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AnoXXVIIII nO148
Maio 2008
R$ 12,00
Resumenen Espaííol
.
A percepção de riscos
e o meio ambiente
U magestãopela
culturadobemcoletivo
Antonio Fernando Navarro e Mônica lopes Gonçalves'
maio2008 23
Discussão Tabela 1 - .Graude periculosidade para o ambiente
Segundo Lima (2002), citando os resultados de análises (extremamente + muito perigoso %) -
efetuadas por rVranuelVillaverde Cabral e Jorge Vala, o Ins-
tituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (lC5) Centrais nucleares 91
lançou, em 2000, um inquérito sobre questões ambientais. Poluição dos rios, lagos e albufeiras 87
Esse inquérito constitui mais uma edição do International Aumento da temperatura do planeta 88
Social Survey progràmme (lSSP), rede internacional de es- Poluição do ar causada pela indústria 86
Questionamentos
Abordando especificamente a questão da percepção de riscos com relação aos
questionamentos feitos aos moradores do Jardim Sofia, como contido na Tabela
4, foram desenvolvidos questionamentos com uma série de perguntas, de caráter
pessoal e algumas genéricas.
3) O que você faria para melhorar a segurança de sua família? Homens Mulheres
Mudaria de local H= 28,6% M= 28,4%
Investiria mais na proteção do terreno H= 30,3% M= 35,2%
Investiria mais na segurança da casa H= 41,2% M= 40,4%
-.,..
, Sim ....- Não F
que denunciavaefeitos ambientais negativos relevantesda Foi sob estaótica e perante a consideraçãoda crescente
operaçãode afundamento. A alternativa de rebocar a plata- universalidade da noção de perigo e risco ambiental que a
forma paraterra firme e seudesmonte geraria uma despesa antropóloga social MaryDouglasiniciou seutrabalho de pes-
extra para a Shell de US$100 milhões. Três mesesapós a quisa sobre perigos.Douglas(1966)estabeleceu,em termos
suspensãodo afundamento, porém, o Greenpeaceadmitiu antropológicos, as primeiras análisesparaa sistematização
um erro de avaliaçãoe refez sua posição: Emboraa aborda- de um conhecim~ntoque pudesseexplicar como os perigos
gem técnica atenda às decisões de caráter exclusivamente sãoculturalmente entendidos pelaspessoase organizações.
técnico, ela mostra-se incompleta quando são incluídos na Apenasatítulo de lembrança,destaca-seque, nessamesma
análise os aspectos sociais. Portanto, deve-seconsiderar a época, paralelamente,desenvolvia-seo pensamentoecoló-
percepçãopública no gerenciamento de risco tecnológico, gico que ganhou força através de uma nova visão, a qual
mas não deve ser a mesma para todos os grupos, pois, as levou à criaçãodasescolasatuais do pensamentoecológico,
experiênciassociaisvariame a seleçãodostipos de atributos conforme se observa em Diegues (1996).
de percepção, e suas respectivas magnitudes, mudam em A continuidade de tal perspectiva de análise veio a
cada situação. fundar, mais tarde, a Teoria Cultural do Risco, ou Teoria
Confiançae credibilidade sãovalores construídos, pau- Cultural, como foi proposta por Douglas em seu trabalho
latinamente, através da coerência e consistência de ações, mais importante, escrito em parceria com Wildavsky(DOU-
competência e ética. Contudo, podem ser rapidamente~ , GLAS& WILDAVSKY,1983). A relevância dessa teoria foi.
desconstruídos se for percebida a incompetência, omissão amplamentereconhecida,e
, mesmoalguns dos seuscríticos
ou manipulação.Os segmentosenvolvidos na comunicação atuais, como Boholm(1996) e Sjõberg(1996), entre outros,
de risco devem perceberconfiança e credibilidade para que , assinalamo quanto a mesmatornou-se influente no campo
o processoseconcluade forma consensual.Oaparecimento interdisciplinar da percepçãoe comunicaçãodo risco.
de incertezascientíficas, em geral por variaçõesnasestima- Deacordo comThompson & Dean(1996),duas posições
tivas consideradasnasanálisestécnicase pelacomplexidade têm marcado as discussõessobre a percepçãode risco. De
das informações, comuns no gerenciamento de risco tec- um ladoestãoos positivistas,que entendemquea percepção
nolÓgico, é um dos problemas principais na comunicação de risco é um conceito puramentecientífico, admitindo uma
de risco, pois provocam, pela desconfiança,uma percepção completa caracterizaçãoe análiseatravésda coleta de dados
pública negativa (DEMARTINI,2005). e do uso de métodos quantitativos. De outro lado estão os
Usinasatômicas,petroquímicas,automóveis, pesticidas, relativistas, que entendem que a percepçãode risco é uma
fertilizantes, enfim, os diversos elementosda atividade eco- reaçãopuramentesubjetiva a um fenômenodentro da expe-
nômica chegaram, ainda que silenciosamente,aos ambien- riênciade vida pessoalou social e organizacional.A primeira
tes de trabalho e moradia, e até mesmo ao próprio corpo, po.siçãoreferenciaobjetivamenteascondiçõesdo munc!ofisi-
atravésdos reflexos de suainserçãona cadeiaalimentar. Éa cd.Jáa segundaassumeuma construçãopuramentemental,
convivênciacom o risco,cujos reconhecimentoe concepção, que expressareaçõesemocionais,moraise políticas(VIEIRA,
conforme lembram Thompson & Dean (1997), são muito 2005).A rigor, Douglas& Wildavsky(1983:5)assinalamquea
mais fáceis para os estudiosos que para os leigos. falta de sincroniaestána raizdo problemacon~emporâneoda
30 cadernosdeseguro
avaliaçãode risco. Porum ladotem-sea possibilidadedo conhecimentosobre o risco
ser certo ou incerto, e por outro há a condição da aprovação de encaminhamento
sobre o risco ser completa ou contestada. A constituição dessa dualidade resulta
em situações onde a solução para o risco pode ser calculada, pesquisada, imposta
ou discutida, ou até mesmo absolutamente aberta e indefinida.
Demodocomplementar,Douglas& Wildavsky(1983)defendemque, em função
do fato de que cada grupo social tem seu próprio e típico "portfólio" de riscos,
são os diferentes princípios que guiam o comportamento das pessoas que afetam
as suas percepções de risco.
No sentido negativo, o risco deixa implícito o perigo de conseqüências adver-
sas e sugere o esforço gerencial para a conscientização de sua existência, para
evitá-Io ou minimizá-Io. Estar em risco é estar vulnerável ao acaso ou a fatores
que provocam danos, independentemente de ações individuais. Evitar o risco é
. tentar precaver-se contra o perigo do inesperado, do não-familiar ou do inusitado.
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Quando visto como algo ruim, o risco incentiva a busca de segurança. Miniinizar
ou reduzir risco são expressões que procuram dar segurança à decisão. Vista
como algo positivo, a percepção de risco:
(1) revela a coragem de arriscar apesar das adversidades;
(2) conscientizaas pessoas sobre ameaças e danos potenciaise reais à empresa; e
(3) valofiza o espírito empreendedor e de prosseguir e se aventurar em direção
ao êxito. O risco chega a fascinar algumas pessoas.
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risco, parte da aventura é ficar amedrontado por antecedência.
A ansiedade tem suas dimensões positivas porque, antes de tudo, provoca a aten-
ção para os problemas, além de gerar comportamentos cautelosos diante do risco
e da incerteza (BECKER,1999;PEURIFOY,
1997; BOURNE,1995; EMERY,2000).
A ansiedade alerta a pessoa e a faz agir no sentido de evitar o perigo ou safar-
se dele. Na realidade, é melhor receber alarmes falsos do que não perceber uma
~ituação ameaçadora. O anúncio do risco traz a ajuda de terceiros. Gerentes se
beneficiam da colaboração adicional. Por essa razão, muitos provocam o medo para
tentar reações mais efetivas e tomar decisões mais radicais, que seriam difíceis
se todos não fossem conscientizados da ameaça iminente. Exageros ajudam a
mobilizar pessoas, mas conduzem a uma percepção mais generalizada do risco
e, portanto, a mais medo e ansiedade.
No entanto, quando se induz ao medo, também se desloca a atenção das
. pessoas de recursos importantes para ações baseadas em ilusões pré-fabricadas.
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Possivelmente,esses recursos se destinariam melhor a Medo e ansiedade
outros projetos da própria organização. Nasteorias contextuais, a ansiedadee o medo são pro-
O medo surge na mente da mesma maneira que apare- dutos de uma relação social com a informação oriunda do
cem os sonhos. Quando pensam sobre possibilidades, as meio externo e processadaatravésde percepçõesindividuais
pessoasimaginam coisastanto positivas quanto negativas. típicas. A ansiedadeaumenta pela atençãoexcessivaa fato-
Como as possibilidades são infinitas, os sonhos e as preo- res verificados na realidade, mastambém por imaginações
cupaçõesevoluem de fqrma interminável e recorrente. Nos de como esses fatores poderiam atingir a própria pessoa
sonhos, as pessoas ampliam seus desejos e encontram negativamente (MOITA, 2005).
alternativas para quase tudo, mas não para a redução da Ansiedade e medo são formas mais intensas de se
ansiedadee do medo. Nossonhos, repete-sea tensão entre demonstrar uma preocupação. O medo está na interface
o imagin"adoe a realidade, e entre o êxito e o fracasso. do mundo exterior com o mundo interior. Exteriormente,
Quanto maior a percepçãode risco, maior a predispo- começa pela consciência de fatores de risco que variam
sição para a ação cautelosa. Se no futuro há imprevisibi- fora do controle da pessoa.O risco é uma probabilidade de
lidades, não se conhecem, na verdade, os resultados das dano relacionado ao acaso: significa uma ameaçaàs insti-
decisões presentes.Ademais, por serem obrigados a ante- tuições, às empresas,às pessoase a seusvalores. Cabeao
cipar, a prever e a agir para o futuro, os dirigentes jamais indivíduo reagir a esses fatores para preservara suaprópria
podem ser inconseqüentese valorizar somente o presente. segurançae a das pessoase instituições pelas quais é res-
Há uma pressãO'paraa cautela, ou seja, evitar o perigo, ou ponsável.Portanto, à consciênciado risco estão associadas
reduzir a exposição a fatores de risco. a percepçãointerna da pessoasobre a sua vulnerabilidade
A percepçãosobre perigos, em grande parte das vezes, a essesfatores e sua capacidadede reaçãoexitosa. Assim,
pouco tem a ver com as referências e os dados coletados pode-sedizer que o medo administrativo compõe-sede três
sobre o problema.A possibilidade de haverdanos é normal- elementos básicos:
mente menor do que a imaginaçãodas pessoasao tomarem Percepçãode risco:a consciênciade que algo negativo
decisões e, portanto, a percepçãode risco é maior do que ou danoso pode acontecer.
a realidade demonstra. Vulnerabilidade: o sentimento de que a própria pessoae
Apesar de existirem situações materiais de perigo, o sua organizaçãopodem ser atingidas por essesfatores.
risco é, antesde tudo, uma percepçãoindividual e umacons- Capacidade de resposta: seos recursosdisponíveise as
trução mental. Os estudos mais profundos sobre percepção habilidades gerenciais serão suficientes para tratar com
de riscos sociais,originados na perspectivacognitiva, presu- êxito a incidência desses fatores sobre a organização.
mem o risco como subjetivamente definido pelo indivíduo, O medovaria na medidada alteraçãodesses três fatores.
e influenciável por uma variedade de fatores psicológicos, Por exemplo, quanto maiores as habilidades e as competên-
sociais, institucionais e culturais {SLOVIC,2000). cias para a resposta, menor a percepção de vulnerabilidàde,
Portanto,a percepçãode risco tem suadimensãointerna e, portantõ, menores são a preocupação e o medo. Se cres-
e subjetiva; a maneira como as pessoassentem e atribuem cem os sentimentos de vulnerabilidade e de incapacidade
pesoao risco influenciaos comportamentosadministrativos de resposta, aguça-se proporcionalmente a intensidade do
defensivos e preventivos (STARR,1969; SLOVIC,1987). medo. O medo é a preocupação com o risco e a incerteza
32 cadernosdeseguro
Referências Bibliográficas:
rão a ser mais precavidosao construírem suas residências.
BAYERISH, R., ed. Risk Is a construct: perceptions and risk
Os ribeirinhos de rios que costumam alargar seu leito em perception. Munique, Knesebeck, 1993.
épocas de cheias, como na região amazônica, costumam BECKER,G.Virtudesdo medo: sinais de alertaque nosprotegem
da violência. Rio de Janeiro: Rocco, 1999. .
edificar suas casas sobre
.
estacas
"-
de madeira (palafitas), BOHOLM, A.Risk perception and social anthropology: critique
precavendo-se dos fenômenos de alagamento. Nesses casos, of cultural theory. Ethnos, 61 (1-2): 64-84.1996.
BOURNE,Edmund. The ansiety and phobia workbook. Oakland:
os indivíduos praticam a prevenção de riscos. New Harbinger Publications, 1995.
Entendemos que" como nem todos os cidadãos têm essa DE MARTINI, Jr. L. C. A comunicação de riscos na emergência.
Revista Saneamento Ambiental, n° 49, p. 46-50. Disponível em
sensibilidade para as questões ambientais, cabe aos órgãos http://www.cienciaviva.ptlrede/risc02004/materiais/guiao. Ddf.
públicos oferecer as orientações adequadas, assim como Acesso em 02/03/2005.
DIEGUES, A. C. S. O mito moderno da natureza intocada. São
fiscalizar as ocupações de espaços urbanos feitas de modo Paulo: Hucitec. 1996.
inadequado, de maneira a prevenir as populações contra DOUGLAS, M~& WILDAVSKY,A. Risk and culture - An essay on
the selection of technological and environmental dangers. Berkley:
riscos aos quais possam estar sujeitas. University of California Press. 1983.
Deve-se ter em mente que, muitas vezes, as pessoas DOUGLAS,'M. Purlty and danger: an analysis of concepts of
pollution and taboo. London: Routledge & Kegan Paul. 1966.
têm a correta percepção para os riscos, mas não têm como
EMERY,Jean-Luc. Sunnontez vos peur. Paris: Odile Jacob, 2000
construir suas casas em locais mais seguros, ou já não (primeiraparte).EnglewoodCliffs,N. J.: PrenticeHall,1980.
mais encontram espaços disponíveis nas áreas onde podem FAGGIONATO, S. Percepção ambiental. Disponível em: !Jtm;il
educar.sc.usp.br/bioloaiaYtextos/m a txt4.html. Acesso em
pagar por um lot!!de terra. "I.ambém nestes casos, cabe aos 22/03/2005.
FERNANDES, R. S.; GORZA,L.S.; LARANJA, A. C.; PELlSSARI,
órgãos fiscalizadoresdefiniráreas destinadas a essetipo de
V. B.; SOUZA, V. J. Como os Jovens percebem a questão
ocupação urbana. Todavia, nem por isso devem ser vistas ambiental. Disponível em: http://www.acrendervirtual.com/ver
de modo diferente. noticia.phD?codiao=48. Acesso em 22/03/2005.
LIMA,L. Percepção de riscos ambientals. Instituto de Ciências
Deve-se criar a cultura do bem e do mal coletivo, Sociais da Universidade de Usboa (ICS). Boletim de Divulgação,
março de 2002. Disponível em http://www.ics.uI.Dtlasp/boletins/
principalmente nás questões ambientais. Ações isoladas boI5/boletim5.htm. Acesso em 22/03/2005.
podem ser nefastas a muita gente. Esse talvez seja o MOTIA,P.R.M.Ansiedade e medo no trabalho: a percepção do
maior recado. ~ risco nas decisões administrativas. Disponível em: http://unDan1.
un.orglintradoc/groups/DUblic/documents/CLAD/clad0043637 .
" ...m!!.Acesso em 08/03/2005.
PERETTI-WATEL,P. Soclologle du rlsqué. Paris: Armand
Colin, 2000. \
34 cadernosde seguro
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