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A Igreja de Roma e o Movimento "Herético" dos

Cátaros
por

Carlos Antonio Fragoso Guimarães

"On entend par fanatisme, une folie religieuse, sombre et cruelle; c'est
une maladie qui se gagne comme la petite vérole."
Voltaire
 

Monumento em forma de megalito às inocentes vítimas cátaras na cidade de Minerve, França

Durante a imersão da Europa, pelo colápso cultural da Civilização


Greco-Romana, na estagnação intelectual e sedimentação do poder feudal na
Idade Média, e apesar dos rígidos padrões de controle do pensamento e da
reflexão pela estrutura eclesiástica, surgiram ainda vozes que se levantavam
contra o abuso e a arrogância do poder da Religião de Roma, vestígio do
intento de Constantino de transformá-la no braço espiritual do Império.

Ainda haviam pontos isolados de luzes e de pensamento, que, como


centelhas dispersas, vez por outra se juntavam. Estes movimentos conheciam
boa parte da tradição espiritual do ocidente, ecos do pensamento de Heráclito,
Pitágoras e Platão, e procuravam recuperar a pureza do cristianismo primitivo,
sem as pesadas roupagens da ritualísitica e dos dogmas romanos. Entre as
mais famosas dessas correntes rebeldes, predecessoras da Reforma
Protestante e do movimento de liberdade de consciência, base da sepração
moderna entre Igreja e Estado, temos o movimento da Igreja Cátara, que
reprensentou de fato - por sua proposta quse socialista, e da responsabilidade
individual - uma séria ameaça à hegemonia da Igreja Católica. Outro
movimento, porém de alcance menor e menos "subversivo", mas não menos
potencialmente renovador, parece ter sido o da Ordem dos Templários,
contemporâneo dos Cátaros e, de início, apoiada pela própria Igreja de Roma.

Antes de nos voltarmos a estas duas, temos de precisar o que foi e


como se fez o poderio da Igreja Romana na Europa.

A Ascensão da Igreja Católica Romana

O movimento cristão - de início, um movimento emergido no seio do


judaísmo na palestina, e logo espalhado por outras regiões do Império, Ásia
Menor e Norte da África - deitou raízes em vários quadrantes, de onde
surgiram vários grupos com suas próprias tradições interpretativas da
mensagem de Jesus. As comunidades da Ásia Menor, da Grécia, de
Alexandria e de Roma formavam Igrejas independentes, ainda que
mantivessem contato umas com as outras. Porém, devido à sua localização, a
comunidade de Roma tinha um certo destaque, que seria ainda mais reforçado
quando Constantino reconheceu e oficializou o Cristianismo, tendo em mente,
entre outras, a utilizá-lo como cimento espiritual do Império. Logo após, porém,
Constantino dividiu o Império em duas partes, a do Ocidente, com capital e
Roma, e a do Oriente, em Constantinopla. A Igreja igualmente teria duas
cabeças principais, uma em Roma, tendo por língua oficial o Latim, e outra em
Constantinopla, tendo por língua oficial a mesma que já vinha sendo a língua
geral desde o início do Império, o Grego (que também foi a língua em que
foram escritos e traduzidos os primeiros livros cristãos). Roma teria o Bispo,
chamado posteriormente de Papa, e Constantinopla, de Patriarca.

O que, de início, começou como uma religião dos oprimidos do império,


indo dos povos colonizados, passando pelos escravos e grande maioria de
plebeus, constituía, apesar da perseguição oficial do Império, uma crescente
comunidade no sentido lato do termo, um comunismo autêntico, gerado pela
compreensão da dor mútua e da partilha de ideais de igualdade e fraternidade.
Porém, os dominados passaram a ser muito mais numerosos que os
dominantes e, com a entrada destes, por interesses políticos diante da
transformação do Império, os dominadores acabaram tornando-se novamente
preponderantes e passaram a exigir que o Cristianismo abrigasse práticas e
detalhes dos antigos cultos pagãos. Daí os sacerdotes católicos com seus
altares, missais, estolas, mitras, etc. O fator político-econômico passou a
moldar o Cristianismo oficializado, tendo seus aspectos originais sido
deturpados pela simbiose Cristianismo de Constantino/religião pagã.

Ao longo do século V, porém, a Igreja Romana viveu sérias ameaças à


sua sobrevivência e, por volta de 490, a situação tornou-se
desesperadoramente precária, isto porque, com a mudança da maior parte das
pessoas para Constantinopla, a ex-grande cidade ficava à mercê das invasões
bárbaras do norte da Europa.
E a igreja de Roma estava ainda muito longe de ter a hegemonia do
poder espiritual na cristandade dentro e fora do Império, processo
inevitavelmente ligado à implosão ocidental deste - agravada pelo fato de
Constantino haver transferido a corte de Roma para Constantinopla.

Pouco antes da transferência, entre 384 e 399, com o apóio oficial, o


bispo de Roma já era denominado papa, mas isto não significava muito pois
sua condição oficial, em termos de cristandade, era bem diferente do que
passou a ser alguns séculos mais tarde quando passou a desempenhar o
papel de líder e cabeça suprema do cristianismo ocidental - Os gregos e outras
comunidades do leste europeu e da África e Ásia jamais aceitaram esta
condição, no que resultou no cisma entre as Igrejas Católica Romana e
Católicas Ortodoxas no século XI. Na verdade, até o século V o papa era uma
figura que representava apenas uma função centralizadora de interesses
velados do colégio eclesiástico romano, que já possuia e investia pesado em
uma supremacia teológico-política. Mas esta era apenas uma escola dentre
muitas outras linhas do cristianismo, todas lutando por manterem-se vivas e
adotarem livremente seus pontos de vista a respeito da mensagem do Cristo. A
Igreja de Roma, sob pressão de Constantino, que a rigor, continuava sendo um
crente dos cultos a Mitra e do Dol Invictus, cuja festa máxima era comemorada
no solstício de inverno, no dia 25 de dezembro, lutava desesperadamente para
sobressair-se dentre as demais, combatendo uma grande variedade de pontos-
de-vista teológicos diferentes dos seus. A pesar de encravada no coração do
Império, de início a Igreja de Roma não possuia moralmente maior autoridade
que outras, como, por exemplo, a Igreja Grega ou a Igreja Celta. E sua
autoridade não era maior que a de outras correntes cristãs ainda mais
distantes, do leste e o oeste de Roma.

Se a Igreja de Roma quisesse sobreviver à derrocada do Império (na


verdade, sendo uma tentativa de manter alguma coisa deste) que se
esfacelava diante das invasões bárbaras e, ainda, criar uma hegemonia sobre
todo o pensamento cristão, exercendo uma grande autoridade e poder, ela
necessitaria do apóio de um reino forte e de uma poderosa figura secular que
pudesse representá-la resgatando um pouco da mística do Império dos
Césares, impondo grande reverência e respeito. Daí que, para que o mundo
cristão evoluísse segundo a doutrina romana, a Igreja Católica deveria ser
disseminada, implementada e imposta por meio da força secular - uma força
suficientemente poderosa para enfrentar e finalmente exitirpar o desafio das
outras escolas cristãs.

Por volta de 486, um rei bárbaro, o rei franco-merovíngeo Clóvis, tinha


expandido extraordinarimente a extensão de seus domínios, anexando reinos e
principados adjacentes e vencendo várias tribos rivais. Cidades importantes
passaram a fazer parte de seu reino, como Troyes, e Amiens, nas regiões da
Gália. Em pouco mais de 10 anos de conquistas, Clóvis era o chefe mais
poderoso da Europa Ocidental. E foi em Clóvis que a Igreja Católica tinha
achado um campeão para seus interesses. E foi através de Clóvis que a Igreja
Católica finalmente iria conseguir estabelecer uma supremacia que não foi
seriamente questionada - devido à "Santa" Inquisição - na Europa por mais de
mil anos.
O pacto estabelecido entre Clóvis e a Igreja assegurou um triunfo
político para ambas as partes. Ao primeiro assegurava legitimidade numa
época em que os ideais cristãos suplantavam os pagãos, e à segunda era
assegurada sua sobrevivência, consolidando-a como igual, em condições, à
Igreja Ortodoxa Grega, de Constantinopla (muito influente por conta do Império
Romano do Oriente, vivo e palpitante até o século XV). Isto faria a Igreja de
Roma estabelecer-se como a suprema autoridade espiritual - com base na
força militar do reino franco-merovíngeo - na Europa Ocidental.

A conversão e o batismo de Clóvis marcariam o nascimento de um novo


Império Romano, pretensamente cristão, baseado na Igreja de Roma e
administrado, ao nível secular, pelo reino franco e pela linhagem merovíngea -
posteriormente traída e derrubada pela própria Igreja.
Com poderosa eficiência, a fé católica foi imposta pela espada, e os traços das
outras igrejas foram, a partir de então, afrontados pela força e
irremediavelmente apagados (em parte) da história; com a sanção da Igreja, o
reino franco expandiu-se para o leste, englobando a maior parte da França,
Alemana e outros países modernos.

Dois séculos mais tarde, a Igreja já era suficientemente poderosa para


achar que a linhagem merovíngea de Clóvis começava a ser um empecilho.
Dagobert II, descendente de Clóvis, foi um rei forte que conseguiu domar a
anarquia que, antes dele, começava a dominar o reino franco, restabelecendo
a ordem, e reconhecendo os interesses políticos e, portanto, cada vez mais
menos espirituais da Igreja. Tanto assim que ele parece ter abortado
deliberadamente as tentativas desta de se expandir ainda mais. E, em virtude
de se ter casado com uma princesa visigoda (cujo povo, apesar de declarar
fidelidade a Roma, tinham um imensa simpatia por idéias consideradas
"heréticas", ou seja, por interpretações da mensagem de Cristo não aceitas
pela ortodoxia latina) havia adquirdo um imenso território, onde hoje é o
Languedoc, região Sul da atual França e base dos futuros Cátaros. Dagobert
parece ter adquirido algumas das tendências arianas que questionavam a
autoridade da Igreja. Com tudo isso, não é de se extranhar que ele tenha
obtido inúmeros inimigos políticos, entre eles seu chanceler, Pepino, o Gordo,
que, alinhando-se com outros inimigos e com a Igreja, planejaram o
assassinato de Dagobert e o extermínio da linhagem merovíngea.
Cabe salientar que, dois séculos após sua morte, Dagobert II foi canonizado,
como uma forma de encobrir a traição visível da Igreja ao pacto que fizera com
Clóvis.

Os Cátaros

Nas palavras da Igreja Romana, no século XII a região do Languedoc


estava "infectada" pela heresia de um movimento considerado por ela como
nocivo, chamado de catarismo pela Igreja de "a lepra louca do sul"(não
suportava a Santa Madre Igreja qualquer concorrência ao seu domínio
espiritual e político nem tolerava qualquer interpretação espiritual fora das
instruções romanas). Embora fosse sabido por todos, em especial nas regiões
adjacentes ao Langedoc, que os adeptos dessa heresia fossem
essencialmente pacíficos e muito estimados pela população local, tendo muitos
nobres ente eles. Tal movimente se constituia, para os doutores do Vaticano,
uma grave ameaça à autoridade romana, a mais grave que Roma encontraria
nos três séculos seguintes, até a chegada de Martinho Lutero. Por volta de
1200, a popularidade do movimento era tal que havia realmente a possibilidade
real de que o catolicismo romano fosse substituído, como forma predominante
de cristianismo, no Languedoc, pelo catarismo que estava se irradiando para
outras partes da Europa.

E, 1165 a Igreja havia condenando formalmente o catarismo na cidade


de Albi, no Languedoc. Daí por que os conhecemos também por albigenses.
Muitas de nossas informações sobre eles provêm de fontes eclesiásticas
católicas, e criar um quadro correto dos cátaros a partir destes documentos é
como compreender a resistência estudantil brasileira, no tempo da Ditadura, a
partir dos relatórios dos militares e do DOI-CODI, ou compreender a
Resistência Francesa, na Segunda Guerra Mundial, a partir dos relatórios da
Gestapo.

Em geral, os cátaros acreditavam na doutrina da reencarnação e


reconheciam Deus não como um princípio com traços antropomórficos
puramente masculino, mas como tendo, igualmente, princípios femininos. Na
verdade, Deus estava bem acima das limitações do entendimento humano (o
que nos remete, em parte, à doutrina dos Druidas e Pitágoras e Platão). Tanto
que os pregadores e professores das congregações cátaras, conhecidos como
parfaits, eram de ambos os sexos. Sendo o ser humano ciração e filiação da
divindade, as polaridades masculinas e femininas não seriam antagônicas, mas
complementares, e, portanto, igualmente importantes.

Seu principal texto teológico era o Evangelho de João e um outro texto


(talvez o mesmo Evangelho de João) que eles chamava de o Evangelho do
Amor. Ao mesmo tempo, rejeitavam veementemente a autoridade da Igreja
Católica e negavam a validade das hierarquias clericais, ou de intercessores
oficiais entre Deus e o homem. Diziam eles que não encontravam em parte
alguma dos Evangelhos justificação para a estrutura eclesial romana. No centro
desta oposição residia um pincípio extremamente importante: a fé só é real se
vivida e sentida como como uma experiência mística direta, sem passar por
uma segunda mão. Além do mais, a única fé real era que que produzisse
obras, e os cátaros ficaram famosos e adquiriram imensa popularidade pela
ação social que promoveram no Languedoc, dando tratamento gratuito de
saúde e educação a todos, e sendo tolerantes com membros de outros credos,
inclusve judeus, que viviam em paz na região. Em tal ênfase na experiência
mística direta e aplicada em uma ética socialista vemos claramente a influência
do neoplatonismo, em especial Plotino no pensamento cátaro, mas talvez seja
mais correto ainda dizer que aqui provavelmente a influência mais direta veio
do Cristianismo puro. Hoje diríamos que os cátaros buscavam vivenciar uma
experiência de comunhão com Deus, ou uma experiência de transcendência,
num domínio Transpessoal, que, antes, chamavamos de místicas. Esta
experiência chamava-se gnosis, que em grego significa "conhecimento", e era
privilegiada sobre todas as outras formas de credos e dogmas pelos cátaros. A
ênfase na experiência direta com o transcendente, o transpessoal, tornava
supérfluos padres, bispos e quaisquer outras autoridades eclesiásticas.
Assim, a Igreja, sentindo-se realmente ameaçada, tomou a iniciativa de formar
uma Cruzada (a primeira dentro da Europa e contra irmãos cristãos ocidentais,
já que cristãos orientais foram trucidados, com as bênçãos de Roma, junto com
árabes e judeus nas estúpidas Cruzadas clássicas à Terra Santa) com o fim de
extirpar de vez com a "heresia" cátara: a Cruzada Albigense.

Em 1209, um exército de mais de 30 mil homens, desceu do norte da


Europa em direção ao Languedoc, no sul da França, para executarem uma das
maiores carnificinas da história humana. Na guerra que se seguiu, a população
tomou a espada e denfendeu com ênfase os cátaros contra o despotismo
católico.

Diz-nos o professor Hermínio C. Miranda que:

"Na verdade, a calamidade que se abatera sobre a região atingia em


cheio também os católicos (locais). E não apenas aqueles que davam
certa cobertura aos 'heréticos' e os respeitvam e até tinham por eles
claras simpatias. Em repetidas oportunidades, a população lutou (e
morreu) unida, contr o inimigo comum - independentes de preferências
religiosas. Aliás, como temos visto, o povo convivia muito bem com os
cátaros, tinha entre eles amigos e parentes e deles recebia atenção,
ensinamentos, assistência social, religiosa e tratamento de saúde,
fossem ou não croyants" (MIRANDA, 2002, p 240).

Igualmente interessante é a observação do escritor H. G. Wells no


volume II de História da Civilização, à página 380:

"E é assim que vemos o espetáculo de Inocência III a pregar uma


cruzada contra esses desafortunados sectários e a permitir o
alistamento de todos os desclassificados, vagabundos e desordeiros da
época, na obra de levar o fogo e a espada, a violência e o rapto e todos
os ultrajes concebíveis aos mais pacíficos súditos do rei da França. As
descrições das crueldades e abominações dessa cruzada são de leitura
bem mais terrível do que qualquer narração dos martírios dos cristãos
pelos pagãos e possuem, além disso, o acrescido horror que lhes vem
de as sabermos indiscutivelmente verdadeiras".

A região do Languedoc, porém, era independente da França, tendo mais


ligaçãos com a Espanha. A cruzada, anexando toda a região à França, além
das barbridades crueis contra pessoas de bem, revoltou ao extremo toda a
população local, incluindo os católicos, que lutaram ao lado e a favor dos
cátaros. Assim, quando finalmente o temido e odiado líder militar da cruzada,
Simon de Montfort – o mesmo cujo nome inspirou um dos sites mais agressivos
e conservadores de católicos intolerantes, na internt -, foi finalmente abatido
(conta-se, quando uma pedra de catapulta lançado por uma guarnição feminina
da resistência lhe esmagou a cabeça), toda a cidade de Tolosa (atual
Toulouse) explodiu de alegria. Uma canção popular da época, em lingua
Occitana, ou "Oc", muito parecida com o português - daí Languedoc, ou língua
de oc - assim comemorava:

Montfort
Es mort
Es mort
Es mort!
Viva Tolosa
Ciotat Gloriosa
Et Poderosa!
Tornan lo paratge et l'onor!
Monfort
Es mort!
Es mort!
Es mort!

Todo o território da região ao redor de Toulouse e Carcassonne foi


pilhado e as cidades e vilarejos arrasados sem dó nem piedade. Foguerias
imensas eram acessas e nelas, homens, mulheres e jovens eram assados em
uma selvageria e sede de morte sem igual. Em algumas cidades, mais de 400
pessoas morreram desta forma "cristã" em uma única noite. Esta febre fanática
constituia o fervor cruzados, pois foi prometido pelo Papa que todos os que
participassem da "Santa Cruzada" por 40 dias e demonstrassem eficácia contra
a heresia teriam não só seus pecados perdoados, como ainda obteriam
benefícios materiais legítimos pelo saque. Só na cidade de Beziers, por
exemplo, 15 mil homens mulheres e crianças foram exterminadas, muitos até
mesmo dentro de igrejas. Quando um oficial perguntou a um representante
espiritual do papa Inocêncio III, o cínico Arnaud Amaury, arcebiso de
Narbonne, como ele iria reconhecer um herege dos crentes verdadeiros, a
resposta foi: "Mate-os todos. Deus reconhecerá os seus". Este ainda escreveu
escreveu orgulhoso a Inocêncio III que "nem idade, nem sexo, nem posição
foram poupados".... Depois os hereges maléficos eram os cátaros....

Ainda assim, os inocentes cátaros e todos os que conviviam na região


sofreram abusos indescritíveis. Mesmo assim, "como nos primeiros tempos do
cristianismo, os cátaros continuavam a pregar suas idéias pelos campos, nos
bosques, em esconderijos e em casas de um ou outro mais corajoso
simpatizante e até nas cavernas, numa trágica simetria com as catacumbas
freqüentadas pelos cristãos primitivos. Não se entregavam, não renegavam
suas idéias, nem mesmo qundo se lhes oferecia a escolha final entre a vida e a
fogueira, ou seja, entre a fé e a morte. A opção de todos - com ínfimas
excessões, uma unanimidade - era pelo sacrifício supremo, sem um gemido,
temor ou angústia" (MIRANDA, 2002, p. 252).

A guerra cruel durou cerca de quarenta anos. Quando terminou, toda a


Europa caiu numa espécie de modorra e barbárie, e a Igreja se impôs, pelo
espetáculo desumano que cometera, como a única legítima representante de
Deus, exercendo poder até mesmo em assuntos civis e de estado, e para ques
e evitasse um ressurgimento da novas ameaças ao domínio da Igreja, foi
criado uma das mais crueis, vergonhosas e desumanas instituições da História:
a "Santa" Inquisição, de triste memória, e que deu nomes de porte de um
Torquemada. Oficialmente extinta, a Inquisição, porém, continua com outro
nome: Congregação para a Defesa da Fé, tendo feito, no século XX, novas
vítimas, entre elas Pierre Teilhard de Chardin e, mais recentemente, Leonardo
Boff. O seu atual mentor se consolida na figura do Cardeal Joseph Ratzinger.
Ainda enção, não queimando mais corpos, ainda pode queimar obras e proibir
idéias nas universidades católicas e nas editoras mantidas pela Igreja, usando
ainda veículos impressos e outras mídias para anematizar que pensar
diferente...

Tendo sedimentado seu total controle na Europa ocidental, a Igreja


dominante constituia-se em uma instituição poderosa econômica, política e
militarmente. Equiparava-se a um gigantesco feudo, e sua organização
impunha uma violenta censura e controle espiritual e intelectual (ou crer ou
morrer), submissão total à autoridade eclesiástica, etc. Em brutal e explícita
oposição ao socialismo humanista dos primeiros cristãos, a Igreja de Roma
punha-se com toda a violência que dispunha contra todos os que
questionassem a legitimidade cristã de tais atitudes.

Um dos movimentos que mais tinha certas ligações com os cátaros era a
Ordem dos Templários, criado na Terra Santa, e que representavam uma
associação militar cristã, oficialmente protetora das peregrinações religiosas e
responsável pela guarda e câmbio de bens, mas igualmente aberta ao estudo e
discussão de assuntos místicos. Mas este é uma outra história, e aconselho o
leitor a clicar nos links abaixo para ler mais sobre ambas as ordens:

Os Cátaros

A Ordem dos Templários

Bibliografia:

Michael Baignet, Richard Leigh e Henry Lincoln, cujo livro O Santo


Graal e a Linhagem Sagrada, Editora Nova Fronteira, 1997, serviu
de inspiração e motivação para esta página

Hermínio C. Miranda, em seu excelente livro "Os Cátaros e a


Heresia Católica" faz um fabuloso e cativante resumo de quase tudo
o que já foi escrito sobre o catarismo. Editora Lachâtre, 2002.

Graham Simmas, Marylin Hopkins e Tim Wallace-Murphy retomam


a temática de O Santo Graal e a Linhagem Sagrada em seu
excelente livro "Rex Deus", aprofundando as motivasções políticas
da Igreja na perseguição aos cátaros e aos templários. Editora
Imago, 2002.
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João Pessoa, 01/01/1997


Revisto em 18/12/2002

(C) Copyright 1997 by Carlos Guimarães

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