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Parvatis
Iniciado no fim de 2009.
Re-escrito em 01 de fevereiro de 2010.
Estréia 01 de junho de 2010.
''A rua nada mais é do que a própria vida
que esses garotos ainda não estão prontos
para viver''.
01 X 01
Capítulo Um: Brenda e Betina.
♫ Medulla – O Novo.
*
Era sexta-feira e Betina fazia algo que
odiava: apagar o quadro-negro. E enquanto o
fazia, o mais rapidamente possível, xingava o
professor de Química com os nomes mais
cabeludos que seus amigos garotos haviam
ensinado-lhe. Terminou, largou o apagador,
bateu o pó de giz na parte traseira da calça e
correu para a frente da mesa do professor,
onde estava parado duas outras garotas,
todas lançando olhares de tensão, esperança
ou mesmo de ''Se pá me f*di esse
bimestre...'' para o professor - um dos mais
antigos do colégio, que finalizava de somar as
notas. Por pedido da própria Betina ele iria
falar as notas do trio de uma vez.
– E aí, fessor? – perguntou ela quando o
professor depositou a caneta vermelha ao
lado do diário de notas, a garota sabia que
aquela caneta vermelha não fora usada
especialmente para ela - não naquele
bimestre.
O professor suspirou e então sorriu
brincalhão para as três:
– Preparadas?
– Nããão – guinchou uma das garotas.
– Sim?
– Mete bala – murmurou com a voz
arrastada Betina.
– Certo... Michelle? – Esta era garota que
respondeu ''Sim?'' e respondeu agora com
um: – Eu! – confiantemente. O professor
olhou para a garota de cabelos escuros e
ondulados por trás dos óculos e depois para o
diário de notas, anunciando – 34,6. – e
desejando: – Boas-férias de julho.
Michelle sorriu abertamente, olhando para
as colegas, Betina limitou-se a lançar-lhe um
olhar de desdém enquanto a garota morena
sorria alegremente, mostrando aquele sorriso
metálico que estava usando há dois anos.
– Rafaela, hum, Rafaela... – repetiu o
professor olhando do diário de notas para os
olhos arregalados da garota negra: – O seu
caso é... sério? – comentou o professor
pensativo.
– O meu!? – exclamou a garota surpresa.
– Sim, o seu. 9,7, menina. O mínimo era
15... Está na corda bamba. – O professor
limitou-se a olhá-la com pena fingida
enquanto esta começava a gemer baixinho,
sendo amparada por Michelle que a levou
para o fundo da classe.
O professor olhou para as garotas que
afastavam-se da mesa esquecendo-se por um
minuto da presença de Betina – esta
precisando dar quatro 'soquinhos' na mesa
para relembrá-lo de que estava lá.
– Mete bala, fessor – pediu Betina
escorregando para o centro, sentindo-se livre
por não ter ao seu lado aquelas duas. O
professor sorriu e então começou:
– Sei que você é amiga de Rafaela... – A
garota não entendeu aonde o professor
pretendia chegar. – talvez você possa ajudá-
la a fazer minha recuperação...
– O senhor pirou? – sussurrou, depois
sorrindo.
– Não.
– Não, sei! – debochou.
– Prefere que ela fique as duas semanas de
férias tendo aulas comigo...?
– Oh, fessor, o problema é dela... – disse
num sussurro enquanto suas sobrancelhas
finas contraíam-se. – Ela é que vai repetir no
colégio, não eu! – exclamou.
– Quanto egoísmo – afirmou com frieza o
professor.
– Quanto egoísmo?! – Ficou boquiaberto de
indignação.
– Sim.
Betina fechou a cara para o professor. Este
a olhou por cima dos óculos posicionado na
ponta do nariz:
– Eu só quero saber minhas notas –
relembrou com secura a garota.
– Está de férias.
Os lábios de Betina que estava apertados
tremeram de prazer.
– Parabéns.
– Obrigada – sorriu a garota, sem se
despedir do professor, caminhou até a
carteira onde estava sua mochila, a recolheu
e saiu do laboratório de Química, sem olhar
pra trás para Rafaela que choramingava,
antes baixinho, agora audível para os poucos
alunos que passavam pelo corredor claro e
especialmente sujo naquela manhã.
Não estava sendo egoísta, ajudaria
qualquer um que precisava de si, menos
Rafaela.
''Quanto egoísmo...'', se lembrou da frase
enquanto descia o primeiro lance de escadas.
Ao pisar o último degrau e se preparar para
descer a outra escada, ela parou e pensou:
''Talvez eu esteja sendo mesmo isso... Mas
ela está na corda bamba calçando sapatos de
solado vermelho e eu uso tênis, ela roubou-
me um namorado, meus amigos e a
confiança de metade do colégio em que
estudo desde o Pré I e eu estou roubando-lhe
as férias de julho...''.
Betina Rafaelli não era má por opção.
Toda a revolta e raiva que sentia do mundo,
seu apelido até era Raimunda, fora
implantada dentro dela pelas próprias
pessoas que questionavam-se o porquê dela
ser daquela maneira.
Uma vez na vida seu orgulho ferido tinha
que falar mais alto e naquele último dia de
aulas ele se pronunciara. Revidando tudo o
de mal que Rafaela Cardoso fizera para si
durante os três últimos anos.
Lembrou-se enquanto descia a outra
escada da mensagem que enviara para uma
amiga moradora de Cubatão: ''Todo Carnaval
tem seu fim como toda as amizades e como
todas as novas Betina que nascem de mim
quando alguém me fere, ela terá o troco em
breve, sim, ela terá o troco... Quero vê-la
sofrer um pouco, um terço do que eu sofri
quando ela fora egoísta demais. Sim, eu
também sinto saudades''.
'Ela' em questão não era a colega de classe
que perderia suas férias em Jurerê
Internacional, era uma outra garota que
também usava sapatos de solado vermelho e
que receberia o troco nas férias que
iniciavam-se naquela manhã.
A garota de cabelos longos e pintados de
um roxo desbotado, a raiz negra estava
aparente sorriu imaginando as maldades que
aprontaria para sua ex-melhor amiga. Os
cabelos eram sua única característica
marcante, no resto: e quero dizer, corpo e
traços, ela era tão igual às outras garotas do
colégio: as que não tinham namorados e
eram a chacota da turma ou mesmo as mais
lindas, populares e namoradas dos mais
lindos e populares.
Quando pulou o último degrau e saiu pelo
portão azul torceu seu nariz pequeno de
felicidade.
''Enfim, férias...'', sorriu com os olhos
bonitos. E todo seu conjunto, as sobrancelhas
desenhadas, a pele branca sem espinhas ou
manchas, nada fora do lugar e fora ao mesmo
tempo pareceu lindo para ela, até mesmo as
cicatrizes na barriga, tudo pareceu lindo e
perfeito pois ela estaria em Cubatão nas
próximas semanas e ela seria feliz, a ''garota
raiva do mundo'' desceria a serra naquela
mesma tarde para voltar para sua Cubatão
que já conhecera muitas Betina. E que não se
surpreenderia se conhecessem a nova ela
que havia gerado nos últimos meses.
Não percebera que havia parado ao lado do
portão, olhando para o nada enquanto sorria
idiotamente imaginando-se em Cubatão, não
se lembrando 'Dela' e dos planos malévolos,
não se lembrando que não mostraria mais
suas curvas adolescentes, não mais e até
mesmo esquecendo-se de que encontraria-se
com 'Ele'. Tinha apenas uma certeza, voltaria
para Brenda, sua única razão para ainda
desejar continuar a sorrir e passar de
propósito entre um grupinho de meninas da
oitava série sentadas na escada para ter seu
nome citado mais algumas vezes.
Por Brenda ela continuava a usar jeans
velho, coturnos surrados, camiseta pedindo
lavagem e a aquela sensação de
sufocamento que só elas sentiam, agora
acrescentando a Bett além da fama de má, o
egoísmo.
*