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TEMPO COMUM. OITAVA SEMANA.

SEGUNDA-FEIRA

64. O JOVEM RICO


– Deus nos chama a todos. Necessidade do desprendimento para seguir a Cristo.

– A resposta à vocação pessoal.

– Pobreza e desprendimento na nossa vida diária.

I. O EVANGELHO DA MISSA de hoje1 diz-nos que Jesus saía de uma


cidade a caminho de outro lugar, quando um jovem veio correndo e se deteve
diante d’Ele. Os três Evangelistas que nos relatam o episódio contam-nos que
era de boa posição social.

Ajoelhou-se aos pés de Cristo e fez uma pergunta fundamental para todos
os homens: Mestre, que devo fazer para alcançar a vida eterna? Jesus está
de pé, rodeado dos seus discípulos, que contemplam a cena; o jovem, de
joelhos. É um diálogo aberto, em que o Senhor começa por dar uma resposta
em termos gerais: Guarda os mandamentos. E enumera-os: Não matarás,
não adulterarás, não furtarás... O jovem responde: Mestre, tudo isso tenho
guardado desde a minha infância... Que me falta ainda?2

É a pergunta que todos nós fizemos alguma vez, perante o desencanto


íntimo das coisas que, sendo boas, não acabavam de satisfazer-nos o
coração, e perante a vida que ia passando sem apagar essa sede oculta que
não é saciada. E Cristo tem uma resposta pessoal para cada um, a única
resposta válida.

Jesus sabia que no coração daquele jovem havia um fundo de


generosidade, uma grande capacidade de entrega. Por isso olhou-o
comprazido, com amor de predilecção, e convidou-o a segui-lo sem nenhuma
condição, sem laços que o retivessem. Olhou-o fixamente, como só Cristo
sabe olhar, até o mais fundo da alma.

“Ele fita com amor cada um dos homens. O Evangelho confirma-o a cada
passo. Pode-se até dizer que nesse «olhar amoroso» de Cristo está contido
como que o resumo e a síntese de toda a Boa Nova [...]. O homem necessita
desse «olhar amoroso»; é-lhe necessária a consciência de ser amado, de ser
amado eternamente e escolhido desde toda a eternidade (cfr. Ef 1, 4)”3. O
Senhor, agora e sempre, vê-nos assim, com um profundo amor de
predilecção.

O Mestre, com uma voz que devia ter tido um acento muito particular,
disse-lhe: Uma coisa te falta ainda. Só uma. Com que ansiedade o jovem não
estaria aguardando a resposta do Mestre! Era, sem dúvida, a coisa mais
importante que ia ouvir em toda a sua vida. Vai, vende tudo o que tens e dá-o
aos pobres... E depois vem e segue-me. Era um convite para que se
entregasse inteiramente ao Senhor.

Deus chama a todos: sãos e enfermos; pessoas com grandes qualidades


ou de capacidade modesta; os que possuem riquezas e os que passam por
dificuldades; os jovens, os anciãos e os de idade madura. Cada homem, cada
mulher, deve descobrir o caminho peculiar a que Deus o chama. Mas, seja
qual for esse caminho, chama todos à santidade, à generosidade, ao
desprendimento, à entrega; diz a todos no seu interior: Vem e segue-me.

Aquele jovem vê de repente a sua vocação: a chamada para uma entrega


plena. O seu encontro com Jesus descobre-lhe o sentido e a tarefa
fundamental da sua vida. Mas descobre-lhe ao mesmo tempo até onde
chegava a sua verdadeira disponibilidade. Até aquele momento, julgava
cumprir a vontade de Deus porque cumpria os mandamentos da Lei. Quando
Cristo lhe desvenda o panorama de uma entrega completa, percebe quanto
apego tem às suas coisas e como é pequeno o seu amor à vontade de Deus.
Hoje, essa cena continua a repetir-se.

“Dizes, desse teu amigo, que frequenta os Sacramentos, que é de vida


limpa e bom estudante, mas que não «entrosa»; se lhe falas em sacrifício e
apostolado, fica triste e vai-se embora.

“Não te preocupes. Não é um malogro do teu zelo; é, à letra, a cena que


narra o Evangelista: «Se queres ser perfeito, vai e vende tudo o que tens e
dá-o aos pobres» (sacrifício)... «e vem depois e segue-me» (apostolado).

“O adolescente «abiit tristis» – também se retirou entristecido; não quis


corresponder à graça”4.

Foi-se cheio de tristeza, porque a alegria só é possível quando há


generosidade e desprendimento, quando há essa disponibilidade absoluta
diante do querer de Deus que se manifesta em momentos bem precisos da
nossa vida e, depois, na fidelidade ao longo dos dias e dos anos.

Digamos hoje ao Senhor que nos ajude com a sua graça para que, a cada
momento, possa contar efectivamente connosco para o que queira: livres de
objecções e de laços que nos prendam. “Senhor, não tenho outro fim na vida
a não ser buscar-vos, amar-vos e servir-vos... Todos os outros objectivos da
minha vida se orientam para isso. Não quero nada que me separe de Vós”,
dizemos-lhe neste diálogo.

II. “A TRISTEZA DESTE JOVEM leva-nos a reflectir, comenta João Paulo


II. Podemos ser tentados a pensar que possuir muitas coisas, muitos bens
deste mundo, pode fazer-nos felizes. Vemos, no entanto, no caso do jovem
do Evangelho, que as riquezas se tornaram um obstáculo para aceitar a
chamada de Jesus que o convidava a segui-lo. Não estava disposto a dizer
“sim” a Jesus e “não” a si mesmo, a dizer “sim” ao amor e “não” à fuga! O
amor verdadeiro é exigente [...]. Porque foi Jesus – o próprio Jesus – quem
disse: Vós sereis meus amigos se fizerdes o que eu vos mando (Jo 15, 14). O
amor exige esforço e compromisso pessoal para cumprir a vontade de Deus.
Significa sacrifício e disciplina, mas significa também alegria e realização
humana [...]. Com a ajuda de Cristo e através da oração, podereis
corresponder à sua chamada [...]. Abri os vossos corações a este Cristo do
Evangelho, ao seu amor, à sua verdade, à sua alegria. Não vos vades
embora tristes!”5

A chamada do Senhor que nos convida a segui-lo de perto exige uma


atitude de resposta contínua, porque Ele, nas suas diferentes chamadas,
pede uma correspondência dócil e generosa ao longo da vida. Por isso,
devemos situar-nos com frequência diante de Deus – cara a cara, sem
anonimato – e perguntar-lhe como o jovem do Evangelho: Que me falta? Que
exigências tem hoje a minha vocação de cristão nas minhas circunstâncias?
Que caminho o Senhor quer que eu siga?

Sejamos sinceros: quem tem autêntico desejo de saber qual o caminho de


Deus para si, esse acaba por conhecê-lo claramente. “O cristão vai
descobrindo assim, no meio da sua vida corrente, como a sua vocação se
deve ir realizando através de um entrançado quotidiano de chamadas e
sugestões divinas [...], de instantes significativos, de «vocações» concretas
para que realize, por amor ao seu Senhor, pequenas ou grandes tarefas no
mundo dos homens. E é no meio desse diálogo contínuo com o Senhor, feito
de constantes fidelidades, que pode por fim escutar essa voz divina que o
convida a tomar uma decisão definitiva, radical [...]. A palavra de Deus pode
chegar-lhe com o furacão ou com a brisa (1 Re 19, 22)”6. Mas, para segui-la,
deve estar desprendido de qualquer liame; só Cristo é que importa. Todo o
resto, n’Ele e por Ele.

III. AQUELE JOVEM LEVANTOU-SE, esquivou-se ao olhar de Jesus e ao


seu convite para uma profunda vida de amor, e foi-se embora com a tristeza
estampada no rosto. “Intuímos que a negativa daquele momento foi
definitiva”7. O Senhor viu com pena como o seu jovem interlocutor se
afastava; e o Espírito Santo revela-nos o motivo da sua recusa: tinha muitos
bens e estava muito apegado a eles.

Depois do incidente, a comitiva empreendeu a caminhada. Mas antes, ou


talvez enquanto davam os primeiros passos, Jesus, olhando à sua volta,
disse aos seus discípulos: Que dificilmente entrarão no reino de Deus os que
têm riquezas! Todos ficaram impressionados com as suas palavras. E o
Senhor repetiu com mais força: Mais fácil é a um camelo passar pelo buraco
de uma agulha do que a um rico entrar no reino de Deus.

Devemos considerar com atenção o ensinamento de Jesus e aplicá-lo à


nossa vida: não se pode conciliar o amor a Deus – esse segui-lo de perto –
com o apego aos bens materiais: num mesmo coração, não pode haver lugar
para esses dois amores juntos. O homem pode orientar a sua vida propondo-
se Deus como fim, e alcançá-lo também, com a ajuda da graça, através das
coisas materiais, usando-as apenas como meios que são e na justa medida
em que o forem; ou infelizmente pode pôr nas riquezas a esperança da sua
plenitude e felicidade: desejo desmedido de bens, de luxo, de comodismo,
ambição, cobiça...

Temos hoje uma boa ocasião para nos examinarmos valentemente, na


intimidade da nossa oração, sobre a mola que realmente comanda a nossa
actuação, isto é, sobre o lugar em que pára o nosso coração: se nos
propusemos seriamente viver desprendidos dos bens da terra ou se tudo nos
parece pouco e queremos acumular indefinidamente; se temos uma
preocupação obsessiva com o futuro, amealhando como se fôssemos viver
para sempre na terra ou como se, no caso dos pais, os filhos devessem
receber tudo deles e nunca ter que trabalhar; se somos sóbrios nas
necessidades pessoais ou familiares, evitando os gastos supérfluos, os
extraordinários descontrolados, as necessidades falsas das quais poderíamos
prescindir com um pouco de boa vontade; se cuidamos com esmero das
coisas da nossa casa e dos bens que usamos; se actuamos com a
consciência clara de sermos apenas administradores dos nossos recursos e
devermos prestar contas deles ao seu verdadeiro Dono, Deus Nosso Senhor;
se aceitamos com alegria as incomodidades e a falta de meios; se somos
generosos na esmola aos mais carentes e na manutenção de obras sociais
ou de formação cristã, privando-nos de coisas que gostaríamos de ter... Só
assim viveremos com a alegria e a liberdade necessárias para sermos
discípulos do Senhor no meio do mundo.

Seguir Cristo de perto é o nosso ideal supremo; não queremos retirar-nos


da sua presença como aquele jovem, com a alma impregnada de profunda
tristeza por não termos sabido desprender-nos de uns bens de pouco valor,
em comparação com a imensa riqueza de Jesus.

(1) Mc 10, 17-27; (2) Mt 19, 20; (3) João Paulo II, Carta aos jovens, 31-III-1985, n. 7; (4) São
Josemaría Escrivá, Caminho, n. 807; (5) João Paulo II, Homilia no Boston Common, 1-X-
1979; (6) P. Rodriguez, Fé e vida de fé, págs. 82-83; (7) R. A. Knox, Deus e eu, Quadrante,
São Paulo, pág. 163.

(Fonte: Website de Francisco Fernández Carvajal AQUI)

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