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SrRGio Costa DO'S ATLANTICOS TEORIA SOCIAL, ANTI-RACISMO, COSMOPOLITISMO Belo Horizonte Editora UFMG 2006 TRANSNACIONALIZANDO A SOCIOLOGIA UN BALANGO PROVISORIO E chegado 0 momento de juntar as muitas pontas do argu mento desenvolvido nos capitulos anteriores, de sorte a avancar na busca de categorias que serio retomadas no exame da alianga anti-racista Brasil-Estados Unidos. Para tanto, busca-se, primeiro, aprofundar as teses de Stuart Halle Paul Gilroy, expoentes dos ‘chamados estudos culturais negros britanicos, sobre a articulacdo de diferencas, ressaltando-se, ainda, as esferas de mediacao entre contextos locais ¢ transnacionais indicadas pelos dois avtores. Em seguida, busco cunhuar 0 conceito “contextos de agao trans- nacionais’ como categoria analitica voltada para 0 estudo de processos sociais, culturais € politicos, cuja abrangéncia e l6gica interna nao guardam relacio direta com as fronteiras dos Estados- nagao, como € 0 caso da rede anti-racista em tela, discutindo, ainda, alguns dos desafios que a multiplicacdo desses contextos presenta para as ciéncias sociais. ARTICULAGOES DA DIASPORA Stuart Hall e Paul Gilroy evitam definir um lugar soctal prévio para a emancipagao social, externo € anterior as “articulagdes discursivas” — como fizeram 0 marxismo com o recurso 20 proletariado ou a teoria critica, através, por exemplo, dos conceitos de razo comunicativa (Habermas) ou reconhecimento lonneth). Hes se véem, por iss, confrontaclos com dificuldade de, entre as miltiplas articulagdes e rearticulagdes das diferencas {le gener, de classe, etnies, racias, cults), clistinguir aquelas «que reproduzem as eategorizagies hegeménicas caquelas que subvertem essencialsmos e acscrighes Por isso, para aval buscadh reproduz as eategorizagdes heyemdnicas os se, a0 contririo, presta-se 4 artculacio de novas diferencas, os autores recorrein historia €, mais paricularmente, a historia dos movi mentos anti-racisias como ponto de fuga pani a construgio de sua. perspectiva critica, Permita-me reproduvir, separada a mancira como cada um dos dois autores formula seu posicio namento epistemologico, de alguma maneira, se 4 identificagio STUART HALL E A POLITICA DE REPRESENTACOES Oesforco de reconstrugio empreendido por Stuart Hall se volta ‘mais especificamente pant hist6ria dos movimentos anti-racistas no Reino Unido, a partir dos anos 1960. O eixo analitico da empreitada cencontra-se apoiado, fundamentalmente, nos conceitos “politica de representacdes” ¢ “novas etnicidades A rigor, Hall distingue dois momentos na resistencia cultural contra 0 racismo. © primeiro coincide com a fase em que o termo black foi cunhado como referéncia comum a experiencia cle marginalizacao e ds priticasracistas dominantes. A estratégit dla resistencia combina, nesse periodo, a lua pelo acesso 0 direto de consirucio das proprias auto-representagdes, “contrapondo A marginalidade, aos estereétipos e & imagem fetichizada’, um conjunto de imagens ‘positvas’ do negro” (Hall, 1996c: 442). O foco da resisténcia a0 racismo, nessa primeira fase, é definido Por Hall como o campo das relagées de representacio (relations Of representation) em oposicio 20 que predomina na segunda fase e que ele chama de polticas de repreventacio (polities of representation), A idéia de politica de representacio remete 3 constituigao discursiva do social e implica entender representa ‘¢20 niio como expressio e apresentagao paiblica de realidades & relagdes pré-constituidas, mas como momento constitutive das relagdes sociais. A politica de representacées semete, por isso, a ‘uma intervengao voltada para influenciar os termos mesmos em ue © social se constitui (Hall, 1997b, 1997c) Essa segunda fase caracteriza 0 momento em que a resistencia anti-racista interage com os discursos do pés-estruturalismo, pds. modernismo, psicanilise e feminismo, observando-se o que Hall 2 define como “o fim dt inocéncia”, quill seit, o reconhecimente sgoria black & uma consirugio politica € cultural, que nao pode ser fundads num conjunto de categorias racials fixas de nature trnscultural ou transcendental ou que encon {rem suporte na naturez” (Hall, 1996c: 443). © fim do sujeito centrado — black people— como uma ttalichide postivafosca 0 movimento anti-ricista « deparar-se com a questao da diferenga € da differance, nos termos tratados no capitulo anterior. Ito é, se as formas de representago racistas organ alte as & ontoldgicas — preto ou branco, bla ch or bri limitar a representar positivamente aquele que € representado como inferior nessas Polaridlades, € preciso desmontar 6 proprio sistema de represen. tages — dat a aposta na politica de representagdes. Isso implica reconhecer ¢ assumir plenamente a heterogeneidade ¢ o des- centramento do sujeito, buscar a différance miitipla no interior da diferenca bindria (branco/preto) e recuperar as intersegoes centre raga, classe, género e ctnia. & precisamente na articulagao dessas dilerengas — todas elas méveis, cambiantes, construidas no momento de sua manifestago discursiva — que 0 sujeito da resisténcia anti-racista pode se constitu. jzam © mundo em ingas bindvias, £3 Aqui, a categoria etnicidade, alts, novas etnicidades, ganha relevincia, uma vez que a categoria da nome precisamente a esta forma de articulagio mével das diferengas. Com 0 atributo “novo", Hall busca enlatizar © processo de autoconstituicao da identifi cagio, diferenciando, assim, as novas etnicidades de identidades adscritas como a nacionalidade ou a relago rigida de pertenga a um determinado grupo étnico, conforme postulado em muitas formas de expresso do multiculturalismo, Conforme Hutchinson ¢ Smith (1996), a expressin emicidade (ethmicity) suoge na lingua inglesa nos anos 1950 como forma de denominar 0s tragos comuns entre os membros de um deter- minado grupo étnico. Os autores distinguem duas correntes no debate contemporiineo sobre etnicidade, o primordialismo e © instrumentalismo. Para os primordialistas, conforme essa taxono- mia, a etnicidade possui um carter vinculante € involuntario, ela antecede, ontolégica e cronologicamente, o proprio individuo. O8 instrumentalistas, a0 contririo, entendem que a etnicidade & um recurso social, politico e cultural, do qual os individuas langam mao, de acorclo com “suas habilidades pessoais para cortar e misturar, a le de herancas étnicas e culturais, forjando, partir de uma varieda n3 assim, suits identidades indlividuatis © de geupo" (Hutchinson. Smith, 1996: 6, grifos ucrescentos, vejt, também, Wade, 199 12 ef seq.). Segunclo pettence & corrente instrumentalists, enominacao que, confusin entendo, nao fitz ustica so trabalho do autor, Afinel, Hall recusa tanto a visto primordialista, ji que esta ofusc: o carter contin: gente das fronteiras culturais, quanto a leitura instramentalista etniciclade, visto que os instrumentalistas supéem, implicitan @ existéncia de um sujeito centrado que precede a cinicidade e 6 capaz ce manipul 08 éthicos de acordo com sus clas. Isso nao parece estar contido na nog de novas etnicictades proposta por Stuar Hall. Trata-ée, aqui, de um ponto de intersecio mével e provisério de detertninadas marcas cultti- iis ou corporais e nao de um amlgama capaz de incorporar € neutralizar, definitvamente, todas as demais diferencas. Quando se Parle da diferenciagao primordialistas/instrumentilistas, ha cuas alternativas: ou se supde que a etnicidade preexiste e situa as pessoas, culturalmente, no mundo, ou se admite a existéncia de ‘um sujeito que é anterior a ctnicidade e que forma atitonomamente stia propria identidade cultural. As idéias de Hall representam, aqui, luma terceira possibilidade, uma vez que, para o autor, sujeito & ‘etnicidade se constituem de forma simultinea e reciproca. Portanto, novas etnicidades sao formagoes discursivas contingentes que Pemnitem que um sujeito se articule e se posicione, conforme as Circunstancias © possibilidades existentes,! termos dessa classiticacan, Stuart Hall A afirmacio de Hall de que novas etnicidades se constituem de forma miiltipla e varivel é demonstrada, de forma exemplar, ‘em suas anilises sobre a formacio de (novas) etnicidades negras 1no Reino Unido: ‘Ora, € pata a diversidade e mio para a homogencidade da expe- riéncia negra que nds devemos diigir nossa atenclo qualifieada € ctiativa. Nao se trata simplesmente de apreciar as diferengas cexpetienciais e historicas, lento e entre as comunidades, regioes, ‘campo ¢ cidade, culturas nacionais ¢ didsporas, mas tambem de Feconhecer outros tipos de diferenga que enquadram, posicionaan € localizam os negros. A questao nao € simplesmente que, como as diferengas raciais nto nos constituem plenamente, nds somos sempre diferentes, negociando dlversos pos de diferencas — de enero, de sexualidade, de classe. Trata-se também do fato de {ue estes antagonismos nao podem ser claramente alinhados, cles no sto meramente redutiveis uns aos outros, eles nao podem ser Ihinlicdos num unico eixe de diterenciagao. Nés estamos sempre fem negoringio. nao com um conjunto Unico de oposigdes gue nus posiciona sempre na mest relage ns Com Os Oultos, Ms sim com una série de clferentes posicivnalidades (pasicionalties) (Hall, 19964: 473), ANG aqui, trttouse da politica de representagdes como um Posicionamento do sujeito para além dos sistemas de classifica- to baseados em dlferenciagdes binarias. Hall mostra, contudo, que intervencoes planejadas podem promover transformagdes 710 interior dos sistemas hegem@nicos de representagio. Conforme © autor, homens negros sao representados de forma ambivalente pelos briténicos brancos. De um lado, se atribui aos negros um dese € intelectual Hmitado, infantlizando-os; de outro, cultv fantasia de que negros sto hipersexua. dos (oversexed). & politica de vepresentagao busca, nesse caso, introduzir 9 ruido e a diivida nesse sistema de certezas, nao necessariamente combatendo de frente os esterestipos. Pode- se também buscar ressaltar a dlferenca adscrita subentendida, denunciando, através de sua explicitagio, sua existéncia. Essa estratégia de disputa cultural fica evidenciada no exemplo de ‘uma exposicdo fotogrifica, explorado por Hall. Alise mostravam ‘negtos com penis agigantados, de tal sorte que o espectador que compartilhasse tacitamente da fantasia do negro oversexed via-se flagrado em seu preconceito. © apelo as representacées do corpo no dizem respeito a um caso isolado do tipo de estratégia de transformacio vislumbrada por Hall. A politica de representagdes utiliza, de forma genera- lizada, 0 corpo — sua estlzagio, sua performatividade € sua (reconsttucio simbélica — como veiculo privilegiado de sua viabilizagao. Nés voltaremos ao tema, nto mora PAUL GILROY E O ATLANTICO NEGRO A referéncia 20 Atlintico Negro como contexto cultural cons- ttuido a partir do tfico de escravos da Africa para as Américas nao é propriamente nova ou recente. Essa idéia tem uso consi. grado na histriogratia do periodo colonial e & complementar 2 pr6pria nocao de tngulo atlantico enquanto expressi0 das relagées de poder e dominagio, bem como da citculacto de pessoas ¢ mercadorias no Ambito dos tts continentes: Africa, us Nao obstante, na acep Negro ganha us aprofundamento e uma conotagao politica mative que ainda no haviam sido adequaclamente explorads. © primeira sentido conferide a nocio de Attintico Negto. por Giltoy € de natureza empirico-descritiva e remete do processo Droposte por Gilroy, a ickéia Atlantica, dle difusito ¢ reconstrugto dle uma cultura negra que acompanha © movimento da didispora alricana? um projeto pan-africano que enfatizasse uma permanente volta As origens culturais na Africa. Ao conttitie, Gilroy € etitico a0 afro-centrismo € mostra que as manifestagdes culturais no Ambito do Atlintico Negro sto sempre recombinacies e reinvencoes, artictlagées, cujo sentido politico nao se prende ao grau de fidelicicle com que se busca reproduzir as origens comuns, © que importa sto as possibilidades que surgem de producao de novas formas de comunicagio e de compartilhamento inter subjetivo de experiéncias e das novas criagdes. Nesse sentido, a referencia ao Atlantic Negro como expressio cultural da didspora afticana desafia as concep¢des puristas de uma identidade e uma cultura atemporais, produzidas e reproduzicas fora de contextos sociais cfetivamente existentes. Ipsis verbis, 10 se trata, contudo, de Didspora ¢ um conceito stil porque ele especifica a pluralizagio € 0 traco nao idéntico (nonidentit)) das identidadles negras sem celebragdes precipitadas. O conceit implica a possibiidade de {G08 Comuns, mas sio tragos comuns que nio podem ser dados ‘como gatantidos. identidade tem de ser demonstrada em relagao 4 possibilidade akernativa de diferenciagio, visto que a l6gica dia diéspora impoe o sentido de temporalidade e espacialidade, © quill ressalta 0 fato de que n6s no somos o que nés fomos (Gilroy, 1995: 23), Sto varios os lagos ¢ as estruturas que garantem a circulagdo cultural no Ambito do Antico Negro. Os mais evidentes sae as relacdes simb6licas ¢ materias efetivas entre os trés continent como fica evidente no caso destacado por Giltoy (Gilroy, 1998 249) dos negros britinicos que mantém uma estreltarelagto con © Caribe & buscam, por essa via, reconstruir ¢ reinventar suas Pontes com a Africa, Cabe destacar aqui o surgimento de um mercado tansantlntico para a cultura pop negra. Esse mercado Suinge em conexio com “platias brancas" e tem participacao importante na construgio de uma estética negra e, mais do gue isso, na retraducio dessa esté a como referencia “positiva, na ie medida em que se confere a chanceta de cool, Aquile que & reconhecide como traco expressivo de uma moa black, seja no Ambito da estilizagao dos cabelas, seja na combinagao das roupas, etc, (Gilroy, 1995: 247) © consumo coletivo de miisica & um pilar central do Atlantica Negro. As I € também 6 radio ¢ os clubs funcionam como disseminadores de um certo “idioma cultural negro” Gilroy, 1995: 252), Ao reconhecer a polifonia e o papel do consumo € co mercado na produgao da estetica do Atlantico Negro, Gilroy nao se rende, contudo, 20 ceticismo pés-moderno que busca deserever a cul tur negra como pastiche e parddia cespolitizadas. Ao contririo, destaca que, desde a época da escravidao, preocupagses ético” politcas profundas circularam no espaco cultural do Atlintico Negro, como restemunham a5 muitas rebelides le escravos.e, de forma ainda mais enfitica, a Revolugio Haitiana, contemporanea 2 Revolugio Francesa Mesmo o lugar da misica no Ambito do Atlantico Negro pre cisa ser compreenclido nessa perspectiva historica. A importincia da mifsica ¢, juntamente com ela, as formas de danga e movi- mento niio podem ser entendidas, conforme Gilroy, sem que se considere a impossibilidace de comunicacao através da palavra ‘Ao eseravo que se encontrava exciuido do mundo civil burgues corganizado em tomo do didlogo, restava o proprio corpo como meio de manifestaca0 e comunicagao. Isso nos leva ao segundo uso que Gilroy faz do conceito de Atlantico Negro, qual seja, © sentido politico-normativo Nas palavras do autor, 0 Atlantico Negro corresponde a uma dimensio esquecida ca modernidade e a escraviciao, uma filha bastarda que a hiswria moderna seaupre procurou esconder. A Feconstrugiio da histéria da didspora africana implica mais que estender € aprofundar os direitos e possibilidades de participagio dos descendentes de escravos no marco da politica contempori- nea € no ambito da esfera piblica burguesa. Em consondricia com © complementarmente aquilo que fizeram as filésofas feminists, tuata-se de colocar em discussio 0 proprio processo de construgao a politica moderna enquanto espaco privilegiado de represen- tagio dos interesses e das visdes de mundo do homem branco. Assim, na medida em que a politica contemportinea rege-se pelo império da palavra, pels imposigio da separac2o entre ética € esiética, performance e racionalidade e aparece circunserita 20 as de discos slo uma espécie cle arquivo popular, 17 mbito (lo Estado-nagito, deckle-se previamente jogo police -m favor daqueles que, por forga de sua insercio na histéria modems, puderam controlar os mecanismos de proxtugio e reproducao dos discursos dle pader consi cuca Pstado-nac clos legitimos em » especifico, » A historia da dlidspora africana, ao contririo, se desenvolve fora da Gsbita da politica formal, se valendo fundamentalmente da performance, da dang e da miisica como forma de sua cons: tituiclo, Por outro lado, desde sus origem, a didspora africana nio péde ser reduzida e setraduzida a dinamica nacional da politica contemporanea, Ao contririo, sempre se verificou uma tensdo entre a busca de homogeneidade étnica no contexto de ages modemas © « presenca de escravos negros ¢, depois, de seus descendentes, tratadlos como inferiores © ameagas 208 projetos nacionais. Decorre dessa posigao particular aquilo que Paul Gilroy, referindo-se a Du Bois, chama de dupla consciéncia dos negros no ambito da modernidade. Trata-se de uma inserco ambivalente na historia, caracterizada, por um lado, pela inclusio cfetiva no proceso de construgao da modernidade e, por outro, pela exclusto sistemética da vida politica no ambito dos Estados. nagdes. A critica 2: modemidade, no ambito da formacao politica cultural que Gilroy chama de Atlantico Negro, segue uma estra- ‘€xia igualmente dupla: busca estender a panicipacio dos negeos no interior das esferas publicas e das sociedades civis nacionais 40 mesmo tempo que coloca em dtivida a propria legitimidade desse marco politico, revelando seus problemas congénitos. Essa stratégia cupla reflete-se nos dois ebdigas politicos que convivem em tensdo, no Ambito do Atlintico Negro, quais sejam: a politica da satisfacao de necessidades e a politica da transfiguragio, A Primeira forma aceita as regras do jogo politico institucional, bus- cando pragmaticamente fazer cumprir as promessas de incusio tratamento igualitério a todos os grupos, acima das adscrigdes racistas. A politica da transfiguracto opera com o registro da ‘imaginagao ut6pica, se alimenta nos rituais de confraternizagao ¢ solidariedade e nao ¢ traduzivel nos termos da politica institucio- nal. Nao se trata apenas de um contradiscurso modemo, mas de uma contracultura que denuncia as fissuras da modernidade 8 A politics da satisfac ide necessicades (polities of fulfilment) picid por deswerdentes de escrvos Sociedhide eivil burguest cu panda que (.) & mpr as promessus de sua propria ‘qual demanilas por objetivos como, 40 racional dos pro- ceessos prociutivos poxdemn ser expresses. (.) Propane chamar de politics de trnsiguragio, acompanhando o exemplo sugestivo de Seylt Benhabih, a invoc ncia de dlesejos,relagdes sociais e moclos de associacdo le referencias wopieas, Pst onfatiza ualltativamente novos tanto no interior da comunidade racial de interpretagio © resistencia quanto entee sores de outvora (.) A politica da satisfaco de necessidades se ccontenta Fundamentalmente em seguir racionalidade ocidental fem sew prdiprio jogo ocidental. .) A politica da transfiguracdo tempenha-se em perseguir o sublime, lntande por repetit o irre petivel c apresentar o inapresentivel. Seu foco hermenéitico de alguma forma distinto volt-se para © mimética, 0 dramatico € o performativo (Gilroy, 1993: 37 et seq, grifo no origina) te BeUpO € O8 6 A sugesto de Gilroy € que se tome a contracultura do Atlintico Negro nao simplesmente como mais um repertério de mail (es antsticas e culturais, dssociadas da politica, mas como um discurso filosofico que reinterpreta a modernidade e reconta sua historia, a partir da perspectiva de quem sempre esteve fora das narrativas nacionais com seus herbis brancos. Isso nao implica, vale insistr, reificar a pertenca a difspora nem uniformizar as ‘experiéncias miltiplas que as constituem, O que ha de singular € ‘comum no ambito do AtlAntico Negro, para Gilroy, no é qualquer vinculo primordial ou biol6gico entre os membros da diéspora negra.“ Nao € 0 compo negro, em seu sentido fisico, absoluto, que aproxima as vidas na didspora, mas formas similares de traducao dos processos de exclusio e discriminagao aos quais (08 possuicores de um corpo nearo estiveram ¢ esto submetidos nas sociedadles moderna: *O fendtipo nao tem qualquer sentido natural anterior a seus c6cligos culturais e historicamente muta veis. © processo de significagio Ga tinica questao que importa” Gilroy, 1997: 29) CORPO E DIFERENGA UMA BREVE DIGRESSAO Ao buscarestudar os nexes entre corpo, iferenga e representagio, Gilroy © Hall prestam uma contibuiglo inestimvel a sociologia contemporinea que tende, conforme entendo, a construir um falso 19 paradoxo entre dus visous dominantes, aambas equivocas. Trata-se aqui, de umn lado, da visio herdadk de Fouesuil, & ‘um compe passivo, mero objeto do poder discipli remete a or, de outro, da visto hedonista, pés-modema, de um corpo infinitamente moldavel pelas escolhas subjetivas® ——* Os tabathos de Gilroy © Hall, ao con io, introduzem uma izada do corpo, mostrando sua importincia central lucio de representagies que congelam as sociais cuanto nas estratégias de “resisténcia sub: Com efeito, jf descle seus primeitos es importante pa tos, Fanon, inspira’ 1 Gilroy e Hall, chamou a atehgao para essa inser so corporal da definigao do outso que passa a ser “sobtedleter minado, absolutizadlo, a partir le um lugar exterior: "Je ne suis as Vesclave de ‘idee’ que les autres ont de moi, mais de mon appatiitre. (.) Je suis fixe” "Bu nao sou 0 escravo da “idéia' que (68 outros tém ce mim, mas de minha propria aparéncia (..) Eu sou fixado"] (Fanon, 1965: 113, orig. 1952). O corpo constitui, aqui, a Ultima barreira, a instancia inassimilavel, inocultavel, aquilo que se toma como diferenca irredutivel para a construco das relagoes de opressio, No corpo, as relagdes de dominagao so tomadas visiveis, conferindo-se materialidade (visual) a hierarquias racistas construfdas culturalmente. Conforme atestam Aschroft etal. (1995. 322), a construgao do outro, como inferior, se da edi mais dirt ais direta e imediatamente quando diferengas superficiais do ‘corpo € da voz (cor da pele, forma ds olhos, textura do eabelo, forma do corpo, lingua, dialeto ou sotaque) so interpretaday como sinais indelveis da inferioridade “natural de seus por tadores. Ao mesmo tempo, o corpo € parte inseparvel do processo de articulagio do sujeito que se opse a dominagao, Isto €, a articulagao da différanceapresenta uma dimensio corporal bvia Posicionar-se é, em alguma medida, performar-se, manifestar-se Presente com 0 corpo scus movimentos. Nao existe, nos sistemas de representagdes, uma posicio neutra para 0 corpo, © corpo sempre um signo ao qual se atribui significado, Re-significar as relagdes de opresstio — sexistas, racistas, etc — nao significa, contudo, necessariamente, produzir represen. taedes do corpo diametralmente opostas as dominantes, como ho wefiea que fizesse parecer positive 1 jogo de revelagao foto tudes ac vice-versi, A simples inversio das representagoes comtem ardis diversos e produ, no fundo, a continuidacle ct subaltemidade izat” 0 que ilo que, na representago dominante, 6 n ‘Trata-se, por isso, mats propriamente, de “destin parecia tivial, produzir 0 ruido de sentido, introduzir a divida € desestabilizar representacdes dadas como absolutas (Ashcroft; Griffiths; Titfin, 1995; Hall, 1997a), A complexidade e dlficuldade do tema foram adcquadamente compreendiclas por Gilroy ao discutir as ambivalencias associadas A exposicio de corpos de negros nos meios de comunicagao de massa. © autor observa, nos tiltimos anos, uma mudanga substantiva simbolizada pela diminuig2o paulatina das aparigies de dancarinos de breakdancing € pelo emprego crescente de negros em filmes comerciais, sobretuclo, em antincios de artigos esportivos. Enquanto a danca break mostrava um corpo negro “quebradico, maledvel e vulneravel" (Gilroy, 1997: 23), a imagem revelada pelos antincios esportivos é a de um corpo negro super- poderoso — no limite inumano — que desafia perigos e vence adversirios. Ainda que sejam valores supostamente positivos que aparecem projetados sobre 0 corpo negro, nesses casos (forea, poder, vitalidade, virlidade), as imagens produzidas reafirmam as adscricbes raciais, na medida em que, de alguma maneira, asso- iam tragos fenotipicos com propriedades e capacidades inatas No lugar de diferengas articuladas € negociadas, tém-se, aqui, atributos que slo fixos, fixados, dado nao pertencerem A 6rbita da cultura, mas ca biologia. £ como se a exclusto dos negros da esfera publica burguesa, antes determinada pela invizibilizacdo, continuasse agora pela hipervisibilidade. © corpo negro, antes ocultado, € agora exposto como diferenga imedutivel, Contudo, esse corpo que agora se expe pouco tem a ver com o sujeito que se articulou no bojo da resisténcia & marginalizacio e 3 invisibili- zagio, Trata-se de um corpo esvaziado de seu contetido hist6rico € de seu apelo subversivo ou contestatério, ele tem apenas uma existéncia visual e sensorial, é uma combinagio arbitraria de cor, forma € movimento CONTEXTOS TRANSNACIONAIS DE AC. oO Acumulimos, até aqui, um conjunto rizodvel cle categorias que buscam responder ao desafio de prestarse: sto estudo de Processos sociais que mio podem ser circunseritos ao Ambito der Fstadlo-nagito, unidade analitica por exceléncia clas ciencias sociais modemas. Algumas categorias buscam clescrever a dindmica d transformagao global, outras, identificar e nomear sujeitos, figuras € estruturas que vém se condensando © que no podem ser subsumidas as fronteiras cle um tnico Estado-nacaio. Cosmopoli- tizagao, globalizagao da reflexiviciade ow hibridizago constituem exemplos de categorias do primeiro tipo, Sociedacle mundial de cidaelaos, sociedade mundial de riscos ow diéspora sio categortas clo segundo tipo, ‘As categorias de primeiro tipo apresentam uum defeito congénito aravel: buscam condensar amplo espectro de transformagoes reunidas sob a rubrica globalizaglo em uma tnica dinamica ou movimento, Ou seja, mesmo que enfatizem o carder nao-linear das transformagdes em curso, tanto Beck, quanto Giddens ou Picterse parecem, respectivamente, acreditar que cosmopolitiza $0, reflexivizaglo e hibridizacao expressam e resumem 0 grosso dos processos abrangidos pela globalizacio e indicam, de modo satisfatéri, a diregao que a transformacio global ver seguindo, © que se quer sugerir € que as transformagdes presentes sao de uma multplicidade radical, e qualquer tentativa de descrevé-las, através de uma categoria tinica, mesmo que abstrata e flexivel seleciona, arbitrariamente, algumas dinimicas, deixando a des coberto outros movimentos igualmente relevantes. Por isso, nao se deve procurar um eixo principal de transformacto, em torn do qual orbitariam todas as demais dindmicas. Ha que se con. viver com a impussibilidade de agrupar as transformagoes em curso sob um tnico conccito e aceitar o cardter diverso, plural € fragmentario destas. Do ponto de vista analitico, isso 80 sig- nifica, naturalmente, a capinulagio dlante da complexidacte da slobalizacao, implica, contudo, renunciar& tentacao reducionista de fundir varias dindmicas numa Gnica categoria. Na verdade, siio necessérias virias categorias para explicar processos que sie mnltiplos e ndo assimilaveis uns aos outros Entre algumas das categorias que buscam descrever novas festruturas transnacionais que vém se formando, verifica-se 0 mesmo vicio metodolégico de apresentar elementos que sto na parciais & pontuais como se fossem resultado de um movimiento convergente e totalizante. Assim, quando Habermas se refere a publico europe amit sociedade mundi de um espaco piblico europe ou a unit soc cidadios — outros autores preferem a expresso Sociedade civil global (Costa, 2003b) — ou Beck aventa a sociedade mundial de riscos, somos levaclos a acreditar que a globalizagao, em sua completa abrangéneia, ¢ um movimento que desemboca na for- magio, no Ambito mundial (ou supra-regional, como na discus- juivalentes funcionais para sujeitos & lano nacional. Esquece-se aqui o cariter slo sobre 4 Europa), de estruturas existentes no radicalmente descentrado da globalizago, pora e, mais especificamente, Em contrapartida, a idéia de. Atlantico Negro, na forma como a desenvolve Gilroy, mais condizente com o carater miltiplo das estruturas que vé se desenvolvendo. Com efeito, se se compara 0 conccito desen- volvido por Gilroy as idéias de sociedacie mundial de cidadaos ou sociedade mundial de riscos, percebe-se que a idéia de Atlantico Negro tem a vantagem, por razdes dbvias, dle evitar a totalidade, além de levar a sério as tensdes entre as dinamicas nacionais € transnacionais. Explico-me. ‘Conceitos como sociedade mundial de cidadaos e sociedade muindial de riscos s20 construidos como deducao de processos observados no contexto de sociedades nacionais particulares, Entende-se que a globalizagao leva (ou deve levar) a que eterminadas formas de organizago civil, proprias das sociedades de industrializagao pioneita no chamado Atlntico Norte, se expandam por todos os espacos geogrificos e sociais do globo. Fsses conceitas padecem, conforme ja mostrado nos capitulos anteriores, de um déficit hist6rico e historiogrifico evidente, além de descunsiderarem as tenses entre os niveis geugratius Ue analise. Isto €, 0s niveis local, nacional e global sto tratades como complementares € anflogos, sem que se busque fundamentar ‘empiricamente esse tipo de percepcao. Imagina-se que a sociedade mundial de cidadios ¢ a sociedade mundial de risco coristituem, analiticamente, meras extensées de seus similares nacionais apresentam, portanto, as mesmas caracteristicas morfol6gicas € ccumprem fungées nosmativas semelhantes aquelas desempenhadas pelos correlatos nacionais. Ademais remetem a totalidade da sociedacle mundial, enquanto tratam, na vercade, de um fragmento desta, 23 Ao contririo, « idéia de dkispors ¢, mais marticularmente didsport aficina ow negra & unui categoria autolimitada, 4 qual mio busca exgotar v explicar todo 6 conjunto variade de dindmicas de integragio transnacional. A didspora é expressiva dia experiéncia de um grupo particular é que tem uma hist6- ria especifica. Nao 6 fendmeno que nasce com a globalizagae recente, mas que remonte to teifico negreiro e que acompanha como sombra toda «historia moderna. A pluralidade dos processos em curso impde que as catego fias para uma teoria social pos-nacional sejam ultilizacas com mesma parcimdnia ¢ prudéncia metodoldgica com que se usa © conceito “diaspora”. Isto significa reconhecer que, de fato, ha ‘um conjunto variado de dindmicas em curso, que nao podem ser reduzidas a um movimento ‘nico, conforme sugerem conceitos como cosmopolitizacto, reflexivizagio ou mesmo hibridagao. Por outro lado, cabe tomar os atores que atuam transnacionalmente © que reivindicam para si o titulo, por exemplo, de sociedade civil global ou de sociedade mundial de cidadios, nao por sua auto-representagao. Trata-se de um contexto de aco particular € nao de um sujeito representativo das demandas civis globais, Da mesma forma, por exemplo, a sociedade mundial de riscos, constituida por aquele conjunto de estruturas € atores que per- cebem e tematizam, transnacionalmente, as ameagas globais, representa um outro contexto de aco particular. O fato de que os atores aqui referidos atribuam a si a tarefa de delegados de uma causa supostamente global no muda o dado empirico de que © interesse, por riscos, por direitos humanos ou pela equidade de .género € particular © nao um tema’ que mobiliza toda a sociedade: mundial. A rigor, os termos sociedade mundial de riscos ou sociedace civil global confundem, na medida em que sugerem uma referéncia a0 conjunto da sociedade mundial, enquanto, na verdade, constituem uma rede de comunicacio especifica ou no melhor dos casos, uma rede de redes especificas. Os atributos ‘mundial e global cumprem, contudo, objetivos claros no contexto dos discursos politicos e tedricos em que aparecem: sio parte do proceso de constituigao das redes particulares que se valern dessas adjetivagdes como forma de se autolegitimarem como Portadores de pretensoes de validade universais. As didsporas negra ou judaica, os “espagos sociais transna: cionais"” formados no Ambito dos movimentos migratérios, a sociedade mundial de riscos, ou a sociedade mundialde cidadiios 4 constiticm exemplos clo que sostaria de chamar aqui de contextos lransnacionais de ago. A seguir, busco expliciar esse conceito, dliscorrentlo sobre jologia e os problemas dle DINAMIC: E MORFOLOGIA nto tém nem u (Os contextos transnacionais de agt ater ritorialidade nem uma temporalidade definida: podem ser tanto aniculagdes ad boc como estruturas duraclouras. Os diversos contextos transnacionais de ago apresentam como elemento comum 6 fato de que, em seu Ambito, as referencias nacionais aparecem ou diluidas ou deslocadas de seu contexto territorial dle origem. Tal nao implica, necessariamente, uma postura critica em relacao 4 nagio € ao nacionalismo, As désporas de imigran- tes constroem seus vinculos de solidariedade e pertenga, nao raro, sobre o festejamento da patria de origem. Em outros casos, contextos transnacionais de acio importantes podem surgir em tormo da defesa ca soberania de um Estado-nagiio particular, como foi o caso do movimento de solidariedade & independéncia do Timor-Leste (Almeida, 2002). Nao obstante, em ambos os casos verifica-se o desacoplamento entre a manifestago nacionalGsta) € o territério do Estado-nacio referido, Na situagao mais comum, 6 contexios transnacionais cle a¢ao nao se constituem através de referencias nacionais, mas de temas, estratégias e objetivos que ‘nao podem ser ciccunscritos a um Estado-nagao particular, (Os contextos transnacionais de agao abrangem atores, est turas de acao e discursos." No que concerne aos discursos cabe destacar 0 papel de conceitos polissémicos, muitos deles de cunhagem recente, 08 quiais funcionam como catalizadores da busca do traco comum € dos interesses ¢ objetivos partilhaveis. ‘Com efeito, termos como empowerment Alvarez, 1998), desenvol- vimento sustentivel (Nobre, 2000) ou cidadania mundial (Vieira, 2001) constituem referentes difusos que podem ser decodifica- dos € reinterpretados indefinidamente, permitindo a articulacao de sujeitos, « partir de constelagdes de interesse, muitas vezes, pouco conciliéveis e/ou de possibilidades de entendimento comunicativo adversas — como, por exemplo, no caso em que falta aos interlocutores uma lingua comum para se comunicarem. No interior dos espagos de aco transnacionais, as assimetrias de poder preexistentes nao sto, obviamente, suspensas. Flas se fazem 125, presente na dk me mas estruturas ce agin, nt medida em que se pode, através do controle dos mecanismos de Financiamento ou de organizag:ao dks acdes, intl © dindimica dos contextos transnacionais Ue acio, iar a agend Do ponte. de vista cultural, os estedos el ais negros como se chi a ‘articulagto” entre dinamicas locais e globais, no ambito dos contextos de ago transnacionais, Com efeito, Hall, ao estudar as ovas einicidades, e Gilroy, quando descreve o Atlintico Negro, desenvolvem categorias que buscam decodificar 4 complexidade dos processos envolvidos nas interagées culeurais transnacionais Assiin, quando tratam, ch nov “cultura negra” evitam qualquer referencia a homogeneidade ¢ unidade. Mesmo que os autores idlentifiquem um conjunto de tendéncias gerais que marcam as novas etnicidades negras, enfatizam que as conformacdes locais dio Atlintico Negro sao sempre diversas € plurais. Em cada contexto particular, a “diferenca” que nao esti assente na cor negra da pele, mas na resisténcia ao lugar subordinado que a historia e a sociedade modernas impuseram aos negros, adquire rnovas formas de expresso. Trata-se de uma relacao dupla entre © Atlintico Negro e a experiéncia nacional moderna: ao mesmo tempo compartithamento e critica, confianga e davida. Come, hipotese geral que orienta a presente investigacio, gostaria de formular que esta tensio imedutivel entre as dimensoes local, nacional ¢ tfansnacional parece ser prépria nao apenas ao espaco de agdo do Atlantico Negro, & recorrente em varios outros coniextos transnacionais de acio. Uma outra listo para o estudo dos contextos transnacionais de 2620 provinda dos estudos culturais negros envolve as relagdes entre corpo ¢ diferenga. Conforme mostrou Gilroy, a politica da Giispora negra, por exemplo, sempre envolveu danca, perfor. tnance € & apresentagao do corpo como meio de sta expresso, uma vez que o negro encontrava-se, de saida, excluido da esfera Ublica dial6gica, fundada no intercimbio de argumentos. Isso impoe romper 2 falsa antinomia entre discurso e performance, ética e estética, De alguma maneira, os novos contextos trans, Aacionais de aco slo igualmente marcados por essa fusio das dimensoes discursivas e simbélicas da politica? 126 A QUESTAO DA LEGITIMACAO 8 contextos teansnacionais de age covsistem am com os espagos nacionais. Estes nexos ficam explicitos nos isos day redes (cinsnacionais de movimentos socials, em torno s, promovendo bandeiras 20 ambiental ou o resp das quais se mobilizam grupos diver. aldace de género, a prote 40s direitos humanos. Essas aniculagdes colocam una questio como a i ito wa, quail seja, 0 tema fundamental para a politica contempo da legitimacdo. Afinal, os contextos transnacionais de a¢ rituem instncias de formacdo da opinito ¢ da vontade politica sobre temas que, em geral, s6 podem ser objeto de decisoes vinculantes em contextos nacionais particulares As solugdes que vém sendo apontacas, no Ambito da teoria demoeritica, para as dessincronias entre os processos de forma ‘0 politica € da opinido que tém lugar nos contextos transna- Cionais de aco € os mecanismos predominantemente nacionais de formacao da opiniio da vontade vém segundo, em geral, dois caminhos. Quando se trata da integragao p6s-nacional, no interior da Europa, a sugestao € que a Europa se transforme, toda ela, numa grande nagio, unida em torno de uma tnica esfera piiblica, de sorte que seja recosturada a coincidéncia, vale dizer, a superposicao, entre 08 espacos de formagao de opiniao e os de implementacio das decisdes. Nesse caso, ficaria restabelecida a possibildade da plena soberania popular orientada pelo principio da autolegislagio, de tal modo que as regras e politicas presentes na vida comum sejam sempre definidas diretamente pelas popu- lagbes conrespondentes, No contexto mundial, em contrapartida, a idéia de que se possa chegar a uma soberania popular mundial é abandonada Em seu lugar, teni-se evocado, em geral, um conjunto de ga rantias e pardimetros minimos para a convivéneia intercultural, aos quais se atribui, ora uma legitimidade imanente, ora uma legitimidade conferida por sua sincronia com uma improvavel sociedade civil mundial (ver, por exemplo, Beck, 2004; Held, 1995; Brunkhorst, 2002). Conforme discutido anteriormente neste livro, tanto os projetos de superacao do deficit democratico no interior da Europa, quanto 08 programas para uma democracia cosmopolita, apresentam um Conjunto variado de insuficiéncias analiticas teéricas. Gostaria de comtribuir com esse debate, sugerindo, em consonancia com ro clindmnicas que vém send cfetivamente observacas na politic Kea questao da Jegitimayao imposta pela emergencia clos contextos transnacionais de acto seja solucionadla de outro nolo. A rigor, quan ilo os atores envolvidos nos contextus tins. nacionais de agao provém de Es los-ndcao democriticos, nos quais existem mecanismos regulares cle formacio da opiniao ¢ dla vontade, © problema da legitimacio no se coloca, Afinal, conforme se pode observar, paradigmatic transnacionais de movimentos soc casos, mecanismos cle comunicagzo, mediacao e tridugtio entre os Contextos transnacionais de acao e as respertivas arenas politicas acionais. Isto é, discutidas por um grupo restrito de ativistas, € através das estruturas das esferas. pal questocs titadas nos contextos trans epercussio € mente, nus redes S nacionais que as acionais de ago ganham 10 processadas, politicamente, submetendo-se, assim, 20s mecanismos de formagao de opiniao e de legitimacao de decisdes préprios aos contextos nacionais (Costa, 20024: 162 et seq.; veja, também, Tarrow, 2005). O problema da legitimacao surge, efetivamente, quando se trata dle Estados-nagdo, nos quits nao ha mecanismos democriticos de Formagao da opiniao e da vontade. Isto 6, a questio que se coloca liz respeito as possibilidades de implementar e legitimar garantias ‘minimas, como os direitos humanos, em Estados nacionais que ao sao regulados pelo direito democriitico. Nesses casos, as ex periéncias recentes das chamadas guerras humanitirias parecem suficientes para mostrar que 0 apelo moral aos anseios de uma Sociedade civil mundial ou a aspiragdes cosmopolitas abstratas serve sempre para ocultar interesses particulares: de Estados na, cionais, grupos economicos, etc. Aqui, parece-me que, a despcito de seu carster ainda incipiente e falivel, a unica instancia que Pode legitimas intervengoes concretas no Ambito das fronteiras de Estados soberanos, ainda que nilo democraticos, é 0 direito inter. acional positivo. Isto é, se ndo se quer fazer a politica mundial refém do uso instrumental que Estados nacionais hegeménicos ¢ grupos econdmicos poderosos fazem do discurso “humanitario a discussio sobre as possibilidades, por exemplo, de proteger uma determinada populagio nacional dos desmandos de um Boverno tirinico tem de se deslocar do nivel da legitimidade ara o da legalidade: legitimas sio apenas aquelas agées que, nos tenmos do direito internacional, sio legais. Iss0 nao implica, obviamente, idealizar o direito intemacional como esfera infensa 28 as disputas © assimettias de poder da politica mundial, Nao obstante, tase, aq ce uma estrtura que apresentaalguma forma de limite & mera instrumentalizagio © manipuktcdo, © que imo iicamtece com o discurso hummanitirio, ao qual recorrem, com Anistia Internacional ¢ © Pentigono a mesma Cnfase retsrica, (Brunkhorst, 2005) uma outst dimensto do problema dos contextos trans. Hii que se analisr, ain i a legitimagio que surge com a mutiplicaga macionais de ago. Trata-se da complesa relacio entre politica © cultura. 4 questio que se coloca & precisamente sobre a forma como se dia articulagao entie culture politica, ou, mais especi- ficamente, entre formas culturais de vida e aspiragoes de justic Visto nto existit, no plano dos contextos transnacionais de acio instincias medidora esfera publica e a sociedade ci- Vil. A solucio para © problema apontada por Habermas apela, entendendlo-se que a modemizacto impoe as “demais regides do mundo 0s desafios culturais da secularizagao e da individua- lizagio, repetindo o processo vivido pela Europa, a seu *devido ‘empo". Dessa mania, a mediagdo entre formas cultura de vida © aspiragdes de justiga Se desloca dos processos ce formagio da opiniio e da vontade para uma filosofia evolucionista da hist6ria modema, como se a determinadoestigio de desenvolvimento da ‘modemidade correspondesse, necessariamente, um certo nivel de secularizacao e individvalizacio, a0 qual estariam associadas, por sua vez, determinadas concepeées de justia € a insttuigdes correspondentes."® On, mutiplcidade de ria pas a moderidade squids clas diferentes sociedades nacionais e regionais particulates € carter imerdopenerte como se desemelve a moderne nas diversas partes desautorizam qualquer tipo de superposico entre escalas de desenvolvimento material, formas de vida aspiragdes de justica. O desafio analitico que se coloca é preci- samente 0 de desvendas as formas de mediacao entre os eontex- tos tansnacionais de agio e a multiplicidade de formas de vida ros diversos contextos locais € regionais. Isso implica entender, por exemplo, como aspiragdes por justica de genero ou émica formuladas nas mobilizacdes transnacionais dos movimentos feministas ou indigenas podem ser ancoradas junto as formas de vida especifcas nas diversas regioes, Ha, aqui, certamente, ‘uma pressio para que experiéneias regionais de concretizaciio de 29 das aspiragdes de justica, consideraas bem-sucedlidas sejam teproduzidas nas demais regioes, sobretudo quanclo esse lexperiéncias foram vividas naquelas regides mais ricas e de maior poder de influéneia dentro clos contextos pransniacionitis de aga, A despeito das pressoes, o que se bserva, contudo, & que os contextos transnacionais de ago ni funciona como correits de transmissio para a simples ttansposi¢io de forms coneretas de vicla cle uma regito a outra, mas como contextos dle negociagio € rearticulacao de diferengas. Isso significa que as reivindicagoes Por justica que citculam nos contextos transnacionais de cao sao, a0 longo de sua tematizagio, por assim dizer, desenraizadas dos contextos culturais concretos em que abstrata, se disseminam, através dos ati wergem, Nessa forma tas, clas organizagtx locais e clos meios de comunicagao, as sociedacles naciona e A008 contextos locais. F nessas arenas que essas reivindicagoes S20, interpeladas em sua aspiracio de universalidade, induzindo, Jocalmente, processos de inovagio cultural ¢ social 130 A AGONIA DO BRASIL HESTICO Gostaria de introduzir 0 estudo de caso sobre a rede anti racista Brusil/Estados Unidos a ser desenvolvido neste e nos préximos capitulos deste livro, relatando dois fatos ocorridos ‘os tiltimos anos. primeiro epis6dio se desenrola na sessio de 18 de setem- bro de 2003 do Supremo Tribunal Federal, ocasiao em que os ministros debateram a condenacao do editor Sigfried Ellwanger, considerado, entio, uma das mais importantes decis6es da his- {6ria daquela casa. Em consonancia com o inciso XLII do artigo 5 da Constituigao Brasileira, 0 Tribunal de Justica do Rio Grande do Sul havia confirmado 0 enquadramento de Ellwanger pelo crime de racismo, considerado, pela lei brasileira, inafiangavel imprescritivel. © processo contra o editor havia se iniciado em 1989, a partir de dentincia do Movimento Popular Anti-Racismo MOPAR, formado pelo Movimento Negro, pelo Movimento Judaico Independente ¢ pelo Movimento por Justiga e Direitos Humanos de Porto Alegre, Ellwanger é conhecido internacionalmente como anti-semita € “editor revisionista” (IDGR, 2003). O recurso da defesa que estava sendo julgado naquela sessto do STF pedia a suspen- sao da condenagio, apoiando-se num argumento, prima facie, singelo, mas que, ao longo do processo, demonstraria alguma forca persuasiva. Sustentava-se que os ataques de Ellwanger “se dirigem aos judeus € os judeus (..) no constituem uma raga” (Milman, 2003). Se 0 argumento fosse aceito, o editor teria que ser absolvido j que o crime cometido deixaria de ser caracteri- zado como racismo, passando a ser tratado com ofensa moral €, como tal, jé prescrevera

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