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I Parte A arte em Portugal no século XX 1. A caricatura entre o antigo regime e a primeira Reptblica! Desde sempre que todas as civilizagdes utilizaram o humor ¢ a comicidade para reproduzir os excessos, todos os tipos de vicios de uma sociedade ¢ também como forma de critica, reprovando e censurando a vida politica ¢ a autoridade. Os homens eruditos defendiam-se da tirania e ostentagdo governativa, usando para isso o humor, pois estes possuiam a capacidade de perceber 0 quo frivola era a gloria e de quo breve conseguia ser 0 poder. No século XV, surge uma tecnologia que vai ajudar na mudanga de mentalidades no mundo ocidental, a imprensa, que inicialmente se foca apenas no fabrico de livros € brochuras, Foi com a imprensa, que a partir do século XVIII, surge um novo meio de comunicagdo, o jornal. Este modo de transmitir informagdo conseguiu atingir uma alargada populagdo de leitores, permitindo também uma maior facilidade na divulgagao do conhecimento, de ideias ¢ imagens, encurtando a distancia entre a noticia ¢ os factos, o que ajudou a acabar com as fronteiras geogrificas, transformando a sociedade, numa sociedade global. Com a facilidade de propagagdo de imagem, através do jornal, a caricatura ¢ 0 desenho humoristico surgem como uma arma poderosa e perigosa. A hierarquia de classes sofreu modificagdes ao longo dos tempos. Antes de ocorrer 0 aparecimenio do liberalismo, na época do absolutismo, existia uma hicrarquia de classes muito rigida, que seguia uma linhagem genealégica onde no topo da pirimide estava a nobreza, constituid pelos nobres, senhores do poder politico ¢ econémico. Mas a sociedade foi-se alterando ao longo dos tempos ¢ na posse do poder econdmico surge uma nova classe social, a burguesia, que pretendia criar uma nova hicrarquia de poderes ¢ com isso por fim & era ¢ ao pensamento absolutista. ‘Acreditando numa nova forma de viver que néo numa sociedade absolutista, os filésofos defenderam principios de liberdade, igualdade ¢ fraternidade, onde o individuo esta acima de qualquer dominio de classes sociais, isto ¢, socialmente a pessoa ndo depende apenas da sua ascendéncia, mas também da sua qualidade ¢ mérito. Todos estes principios foram defendidos ¢ implementados pela Revolugdo Francesa ¢ pelo Liberalismo. Os Direitos Universais do Homem sdo a origem do liberalismo, que tem como principios a liberdade, a igualdade e a fraternidade, também ideais da Revolugao Francesa. O tipo de arte com o qual 0 liberalismo encontrou maior ligagdo foi a caricatura de imprensa, pois esta defende e acredita numa total liberdade de expresso e pensamento. wo Figura I - La liberte guidant le people, de Eugine Delacroix, 1830, Durante da Revolugdo Francesa, para além de uma revolugdo ideoldgica, existiu uma revolug&o da caricatura, onde esta se tornou numa forca informativa essencial e indispensdvel para a modernidade. Foi na primeira metade do século XIX, na europa, que a imprensa satirica se desenvolveu. Os jornais satiricos da época tinham como objectivo artistico a eriago de uma arte social, democratizando a arte, com a intengao de a tornar mais alcangdvel e de a dar a conhecer a um piblico mais alargado. Em Portugal a imprensa surge no século XVII, mas sé com a implantagdo do liberalismo é que aparecem as primeiras ediges informativas, Inicialmente 0 jomal, era utilizado por grupos com interesses politicos, mas, mais tarde, foiese desenvolvendo gradualmente transformaram-se de jomais apenas com informagdes de interesse politico, em jomais noticiosos, com uma grande capacidade de circulagao, como foi o caso do Didrio de Noticias, O Sécitlo, O Comércio do Porto. A liberdade de imprensa e de opiniao em Portugal ndo era muito estavel, duradoura ¢ frequente e por isso eta preciso encontrar outras maneiras mais subtis e de modo camuflado de expor as verdades que os chefes de estado ndo gostavam de ouvir. Com a enorme censura que se vivia na imprensa portuguesa, surge a necessidade de criar simbolos que representassem os pensamentos contestatarias. A caricatura sé aparece num Portugal liberal no principio do século XIX, apresentado em brochuras de arte popular, através das invasdes francesas e por influéncia dos humoristas britdnicos. A arte grifica humoristica passa a ser entendida ¢ manuseada pelo povo, que se anima com as folhas volantes, transformando-se assim a carieatura numa arma politica de forma muito particular. O desenho humoristico sé adquiriu uma auténtica e determinante evolugao no final do século XIX, mas sera s6 na Repiblica que este género de humor vai crescer ¢ desenvolver-se. A imprensa humoristica, em Portugal evoluiu na mesma cadéncia que a noticiosa. No final da década de 1830 aparecem os primeiros jornais de cardcter humorista ow satirico, como A Caricatura, O Ramalhete, O procurador dos povos, A Macaca ou O Oculo, onde nao existia gravuras. As tnicas imagens encontradas, nesta altura, nos periddicos, eram desenhos agressivos ¢ mal feitos de autores incultos ¢ ignorantes, apresentados em folhas independentes ao jornal ¢ ocorriam esporadicamente. Foi com o Suplemento Burlesco de O Patriota, que nasceu oficialmente a caricatura de imprensa em Portugal, no dia 12 de Agosto de 1847, pois 6 a partir desse momento as caricaturas comegaram a ser impressas no proprio jonal ¢ nao de uma forma independente em folhas soltas, comegando a aparecer semanalmente e ndo de um modo esporddico e a conter sempre assinatura do autor. LENELTO ene. PATRIOTA, Hor rstoa Figura 2 - Supfemento Burlesco do Patriota, de 1847, 1° série, m*. 954. No ano de 1848 a caricatura ainda era apresentada de uma forma anénima e é no ‘Suplemento Burlesco de O Patriota, no dia 30 de Maio de 1848, que aparece uma caricatura anunciando que a Unica solugdo contra a Monarquia era a liberdade. O jomal O Patriota foi o primeiro jomal ilustrado de cardcter satirico, com imenso sucesso na época, encantando todos, velhos ¢ novos, com os gracejos grosseiros exibidos nos comentarios € nas imagens. ‘Boeleseo 2A a isaea 148= 18) 1S Hease Figura 3 - Suplemente Burlesco de Pairiota, de 1848. 2° série, n°. 1192. As varias figuras eram identificdveis e apresentadas em composigSes com retratos de cabegas trabalhadas de forma académica, cuidadosa ¢ competente, porém aparentavam estar pegadas em corpos caricaturados ¢ desajeitados. Figura 4 -Suplemente Burlesco do Patriota, de 1847 Figura 5 -Suplemente Burlesco de Patriota, 1948 Foi um periédico extremamente setembrista, onde as caricaturas e os artigos publicados continham um marca fortemente satirica ¢ polémica, © Setembrismo foi uma corrente politica que surgiu na Revolugdo de Setembro de 1836, motivada pelo descontentamento de uma parte da populag%io portuguesa, os democratas, a burguesia industrial, os comerciantes ¢ 0 povo contra a politica da época. O humor grafico em Portugal passou por varias formas de fazer humor, primeiro pelo grotesco, depois pela farsa até chegar A satira. Nesta ¢poca o humor nao consistia num pensamento critico construtivo e inteligente, mas sim numa resposta agressiva e furiosa, pois devide a muitos séculos de subordinagao, obediéncia ¢ inferiorizagio © humor grafico transmitido nao por um sujeito com uma opinitio ja pensada e ponderada, mas sim por um povo revoltado € rebelde. Nao era importante nem relevante 0 humor nem a estética do trabalho, existindo uma brutalidade © agressividade visual, onde o principal propésito era a agressiio e a provecagdo, unindo o publico contra a autoridade do regime. Os caricaturistas neste periodo apenas pretendiam ao utilizar 0 exagero identificar a partir da caricatura os responsaveis pela situacao do pais. O mundo estético do humorismo em Portugal estava muito distante dos paises onde a imprensa era mais fértil ¢ ampla, estes dois mundos nacional ¢ intemacional pertenciam a contextos completamente diferentes a nivel cultural e de mentalidade. O publico portugués, nesta altura, facilmente se contentava com personagens feitos de forma abominavel e incompetente, em conjunto com textos rudes ¢ imbecis. Novos caricaturistas apareceram, principalmente em Lisboa ¢ no Porto, cada artista tinha que publicar o seu proprio trabalho, criando o seu proprio jomnal humoristico. Com a dissolugao do Antigo Regime ¢ com a construgéio de uma nova sociedade, tendo como principio basico a liberdade, verificaram-se mudangas agitadas e diversas crises politicas. Surgiu, assim, a necessidade de readaptar as sociedades, encontrando uma nova harmonia nas relagdes € influéncias maritimas, econémicas ¢ imperiais ¢ ainda a uma reorganizagao 4 escala global, com a independéncia das Américas ¢ a redistribuigdio das colénias africanas ¢ asiaticas. Na segunda metade do século XIX a imprensa portuguesa era a via de propagagao e divulgacao das ideias politicas, transmitindo unicamente a manifestagao dos partidos politicos. Era uma imprensa abundante, os jornais politicos desta época que continham desenhos caricaturais apareciam e desapareciam conforme as varias situagdes politicas. Os jornais humoristicos pretendiam —atacar agressivamente o Rei, os politicos ¢ 0 governo, utilizando para isso caricaturas de cariz satirico, que ridicularizavam através do exagero das formas ¢ do trago, de modo a atacar as personagens por vezes subtilmente, por vezes de forma concreta ¢ directa, acrescentando a0 desenho uma legenda elucidativa. Figura 6 - Nogueira da Silva, Typos, de 1856. Desde 1851 até 1870, depois de uma primeira fase de sdtira grosseira, onde a tematica principal se caracterizava por uma hostilidade e violéncia politica, a agressividade grifica acalma e 0 desenho comega a melhorar progressivamente. Instaurou-se, entio, uma época de admiragao pelo humor social ¢ de costumes, com uma critica de cardcter inteligente, onde se destacam novos artistas humoristas, considerados bons desenhadores, como Nogueira da Silva (1830 - 1868) , Manuel de Macedo (1839 — 1915) e Manuel Maria Bordalo Pinheiro (1815 — 1880), que ao terem a capacidade de interligar a arte do humor com a vanguarda artistica predominante, conseguem indicar um novo rumo artistico, Estes trés artistas foram os primeiros nomes importantes da arte grifica humoristica em Portugal, pois preocuparam-se em utilizar uma critica de um modo moderado e em desenvolver o lado estético da caricatura, com uma nova concepedo filoséfica da arte, terminando assim a fase da pré-historia da caricatura portuguesa. Manuel de Macedo, Manuel Maria Bordalo Pinheiro ¢ Nogueira da Silva, ao desenvolverem a satira em Portugal, criaram uma forma mais eficaz de fazer humor Tiveram também a capacidade de desenvolver uma nova perspectiva do humor, utilizando uma critica de uma forma mais inteligente ¢ elaborando uma nova competéncia técnica das artes do desenho e impresséo. Deste modo, reformularam o pensamento da critica gréfica humoristica em Portugal e conseguiram estimular e impulsionar a gravura de um modo esiético ¢ técnico. Todos foram apreciadores das correntes artisticas que se expandiram na europa, principalmente pelas francesas, utilizando a satira como espirito. Manuel de Macedo foi considerado um conhecedor do realism pictérico humoristico, com publicagdes de trabalhos cémicos, que revelavam a sua genialidade, destacando-se na pritica humoristica e no desenho de costumes, com caricatura pessoal. Com desenhos ilustratives, a aguarela e a lapis, representou, de forma atenta ¢ inteligente, o que era corriqueiro, com um humor pitoresco ¢ fantasista, de cariz social. Manuel Maria Bordalo Pinheiro foi desenhador, pintor e gravador, mas foi principalmente um teérico ¢ dinamizador no plano visual, realizando publicagdes sobre arte, para imprensa portuguesa. Nogueira da Silva foi o nico com caracteristicas realistas que vai encaminhar o seu trabalho ao extremo do humorismo, pois ele foi superior no tema da caricatura politica. Em termos estéticos foi analisado como o mais fraco, mas em termos de interpretagaio humoristica foi o mais vigoroso e eficiente, preparando o piblico portugués para um humor com ironia, que vai prevalecer no final dos anos oitocentos. Foi considerado também um mestre nas duas artes, a gravura ¢ a satira, ¢ vai introduzir a narrativa grafica em Portugal A partir de 1860, surge uma serenidade ¢ tranquilidade regenerativa que agradou a um grande nimero de politicos. Nesta ¢poca os partidos politicos eram organismos compostos pela burguesia, que dividiam em coluso. 0 poder com o rei. Os politicos desta época mudavam de partido com uma extrema facilidade, com o objectivo de se assegurarem do seu lugar de poder, quando surgia um desentendimento entre politicos do mesmo partido, um desses politicos fundava um novo partido, semelhante ao antecedente, Surgiria uma nova época no pereurso da historia da caricatura portuguesa a partir de 1870 com Rafael Bordalo Pinheiro (1846 — 1905), de quem falaremos adiante, que conseguiu adquirir uma posigaio ¢ uma presenga indispensivel na sociedade, considerado o criador da critica modema ilustrada em Portugal. Normalmente os govemos eram indicados pelo rei anteriormente as cleigdes parlamentares, para assim manipularem os votos ¢ assegurarem uma rotatividade que permitia que todos os partidos permanecessem satisfeitos. Esta forma de rotatividade caracterizava-se por uma tremenda hipocrisia, pois consistia apenas em substituir 0 rosto dos politicos, continuando o regime na mesma, com as mesmas politicas, com a mesma negligéncia ¢ endividamento. Reafirmando a ideia da frase anterior, existe uma frase de Rafael Bordalo Pinheiro que explica a hipocrisia na rotatividade politica da época, Todo o homem politico do nosso pais & honrado, honesto, trabalhador, probo, virtuoso, ete. — antes de ser minisiro. Depois de ministro passa a ser pulha, malandro, biltre, canalha, ladrio, assassino, incendidrio, etc, (Bordalo Pinheiro citado em SOUSA, 2010, p. 18) Os partidos que se encontravam no poder utilizaram a forga policial para se fazerem obedecer, contra uma oposigiio desobediente ¢ indisciplinada, com 0 objectivo de silenciar as vozes controversas do rotativismo, provocando 0 aumento do descontentamento popular. Na opinidio dos humoristas do final do século XIX, os politicos sempre que ascendiam ao poder modificavam-se, sobretudo na nogdo da panea, conceito desenvolvido por Sebastifio Sanhudo (1851 — 1901) n’ O Sorvere de 23/03/1884, onde este afirma que a politica est na barriga e € pela barriga que se conhecem os grandes politicos. (Sanhudo citado em SOUSA, 2010, p. 18) Os politicos apenas pensavam na sua propria barriga, neles prdprios - quanto maior fosse a barriga, mais poder tinham, quer politico, quer monetario. Surge uma nova classe trabalhadora, 0 Profetariado, constituida por trabalhadores industriais ¢ descontentes com a deturpag3o do liberalismo, que vivem economicamente apenas da capacidade e produg3o do seu trabalho manufacturado ou maquina, mal remunerado. Esta nova classe social desenvolveu-se com a industrializagio do pais ¢ pretendeu lutar por melhores condigdes de vida. ‘A concepeo dos sistemas republicano ¢ socialista, surgiu devido ao descontentamento e insatisfagdo que se vivia. Em 1870, as Conferéncias do Casino provocaram uma importante mudanga nos ideais liberais e no crescimento da objec¢dio ao regime politico da época. Nestas Conferéncias convergia uma fusdo de conceitos socialistas, republicanos ¢ liberais, ¢ lentamente se foram afastando, desenvolvendo e originando grupos préprios © govemo politico estava em completa decadéncia ¢ ruina, originando vinte e cinco governos, entre 1870 e 1910, onde foram nomeados dezoito Presidentes do Conselho. Com a proximidade da mudanga do século em 31 de Janeiro de 1891, registou-se uma tentativa de derrubar a Monarquia e implantar a Republica, mas tudo ndo passou apenas de uma tentativa fracassada. Nesta ¢poca, a arte em Portugal também ndo conseguiu aleangar uma nova mudanga estética e ideolégica, mesmo com a ideia da chegada do novo século. Continuava na caricatura uma expresso rafuelita, ndo tomando nota das novas manifestagdes. estéticas reveladas pelos novos caricaturistas Leal da Camara (1876— 1948) ¢ Celso Herminio (1871 — 1904). Celso Herminio e Leal da Camara, caricaturistas irreverentes, pretendiam uma grande mudanga artistica e ideolégica, substituindo 0 naturalismo predominante por uma 10 expresso mais irreverente, numa procura pré-expressionista, mas no conseguiram alterar a estética imposta na época pelo mestre Rafael Bordalo Pinheiro. Estes artistas teriam que esperar pela queda da Monarquia e pela chegada da Repiiblica, para alcangarem uma nova mudanga nas artes em Portugal ¢ assim viverem o sucesso da arte moderna. Leal da Cémara, de quem falaremos a frente, foi considerado um artista irreverente no fim dos oitocentos vai reintroduzir o panfletarismo na satira politica, com um humor muito irdnico e cruel ¢ um estilo pré-expressionista. Em 1900 terminou um século ¢ com isso comega a esperanga de um novo estilo de humor, uma nova forma de politica, abrindo a porta para novos humoristas ¢ para uma outra linguagem estética, Nasceu, assim, a primeira e a principal geragdo de humoristas- modernistas nas artes plasticas portuguesas. ‘ para caricatura entre o antigo regime ea primeira Repiblica ver sobretudo: AMEAL 1982 — 1984 COSTA 1925 FRANCA 1964 FRANCA 1976 FRANGA 1978 FRANCA 1979 MEIRA 1946 NICOLLE 1975 OUGUELLA 1896 REAL 1962 SANTOS 1990 SERRAO 1963=1971 SOUSA 1991 SOUSA 2010 iL Como magnifico caricaturista teve a capacidade de, nas suas composigdes, mostrar fortemente as suas capacidades grificas, apresentando figuras em movimento, criando excepcionais contornos onde as personagens mostravam posturas de propésito cémico. Na sua caricatura ndo sé conseguia representar personalidades com semelhangas fisicas, como tinha a capacidade de reproduzir as expressdes psicolégicas dessas personagens. Como jornalista ¢ inigualdvel cronista apresentou a actualidade da época, mostrando de forma cémica a sociedade portuguesa do século XIX. A histéria da sociedade portuguesa na iiltima metade do século XIX esta toda registada nos jornais humoristicos de Bordalo Pinheiro. Este artista pretendeu encontrar ¢ constituir os fundamentos risiveis, como extraordinario caricaturista e como cémico inigualével, venerava 0 riso, apreciava rir, conseguia rir e tinha a capacidade de fazer rir como ninguém. Nos seus trabalhos encontra-se bom humor, ao optar por no mostrar indignagiio ou impertinencia, mas sim utilizar a chalaga, a troga e a galhofa, de forma zombeteira, divertida e brincalhona. A caricatura com Rafael Bordalo Pinheiro ganhou um novo dinamisma, por este ter optado por substituir 0 realismo pelo naturalismo estético e por ter inserido a ironia e um humor politico na critica jornalistica. Bordalo Pinheiro era perito na forma de trabalhar o humor e foi muito importante quer no modo como criticou a sociedade e a politica portuguesa, da sua época, quer na forma como influenciou as geragdes seguintes, dando origem a que os seus seguidores 0 imitassem e caracterizassem 0 seu estilo de arte como rafaelita ou bordaliana. Artista que pretendeu revelar os defeitos, as imperfeigdes, os vicios ¢ as maculas de um modo profundo ¢ nao superficial, retratou o quotidiano mediocre da vida politica da segunda metade do século XIX. Rafael Bordado Pinheiro conseguiu realizar varios projectos a0 mesmo tempo e conceber bastantes jomais satiricos, colaborando em jornais humoristicos portugueses estrangeiros, como El Mundo Cémico, Ilustracién Espafiola y Americana, The Mustrated London News em 1873 e em 1874 no jornal El Bazar. 15, 1.4. A Exposi¢do Livre: A primeira tentativa de modernidade em Portugal’ Na principio do séeula XX, num Portugal conservador, prevalecia o Naturalisma, como corente artistica identificada com a Monarquia, ndo por motivos ideol6gicos, mas sim por estarem presentes na mesma época cronoldgica. De facto o que relacionava estas duas era uma casualidade temporal A Repiiblica como regime contra a Monarquia pretendia uma ruptura com o passado, procurando o que era nove e irreverente, pois esta forca politica era constituida por individuos intelectuais, abertos a0 que acontecia numa europa liberal, em relagfo a filosofia ¢ a novas tendéncias estéticas A unica solucdo para os jovens artistas portugueses, devido a grave crise politica ¢ econémica que se vivia em Portugal ¢ a grande instabilidade e descontentamento da nova geracdo de artistas nas escolas das Belas Artes de Lisboa e do Porto, era a emigraciio. Estes jovens artistas normalmente mudavam-se das escolas nacionais para irem estudar em Paris. E em Franga que como forma de protesto contra as escolas oficiais, contra os academismos, classicismos e contra tudo 0 que é antigo, dogmatico e consagrado, surge 0 primeiro grito de revolta, a pintura livre, que tem como base a liberdade de temas ¢ exploragao estética e artistica. Sete jovens artistas estudantes e residentes em Paris decidiram organizar uma exposi¢do, que tinha como objective principal acabar com o academismo das escolas oficiais, isto ¢, criaram uma exposig&o com base no antiacademicismo de uma forma clara e polémica, dando-Ihe 0 nome de Exposigdo livre. Esta exposig%io realizada em Margo de 1911, em Lisboa, pretendeu agitar o cendrio artistico portugués controlado pelo naturalismo ¢ apresentar uma nova esséncia moderna. Mostrava obras de pintores, desenhadores © caricaturistas, que abrangeram os mais diversos temas, como a paisagem, a natureza-morta, 0 retrato, abordando também, a temdtica do humor, da comicidade, que até entdo, apenas se conseguia encontrar, nos jornais de caricatura e sétira politica da época. A exposicdo realizada em 1911, procurava uma liberdade artistica, com a pretensiio de ser contra todos os tipos de academismos da época, mas segundo José-Augusto Franca (1992) 0s artistas ndo demonstraram qualquer tipo de inovagdo ou reflec¢do. Para este autor A Tiberdade programada destes quadros e desenhos que se mostravam ao piiblico lisboeta néio ia muito longe, em invencdo ou pesquisa e estava, de um mado geral, ao alcance de qualquer dos artistas desta geracdo que se estreava. (FRANCA, 1991, p.25) A estadia em Paris de alguns 32

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