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Lee te eee Para a compreensio do passado e descoberta de caminhos para a interpretacio do presente. CT ee T. A. QUEIROZ, EDITOR PENSAMENTO POLITICO CLASSICO (da Universidade de Sé0 Paulo) ‘Tamas Szmrecsinyi (dla Universidade Estadual de Campinas) Sétie2.* — TEXTOS, Volume? O PENSAMENTO POLITICO CLASSICO (Maquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu, Rousseau) Organicacao, introducao e notas de CELIA GALVAO QUIRINO (do Departamento de Citneias Sociaisda USP) MARIA TERESA SADEK R. DE SOUZA (do Departamento de Ciencias Socials da PUC) ‘Sto Paulo Capa: ‘DEPTO. DEARTEDA TAQ ‘eirlaneets omen gunsn nas ‘Rua Joaquim Floriano, 733-4." (04534 So Paulo, SP ore Direitos reservados TA. QUEIROZ, EDITOR, LTDA. 1980 Impress no Brasil Sumario Introdugao 1 1. A primeira figura da filosofia da praxis — Uma interpretacto (Claude Lefont) 5 2. Sobre. légica da forea (Claude Lefort) 27 3. Hobbes: 0 problema da interpretagao (W.H. Greenleaf) 49 4, 0 Bstado ea religido (Leo Strauss) 75 5. O mecanismo social no Estado civil Raymond Polin) 93 6. O individuo eo Estado (Raymond Polin) 107 1. Os fundamentos econdmicos da politica de Hobbes (William Let- win) 103 8. Indlviduo e comunidade Raymond Polin) 131 9. A teoria de Locke sobre a propriedade (J.W. Gough) 165 10. A separagao de poderes e soberania J. W.Gough) 183 11. A teoria poltica e social dos “Dois tratados sobre 0 governo" (Peter Laslett) 207 12. Como Montesquieu classifica as sociedades em tipas e espécies (Emile Durkheim) 237 13. Asidéias pollticase morais de Montesquieu (Joseph Dedieu) 249 14. Montesquieu — a razdo construtiva (Bernard Groethysen) 291 15. Doisplanos e duas leituras (Paul Vernigre) 305 16. © contrato social e a constituicao do nitico (Emile Dur conte igdo do corpo politico (Emile Durk- 17. A questdo de Jean-Jacques Rousseau (Ernst Cassirer) 379 18. 4 teoria de Rousseau sobre os formas de governo (Bertrand de Jou nel) 479) formas de 3c (Bertrand de Jouve- i | Bogan 41 a Introducio tal ponto que as cesquecimento, ‘Assim, parece-nos ser_um empobrecimento do conceito ‘exemplo, a afirmacdo e mesmo o ensino jé cos lade de que o liberalismo é apenas a ic yminante, necessaria ao desenvolvimento do capi \do periodo. Como tal, seria um pensamento reacionério, de um estudioso da importancia de a), seu raciocinio néo é de novos enfoques em torno do politico, as significagSes especificas de cada um em cada situacio, 2 — InRopUGKO. bem como a prépria transformacao do significado dos conceitos so temas atuais e que merecem ser repensados. A historia das politicas nao & apenas a historia das ideologias. Seu conhecimento nos permite penetrar no amago da cién- Montesquieu, Rousseau, estavam preocupados com desvendar a qu ta0 fundamental da ciéncia politica. Em toda parte, todo o tempo, homens dominaram homens. Por que, e para qué? Em torno destas perguntas, ¢ tentando responde-las, os cientistas politicos debatem-se até hoje. E, sem duvida, pelo fato de tentar resolver esta questo fun- nagdo, uma dada estrutura de pod Assim, qualquer teoria politica & a expressdo do seu mundo ¢, necessariamente, trds também em si mesma um convite & ago. Acao que tanto pode ser no sentido de aceitar, preservar ou le ‘status quo como no de I » & tranisformagio ou 4 revo- updo. Isto é, toda a¢do politica implica obrigatoriamente criar, trans- formar e conceder poder a alguém. E claro, também, que todo pensador politico faz a critica da sua realidade politica, ¢ ¢ evidente ainda que esta critica e suas proposi- Ges aparegam como ideologias que muitas vezes expressam as as- iragbes de uma camada, de uma classe, de toda uma época. Mas, nenhum Maquiavel, nenhum Hobbes, nem mesmo um Locke, com sua logica meio capenga, pode ser visto apenas como um idedlogo do seu mundo. ‘As questoes politicas, tanto as tebricas como as que indicam uma aco, levantadas por Maquiavel, por exemplo, sfo as do nosso mundo moderno. Para nio falar na figura do “Principe”, compreen- ido das mais diferentes formas: & um individuo, € uma classe, € um partido, € todo um povo, é o estado? Esta discussao é tao atual e to importante como sua visto da burocracia, dos exércitos nacionais, dos perigos da tirania e dos possiveis desmandos da democracia. Pensadores como Maquiavel, Hobbes, Montesquieu, Locke ¢ Rousseau, seus temas e as formas de discuti-los, sao ainda relev: pois a questo fundamental permanece: por que existe e € a acaio? E verdac InTRoDUGAO — 3 Parece-nos, insistimos, ser to verdadeira a contemporaneidade dos classicos que ¢ sempre com referéncia ao que elaboraram que 0 debate politico, académico ou ndo, tem seu universo de desenvolvi- ‘mento, Afinal, para s6 citarmos um exemplo, onde encontraremos os, fundamentos da discuss tao acalorada da comp: igualdade e liberdade, nos séculos XIX e XX, sendo em seau? Este tipo de exemplo poderia ser multiplicado ao infinito; porém, basta-nos por ora salientar que a discussdo dos classicos nfo se ‘esgota num mero gosto por erudig4o. Ao contrério, a reflexio sobre as Lematicas classicas ¢ um desafio para a compreensto do pasado & sugere caminhos para a interpretacao do presente. ‘A nnecessidade de uma obra como esta nos foi sugerida, antes de nada substitui a leitura dos préprios autores classicos. Felizmente, ja possuimos boas tradugdes de suas obras, o que sem diivida permitiu lum acesso mais facil e amplo a textos que até poucos anos atrés cir- culavam entre um niimero bastante restrito de leitores. Um segundo asso, pareceu-nos, seria a apresentacao de uma coletinea onde pen- sadores mais modernos, traduzindo diferentes tendéncias filos6ficas, apresentassem sua visdo das problematicas levantadas ¢ discutidas pelos pensadores politicos classicos. Nao s6 nao ha nada, ou quase nada, traduzido para o portugués, como o acesso a uma bibliografia importada é problematica, A essas dificuldades, deve-se acrescentar 0 cardter sempre bastante simplificado e nao rar da maioria dos manuais sobre a histéria do pensamento pol Certamente o leitor desejar saber porque escolhemos estes autores e estes intérpretes. Se a justificativa da escolha de Maquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu ¢ Rousseau pode parecer mais, ‘verdade ela somente 0 & na medida em que ja se tornou tradicao nos cursos sobre o pensamento politico classico sua leitura e discuss. Na verdade, cada um destes pensadores 56 é cléssico porque retrata em sua obra sua época e, também, porque em igual medida desenvolve {quest&es e encaminha respostas que sao paradigmaticas. E este caréter de classico ¢ de contempordneo presente na obra de cada um dos autores selecionados que nos interessa sublinhar. Ou seja, as questBes iscutidas pelos cldssicos sto relevantes porque ao mesmo tempo em ‘que 86 podem ser compreendidas no interior do mundo que Ihes deu Vida, extravasam aquele mundo, colocando-nos diante de elaboragSes 4 = intRopugdo no superadas, de um pasado que ndo pode ser visto como um amon- toado de coisas mortas sepultadas. Elegemos como critério de escolha das interpretagdes que iriam compor nosso livro aquelas que fossem “‘exempl Devemos deixar claro, portanto, que os textos incluidos nilo podem set vistos como capazes de esgotar 0 assunto. Nao fosse pela limitagao aconselham que esta obra seja lida sobretudo como uma pri- ira contribuigao para estimular um debate por si s6 significativo, ‘Além da exclusio de intérpretes, o leitor também notaré uma selegio interna nas obras escolhidas. Nossa intengdo foi retirar dos comentadores escolhidos aquelas passagens que dissessem A problemética mais geral do classico em questo ou a0 as- a. Deste modo, nao raras vvezes excluimos de extrair textos que embora parciais ndo prejudicassem a interpre- tagao do autor. is, que os autores apresentados nesta coletinea divida alguma significativos, porque “‘exem- Célia Galvao Quirino Maria Teresa Sadek R. de Souza ‘Sao Paulo, outubro de 1979 A primeira figura da filosofia da praxis] Uma interpretagio de Antonio Gramsci! CLAUDE LEFORT* Antonio Gramsci propde interpretar a obra (de Machiavel] tornando cida pelo discurso maquiaveliano no seio do discu este tltimo determinado pelas condigdes econdmicas onde seus protagonists. Todavia, talvez cometamos um engano que é a posi¢ao de um pensador marxista. Est interrogé-la apenas se supuséssemos de Marx, mais ainda, se a supuser 6 PENSAMENTO POLITICO CLASSICO bilidade de definir a posigao do destinatario pela definicao do ob- ‘Se supusermos — entendamo-nos — que Maquiavel descreve os meios usados pelo fundador de uma tirania, nao se poderia dai con cluir que se dirige aos tiranos sem se demonstrar que a posigao do lirano abre o acesso ao real para 0 di 0 tiranos ou, de maneira :0. Mesmo supondo-se que a wvel que todos aqueles que o compreendem pos- 1" proveito dele; essa mesma necessidade, observa ainda Gram- ode ser constatada quando se vé como a burguesia usa 0 discurso de Marx, pois este Ihe ensina a conhecer a ldgica de seus interesses ¢ 0s -xigidos pela conservacao do poder. Para saber qual é 0 :0 a quem Maquiavel se dirige € preciso procurar no cenitio capacita para relacionar sua ago e seu pen- os do realismo — conseqiientemente, aquele ‘que nao possui somente o poder de explorar esta ou aquela ligao do discurso, mas que pode apropriar-se dele, alguém cuja auséncia deixaria o discurso sem objeto, incapaz de surgir. Ora, é bem verdade que aqueles que detém 0 poder politico a servigo da classe dominante estdo predispostos ao realismo.* Gover- nar impde a necessidade constante de avaliar uma situagdo em termos de relagoes de forca, tanto no que respeita a vida interna do Estado ‘quanto no que concerne as relagdes de Estado com Estado. Todavia, ‘essa disposigdo ao realismo € sempre contrariada. Com efeito, 0 poder 86 € considerado legitimo pelos siditos enquanto mantém a ficg2o da Iei, estando continuamente constrangido a dar a razao de suas apdes, azo que por nao ser a sua vem sob a mascara de Deus ou da vontade Universal: deve exercer a violencia numa bruma de justiga e piedade tecida pela imaginacao coletiva. O realismo, portanto, permanece secreto, pois, se proclamado, destruiria o fundamento de sua auto- )sapor que Maauivel aa em wa ‘quem mo sabe ate pee vx para so dos que oe pede acl soma soli dfs do tempo, a elit. Je que natn na radio de homens de govern, po toda aang qu asin sek tamtr no qual pretomanam irene desea 0 finan, adgue ase {Gnteuent os caraterescapotavealst.” IA DA PRANIS — GRAMSCI— 9 lade, A verdade que Ihe é propria nao pode ser exposta ao olhar de massas. Como, entdo, imaginar que Maquiavel lhes dest seu. te a ob aS cama cee een do s da luta social, ¢ porque se dit queles a quem o poder la nao compreenderam que, por pouco que sejam, os tes estao com o Poder ao seu alcance e qual o prego de sua nquista. Maquiavel se dirige, portanto, as massas de seu tempo, & ’s como um Savonarola, profeta desarmado, ou como um So- 1em de Estado sem Presenga, paralisado por escrapulos apaz de opor violéncia a violéncia dos adversarios — ou. es ee ing empresa io el que, embora no nem por isto deixa de estar : ompa, pela io tom, com o conjunto de uma exposi¢do aparentemente ins- somente pela preocupagao de conhecer e dar a conhecer as con- FILOSOPIA DA PRAXIS — GRAMSCI — 11 jira os burgueses em torno da ditadura, pela idéia de um sacrificio do interesse particular ao interesse geral, quanto 0 bolchevis- sinar4 ao proletariado a virtude de uma nova obediéncia a a disciplina coavocada para destruir aquela que Ibe € imposta por vondigao presente, comporao as encarnagdes modernas do prin- c; figuras nas quais 0 povo decifrard os tragos de sua prépria his- pessoas atuantes s quais sua f@ daré poder para transformar 0 jo. Sem diivida, a mediagdo mudard de aspecto ao mesmo tempo arefa que a fez nascer. Do principe-individuo ao principe- vai sendo elaborado e cada vez mais associa rento e sentimento; porém, a fung&o do mediador perma- c. A cada vez, é 0 agente de uma vontade particular cujos m os so como que regulados a distancia por uma vontade univer- miseraveis tiranetes que, para usar asticias e violéncias, contudo s6 sabem rastejar ao rés de uma Historia privada de sentido, mas a um homem de virnd, sem tradicao dinastica, sem raiz no mundo da feudalidade, ocupado apenas com a conguista do poder e a quem é importante dar a conviegio de que tera 0 povo a seu lado. Tudo se "a. como se Maquiavel dissesse a esse condottiero far sua ambig20: se quereis 0 poder e submeter massa convosco, quaisquer que sejam os meios empregados, pois a se proclama para um longo tempo que a vontade de um povo espera ‘encontrar expresso na de um individuo. Neste sentido, como esereve Gramsci, 0 Principe € um mito — na acepedo soreliana do termo — A obra de Maquiavel nao se do século XVI: continua a ‘quando Maquiavel invoca I invocagio recobre um { burguesia italiana, destinado a fazé-la tomar consciéncia ela é e do que deve ser,'a reuni-la sob a forma de uma vontade idade entre os fins ¢ os meios da Revolugdo, se a idéia de le sem classes, de uma democracia completa, de uma insparente a todos os olhares parece desacreditar o partido sua existéncia e em sua estrutura ¢ atividades, estabelece € lum poder especifico de mando, ¢ — sugere Gramsci sem Se 0 ensino de Maquiavel for reduzido as dimensées de uma época, julgar-se- que conheceu a necessidade de uma alianca entre a burguesia ¢ a monarquia absoluta, convencido de que uma nao po- deria abrir caminho para a ascensao sem deixar a cargo da out cuidado de apagar todo particularismo. Porém, essa descoberta im- plica uma percepcao nova da Histéria. O sentimento da necessidade de uma tarefa histérica anuncia uma nova relagio do homem com a sociedade. Compreendendo que um povo deve consentir em certos sacrificios para emancipar-se da tutela da classe dominante, que deve accitar a mediagdo de um principe para alcangar sua prépria unidade, Maquiavel, com efeito, esboca um “realismo popular””,* cuja de- finigao se formar mais precisa nas condicdes ulteriores da luta de clas- ses. Seguramente, a constituig&o de uma vontade col jo nao pode ser diferente do que €, que 0 inge, em cada etapa, um impulso cuja le, € preciso que se relacione com um agente ide — fora medida com outras forgas — um outras formas, mas seguiré o mesmo curso: as massas d chefes capazes de visar a objetivos determinados, de an: a precisamente que doravante cada ago € concebida ou nociva, virtuosa ou criminosa, tendo como ponto de ‘ncia o proprio principe moderno e sirva para aumentar ou en- cenergia a agao deles, mesmo quando esta contradi flagrante as normas da moral tradicional. Tant de maneira ismo,’ que imperativo categérico, torna-se 0 fundamento de um 12 — OPENSAMENTO POLITICO CLASSICO, mo" moderno ¢ de uma completa “laicizagao” de toda a vida e de todas as relagdes tradicionais."” ie80, © marxismo permite reencontrar 0 sentido tmaguiaveliana, mas est, por sua vez, 20 ser alcaneada faz inteng4o marxista seja melhor conhecida. Cada qual em seu lade conturbada pela expansto da burguesia ou do proletariado, desigualmente conscientes das exigéncias da Historia, Maguiavel ¢ Marx conduziram a filosofia da praxis & expressao. Sem iivida, fica por conta de Marx a descoberta de que a realidade social & Indo mais fun atividade produtiva, que 0 progresso dess lade criava as con- digoes de novas relagdes, que as classes n&o cessavam de lutar para ad- Quirir ou conservar o estatuto que Ihes havia feito obter ou que Ihes rometia 0 papel por elas exercido no espaco econdmico; e desta obser- vagao, péde induzir que as propriat época atribuiam um alcance universal tinham a fungdio pratica de le- sitimar o estado de fato. Porém, se é exato que seu ensinamento cul- mina na idéia de que a Historia, com’ 0 advento do capitalismo, cria condigdes para que os hi elevem a plena consciéncia de seus fins, que a luta de classes engendra necessariamente, na sociedade moderna, uma luta pelo poder cujo sucesso esta ligado a0 desenvol- vimento da vontade coletiva, entao, pode-se julgar a obra maquia- veliana como uma prefiguragao do marxismo. Que a realidade seja praxis significa, neste nivel, que o presente & apreendido como aquilo que adveio pela agao dos homens e que apela para uma tarefa; que 0 conhecimento de nosso mundo nao pode ser separado do projeto de transforma-lo; que o verdadeiro e o falso, o bem e o mal s6 adquirem uma determinacdo enquanto termos da agao revolucionaria; que na sua forma acabada a realidade ¢ a politica. Considerada como um enigma quando encarada como um arranjo de meios destinados & conquista ou & conservagio do poder, numa indiferenca mais ou menos confessada por tudo quanto nao sitva a essa nidade quando reconhecida como o lugar ond nificagdes, elaboradas em todas as ordens da at 3 uma série de indices que fazem do campo do possivel a medida do conhecimento, da previsto e da decisao. jondria mostra-se, entdo, fundada necessa- sseS tanto quanto, em seu exercicio, necessa- riamente distante da vida da classe ascendente; desenvolve-se num es- 10. mide, pt FILOSOFIA DA PRAXIS — GRAMSCI — 13 ‘que embora esteja ordenado no seio de um universo cultural (0 esta menos rigorosamente circunscrito pelas jas da conquista e da conservagio do poder. Sem duivida, as igdes histéricas determinam alguns de seus tragos. Na €poca con- vontade do proletariado é a de uma classe de um gé- famente novo cuja natureza é tal que sua emancipagdo nfo ia restabelecer uma nova exploraao do homem pelo homem e istema de dominacao; a vontade do principe moderno nao pois, tender senao para a criagao de um Estado que ndo se as- ina ads Estados conhecidos por né € 0s do Partido s6 podem: das massas, exige a claboracao de uma jetivo é obter e manter 0 consensus, imidade da direrao que se deram e da uti ios que fazem. is, a que Gramsci se refere, quer, pois, dar do realismo e recuperar suas articulagdes. ostas em condigdes de se livrar da inacao de um poder que ignora suas reivindicagoes e que lhes 3 adquirir 0 estatuto correspondente & sua funcao econdmi na minoria ativa pode elaborar uma p 8 homens da situacao inspira-se nele, com os mitos alimentados pelo poder e para as que, em decorréncia de sua posigdo declina ipedido de usar com sucesso. iF constantemente 0 sentimento do realismo popul 's devem convencer o povo da necessidade de se submeter a jando. E, assim entendemos, no coragdo dessa relagdo dia ica que a obra teérica, 0 Principe de Maquiavel ou o Manifesto mmunista de Marx, revela sua eficacia pritica." Enunciando que Poder novo deve substituir o antigo, que a violencia aplicada com io ctaelzeexictameneo parte, mas suger pla apronimasto feta ete 3 ola ds preci pladevenapto So Pre como Manifesto polio. 14 OPENSAMENTO POLITICO CLASSICO pleno conhecimento de causa destruiré a violencia reinante no presen- te, convoca a vontade coletiva para descobrir sua propria expresso na de seus dirigentes; form imente @ critica de todas as ‘Meologiaserevelandoainseretodelas na vida soca ar seu chefe por seus atos e no por suas intengdes. Mas, para- lelamente, a teoria quer dar aos chefes a certeza de que esto na‘bom caminho quando subordinam todas as suas preocupacdes a conquista do poder ¢ de que ao seguirem a razao aparentemente absirata que governa a politica tornam-se agentes da Razao histérica, O pensamen- {o réalista aparece, ent@o, como um momento necessario para 0 ad- vento da realidade — momento que assegura a passagem do realismo popular a e he garante que esta fundado naquele. E iluminar plenamente os imperativos da ago e levar os 0 fato de que Gramsci se instale no iento marxista para interpretar o discurso de Maquiavel, nao nos livra da questao de saber qual a relagao que efetivamente mantém com este iltimo ou, se se preferir, que posigao ‘ocupa face a ele na tentativa di Gramsci recusa a distingdo convencional entre 0 conhecimento ¢ sua posigao diante de Maquiavel é tal que nao estar separado dele. De fato, nao permite que se creia na viabilidade de aprender o sentido desse discurso por meio de uma i nimero de proposig6es cuja compatibilidade -ompatibilidade forneceria o indice da verdade de um sistema; menos ainda admite que, apés tal anlise, estejamos autorizados a submeté-lo a um juizo de valor cuja lei a consci versal possuiria para si mesma; muito menos considera que a ciéncia do historiador dé.a posse do tex- um Jacobi. Oc ncobitimo eo comuneno ei FILOSOFIA DA PRAXIS — GRAMSCI — 15 10 qual o texto da obra estaria inscrito e engendrado, O intér- € este ponto particular que devemos entender, s6 toma co- ott Maquiavel se partilhar da mesma exi- de saber e de falar que a dele; s6 tem conhecimento do realismo. classe revolucionéria se assumir com- proprio tempo. E preciso reconhecer, mais precisamente, que wi se situa diante de Maquiavel como pensa que este se situa seu objeto, pois Maquiavel parece estar numa posicao tal eto nao esta separado dele, que o conhece somente porque wz de partilhar da exigéncia de saber e de agir da burguesia,? da homologia transparece pelo fato de que, se ‘| € um autor-ator, autor de um livro, ator da empresa de wedo de uma classe, no entan it ago na acepgao dos ter- or no conflito de classes, nao se pode dizer que a burguesia seja dda historia a menos que nos esquegamos de que ela nao tem rento dessa posicao. Mas, a despeito da reserva — talvez es- — de que 0 objeto do conhecimento conserva uma es de que um saber da politica ¢ circunscrito por Mag le por Gramsci, permanece verdadeira a recusa do obj atribuigio da verdade do objeto sob o efeito da operagao iento do sujeito. nda é preciso notar que, em decorréncia da eritica do obje- Marx ocupa uma posicao homologa diante de seu proprio que nao a realidade politica, mas a realidade social global tal se encontra decifrada no modo de produgao. Marx conhece-a porque partilha da exigéncia de saber e de agir propria do ido que se acha no niicleo do modo de produgao: seu objeto rento conserva uma especificidade, mas 56 6 apanhado @ autor-ator, atado ao empreendimento da classe revo- de seu tempo. Somente essa interpretagdo de Marx autoriza tornar seu o discurso de Maquiavel, pois Ihe permite livrar- social. O principio que comanda a destruigio da icdo entre sujeito e objeto de conhecimento requer a destruigao Meu entries ome pveceucocio le todo taba "igo" nao 15 — © PENSAMENTO Po ICO CLASSICO FILOSOFIA DA PRAXIS — GRAMSCI — da oposigao entre 0 teérico ¢ o pratico. Com efeito, ndo nos pode es- !a, enquanto o segundo se desenrola nos horizontes arantido pela exis- so de classes. Essa diferenca, em suma, comanda {éncia da classe revolucionaria (burguesia ou proletariado) como in- Principe e o partido de massa tal como € instituida luo histérico que desafia uma caracterizacao em termos de sujeito \\ partir da fungao do realismo politico, visto que um e outro mos- ou de objeto. Com essa garantia, descobre-se como forma originaria is -as de emancipacaio. Em outras mando forma em conflitos e dando-hes forma) uma a da representacao tradicional da praxis social delimitada a qual estao necessariamente referidos todos destrui¢ao: a da oposicao entre identidade e diferenca nos que a convengo dissocia com o fi niicleo, inscrevendo-os no registro do econés Assim, Gramsci pode conceber 0 ¢: 10s. Ora, no poderiamos agora limitarmo-nos a observar que igamento da diferenga nao abole a identidade, pois nao ¢ menos ‘dade € um movimento primeiro com a finalidade de istoricista sem abolir a diferenga. Devemos reco- ionaria. Porém, que da destruigao ressurge a propria operacao ela destruigao belecer a identidade de Maquiavel e de Marx em jento € assim como ores- renga. Entretanto, esse resto posst singular. verdade do realismo, as- iio estit de posse dele como aparentemente est rior da praxisé 7 ease resto & 0 proprio ‘mantida na destruigao da oposigo conveneional entre teria epratica: eae essa manutenco acha-se designada no apelo a representa¢ao das con- digdes, dos meios e dos fins da ago revolucionaria. O Principe ¢ obra. y imos que a empresa do in- da praxis burguesa, mas simultaneamente é uma obra de um género_ muito particular que, de algum modo, permite abrir essa praxis amo & ma montagem de mediagbes. O Ser, ameagado pela divissio Cao obel formcerhe um dtancncto com ita props repeenagie fomncceric um cstancarwno com re sana consigomesno pea medsao i producto); a classe revolucionaria (t Pre ous a ine prolarads) ett asonade conse meses pl tmandadnsomente po a pla desu; por i tamben acesramene oma ima pelo diseurso-apelo (0 Principe, que se dirige simul- ‘4 burguesia e ao principe; 0 Manifesto Comunista, que se ltancamente ao proletariado e ao partido) e, de um modo 'd relacionada consigo mesma pela teoria; a Historia, onada consigo mesma pelo signo de uma nao: fenga, signo este, produzido pela mediaglo que o re Maquiavel e Marx, Porém, ndo bi sao é de natureza diversa das precedent apagamento torna-se possivel a passagem do discurso de Gramsci ao de Marx e a0 de Maquiavel e 0 recobrimento parcial de um pelo outro; também torna-se possivel a passagem da posigdo do proletariado & da burguesia ascendente e o recobrimento parcial de uma praxis por outra no empreendimento da classe revolu apagada a distancia entre o presente e 0 passado, a coi ambos também se encontra igualmente recusada. Arruina-se a imagem de um tempo homogéneo ao longo do qual se deslocariam yuramente perder-se-ia 0 se te a praxis e 0 discurso tedrico que a habita. E impossivel 10s a observar que Gramsci se iprimir a diferenca entre a burguesia € 0 proletariado, pois su se que seus empreendimentos pdem em jogo a verdade da Hi de um nos introduz ao como Histéria universal, a primeira, assevera Gramsci, esté a tro. E, nesta perspectiva, a dltima mediagto faz parte da dominagae de uma ‘classe sobre a socledade unificada pelo modo de desdobravamos. Nao é falso dizer que a totalidade 18 — 0 PENSAMENTO POLITICO CLASSICO Maquiavel-Marx relaciona-se consigo mesma pela mediago da Pretagao construida por Gramsci, e, assim, essa totalidade inter- pretada se acha fora dele e ocupa o mesmo estatuto que o Principe e 0 Manifesto Comunista, Porém, esta representacio encobre uma dupla ilus4o: por um lado, a de que Gramsci dispoe livremente de st pretacao, quando, na verdade, ela vem inscrever-se naquil ou, — para falar mais rigorosamente — na verdade, outro lado, a de que o discurso de Marx e 0 de Ma ‘para 0 outro assim como estariam para a instancia politica e para a classe revolucionaria, ou como o drgao p esta para a classe revolucionéria, quando, na verdade, se encontram no mesmo lugat — © lugar indetermindvel do discurso — inocupavel, simultaneamente outro ¢ do mesmo lado que o do interpretante, Dupla e tinica ilusto dissimulando que a obra de Gramsci no somente faz a jungao entre Maquiavel ¢ Marx, mas que também relaciona Marx consigo mesmo. pela mediag&o maquiaveliana ¢ relaciona Maquiavel consigo mesmo pela mediacao marxista, e que sob 0 manto dessa operago, a obra gramsciana relaciona-se consigo mesma como obra nica, pois abolindo a diferenga entre as duas obras ¢ a lacuna que o intérprete sente em cada uma delas, abole a questo que poria seu autor em perigo. Julgando-se 0 contetido manifesto da interpret lo cabe diivida quanto & questao que poria Gramsci em pet disjuneao entre a classe revoluciondria — o proletariado eng: para a aboligao da exploragao, traduzindo em sua praxis a verdade do ago do individuo, sujeito politico, com a "0. A resposta a questo também nao sus- lisjungao representada é anulada gracas 20 0. No entanto, essa resposta jé excede nla se desvenda, pelo proprio fato de Gramsci nomear a habitual a servigo da negacio da contradi¢ao posta ou a tentativa para ocupar simulta- neamente dois lugares, 0 tido ¢ o da classe revolucionaria. E jé se avalia 0 efeito dessa - rioridade que, sob o sign neces- sidade do comando e ao outro a necessidade da obediéncia. Todavia, cometeriamos um equivoco se acreditéssemos que a questo perizosa FILOSOFIA DA PRAXIS — GRAMSCI — 19 amsei acha-se circunscrita ao aqui e agora, em virtude da ex- jue teve, em seu tempo, da politica do stalinismo, Sem € através desta que a ameaga paira sobre o pensamento gram- ‘mas sua origem é mais profunda. Prova disto & 0 esforgo feito lum estatuto a0 conhecimento do real, a teoria, ao dis- ica, ao poder, a diferenca dos tempos. Esforgo que, sob , esta destinado a conjurar a divida de que possa ratura entre saber € i is i poder ¢ sociedade de Gramsci (que 0 distingue das idedlogos dos partidos co- stas) esté em enfrentar uma questo comumente denegada. Mas, jo-se a andlise, percebe-se também que ele a enfrenta apenas oder entulhar a fenda pres efeito, a teoria das no entanto, estdo a servigo da conser- 1m pensamento da identidade, da identidade consigo do ser ide, da praxis, da Histéria. A despeito da especifici a cada elemento destacado da substancia, esta most restaurada. E em cada uma das operagdes, a cada "to da exterioridade € reengendrada, confirmando ao suj le de sobrevoar todas as divisdes sem ser jamais atravessado imultaneamente, a cada vez se manifesta 0 1g0es que permite ao sujeito ocupar todas as posigdes ada teoria e a da praxis, a do partido e a da classe, a ©. do passado, a de Maquiavel e a de Marx. Ocupando osigdes, Gramsci € 0 mediador. Porém, que entender por es- so agora, senao que Gramsci & aquele por cujo intermédio a \ga Se realiza? Ser mediador significa nfo ser um mediador, se agente de toda efetuagdo e simultanea e contraditoria screver-se na auto-efetuagdo da humanidade. lor marxista interpretando Maquiavel, Gramsci, disse- ia de um lugar que de inicio nao sabemos qual &, a despeito dos 's manifestos de sua identidade. Agora, sua interpretacdo nos en- ue nao se trata do lugar suposto como conhecido por aquele que mas que & a certeza quanto a sua identidade que torna posstvel 0 do desconhecimento que organiza seu discurso. Ora, €ainda 23) — 0 PENSAMENTO POLITICO CLASSICO dos efeitos desse desconh ‘ura da obra maquiaveliana, pois a interpretagao ‘que é dito da funcao do Principe e daquela que através Come, portanto, esttio sendo lidos? Em decorréncia de qual necessidade Maquiavel se encontra reduzido & imagem que dele nos oferece Gramsci? estamos de posse dos elementos da resposta. ‘em virtude de um duplo conhecimento .eu destinatario e oda fungao dorealismo mitos de seus agentes e fundada sobre o estudo exclusivo das relagdes de forga; que essa teoria esti referida 4 fungdo que vem preencher na luta das classes e que, conseqtientemente, na Italia do Cinguecento o des- ¢ identificado como sendo a burguesia em busca da eman- cipagao. Pt inverti i por seu contrétrio e, conseqilentemente, 0 en- inscrito a uma teoria do realismo conforme a na Hist6ria, a burguesia. Seja como for, a deter- do discurso e a determinacdo do sentido da jgados. Ora, ambas implicam uma reduao do discurso que decorre logicamente da posicao do intérpretee quetor- na manifesta sua impossibilidade de assumi-la. Ou, digamos, mais ‘energicamente que 0 tratamento a que Gramsci submete o discurso ‘maquiaveliano fornece a prova da impostura a que foi condenado pelo fantasma do mediador (sera preciso dizer que o termo impostura nic sti sendo empregado numa acepeao psicoldgica ou moral?). ‘Ao levarmos em consideragdo a descoberta do destinatario, novamente precisamos admitir que a operagao do intérprete tem duplo sentido. Num primeiro sentido, ela abre o discurso fazendo parecer como con: 1a fora e ao qual se dirige. Esse moviment jo além de seu alvo ‘aparente: sugere que o discurso se com mesmo comu- nicando-se com o Outro. Assim, quando prestamos atengao neste as- pecto, niio devemos nos limitar a constatar que Gramsci muda a iden- tidade do destinatario, que substitui o opressor pelo oprimido, como se a fungio do Outro no discurso ja tivesse sido pensada, Certamente, os detratores de Maquiavel julgavam que este escrevia para os tiranos, ‘mas esse julgamento nao implicava que tivessem compreendido © que FILOSOFIA DA PRAXIS — GRAMSCI — 21 wa a relaglo da palavra com aquele que a ouve. A tese de ‘ugete, aliés, que tal ignorancia funda o engano quanto a idade do destinatario. Nossa atengdo deve voltar-se muito mais fato de que a representagao comum do discurso — se se aco- ja com a condenagao langada contra um autor que aconselharia circunsereve por meio dele um conjunto de idéias intrin~ bboas ou mas, verdadeiras ou falsas, separadas das con- fm que surgem, ou, ento, um conjunto de signos, sento de de uma situagio real, mas que em qualquer dos casos, apaga a ia do Outro que chamava e sustentava a palavra do eseritor. ros termos, a representac4o comum da crédito ao estatuto de curso fechado e, no mesmo lance, &idéia de uma separado en scarso ¢ 0 leitor que parece vir de fora para relacionar-se com im de tirar proveito dele ou conhecé-1o (conhecimento cujo ob- , pode abarcar tanto o discurso quanto o prov ions tiram dele). A questo do destinatario, tal como & posta por nao somente arruina essa representagio, mas ainda, no mes- requer uma reflexao sobre a posicio do intérprete, pois, tério, situado nos jo de Maquiavel. Todavia, s ! ‘um equivoco. Com efeito, uma coisa é dizer que o discurso se ‘ui na relagao que o escritor mantém com um certo leitor, ad- jue esse leitor est ao mesmo tempo no exterior ¢ no int (0; coisa muito diversa & reduzir a relagdo a uma interpelagac rando essa redugao, Gramsci joga o leitor para o exterior do legiado a quem Maquiavel se dirige ., no melhor dos casos, discurso que, de inicio, bre o real le determinar qual ¢ 0 ator historico capaz de acolher sem fas essa intengao ¢ esse saber, Ora, apesar da perfeita possibi- ‘de concluir que Maquiavel nto poderia referir-se ao real a no indo-se a esse ator, contudo permanece 0 fato de que seu dis- 22 — O PENSAMENTO POLITICO CLASSICO curso é reconstruido a partir da determinagdo de uma mensagem — ‘mensagem dirigida a um interlocutor que (a sua revelia) estava a pedi- la... Alt iciente notar que o discurso é reconstruido dessa ira: pura e simplesmente é apagado sob a mensagem. Ao dar-nos a ler essa mensagem, Gramsci torna supérflua a leitura de Maquiavel. Reinstala-se, e com ele também seu leitor, numa osigo de pura exterioridade face a Maquiavel. De bom grado cchamariamos essa posigdo uma posi¢ao de poder — a de um poder despéti is liberdade dispoe do discurso, doravante A tese do realismo e reprimi pelar um destinatario determinad furta & experiéncia da leitura que implicaria a indeterminacao de sua répria posicaio — posigio de um outro, exterior e interior ao discur- 80; furta-se a uma interrogacdo que precisaria aprender no contacto com a obra, na aventura que poe em jogo seu proprio pensamento, vedando-lhe 0 exercicio da soberania do saber e do poder sobre @ obra. Nessa interrogacao, a questéo do destinatario surgiria neces- sariamente, mas sua resposta teria que ser esperada do prdprio discur- 50, na escuta de palavras onde fica implicado aquele que as ouve aqui © agora (na Florenga do cinguecento) e em todo tempo por vir. Em. rapartida, Gramsci abafa a questo sob uma resposta que se ar- la com a tese do realismo e que permite dessa maneira assegurar 0 te do discurso e proteger-se contra todo pensamento imprevisto. @ oposigio entre sujeito ¢ objeto de conhecimento € res- discurso domesticado s6 oferece ao sujeito a imagem que ‘Também ¢ inegavel a restauragio da represen- nal da Historia, pois a identificacao do destinatario com @ burguesia ascendente domestica a propria diferenca temporal; a ndria — que garante a fé em uma Historia concordante consigo mesma, centrada em torno da ago do Sujeito. Porém, ainda mais importante € notar que novamente a G0 separadas. De fato, Gramsci pode muito bem i na € um momento da praxis bur- isto posto, surge a questdo: como Gramsci visa a obra do es- Ha nessa obra um trabalho? Nela tem lugar uma histori no movimento de diferenciagao do pensamento? Se for preciso gar que a obra opera uma ruptura com a ideologia dominante, essa operagao testemunha a implicacao de seu autor no discurso com que FILOSOFIA.DA PRAXIS — GRAMSCI ~ 23 Fompe ou o deixa dono de sua palavra? Nenhum vestigio de tais ques- ‘A teoria esté reduzida a st ‘mas conserva 0 €s- idéia é transparen- ites da mensagem, E 0 intérprete, detentor do saber da idéia, necessidade de fornecer a razdo de sua propria pratica. De a de inece a servigo de um pensamento desli Conlonado soselar entre a lusto de urna interioridade abroluta cade luma exterioridade absoluta entre 0 Sujeito e 0 Ser. ‘Que Gramsci defina a teoria de Maquiavel como a do realismo é ima prova da violéncia que é obrigado a exercer sobre o discurso a para conjurar a ameaga que pesa sobre a integridade de seus s. Ja nao seria possivel deixar de observar que, ndo contente 11 0 crédito da critica tradicional. Ora, a operagao por cujo in- ;péia nela; explora um ensino do qual o minimo que se pode € que provém de uma amputagao e, portanto, de uma falsifi- nao € por acaso que Gramsci ipoderar-se da tese convencional do realismo para p6- losofia da praxis. Pois, a despeito das aparéncias, como ten- rar, ela n’o rompe com o subjetivismo e o objetivismo: ce submetida as suas premissas enquanto fica tentando bar suas conclusdes.. iese do realismo emprestada da critica tradicional ver susten- tviculagto de uma hatoria ems, definida pela lgiea des re- de forca — elas mesmas determinadas nas relagdes de pro- — uma historia para si, definida pela auto-efetuagto do sujeito representante 6a classe revolucionéria. Assim, aresoluglo da, sm nivel € saldada por seu retorno em um outro, retor- 24 — 0 PENSAMENTO POLITICO CLASSICO litica contidas no Principe e nos Discorsi — 10s convir que se esfrangalha. Segundo Gramsci, o discurso ‘maquiaveliano ensina a verdade do reali A burguesia; dirige-se a esta para persuadi-la de que a poder estabelecido ¢ iluséria e para prepard-la para ac violenta de um principe novo capaz de reunir os povos italianos sob ‘uma autoridade nica; dirige-se ao principe para persuadi-lo de que tal acto, metodicamente concebida ¢ executada, dispora da legiti- midade por satisfazer as aspiragbes da classe revoluci Historia universal. Ora, essa interpretacao im} da razio cujo conhecimento Maquiavel possui implica que ele préprio € 0 representante da Razio astuciosa, visto Que nao fornece o segredo da identidade do principe e da classe. Imediatamente uma primeira contradigto aparece, pois é proibido imaginar que 0 autor do Principe ocupa a posicao do saber absoluto a ‘menos que nos privemos de pensar a diferenca que o separa de Marx, aquela que separa a burguesia do proletariado e aquela que separa o principe do partido de massa. A fungio do realismo tendo sido de- finida no quadro da teoria marxista da luta de classes, nao somente Maquiavel nao poderia ser instalado no lugar do saber absoluto, mas também a idéia de uma da Razo esta despojada di ois Marx a critica explicitamente contra Hegel. Por conseguinte, im. Oe-se como concluséo que Maquiavel nao conhece o sentido de seu Tealismo, que esta preso no movimento de desconhecimento do real ‘ue rege o empreendimento da burguesia e do principe. Sem divida, ‘nao se poderia anular a descoberta da légica das relagdes de forca, mas seria preciso, entdo, circunscrever rigorosamente seu alcance, pois Marx afirma que o poder burgués est necessariamente associado 8 ideologia ¢ que a dominagao de classe deve ser disfarcada, nao s6 ara obter legitimidade como também para persuadir seus proprios ‘agentes dessa legitimidade. Quando bem pesado, o argumento mar- xista faria o realismo maquiaveliano revelar-se em dois sentidos: ao ‘mesmo tempo como algo conforme a pratica de uma class com 0s mitos do mundo feudal e como algo ilusério en‘ ficedo de uma politica pura, isto é, separada das con produgao que necessariamente escondem dos atores a sua conduta, Entretanto, Gramsci nao péde dar acolhida a esse ar- Porque impede-o de resolver a contradicao surgida no tre a teoria marxista e a prati ia universal — e que manifesta isa das ilusdes — ea idéia de labora uma p um Partido que, & imagem do pri a de con- FILOSOFIA DA PRAXIS ~GRAMSCI — 25 lo poder gracas a uma ciéncia que é propriedade sua, isto é, 10 uso de meios cujo conhecimento permanece oculto perante 0 ss massas. Para o pensamento marxista, 6 impossivel sustentar astiicia da razto, mas também Ihe é impossivel afasté-la, rpretagio de Gramsci, é essencial que a classe revolucio- — mesmo que seja o proletariado, ultima classe, portador da co da divisao de classes — nao disponha do saber de seu proprio mento, essenial que ese saber fique revervado & um 6r- lestacado ue a relaciona com a realidade. Mas, de duas Mina Ou soe oro wo rque dispe de todo 0 maria, o das relacdes do Poder e 0 da di- frenca item com as massas — ¢ nesta hipotese ndo somente 0 Uiscurao'de Maquiawe’ de Marx ou de Grange ésupérluo, mas sinda ‘operem num certo siléncio sobre a diferenca ou, 0 que di no que proclamem a identidade entre o Poder € 0 povo. Ou, en- ‘e 6rgio conhece apenas os meios ¢ o fim de sua fungao: 1a do Poder, ficando o saber deste saber como propriedade do ico — e nesta hipétese novamente o discurso se contradiz, pois es- npedido de pensar a diferenca entre a teoria e a pratica. Orgao ido do éredo do poder, o préprio discurso esta sempre obrigado Vvindicar o saber da totalidade e a dissimular, apresentando-se rediador, sua pretenso A onipoténcia.

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