Professional Documents
Culture Documents
Resumo:
As relações afetivas permeiam o processo de ensino-aprendizagem. O comportamento do
professor expressa sua afetividade e quando trabalhado de forma consistente, valorizando os
aspectos positivos dessa afetividade é um poderoso instrumento de auxilio no aprendizado. Alguns
autores associam a afetividade ao processo de liderança estabelecido em relação a seus alunos,
sendo que a liderança do professor pode facilitar ou dificultar o desempenho de seus alunos. Uma
questão apresentada é a afetividade em sala de aula e a leitura psicanalítica sobre a mesma.
Embora as relações afetivas façam parte do dia a dia de sala de aula existem no Brasil poucas
pesquisas a respeito.
AFETIVIDADE E ENSINO
A afetividade, ou relações de afeto entre as pessoas permeia a maioria dos
relacionamentos do dia a dia no decorrer de todo desenvolvimento humano. E
permear tem vários sentidos possíveis, como intercalar, interpor, atravessar,
penetrar. Já ao nascer o sujeito humano nasce dentro de uma troca afetiva, onde
mãe, pai, irmãos, constelação familiar entra no processo do jogo afetivo com o
bebê.
É interessante pensar que independente da linha de trabalho tomada pelo
professor, seja ela humanista, histórico crítica, aprendizagem social, tecnicista; há
sempre um elo, um liame entre o que se ensina ou o que se quer ensinar aos
alunos e a questão afetiva que também permeia a relação dos professores com
seus alunos. Existe sempre o desejo de que o aluno aprenda aquilo que o
professor quer que ele aprenda, pois o professor pensa que isso venha a ser
importante no decorrer de sua vida adulta ou profissional. Tem-se então nesse
jogo de ensino aprendizagem uma situação ligada ao desejo, o desejo do
professor que virá a instituir a aprendizagem; se este desejo será realizado ou
não, provavelmente estará vinculado à sua competência.
Ao trabalharem em pesquisa com as representações sociais de professores
sobre a afetividade, Ribeiro e Jutras (2006), coletaram seus dados com 100
professores em formação e pediram que associassem livremente (substantivos,
adjetivos, verbos e expressões sinônimas) e a partir dos resultados dessa
pesquisa inicial recrutaram quinze participantes para entrevistas semi-estruturadas
com questões provocadoras. Os pesquisadores dizem que: “os professores
atestam de forma consensual, que a afetividade é importante para que se
estabeleça uma melhor relação educativa entre professores e alunos favorável,
conseqüentemente, à aprendizagem dos conteúdos escolares” (p.44).
Segundo Ribeiro e Jutras (2006) as representações dos participantes em
sua pesquisa conduzem a um protótipo ou modelo desejável de professor afetivo:
um professor que compreende as necessidades dos alunos, centrado na pessoa
dos mesmos, e que as inclui no planejamento de ensino, buscando também
desenvolver em sala de aula atividades criativas, dinâmicas e que demandam
participação em grupo, onde os alunos aprendem a convivência.
Com relação à afetividade em sala de aula, Leite (2004) diz que o
pressuposto central é a idéia de que a relação que se estabelece entre sujeito e
objeto de conhecimento depende da qualidade da história de mediação, sendo
que essa mediação é essencialmente afetiva. E essas mediações concretas
ocorrem na sala de aula, através das práticas pedagógicas.
Foram identificados, segundo Leite (2004), cinco decisões assumidas pelo
professor, ao planejar seu ensino, que têm implicações afetivas na futura relação
que irá se estabelecer entre o aluno e o objeto de conhecimento: a escolha dos
objetivos de ensino, a decisão sobre o ponto de partida para que o ensino
aconteça, a organização dos conteúdos, a escolha dos procedimentos de ensino e
a escolha dos procedimentos de avaliação. Parte-se então da idéia de que as
decisões que o professor toma quando planeja um curso, os efeitos dessas
decisões são marcadamente afetivos e não apenas cognitivos, são decisões que
vão determinar profundamente as histórias de relações que se estabelecem entre
os alunos e os objetos de conhecimento.
Uma pesquisa objetivando descrever as práticas pedagógicas
desenvolvidas por um professor em sala de aula, foi a realizada por Leite e
Tagliaferro (2005), onde os autores tendo como referencia a perspectiva histórico
cultural, na qual assume-se que as relações que se estabelecem entre o aluno e
os objetos do conhecimento (conteúdos ministrados na escola) são marcadamente
afetivas, sendo que sua qualidade (prazerosa ou aversiva) vai depender, no
mesmo sentido, do processo de mediação vivenciado pelo aluno, em sala de aula
enfatizando o trabalho pedagógico do professor.
A abordagem histórico cultural apresenta uma leitura das dimensões
cognitivas e afetivas do sujeito humano, defendendo uma visão em que
pensamento e sentimento integram-se. Dentro dessa visão o homem é um ser
social, pois se constitui nas e pelas relações sociais que estabelece com a
natureza e com os outros seres humanos, sendo então produtor e produto destas
relações num processo histórico. O ser humano constrói uma nova realidade,
agora histórico cultural, permeada pela cultura e pelo conhecimento. (Silva e Davis
in Quadros, 2009).
Segundo Leite e Tagliaferro (2005), essa abordagem enfatiza
determinantes culturais, históricos e sociais da condição humana, permitindo
pressupor, de acordo com Luria (1979, in Leite e Tagliaferro, 2005) que a maioria
dos conhecimentos e habilidades do homem é assimilada da experiência de toda
a humanidade, acumulada no processo da história social e transmissível no
processo de aprendizagem.
O processo de ensino-aprendizagem, dizem Leite e Tagiaferro (2005), é
uma atividade consciente do ser humano e não envolve somente questões
cognitivas. Mais recentemente, em função da visão histórico cultural, a concepção
de homem tem se transformado, dando origem a uma visão integradora que
defende a indissociabilidade dos aspectos afetivos e cognitivos. Com respeito à
educação, isso implica numa revisão de práticas pedagógicas, pois a partir desse
aspecto integrador, faz-se necessário caracterizar as relações de ensino
aprendizagem também enquanto processo afetivo. É através das relações
interpessoais (sujeito mediador) concretas com outros sujeitos humanos que o
individuo vai chegar a interiorizar as formas culturalmente estabelecidas de
funcionamento psicológico.
O comportamento do professor em sala de aula, diz Tassoni (2000)
expressa suas intenções crenças, valores, sentimento e desejos que afetam cada
aluno individualmente. Com relação à alfabetização, em sua pesquisa a autora
considera que a mediação feita pelas professoras constitui-se um fator
fundamental para determinar a natureza da relação aluno-escrita. Com relação à
postura das professoras pesquisadas, a atitude de acolhimento por parte da
professora, sua receptividade e proximidade estabelecem cumplicidade no
aprendizado. Embora a linguagem oral seja importante, a postura corporal
denotando proximidade proporciona inúmeras formas de interação.
O respeito, a colaboração, a valorização de cada um e o desejo de
compreender o outro, diz Tassoni (2000), são sentimento que devem ser
cultivados, pois quanto melhor esses sentimentos aparecerem, mais consistentes
e profundos serão os relacionamentos, promovendo uma aprendizagem
significativa. Os fenômenos afetivos referem-se também aos estados de medo,
raiva, ansiedade e tristeza, sendo que esse lado “negativo” dos sentimentos deve
ser trabalhado para não influenciar negativamente no processo de aprendizagem.
As transformações da cognição levam a transformações da afetividade e
vice-versa, diz Tassoni (2008), após pesquisa com alunos em quatro idades
diferentes (6, 10, 14 e 17 anos). As diferentes faixas etárias mostram sujeitos com
características diferentes e, em função disso a afetividade que medeia as relações
entre professores e alunos é diferente. As emoções e sentimentos produzidos pela
dinâmica interativa em sala marcam de modo significativo a relação dos alunos
com seu objeto de conhecimento. A intensidade das emoções agradáveis ou
desagradáveis produzidas nas praticas pedagógicas, possibilita o afastamento ou
aproximação dos alunos com o objeto de conhecimento, levando-os a gostar ou
não do aprendizado. Da mesma maneira, o modo como cada professor manifesta
sua relação com o objeto de conhecimento e com a docência, é produtor de
sentimentos que afastam ou aproximam os alunos do objeto de conhecimento. A
atuação dos professores contagia a atuação dos alunos, envolvendo-os ou não e
sua aprendizagem, contribuindo ou não para o destravamento da atividade
cognitiva.
É necessário salientar que nenhum professor nasce pronto ou
predeterminado geneticamente a ser bom professor (Guimarães, 2008), pois “ao
contrário, um bom professor assim se constitui por meio das práticas pedagógicas
concretas que desenvolve, do exercício reflexivo dessas práticas” (p.100), entre
outros fatores.
Questões relacionais de alunos e atuação de professores.
Molon e Santos (2008) realizaram pesquisa com professores do ensino
fundamental, utilizando-se de estudo de caso do tipo qualitativo. As autoras dizem
que as crianças entre seis e doze anos experimentam a necessidade de aprender
com os adultos e tornam-se competentes e com capacidade produtiva.
Para Molon e Santos (2008) o professor ao estabelecer um clima de
confiança e uma atitude de respeito com o aluno passa a ser um grande mediador
das aprendizagens destes. Tem-se então que uma das fontes motivacionais no
processo de ensino-aprendizagem está no vinculo estabelecido entre educador e
educando. A afetividade é um fator que precisa ser fortalecido nas relações de
aprendizagem dentro e fora da escola. É na infância e inicio de adolescência que
educadores podem contribuir para o desenvolvimento social humano obtendo
resultados favoráveis e duradouros.
As aprendizagens construídas na escola, segundo Molon e Santos (2008),
são muitas vezes as mais relevantes para a vida das pessoas. Crianças com
dificuldades na vida interpessoal familiar buscarão, na maioria das vezes, um olhar
afetivo do colega de classe, do professor, de um funcionário da escola ou até
mesmo de outros educadores que nela trabalham.
O mundo do trabalho, na atualidade, além da competência técnica, busca
também a competência interpessoal, isto é pessoas habilidosas afetivamente.
Molon e Santos (2008) dizem que o desenvolvimento de competências sociais
como espírito de coletividade, empatia, capacidade de resolver conflitos
interpessoais, habilidade para dizer “não” e admitir falhas estão no centro das
preocupações do mundo do trabalho. Visando isso, o cenário educativo tem se
ocupado pouco com aspectos mais voltados para o afeto, emoções e relações
interpessoais. Havendo então uma contradição, já que a civilização atual propõe a
separação entre o mundo afetivo e o racional e intelectual.
Na pesquisa realizada por Molon e Santos (2008) foi possível perceber que
as estratégias utilizadas pelos professores em sala de aula para resolver questões
relacionais dos alunos eram: conversas individuais com os alunos, solicitação do
apoio à classe de alunos, pedido de visita dos pais à escola e acompanhamento
do serviço de psicopedagogia e Orientação Educacional da escola. Sendo a
conversa individual entre professor e aluno foi vista como uma das atitudes mais
eficientes.
Referências:
FILLOUX, Jean Claude 2002. Psicanálise e Educação. São Paulo: Expressão e
Arte.
FREUD, Sigmund 1912 - 1980. A dinâmica da transferência. Edição Standard
Brasileira das obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago.
GONZÀLES REY, Fernando Luiz 2003. Sujeito e subjetividade: uma aproximação
histórico-cultural. São Paulo: Pioneira Thomson Learning.
Grupo de Pesquisas em Psicologia e Educação: Implicações no processo de
ensino aprendizagem 2010 . Universidade estadual do Paraná – FAFIPAR:
Paranaguá. Discussão afetividade professor aluno.
JOHN, W. e DAVIS, K. 1993. Organizational behavior – human behavior at work.
New York: McGraw Hill.
JUSTO, José Sterza 2004. A psicanálise lacaniana e a educação. In: Carrara,
Kester org. Introdução à psicologia da educação: seis abordagens. São Paulo:
Avercamp.
RIBEIRO, M. L. e JUTRAS, F 2006. Representações sociais de professores sobre
afetividade. Estudos de Psicologia (Campinas). 23(1), 39-45.
TASSONI, Elvira Cristina 2000. Afetividade e produção escrita: a mediação do
professor em sala de aula. Dissertação de mestrado. Universidade Estadual de
Campinas. Faculdade de Educação.
TASSONI, Elvira Cristina 2008. A dinâmica afetiva na sala de aula: as
manifestações afetivas no processo de escolarização. Tese de doutorado.
Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação.
GUIMARÃES, D. C. F. 2008. A afetividade na sala de aula: as atividades de
ensino e suas implicações na relação sujeito-objeto. Dissertação de mestrado.
Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação.
LEITE, S.A.S.; TAGLIAFERRO, A. R. 2005. A afetividade na sala de aula: um
professor inesquecível. Psicologia escolar e educacional. 9 (2).
MAGNO, C: SEMBRANO, J. 2007. The role of teacher efficacy and characteristics
on teaching effetivenes, performance, and use of learner-centered practices. The
asia pacific-education researcher. 16 (1).
MEMON, J. A. 2006. Efect of teacher leadership stylo on class satisfaction and
also explore the relationship between teacher leadership style. Thesis – defended
on National University of modern languages (NUML).
REGO, Armênio 2001. O bom cidadão docente universitário na senda da
qualidade no ensino superior. Educação & sociedade. 75, p. 174-199.
QUADROS, E.A 2009. Psicologia e desenvolvimento humano. Curitiba: Sergraf.
SADALA, A.M.F.A 2004. Entrevista com Sérgio Leite. Psicologia escolar e
educacional. 8 (1).
SHARMA, G. 2002. Fundamentals of education. New York: Norton & Company
Inc.