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Atacando a doença e não os sintomas

Uma Proposta para o PPS sobre a política macroeconômica

Introdução

Temos insistido que o debate macro e microeconômico deve estar


ligado ao desenvolvimento que queremos e não se dar à priori,
desconectado das demandas da proposta maior.

Buscamos basicamente a crítica às políticas públicas na


economia, mas a crítica positiva, propositiva e, principalmente
estruturante para nosso projeto. Aqui, embora vislumbremos outros,
atacamos os principais pontos do debate atual: Juros, câmbio e
investimentos.

Procuramos mostrar que há formulações que aumentariam, e


muito, a eficiência das políticas econômicas, sem afetar a questão da
democracia, isso é importante, e nos levariam mais perto do projeto de
desenvolvimento de acreditamos e que só será viável com estabilidade,
poupança e investimentos internos.

São inegáveis os avanços na política econômica desde o


lançamento do Plano Real, seguido pela solidificação do chamado
“tripé” da política macroeconômica, no segundo mandato de Fernando
Henrique Cardoso, assentado no sistema de câmbio flutuante- superávit
primário -metas de inflação, sistema que permaneceu no Governo Lula.
Tal política tem tido parte vital no recente sucesso da economia
brasileira, gerando a estabilidade necessária para o Brasil usufruir da
onda de desenvolvimento desencadeada pela ascendência da Ásia
como principal pólo de crescimento da economia global.

Mas, apesar desse sucesso, nossa economia ainda sofre de um


equilíbrio perverso, colocando em patamares distorcidos os dois
grandes “preços” da economia: a taxa de juros e a taxa de câmbio.
Apesar de uma tendência de queda nos últimos anos, as taxas reais de
juros ainda se encontram em patamares elevados, sendo caso de
exceção no âmbito internacional. Além da valorização da taxa de
câmbio colocar nossa indústria em xeque, ajudando gerar uma perigosa
especialização da economia em seus setores primários (matérias-prima)
e terciários (serviços) em detrimento da indústria.

A atual campanha presidencial apresenta oportunidade para re-


discutir e reformar o atual sistema de gerenciamento macroeconômico.

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O PPS deve reconhecer a importância desse debate e apresentar
propostas dentro do esforço para apoiar a candidatura de Jose Serra.

Atacando a doença e não os sintomas

Em momento onde, mais uma vez, o Banco Central do Brasil (BC)


esta aumentando a taxa de juros, é comum e fácil criticar tal postura
como inibidora do crescimento. Mas apesar de pontuais criticas ao BCB
poderem ou não ter mérito, afinal nenhuma instancia governamental é
infalível, o que devemos desejar combater não é uma ou outra atitude
do BC, mas sim todo um conjunto de fatos que fazem do Brasil
campeão mundial de taxas de juros e isso vai muito alem da vontade
momentânea dos dirigentes do BC.

Talvez a primeira tarefa para chegar a uma proposta coerente


nesse campo, que não coloque os ganhos que já temos em risco, é
desmitificar algumas noções muitas vezes adotadas de forma pouco
elaborada quando se discute esse complexo assunto.

Nem as taxas de juros nominais, nem as taxas de juros reais são


fixadas por livre arbítrio do BC. A taxa nominal que é seu principal
instrumento da política monetária, a Selic, é fixada para atingir uma
meta de inflação decidida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN),
que em ultima instancia responde ao Presidente da Republica. A taxa
real, por sua vez, é determinada pelo comportamento da inflação, algo
decidido dentro do conjunto da economia.

Alguns defendem, parece que em qualquer situação, que a Selic


sempre está alta demais. Diz-se que o BC trabalha a favor dos
interesses de uma “classe de rentistas” e não a favor “da produção”.
Mas se, de fato, o BC tivesse um viés para fixar a Selic acima do nível
necessário para aumentar os ganhos dos rentistas, deveríamos assistir
um processo onde a inflação ficasse sistematicamente abaixo da meta.
Ora, em todos os anos decorridos no atual sistema a inflação tem, com
raras exceções, estado perto ou acima da meta estipulada pelo CMN.
Isso já deveria mostrar aos defensores da crítica pelo rentismo que há
fatores alem da determinação da política monetária que sustentam um
perverso equilíbrio onde as taxas de juros reais assumem valores
elevados e ainda assim temos uma inflação média bem acima do
padrão internacional. Sem atacar esses fatores, não ha como
consistentemente baixar a taxa de juros sem incorrer em aumento da
inflação.

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A última mistificação que deve ser abandonada é que a solução
do problema se encontra em mudar a forma de operar do BC. Tais
propostas quase sempre implicam que, em determinadas situações, o
BC suba a Selic menos ou de forma mais gradualista. Embora discutir a
forma de operar a política monetária seja algo necessário, a verdade é
que executar tal mudança, sem atacar as razões subjacentes que
sustentam o atual equilíbrio, vai gerar somente mais inflação e isso vai
aumentar as taxas de mercado (que estão fora do controle do BC)
punindo ainda mais o setor produtivo.

O que devemos apoiar é um ataque às condições estruturais


que levam a taxa de juros a serem continuamente altas, e perder o
cacoete de culpar o BC por algo que foge do seu controle. A Selic alta é
um sintoma de um equilíbrio perverso e não sua causa.

Por conta desta lógica apresentamos três propostas para a


consideração do PPS, que podem contribuir de forma significativa para
uma queda permanente e sustentável das taxas de juros. Acreditamos
que tais propostas teriam, como beneficio secundário, mas igualmente
importante, levar a uma desvalorização da taxa real de câmbio.

Essas propostas são:

• A criação de um Conselho Econômico Nacional (CEN) como


instancia de coordenação das políticas fiscais, monetárias e
cambiais que teria como meta tanto a inflação como o crescimento
econômico;
• Medidas para aumentar o nível de poupança na economia;
• Medidas para aumentar a concorrência do setor financeiro e assim
baixar o “spread” bancário.

1. Coordenação das políticas macroeconômicas

Um dos fatores que mais contribuem para a alta taxa de juros na


economia é a falta de coordenação entre as políticas fiscais e
monetárias. No sistema atual, enquanto o BC fixa a Selic perseguindo a
meta de inflação, a regra da política fiscal, em tese, segue um regime
que procura garantir a solvência futura, fixando um nível de superávit
primário para estabilizar a relação divida/PIB. Tal regra, embora
importante, é incompleta por não levar em conta como a relação
tributação/gastos públicos pode afetar o nível de demanda agregada.
Por exemplo, enfrentando um momento de crescimento econômico

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acelerado com forte crescimento da receita, fica fácil atingir a meta de
superávit primário e, ao mesmo tempo, expandir os gastos, de tal forma
que a política fiscal aumenta a já acelerada demanda agregada,
contribuindo para uma piora da inflação. Tal contradição entre as
políticas fiscais e monetárias tem sido comuns no governo Lula,
especialmente no seu segundo mandato.

Mas, como acabamos de aprender durante a crise internacional


de 2008-2009, a política fiscal pode ter um papel importante no
gerenciamento da demanda agregada. Via mudanças em contribuições
e impostos, como aceleração ou contração de gastos e aumento na
oferta de credito via instituições financeiras publicas, a política fiscal
pode trabalhar em conjunto com a política monetária, de tal forma a
desonerar a ultima de ter toda a responsabilidade para adequar a
demanda com a oferta agregada. Tal coordenação deve levar a uma
queda permanente e sustentável das taxas de juros, sem resultar em
mais inflação.

Imaginamos que para tal sistema funcionar de forma eficaz e


poder afetar as expectativas do setor privado positivamente, deve-se
criar uma instancia de coordenação e planejamento das políticas
macroeconômicas.

Proponhamos a criação do Conselho Econômico Nacional


(CEN) para tal tarefa.
Esta nova instituição proposta absorveria as atuais funções do
Conselho Monetário Nacional e teria outras funções e funcionalidades
agregadas:

Além da divulgação usual da Ata das Reuniões:

i) Maior transparência nas discussões e decisões


ocorridas.
ii) Divulgação por escrito do posicionamento
individual de cada membro, assim como descrição de seus
argumentos para tal posicionamento.
iii) Subordinação das políticas monetária, fiscal e
orçamentárias às decisões do CEN, com responsabilização
dos responsáveis pela pasta que descumprir as
determinações.
iv) Formulação de colegiados no Ministério do
Planejamento e da Fazenda aos moldes do Copom, com
reuniões periódica trimestrais para determinação das ações

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que deverão ser tomadas para o atendimento ao estabelecido
pelo CEN. Assim como no Copom, atas e diagnósticos
deverão ser divulgados, com justificativas para as decisões e
resultados obtidos. Diagnósticos situacionais e projeções
também deverão ser abordados.
v) Criação de um colegiado externo consultor, agregando
especialistas representantes da sociedade civil, que teriam
papel de acompanhar e debater criticamente as decisões do
CEN.
vi) Criação de meta conjunta crescimento-inflação,
para dois anos e que guiará as políticas definidas no ambiente
do CEN.

O CEN seria, então, uma instancia ministerial sob o comando


do Presidente da República onde, para um prazo determinado dentro
das possibilidades concretas de mudar a execução da política fiscal
(imaginamos que trimestralmente), seria feito um planejamento da
política fiscal e monetária para atingir metas compatíveis de
crescimento e inflação como mencionado anteriormente, dado um
cenário prospectivo para a economia. Da mesma forma que o BC fixa a
Selic para atingir uma taxa de inflação num futuro dado, no estado atual
e prospectivo da economia, o CEN determinaria uma programação fiscal
e monetária para maximizar o crescimento da economia dado uma meta
de inflação. A inclusão da política fiscal como instrumento faz possível
que a política macroeconômica tenha instrumentos suficientes para
perseguir não somente a meta de inflação, mas também a de
crescimento. De forma coerente e coordenada.

Tal coordenação não visaria obstruir ou limitar a ação do BC para


perseguir a meta de inflação determinada pelo CEN. O BC deveria
continuar a ter liberdade operacional para fixar a Selic com objetivo de
convergir para a meta de inflação; por natureza a política monetária
pode ser ajustada mais rapidamente que a fiscal, conforme hajam
mudanças inesperadas na situação da economia. Mas com a execução
de uma política fiscal alinhada com a monetária, tendo em consideração
a situação presente da economia, o BC irá poder trabalhar com um nível
menor de juros, isso de forma permanente e sustentável.

Entendemos que o CEN deveria, também, coordenar as políticas


de credito das instituições financeiras publicas, especialmente o
BNDES, para alinhar a oferta de crédito no formato anticíclica.

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Institucionalmente devemos procurar mudanças nas leis e na
forma de execução para aumentar a flexibilidade da política fiscal ao
longo do tempo, assim potencializado a sua contribuição ao controle da
demanda agregada, ajudando a economia a trabalhar com um nível de
juros cada vez menor, sem estímulos à inflação.

2. Aumentar a geração de poupança

As taxas de juros são determinadas por um complexo de fatores


dentro do equilibro geral da economia. Enquanto uma coordenação
maior da política monetária e fiscal pode diminuir a sobrecarga sobre a
primeira, onde a taxa de juros delimita o nível de demanda para que
esteja compatível com o potencial de oferta da economia, a taxa de
juros também equaliza intertemporalmente a demanda por
recursos/investimentos com a sua oferta, isto é, a poupança. Embora
uma política fiscal realmente anticíclica contribua para aumentar o nível
da poupança agregada há fatores exógenos que também podem
contribuir para determinar o nível da poupança, dado um nível de
demanda agregada, e a taxa de juros, e esses fatores devem ser alvo
da política econômica.

Um país como o Brasil tem insuficiência de poupança por conta de


muitos fatores: O baixo nível de renda junto com o desenvolvimento do
mercado de credito que leva a vontade de suprir demanda reprimida
gerando uma alta demanda das camadas de renda inferior pelo
consumo (especialmente por bens duráveis), junto com um sistema de
garantias sociais (INSS, SUS) que inibem a criação de poupança
preventiva. Tal limitação gera uma trava efetiva ao crescimento da
economia, já que períodos de alto crescimento levam a maiores
investimentos, que por sua vez pela falta de oferta de poupança para
sustentar esses investimentos aumentam as taxas de juros e os déficits
na Conta Corrente (que é a diferença entre os investimentos e a
poupança interna). Esse déficit tem efeito nocivo sobre a taxa de
câmbio, que se valoriza em favor do real justamente devido a entrada
de poupança externa.

Apesar de que, na medida em que o pais se desenvolve,


possamos esperar que alguns dos fatores descritos acima tenham
menor incidência, a situação atual demanda uma intervenção mais forte
do Estado para gerar poupança. Hoje tanto o Estado como as famílias
não poupam. A única fonte consistente de poupança vem das empresas
do setor privado.

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Para mudar esse quadro, sugerimos as seguintes medidas:

A primeira é de que, dentro do arcabouço de coordenação de


políticas macroeconômicas determinado pelo CEN, o governo deveria
caminhar rapidamente para ter um superávit estrutural nominal (e não
só primário).

Usamos o termo “estrutural” para descrever uma situação onde a


posição fiscal muda conforme o ciclo econômico, estando em déficit
durante períodos onde a economia sofre desaceleração e superávit
quando há aceleração de demanda não compatível com a oferta, mas
de tal maneira que a posição media entre os picos do ciclo econômico é
de um superávit nominal (isto é, onde a receita supera a soma dos
gastos do Estado, inclusive com juros e amortização da divida publica).
Ou seja, produzir déficits ou superávits seria um instrumento, uma forma
de “regular” o andamento positivo ou negativo do ciclo. Estamos falando
de uma política de déficits e superávits articulada com metas de
crescimento e visando formação intencional de poupança pública e não
como resultado de questões pontuais.

Uma posição estrutural dessa forma tornaria o Estado em


uma fonte de poupança para a economia como um todo, ajudando
a baixar o nível da taxa de juros e ajudando a manter o câmbio em
um nível mais competitivo, diminuído a demanda por poupança
externa via déficits na conta corrente.

A segunda medida seria uma mudança para incentivar a


poupança da população, com uso mais agressivo de incentivos
tributários para canalizar a renda para a poupança e não o consumo.

Há aqui um grande numero de medidas possíveis que devem ser


pesquisadas, mas uma que gostaríamos de sugerir desde já é a criação
de uma “poupança-educação”, uma conta especial onde famílias
poderiam fazer poupança para custear a educação dos seus filhos na
qual, além de não pagar imposto sobre a renda assim aplicada, o
governo poderia depositar, como estímulo, depois de um prazo
determinado e com a comprovação do gasto em educação, um
percentual dessa poupança, ajudando assim a financiar os gastos com
educação. Tal instrumento pode, alem de aumentar o nível de
poupança e criar uma cultura para tal, ajudar na importante tarefa de
aumentar os recursos disponíveis para a educação.

3. Aumentar o nível de concorrência do setor bancário

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Enquanto baixar o nível da Selic é tarefa primordial para a
normalização financeira do Brasil, temos que reconhecer que também
convivemos com alguns dos maiores “spreads” (diferença entre taxa de
captação e do credito) bancários do mundo. Junto com as propostas
anteriores para ajudar a baixar o nível real da Selic, temos que atacar
essa fonte de custo para o setor produtivo.

Há hoje um nível sem precedente de concentração no setor


bancário. Enquanto isso pode ajudar a fortalecer o sistema por conta de
riscos possíveis, quanto mais coeso for o sistema menos riscos ele
corre, a falta de concorrência sem duvida é um dos fatores que
levam a um nível maior do spread bancário.

Enquanto não for viável pensar em desconcentrar o setor via uma


tentativa forçada de diminuir o tamanho dos principais bancos que hoje
dominam o mercado, há duas vias que podem ser perseguidas para
criar canais alternativos de crédito, o que representariam uma
concorrência concreta a esse setor altamente oligopolizado.

A primeira seria a utilização mais agressiva dos grandes


bancos públicos para oferecer credito a taxas mais competitivas.
Mas para isso acontecer esses bancos tem que atingir passar por uma
reestruturação para atingir maiores níveis de eficiência. Somente tendo
eficiência operacional próxima a do setor privado, algo que hoje não
acontece, é que os bancos públicos poderiam usar seu poder de
mercado para forçar um nível menor no spread bancário e, ao mesmo
tempo, uma rentabilidade adequada a seus acionistas. No atual
momento e com as atuais estruturas reduzir o spread dos bancos
públicos implica em afetar a rentabilidade dos acionistas, o que explica
a oscilação das taxas desses bancos, apesar da “ordem” presidencial.

A segunda maneira para baixar o spread bancário seria


incentivar a criação de instrumentos de mercado de capitais,
especificamente títulos de renda fixa, para desintermediar a relação
poupador-produção, e criar uma fonte alternativa de recursos para a
produção que concorreria com o setor bancário, ajudando a diminuir os
altíssimos spreads.

Aqui, fora mudanças na regulamentação e tributação dos


mercados de capitais para incentivar o surgimento desse mercado, os
bancos públicos e os fundos de pensão também poderiam ser

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encorajados a apoiar o surgimento dessa fonte alternativa de
financiamento.

Conclusões

Apesar dos avanços dos últimos anos devemos reconhecer que a


economia brasileira ainda vive em condições excepcionais, no que
concerne os níveis das taxas de juros e do câmbio. Apresentamos aqui
propostas concretas que, no seu conjunto acreditamos que levaram ao
Brasil ter um nível menor da taxa de juros e do valor do Real contra
outras moedas.
Ao contrário de muitas outras propostas levantadas por críticos da
política econômica atual, a nossa não corre o risco de quebrar
regras do mercado, gerando uma inevitável deterioração da
estabilidade econômica. Entendemos que temos a obrigação de
não agir de forma autoritária, tentando “impor” a economia nossa
vontade, mas sim atacar as causas estruturais que determinam a
situação atual.

Devemos também ter em mente que como os níveis de inflação,


do câmbio e das taxas de juros são na verdade determinados pela
crença coletiva do mercado sobre qual será o estado futuro dos
fundamentos do país, que o anúncio da implementação de um plano
coerente como este terá efeito positivo imediato sobre a economia.
Como no caso do Plano Real, visamos usar os próprios
mecanismos do mercado para atingir nossa meta que é mudar o
atual equilíbrio entre as taxas de juros e a taxa de câmbio.

Devemos, dentro do atual debate, nos inspirar no que foi feito


durante o Plano Real e usar as lições do seu sucesso para formular um
plano igualmente ousado para levar a economia brasileira, finalmente, a
um estado de crescimento acelerado, mas sustentável.

Tony Volpon
17 de Maio, 2010

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