais do que sete viagens presi-

68
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 35 : 55-79 FEV. 2010

denciais a países desse continente (Quadro 15).

QUADRO 14 - VIAGENS PRESIDENCIAIS AO CONTINENTE AFRICANO, 2003-2006

ANO MÊS PAÍSES VISITADOS

FONTE: Elaborado a partir de Garcia (2007) e Brasil (2009).

QUADRO 15 - VIAGENS PRESIDENCIAIS AO CONTINENTE AFRICANO, 1985-2002

GOVERNO ANO PAÍSES VISITADOS

FONTE: Elaborado a partir de Garcia (2007) e Brasil (2009).


NOTAS:
1. Não houve mais do que uma viagem a cada país;
2. Não realizou nenhuma viagem;
3. Considerados os dois mandatos (1995-99; 1999-2003).

Em seu conjunto, tais iniciativas viriam sinali- financiamento externo apresentavam uma tendên-
zar a intenção governamental de promover um cia de melhora, tais ações convergiriam para rea-
equilíbrio em relação ao que permanece sendo fa- firmar, de forma significativamente otimista, o
tores constantes na estratégia de inserção interna- caráter universalista da diplomacia brasileira em
cional do país ao longo das décadas de 1980 e sua estratégia de diversificação de parcerias. Esse
1990: adensamento das relações com as grandes ativismo do governo Lula também se traduziu na
potências (com destaque para os Estados Unidos) formação do G-20 e do IBAS (Índia, Brasil e África
e criação de condições necessárias ao ingresso de do Sul). O primeiro foi formado pouco antes da
IED. reunião ministerial de Cancún, em setembro de
2003, quando o Brasil buscou a formação de um
No que pese a importância desses dois ele-
grupo de países interessados no fim dos subsídi-
mentos para a promoção internacional brasileira,
os internos às exportações de produtos agrícolas
a partir do governo Lula observam-se esforços
e em um maior acesso aos mercados norte-ame-
consideráveis para a construção de acordos e es-
ricano, europeu e japonês.
paços que garantam maiores alternativas e, con-
seqüentemente, maior capacidade de barganha ao Nessa coalizão, como em outras alianças Sul-
país no plano global; a fim de que o Brasil seja Sul, a administração Lula procurou, para além da
compreendido como ator de características dife- ampliação dos benefícios econômicos individuais,
renciadas e, portanto, capaz de ter papel protago- a construção compartilhada de uma identidade
nista em plano internacional. Considerando o ci- comum, calcada por compromissos com uma
clo de liquidez internacional e que as condições de ordem social e econômica mais "justa" e "igualitá-

69
ADJUSTMENT CHANGES

ria". Quanto ao IBAS, surgiu como proposta go- de maior investimento, em termos diplomáticos,
vernamental de criação de um foro de coordena- do governo, que, ao longo do primeiro mandato,
ção e cooperação que reúne Índia, Brasil e África não apenas tornou prioritária a reabertura dos pos-
do Sul, descrito pelo atual Ministro das Relações tos diplomáticos fechados durante a administra-
Exteriores como "[...] um grupo que, juntamente ção anterior, como ainda os ampliou, no conti-
com China e Rússia, deverá assumir papel inter- nente africano.
nacional crescente nas próximas décadas"
Desse modo, nos quatro primeiros anos, o
(AMORIM, 2005). Ou seja, o governo trabalha
governo Lula reabriu embaixadas desativadas na
na construção de arranjos cooperativos entre pa-
gestão Cardoso e inaugurou representações diplo-
íses emergentes de relevo com o propósito de
máticas e um consulado-geral, totalizando 13 no-
adensar tanto as dimensões políticas quanto de
vos postos; o que elevou a presença diplomática
comércio internacional, na busca por novas es-
brasileira no continente africano de 18 para 30
tratégias de atuação frente às economias centrais.
embaixadas e dois consulados-gerais. Movimen-
Nos dois casos, depreende-se que o governo to que, deve-se registrar, proporcionou maior in-
segue uma mesma proposta: articular uma agen- tensidade nas relações Brasil-África, uma vez que
da comum entre o grupo de países exportadores também se pôde observar o interesse de vários
agrícolas do mundo em desenvolvimento em fa- Estados africanos (a exemplo do Benin, Guiné-
vor de uma maior liberalização do comércio para Conacri, Guiné Equatorial, Namíbia, Quênia,
a agricultura e, portanto, contrária aos subsídios Sudão, Tanzânia, Zâmbia e Zimbábue) na abertu-
agrícolas. Particularmente em relação à coalizão ra de postos diplomáticos no Brasil. Entre 2003 e
Brasil, Índia e África do Sul, acrescente-se que se 2006, o número de embaixadores africanos acre-
trata de uma política voltada para a concretização ditados em Brasília saltou de 16 para 25.
de parcerias no âmbito Sul-Sul capaz de favore-
Ademais, o governo Lula adotou medidas ad-
cer o alcance de um objetivo constante da diplo-
ministrativas no âmbito do Ministério das Rela-
macia brasileira: o desenvolvimento, articulado a
ções Exteriores para assegurar a ampliação da pre-
uma estratégia pautada pela relativa autonomia que
sença brasileira no continente africano; merecen-
cria em relação às economias desenvolvidas.
do destaque o desmembramento do Departamen-
Dessa forma, a diplomacia do governo to da África e do Oriente Médio, que veio dar
Lula tomaria lugar de destaque na agenda política lugar à reativação de um Departamento voltado
brasileira. Como se pretende demonstrar, a preo- exclusivamente para o continente africano. Nesse
cupação em recuperar espaços na África e em ponto, também se ressalta a criação da Divisão da
construir novos acordos nos mais distintos foros África-III (DAF-III), que veio juntar-se às duas
e regiões daria um tom marcadamente ativista à Divisões já existentes (DAF-I e DAF-II), uma vez
política externa brasileira, que buscaria, na arti- que se ampliou o lugar ocupado pelos Estados
culação com os países em desenvolvimento, a africanos no quadro administrativo do Ministério
promoção de uma agenda comum; ao mesmo tem- das Relações Exteriores (MRE), com o emprego
po em que a diversificação dos vínculos com os de um número maior de funcionários e de repasse
países desenvolvidos dar-se-ia para conseguir de recursos. A reabertura e ampliação de postos
acesso a mercados e a investimentos, além da diplomáticos, bem como a reestruturação admi-
conquista de um assento permanente no Conse- nistrativa, devem ser encaradas, portanto, como
lho de Segurança da ONU. conseqüência direta do interesse governamental
na ampliação da presença brasileira no continente
V. RELAÇÕES BRASIL-ÁFRICA: UM PONTO
africano; com conseqüente efeito inverso: o inte-
DE INFLEXÃO
resse dos Estados africanos em ampliar sua pre-
A despeito da continuidade observada no pla- sença no Brasil.
no econômico, a política externa do governo Lula
Nesses termos, não há como negar o fato de
é um dos setores que melhor reflete as posições
que, apesar de fragilizada, a política africana ain-
tradicionais do PT, pois o discurso e a prática di-
da mantém vitalidade no plano diplomático brasi-
plomática convergem para construção de alianças
leiro, adquirindo relevância singular quando con-
preferenciais com parceiros no âmbito das rela-
siderada a condução da política africana pelo atu-
ções Sul-Sul. Sinal disso é que o continente afri-
al governo. Desse modo, verifica-se que há ajus-
cano passou a ser encarado como uma das áreas

70
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 35 : 55-79 FEV. 2010

tes consideráveis na agenda diplomática brasilei- No plano econômico, cabe destacar que a di-
ra, que passa a privilegiar regiões e parcerias até plomacia presidencial tem favorecido significati-
então não valorizadas pelas gestões anteriores. vamente o setor empresarial brasileiro no conti-
Além disso, observa-se que a execução da políti- nente africano. Exemplo disso pode ser constata-
ca externa brasileira para a África distinguiu-se do pelo crescente número de empresas brasilei-
da prática desenvolvida pelos governos predeces- ras14, sobretudo as exportadoras de serviços, que
sores, que enfocaram sobremaneira as relações se têm dirigido para a consecução de projetos no
do Brasil com os Palop. Na atual gestão, verifica- continente africano. Também merece destaque o
se um nítido esforço para a ampliação do raio de fato da Companhia Vale do Rio Doce ter sido a
atuação da diplomacia brasileira no continente afri- vencedora da concorrência para a exploração do
cano. O próprio roteiro das viagens presidenciais complexo carbonífero de Moatize, situado no norte
pelo continente africano é claro exemplo do inte- de Moçambique, contribuindo, assim, para o
resse governamental em ampliar a presença brasi- estreitamento das relações com o Brasil. Paralela-
leira na África, que procura não se limitar a ape- mente, o Presidente Lula realizou o perdão de 95%
nas uma sub-região ou um organismo multilate- da dívida pública que Moçambique tem com o
ral, como a CPLP12. Sem desconsiderar as par- Brasil em 2004 - o que equivale ao perdão de US$
cerias tradicionais, intenta-se favorecer o 315 milhões do total US$ 331 milhões. O saldo
estreitamento das relações do Brasil com organis- restante, de US$ 16 milhões, foi re-escalonado15.
mos regionais africanos (como a União Africana,
Em Angola, a interação política tem favoreci-
a Nova Parceria para o Desenvolvimento de Áfri-
do enormemente as relações comercias e os in-
ca (Nepad), a Comunidade Econômica dos Esta-
vestimentos brasileiros no país. O governo Lula
dos da África Ocidental (Cedeao), União Adua-
ampliou as linhas de crédito ao Estado angolano
neira da África Austral (SACU) e Comunidade para
de modo a atingir uma soma de US$ 580 milhões
o Desenvolvimento da África Austral (SADC)) de
no triênio 2005/2007, permitindo a conclusão da
modo a aproveitar as possibilidades políticas e
Hidroelétrica de Capanda, as exportações de au-
econômicas no âmbito da cooperação Sul-Sul13.
tomóveis e viaturas de polícia, além da contratação
Por esse prisma, é correto considerar que, de novos projetos nas áreas de infra-estrutura,
apesar da aparente fragilidade do relacionamento saneamento e agricultura. Os investimentos cres-
comercial afro-brasileiro, com participação mar- centes da Petrobrás na África são outro exemplo
ginal no intercâmbio comercial do país ao longo da consolidação da presença brasileira no conti-
da década de 1990, o continente africano ainda nente, registrando-se a ampliação de suas opera-
detém uma posição privilegiada para o Brasil. Cabe ções na Tanzânia.
observar, em particular, o potencial da CPLP e da
Também em 2004, foi negociado um acordo
Zopacas, para a diplomacia brasileira, na constru-
de cooperação na área de transporte aéreo entre o
ção de acordos de âmbito multilaterais, mecanis-
Brasil e Cabo Verde16, pelo qual se estabeleceu
mos capazes de reunir grupos de nações que, em
torno de temas específicos ou genéricos, sejam
capazes de favorecer objetivos afins nos fóruns 14 Entre as empresas brasileiras que estão ampliando ou
globais. Ademais, tanto a CPLP quanto a Zopacas iniciando sua atuação no continente africano pode-se citar:
guardam como potencial servirem de lócus de Adeco Agropecuária, Andrade Gutierrez, Aquamec Equi-
intersecção entre vários processos de integração pamentos Ltda., Camargo Corrêa, Companhia Vale do Rio
econômica em curso na região do Atlântico Sul. Doce (CVRD), Marcopolo S.A., Medabil, Odebrecht,
Petrobrás S.A, Symnetics, Volkswagen e Weg S.A.
15 Negociado desde 2000, o contrato foi assinado somente
durante a visita do presidente Joaquim Alberto Chissano
12 Dado ratificado pela assinatura, em 26 de abril de 2006, ao Brasil, em agosto de 2004. Assim, Moçambique torna-
do Memorando de Entendimento entre Brasil e Gana para se o quarto país a ter a dívida perdoada pelo presidente
a instalação, em Acra, do Escritório Regional da Embrapa Lula somente em 2004. Os demais países foram: em julho,
na África. a Bolívia (que devia US$ 52 milhões), em agosto, e Cabo
Verde e Gabão, cujas dívidas eram de US$ 2,7 milhões e
13 Neste aspecto, ressalta-se a iniciativa brasileira que
US$ 36 milhões, respectivamente.
levou à promoção da I Cúpula dos Chefes de Estado da
16 No continente africano, até então, só a África do Sul
África e da América do Sul, em Abuja, na Nigéria, entre 29
de novembro e 1 de dezembro de 2006. possui acordo similar com o Brasil.

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ADJUSTMENT CHANGES

vôos diretos entre a Ilha do Sal e Fortaleza. A pers- US$ 6 bilhões em 2003 para US$ 15 bilhões em
pectiva do governo brasileiro é a de que este acordo 2006. Fato que levou o continente africano a as-
venha a converter-se na via preferencial de inter- cender, em seu conjunto, à posição de quarto
câmbio com o Brasil não só com esse país, mas maior parceiro comercial do Brasil, abaixo apenas
com toda a costa ocidental africana, ampliando o dos Estados Unidos, Argentina e China.
contato e, possivelmente, os fluxos comerciais.
Considerando estritamente o intercâmbio Bra-
Cabe avaliar, portanto, em que medida tais trans- sil-África subsaariana, a África do Sul, a Angola e
formações e oportunidades são ou podem vir a se- a Nigéria podem ser identificadas como alternati-
rem aproveitadas pelo Brasil e pelos parceiros afri- vas estratégicas para a diplomacia brasileira, uma
canos. No próximo tópico, são analisadas as rela- vez que o potencial de crescimento e as deman-
ções comerciais Brasil-África ao longo do período das por investimentos podem beneficiar um gran-
estudado. Como se verá, para além do crescimen- de número de empresas, nos dois lados do atlân-
to da corrente de comércio, atualmente se abrem tico. Essa percepção é sobremaneira corroborada
oportunidades importantes para o adensamento e ao analisar-se o intercâmbio comercial entre Bra-
intensificação das relações entre Brasil e África. O sil e o continente africano que, nos últimos anos,
que, obviamente, coloca em debate a capacidade dá destaque às relações comerciais com Angola,
de articulação, em plano doméstico nacional, de Nigéria e África do Sul, que juntos representam
estratégias e projetos capazes de contribuir para a em média 48% do total das exportações brasilei-
dinamização e a intensificação do fluxo de comér- ras para aquele continente e 53% das importações
cio e investimentos entre o Brasil e a África. africanas para o Brasil.
VI. A DINÂMICA COMERCIAL BRASIL-ÁFRI- As exportações brasileiras para esses três paí-
CA ses atingem valores expressivos em relação ao
montante comercializado com a África, como blo-
No que concerne às relações comerciais do
co, permitindo observar uma grande similaridade
Brasil com o continente africano, desde 2002 o
nos valores por categorias de produtos no que se
valor do intercâmbio triplicou. As exportações
refere à Nigéria e África do Sul, que juntas repre-
brasileiras para a África aumentaram mais de 487%
sentam 82% dos valores exportados pelo Brasil
no período que vai de 1996 a 2006, sendo que o
para o continente africano no período de 2003 a
maior crescimento foi observado no período de
2006. Ainda quanto à análise das relações comer-
2002 a 2006: 315% em quatro anos. No que se
ciais por categorias de produtos (os fatores agre-
refere às importações, houve um acréscimo de
gados), é importante ressaltar que as exportações
478% nos últimos dez anos, sendo que apenas
brasileiras para os Estados africanos, ao longo dos
nos últimos quatro anos as cifras saltaram de US$
últimos 20 anos, indicam a predominância de pro-
2,6 bilhões para US$ 8 bilhões, em 2006. A cor-
dutos manufaturados, seguidos em proporção bem
rente de comércio nos dois sentidos passou de
menor pelos produtos ditos básicos (Quadro 16).

QUADRO 16 - EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS PARA A ÁFRICA1 POR FATORES AGREGADOS, 1985-2006 -


US$ BILHÕES

FONTE: Elaborado a partir de dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.


NOTA: 1. Exclusive Oriente Médio.

É relevante observar, ainda, que nos últimos Nigéria, no entanto, o saldo é negativo devido às
20 anos o saldo comercial brasileiro é positivo nas importações brasileiras de petróleo. Um recorte
relações com Angola e África do Sul. Já com a dos últimos três anos dessas relações comerciais

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 35 : 55-79 FEV. 2010

possibilita perceber uma continuidade no saldo últimos 20 anos. Fato semelhante, mas em inten-
positivo das relações comerciais brasileiras com sidade bem menor (22%), advém da África do
Angola (+ US$ 1,1 bilhão) e África do Sul (+US$ Sul, o que sugere um efetivo crescimento das
2,3 bilhões), porém não com a Nigéria (-US$ 3,1 exportações com tais países. Uma caracterização
bilhões). Chama atenção o saldo positivo da ba- dos produtos exportados pelo Brasil para esses
lança comercial brasileira com a Angola, nesse países pode ser observada no Quadro 17.
período, que alcançou 42% do valor relativo aos

QUADRO 17 - TOTAIS DAS EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS PARA OS PRINCIPAIS PARCEIROS COMERCIAIS


NA ÁFRICA* POR FATORES AGREGADOS, 1985-2006 - US$ BILHÕES

FONTE: Elaborado a partir de dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.


NOTA: 1. Exclusive Oriente Médio.

A balança comercial brasileira mantém-se ne- brutos de petróleo nos níveis alcançados em 2004.
gativa com a Nigéria (Quadro 18). Apesar do no- Os recentes acontecimentos que levaram à nacio-
tável recuo das importações brasileiras de petró- nalização das reservas de gás bolivianas, com os
leo desse país no ano de 2005 - quando ocorre potenciais prejuízos ao abastecimento do merca-
uma redução de 23,4% no dispêndio de divisas do brasileiro, poderão adensar ainda mais essas
com a importação de óleos brutos de petróleo e relações comerciais, privilegiando as importações
reduções de 70,1% com gás liquefeito de petróleo de gás nigeriano, que no biênio 2005/2006 foram
(GLP) e 17,2% com gás propano -, em 2006 o inexpressivas.
Brasil retomou e superou a importação de óleos

QUADRO 18 - EVOLUÇÃO DOS PRINCIPAIS PRODUTOS IMPORTADOS PELO BRASIL DA NIGÉRIA, 2004-
2006 - US$ BILHÕES

FONTE: Elaborado a partir de dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

Em vista dos dados expostos, é possível afir- nos, voltaram a ocupar um lugar de destaque, não
mar que Angola, África do Sul e Nigéria, assim apenas na agenda política, mas também na agen-
como um crescente número de Estados africa- da comercial do Brasil. Nesse aspecto, a promo-

73
ADJUSTMENT CHANGES

ção de políticas que valorizem investimentos na quanto no donwstream. A Chancelaria tem con-
área energética demonstra-se particularmente re- centrado esforços na criação de mecanismos que
levante para o adensamento das relações Brasil- permitam ao Brasil efetivamente promover maior
África. Fato que se torna mais nítido quando ava- dinamização das relações econômicas com a
liado o intercâmbio brasileiro com Angola, África Nigéria, atualmente centrados justamente na cons-
do Sul e Nigéria. tituição de canais que possibilitem a prospecção e
importação de petróleo por empresas brasileiras.
No período analisado, as relações comerciais
Brasil-Angola têm sido intensamente favorecidas Nesses termos, constata-se que o adensamento
pelas descobertas offshore. Nos últimos anos, a das relações comerciais Brasil-África tem se tor-
Angola transformou-se numa área líder em ex- nado uma realidade. Apesar de não ser possível
ploração e prospecção de petróleo no Oeste da determinar com precisão quais sejam os impac-
África, tornando-se o segundo maior produtor da tos causados por tais movimentos, é fato consta-
África subsaariana, sendo Cabinda responsável por tar que eles não deixam de confirmar a posição
mais da metade da produção do petróleo angola- privilegiada ocupada pelo continente africano na
no. Atento a essas transformações, o Brasil tem estratégia de inserção internacional desenvolvida
buscado forjar projetos político-comerciais, ori- pela política externa do governo Lula. O que, por
entando-se pela percepção de que Angola é um conseqüência, impõe a necessidade de revisão de
parceiro não apenas geográfico e cultural, mas ações diplomáticas e comerciais brasileiras para a
um parceiro economicamente promissor. África, implicando a identificação e avaliação de
canais eficazes na sua promoção e
Em relação à África do Sul, a política externa
dimensionamento.
brasileira é diretamente influenciada pelo início do
processo de democratização e pela superação do VII. CONCLUSÕES
apartheid, que durante décadas relegou o Estado
Considerando o período selecionado, obtém-
sul-africano a uma condição marginalizada nos
se que as relações político-comerciais Brasil-África
principais fóruns e organismos mundiais (PENNA
têm se caracterizado por um processo de intensi-
FILHO, 2001). País com quem o Brasil mantém
dade variável, que reflete os ajustes (adjustment
relações comerciais desde a década de 1940, a
changes) de agenda promovidos pelo conjunto de
África do Sul surge como parceiro em acordos
governos estabelecidos após a Guerra Fria. Des-
entre o Mercosul e a União Aduaneira da África
se modo, entre os governos Sarney e Lula, obser-
Austral. Mesmo tendo poucas reservas de petró-
va-se que a política externa brasileira em relação
leo, é um grande produtor e exportador de car-
ao continente africano não chega a registrar mu-
vão, além de base preferencial dos investidores
danças drásticas de agenda, mas de intensidade. A
internacionais interessados em atuar na África
política africana ajusta-se às variações registradas
subsaariana. Por tais motivos, tem sido alvo de
no plano internacional e na própria agenda diplo-
atenção brasileira, os investimentos realizados pelo
mática brasileira. Desse modo, no período anlisado,
país na construção de uma indústria de combus-
as relações do Brasil com o continente africano
tíveis sintéticos (synfuel), altamente desenvolvi-
sofreram variações apenas em sua intensidade.
da, e que utiliza não só as abundantes reservas de
carvão, como também o condensado e o gás na- Um, se não o principal condicionante des-
tural offshore de Mossel Bay. se fenômeno diz respeito aos impactos gerados
pelo término da Guerra Fria, simbolizada pela que-
Quanto à Nigéria, o comércio do Brasil
da do muro de Berlim e da superação do mundo
com o país tem sido intensificado desde a década
bipolar, que implicou em profundas transforma-
de 1980, quando a participação brasileira no mer-
ções na ordem internacional, e, conseqüentemen-
cado nigeriano foi tão importante entre 1985 e 1986
te, no padrão de atuação internacional dos Esta-
que o Brasil chegou a ultrapassar a relevância eco-
dos. Os processos de globalização e trans-nacio-
nômica das compras nigerianas da Inglaterra (SA-
nalização, acompanhados da ampliação do comér-
RAIVA, 1994). Membro da OPEP, a Nigéria é um
cio internacional, da progressiva complexidade dos
dos maiores exportadores de petróleo do mundo,
meios de comunicação e da informação, bem
tendo a Nigerian National Petroleum Company,
como da crescente importância dos atores não-
empresa estatal de petróleo, como o maior player
estatais na configuração das relações internacio-
na indústria petrolífera do país, tanto no upstream
nais, trouxeram aos Estados a necessidade de re-

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 35 : 55-79 FEV. 2010

pensar, e até mesmo, de redefinir os pressupos- segurança que envolvam os países ribeirinhos do
tos essenciais de suas políticas exteriores. No caso outro lado do Atlântico. O fluxo de comércio será
do Brasil, somou-se a essas demandas a necessi- derivado substantivamente da exploração de pe-
dade de promover ações capazes de fazer preva- tróleo em países como Angola e Nigéria.
lecer suas prioridades e interesses em
O retraimento diplomático no âmbito das rela-
concomitante à própria ampliação de seu grau de
ções Brasil-África está ligado não apenas à lógica
autonomia.
das relações comerciais, pois verifica-se que ele
Assim, em seu conjunto, os governos José também se articula ao processo de reorientação
Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco e em que ingressa a diplomacia brasileira frente ao
Fernando Henrique Cardoso tomariam como cer- cenário internacional, marcado pelo fim da Guer-
ta a necessidade de mudanças que garantissem ao ra Fria e pela imposição de um sistema internaci-
Brasil uma participação ativa em plano global. Em onal de caráter transitório e imprevisível. Para o
que pese a retórica diplomática buscar, repetidas Brasil, esse período reflete uma nova postura do
vezes, enfatizar a importância da tradição e da país no que diz respeito à adesão a regimes inter-
continuidade no processo de formulação da polí- nacionais e arranjos cooperativos, ganhando rele-
tica externa, a análise das relações Brasil-África vância a política regional em direção ao Mercosul.
ao longo desses governos deixa transparecer que
A diplomacia brasileira atravessava uma fase
o continente africano não seria uma região privi-
de redefinição de suas prioridades, voltando os
legiada para a política externa brasileira. No plano
vizinhos da América do Sul a assumir lugar
econômico, o mercado africano representava, em
prioritário na agenda externa do Brasil. Como afir-
média, apenas 4% das exportações brasileiras,
maria o então Ministro das Relações Exteriores
tornando o contexto atlântico menos relevante para
do governo Fernando Henrique Cardoso, o
a inserção internacional do país, no qual ficam
Chanceler Luiz Felipe Lampreia, sem
para trás "[...] os anos de ativa cooperação mútua
desconsiderar: "[...] as relações com nossos par-
e empreendimentos comuns sustentados na de-
ceiros econômicos tradicionais na África [...]",
terminação do Estado brasileiro em desenvolver
as prioridades da política externa traduzem-se no
projetos econômicos para a África, diversifican-
"[...] processo de consolidação do Mercosul, sua
do os parceiros do comércio internacional do país"
eventual ampliação com a incorporação de novos
(SARAIVA, 2002, p. 314).
parceiros, seu relacionamento com outros espa-
O acirramento da crise internacional na segun- ços econômicos, notadamente a União Européia e
da metade dos anos 1980 leva o Brasil e o conti- o Nafta e sua incidência na estabilização econô-
nente africano a ingressarem num processo de mica e na retomada do crescimento do Brasil [...]"
marginalização no sistema internacional. O lugar (LAMPREIA, 1995, p. 119).
ocupado pela África no quadro geral da política
No quadro da política externa brasileira, entre
externa brasileira viu-se particularmente restringi-
as décadas de 1980 e 1990, o continente africano
do. O vínculo comercial do país com o continente
passou a ser considerado como uma dimensão
torna-se claramente frágil. À exceção da atuação
economicamente deficitária e politicament e pou-
de algumas poucas empresas, em particular, da
co relevante para o governo brasileiro. Conse-
Odebrecht e Petrobrás, nota-se um acentuado de-
qüentemente, o fechamento de postos e embaixa-
sinteresse empresarial brasileiro pelo continente
das na África veio sinalizar mais claramente as
africano que, imerso numa profunda crise finan-
opções e prioridades diplomáticas do país: a con-
ceira e político-institucional, registra um processo
solidação do Mercosul e maior aproximação com
contínuo de fuga de capitais e investimentos.
as economias avançadas. As relações Brasil-Áfri-
Do ponto de vista político, as ações brasileiras ca pautaram-se por uma política de concentração
restringem-se à promoção do IILP e da Zopacas. e seletividade. À exceção das relações mantidas
Nos dois casos, observa-se um movimento que com a da África do Sul e Nigéria, a dinâmica Bra-
tange à concentração da política externa brasileira sil-África é pautada pela afinidade cultural (lin-
em relação ao continente africano. Os laços com güística) e, conseqüentemente, pela priorização
o continente serão, para o Brasil, derivados das das relações com os Palop.
interações proporcionadas, por um lado, pela lín-
A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, entre-
gua portuguesa e, por outro, pelas dimensões de
tanto, trouxe uma nova dinâmica à política exter-

75
ADJUSTMENT CHANGES

na brasileira. O discurso e a prática diplomática tado pretenso a conquistar um lugar na “nova par-
desse governo vieram convergir para a constru- tilha africana”.
ção de alianças preferenciais com parceiros no
Conseqüentemente, a política externa brasilei-
âmbito das relações Sul-Sul. Sinal disso é que o
ra para os países africanos não pode ser compre-
continente africano passou a ser encarado como
endida sem o reconhecimento dos interesses es-
uma das áreas de maior investimento em termos
tratégicos do continente. Dessa perspectiva, é
diplomáticos do governo, em que o Presidente e o
importante observar que a formulação, bem como
Ministro das Relações Exteriores realizaram um
a execução da política externa brasileira para os
roteiro de visitas e acordos sem precedentes. A
países africanos não podem ser satisfatoriamente
agenda externa do governo, e, em particular, a
desempenhadas considerando estritamente os in-
política em direção à África, passou a ser um alvo
teresses brasileiros. Regiões colonizadas, a for-
de atenção e acompanhamento constante de re-
mação dos Estados nacionais na África pressu-
presentantes do setor privado, interessado em ini-
pôs um processo de ruptura com a dominação
ciar ou expandir suas atividades no continente afri-
colonial, que se realizou paulatinamente ao longo
cano.
da segunda metade do século XX. A exemplo da
Considerando o discurso diplomático brasilei- África do Sul, Angola e Nigéria, esses Estados
ro, obtém-se, como justificativa para a promoção guardam em comum, ainda, a própria forma de
das relações Brasil-África, que a compreensão, inserção no processo internacional de acumula-
bem como a própria formulação da política exter- ção do capital e da divisão de trabalho: aos res-
na brasileira para os países africanos não podem pectivos países foi relegado um papel marginal no
ser satisfatoriamente alcançadas sem o devido re- conjunto das relações centro-periferia. No entan-
conhecimento do papel desempenhando pelos fa- to, ao rejeitar a noção de que a política externa de
tores étnico-culturais na formação da nacionali- Estados periféricos seja puramente reativa às de-
dade brasileira. terminações oriundas dos centros hegemônicos,
torna-se importante reiterar o fato de que esses
"Como declarou o presidente Lula, o
mesmos países, a exemplo do Brasil, atravessa-
estreitamento das relações com a África constitui
ram a segunda metade do século XX em busca de
para o Brasil uma obrigação política, moral e his-
canais e mecanismos capazes de promover seus
tórica. Com 76 milhões de afrodescendentes, so-
interesses domésticos em plano externo.
mos a segunda maior nação negra do mundo, atrás
da Nigéria, e o governo está empenhado em refle- Nesse sentido, a redefinição das relações in-
tir essa circunstância em sua atuação externa" ternacionais após a Guerra Fria tem atuado como
(AMORIM, 2003a). variável que, ao mesmo tempo em que impõe drás-
ticas alterações aos tradicionais padrões de com-
Entretanto, em que pese tais condicionantes, é
portamento político, econômicos e sociais, pro-
pouco razoável considerar que o Brasil possa sub-
move oportunidades para a redefinição da inser-
trair resultados políticos e comerciais de circuns-
ção internacional desses Estados. "El final de la
tâncias estritamente culturais. Julgar como factível
Guerra Fria há dejado a África huérfana de
a construção de uma política africana embasada
superpotencias, pero consciente de que a hora tiene
na premissa de laços maternos pressupõe, no mí-
por primera vez em sus manos su próprio destino
nimo, uma visão distorcida da própria África, em
como continente de naciones" (HUBAND, 2004,
que o Brasil, por meio de um discurso
p. 17). Nesses termos, a cooperação com os pa-
pretensamente progressista, julga-se capaz de aju-
íses africanos apresenta-se para o Brasil como um
dar os países africanos, promovendo uma políti-
elemento-chave, capaz de transformar situações
ca missionária, civilizacional. Numa palavra: "Su-
e condições semelhantes, ainda que muitas vezes
põe a romantização da imagem de uma 'Mãe Áfri-
negativas, em oportunidades de cooperação e be-
ca' pura, sem conflitos, em estado permanente de
nefício mútuo. Ter consciência dessas possibili-
equilíbrio" (SARAIVA, 2004, p. 301). O resultado
dades bem como de seus riscos, torna-se essen-
dessa visão, inversamente, transparece na crítica
cial para a análise da política externa uma vez que
de políticos e de intelectuais africanos já na déca-
sobre ela recai a responsabilidade de adotar as
da de 1960, que a interpretam como uma estraté-
prioridades corretas para consecução dos proje-
gia senão colonialista, interessada na manutenção
tos nacionais em plano externo.
do status quo, em que o Brasil aparece como Es-

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 35 : 55-79 FEV. 2010

Cláudio Oliveira Ribeiro (professorclaudio@gmail.com) é Doutor em Ciência Política pela Universidade


de São Paulo (USP) e Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 35 : 233-238 FEV. 2010

TRANSNATIONAL ASSOCIATIVISM: AN ANALYTICAL AND CONCEPTUAL PROPOSAL


Luciana Ballestrin
Insofar as it has altered the national framework for the study of political, juridical, economical and
cultural sociabilities in the modern world, globalization has imposed an urgent reinvention of theories
on the social sciences on some of its traditional analytical categories, as is made evident by the
frequent indiscriminate use of the terms “global”, “world[wide]” and “cosmopolitan.” The concept
of “civil society” has been included in this wide epistemological “redirecting”, creating controversies
that are not only conceptual but also factual regarding the very actor of “global civil society” (GCS).
This article is divided into two parts: the first maps out the trajectory of the concept of GCS through
a review of the main contributions to the category, the second attempts to confront theoretical and
normative impasses that emerge from the perspectives of those who are enthusiastic and those who
are skeptical about GCSs, taking up the central argument posed by Mark Warren in his book
Association and Democracy. Taking off from the perception that the existing notions of GCS are
idiosyncratic and that their political role in a globalized world is under constant theoretical dispute,
the goal of this article is to suggest a tentative approach to (a) interpret the associative heterogeneity
that comes together through the category and (b) project some scenarios for more empirical studies
that make it possible to verify their real democratic contribution to the globalized world. We believe
that the idea of transnational associativism provides an analytical path for GCS actions and their
multiple effects within the political sphere, among which democracy may prove to be just one.
KEYWORDS: globalization; Political Theory; civil society; global civil society; transnational
associativism.
* * *
ADJUSTMENT CHANGES: BRAZIL’S AFRICAN POLICY DURING THE POST-COLD WAR
PERIOD
Cláudio Oliveira Ribeiro
This article analyzes Brazil’s foreign policy for Africa during the post-Cold War period. As a
permanent theme within the Brazilian diplomatic agenda for decades, Brazil-Africa relations have
taken on a salient role within Lula administration foreign policy. We attempt to understand the
meanings and possibilities that it opens up for Brazil throughout the African continent. We do this by
giving emphasis to the political and commercial dynamics between this country and its African
partners, and we employ the following analytical variables: the diplomatic actions and the commercial
flows that Brazil has established with African countries of the sub-Sahara region. As our main
argument, we maintain that the end of the Cold War brought substantial change within the Brazilian
diplomatic agenda, directly affecting Brazil’s relationship with its African partners. Thus, we argue
that Brazil-Africa relations have been characterized by intensely variable movement, with accentuated
decline between the decades of the 1980s and 1990s and recovery and possible intensification
during the Lula administration. Our work can be divided into four parts. In the first, we present a
general picture of Brazil-Africa relations during the period that precedes the 1980s. This is followed
by a focus on the restrictive impact of international economic crises on African and Brazilian realities,
seeking to identify their repercussion on Brazilian foreign policy with regard to Africa. The third
part looks at possible opening up toward Brazil on the African continent, placing emphasis on the
directives and proposals for foreign policy developed by the Lula government. The last section
attempts to provide a synthesis of the arguments that have been developed.
KEYWORDS: foreign policy; diplomatic agenda; commercial relations; Brazil; Africa.
* * *

234
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 35 : 241-246 FEV. 2010

et de la relation dessin institutionel-accountability. La méthodologie utilisée consiste à organiser les


principaux arguments et à effectuer l’analyse théorique des articles et des livres d’auteurs
sélectionnés.
MOTS-CLÉS : accountability ; conception institutionnelle ; Schumpeter, théorie démocratique,
l’agrégation des préférences.
* * *
ASSOCIATIVISME TRANSNATIONAL : UNE PROPOSITION ANALYTICO-CONCEPTUEL
Luciana Ballestrin
En changeant l’exclusivité du national en ce qui concerne la compréhension de la sociabilité politique,
juridique, économique et culturelle dans le monde moderne, le processus de la mondialisation a
imposé aux Sciences Sociales l’urgence de la réinvention théorique, assez souvent observée dans
l’association indifférenciée des termes “global”, “mondial” ou “cosmopolite” à certaines de leurs
traditionnelles catégories d’analyse. Le concept de “société civile” s’insère dans cette réorientation
épistémologique ample, ce qui génère des constroverses non seulement conceptuelles, mais aussi
factuelles, à l’égard de l’acteur “société civile globale” lui-même (SGG). L’article est divisé en
deux parties : la première dresse une carte de la trajectoire du concept de SCG en s’appuyant sur la
révision des principales contributions à cette catégorie ; la seconde, cherche à faire face à l’impasse
théorico-normative présentée par les visions enthousiastes et céptiques de la SCG, en empruntant
l’argument central de Mark Warren, dans son livre Association and Democracy. A partir de la
perception selon laquelle les concepts de SCG disponibles sont idiosyncrétiques et que leur rôle
politique dans un monde globalisé est en permanence en conflit théorique, l’objectif de cet article est
d’entreprendre une approche qui essaie de (a) interpréter l’hétérogénéité associative subordonnée
à cette rubrique et (b) d’esquisser des scénarios pour les études plus empiriques favorisant la
vérification de leur contribution démocratique concrète dans le monde globalisé. On pense que
l’idée d’associativisme transnational favorise une voie analytique pour les actions de la SCG et ses
multiples effets dans la sphère politique, dont la démocratie n’en est qu’un.
MOTS-CLÉS : globalisation ; Théorie Politique ; société civile ; société civile globale ; associativisme
transnational.
* * *
ADJUSTMENT CHANGES : LA POLITIQUE AFRICAINE DU BRÉSIL DANS L’APRÈS
GUERRE FROIDE
Cláudio Oliveira Ribeiro
L’article analyse la politique étrangère adoptée par le Brésil à l’égard de l’Afrique dans la période
postérieure à la Guerre froide. Parce que c’est un thème constant dans l’agenda diplomatique du
Brésil depuis des décennies, les relations entre le Brésil et l’Afrique ont joué un rôle prépondérant
dans la politique étrangère du gouvernement Lula. Nous voulons comprendre leur signification et les
possibilités qui s’ouvrent au Brésil sur le continent africain. Nous faisons cela en mettant en évidence
les actions politico-commerciales entre le pays et les partenaires africains, et nous mobilisons les
variables suivantes : les actions diplomatiques et les flux d’échanges commerciaux établis par le
Brésil avec les pays africains situés dans la région de l’Afrique sub-saharienne. Comme argument
principal, nous prétendons que la fin de la guerre froide conduit à un changement substantiel dans
l’agenda diplomatique brésilienne, qui affecte directement la relation entre le Brésil et ses partenaires
africains. Ainsi, il est soutenu que les relations entre le Brésil et l’Afrique se sont caractérisées par
un mouvement d’intensité variable, avec une baisse accentuée entre les années 1980 et 1990 et une
récupération et même une consolidation depuis l’administration Lula. L’article est divisé en quatre
parties. La première présente un cadre général des relations entre le Brésil et l’Afrique dans la

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 35 : 241-246 FEV. 2010

période antérieure aux années 1980. Ensuite, l’accent est mis sur l’impact restrictif des crises
économiques internationales sur la situation en Afrique et au Brésil tout en cherchant à identifier
son impact sur la politique étrangère du Brésil vers l’Afrique. Le troisième thème porte son attention
sur le potentiel disponible au Brésil sur le continent africain, mettant l’accent sur les politiques et les
propositions de politique étrangère mises au point par le gouvernement Lula. La dernière section
tente de résumer les arguments présentés.
MOTS-CLÉS : politique étrangère ; agenda politique ; relations commerciales ; Brésil ; Afrique.
* * *
CONSTRUCTION DE L’ÉTAT, CADRE POLITIQUE ET PROFESSIONNALISATION DU
JOURNALISME AU BRÉSIL
Fernanda Rios Petrarca
Cet article analyse la relation entre le processus de construction de l’état et le projet proposé pour
l’organisation des mondes profissionnels au Brésil, en ayant comme référence empirique le cas du
journalisme et sa professionnalisation. On a pris en compte la relation entre l’introduction des critères
formels d’entrée dans l’activité professionnelle, la création d’organismes représentant la catégorie
professionnelle et la mise en oeuvre des institutions d’enseignement avec les usages sociaux de ce
processus et les trajectoires des agents impliqués. L’un des principaux objectifs de ce texte consiste
à fournir des éléments, base sur certains concepts théoriques et méthodologiques, qui puissent
mener à la réflexion du processus d’organisation et d’institutionnalisation des professions au Brésil
et son rapport au politique en général. Dans le contexte brésilien, on a observé que la dynamique de
la construction d’une sphère politique et professionnelle se produit simultanément avec une forte
interférence entre elles. Donc, de l’expérience du journalisme il est demontré que la reconnaissance
professionnelle est devenue une ressource pour l’action dans la politique brésilienne.
MOTS-CLÉS : État ; profession ; journalisme ; politique.
* * *
LA REVUE CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA : PROJET D’ÉDITION ET RÉSISTANCE
CULTURELLE (1965-1968)
Rodrigo Czajka
Dans les premières années de la dictature militaire, instaurée au Brésil, en 1964, par un coup d’État,
plusieurs institutions dispersées par la répression ont commencé un processus de résistance et
d’opposition au régime militaire. La résistance culturelle a été l’un des moyens consacrés de résistance
chez les intellectuels, artistes, enseignants, producteurs culturels, entre autres, et qui a aussi été un
phénomène culturel et politique sans précédent dans l’histoire du Brésil. Politique, parce qu’il a mis
en oeuvre la réorganisation des partis de gauche et la révision des postulats idéologiques de leur parti
de premier plan, le Parti communiste brésilien. Culturel, parce que cette réorganisation a eu lieu
souvent dans le cadre des productions culturelles, dans lequel la gauche a créé un espace de
contestation et d’engagement par le biais des arts et des activités intellectuelles. C’est au cours de
ce processus que le magazine Civilisation Brésilienne a représenté un espace important pour la
construction de cette résistance culturelle de gauche contre la dictature militaire, entre les années
1965 et 1968. La revue s’est imposée avec une légitimité politique tout en participant activement à la
formation d’un marché pour les biens culturels soutenu par ce qu’on appelle “l’hégémonie culturelle
de gauche”.
MOTS-CLÉS : presse communiste ; intellectuels de gauche, résistance culturelle, dictature militaire.
* * *

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