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RESENHA: “DEUS EM QUESTÃO”


ARMAND NICHOLI JR.

Por Eliel Vieira

Os livros de apologética cristã1 geralmente são criados sobre um mesmo padrão: defesa dos
tradicionais argumentos a favor da existência de Deus, refutação (em alguns casos apenas uma
camuflagem) das acusações ateístas consideradas mais pertinentes e, por fim, quase sempre, uma
defesa da visão teísta cristã, enfatizando a particularidade da revelação cristã ante as demais religiões
existentes. Este é um esqueleto básico de um livro de apologética cristã. Livros de defesa da fé que
sejam elaborados de forma diferente ou que contenham enfoques diferentes deste mencionado acima
são raras exceções – exceções que são comemoradas por todos aqueles que se interessam na controvér-
sia sobre a existência de Deus!

Deus em Questão2, escrito por Armand Nicholi Jr., é uma destas boas exceções. O subtítulo da
obra – C. S. Lewis e Freud debatem Deus, amor, sexo e o sentido da vida – indica porque esta é
distinta das demais obras apologéticas cristãs. Com uma genialidade incrível, Armand Nicholi nos
presenteou com uma obra que mescla ciência dos principais pontos relacionados à controvérsia sobre a
existência de Deus e largo conhecimento dos escritos e da biografia tanto de Sigmund Freud quanto de
C. S. Lewis.

Diferentemente do que o subtítulo da obra possa transparecer, o autor não pretendeu nela simu-
lar um debate entre estes dois famosos pensadores do século passado. Você não encontrará simulações
de refutações de um ao outro – todas as falas dos pensadores tiveram as fontes indicadas no livro. O
objetivo da obra é apontar quais eram as posições e as dúvidas tanto de Freud quanto de Lewis em
relação a alguns aspectos cruciais relacionados à controvérsia da existência de Deus. A expectativa

1
“Livros de apologética cristã” pode parecer um pleonasmo, contudo, em uma época em que os ateus têm escrito livros
enfáticos de defesa daquilo que eles chama de cosmovisão, é proveitoso deixar enfatizado que a apologética a que me
referi é da parte de cristãos.
2
Lançado no Brasil pela editora Ultimato em 2005.

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sobre como seria um debate entre ambos – bem como sobre quem se sairia melhor neste debate – surge
naturalmente conforme caminhamos com a leitura de Deus em Questão. Talvez seja esta a razão do
subtítulo mencionar a palavra “debate”.

Apesar de ser cristão, contudo, não há por parte do autor qualquer sugestão tendenciosa para o
lado de qualquer debatedor durante a exposição dos argumentos deles. Como psiquiatra, cristão e
alguém que tem um razoável conhecimento dos escritos e da biografia de Sigmund Freud e de C. S.
Lewis, é provável que Armand Nicholi considere proveitosas tanto as teorias psicanalíticas de Freud
quanto a apresentação apologética cristã criativa inventada por Lewis. É digno de nota o fato de o
autor ter refreado seu impulso cristão evangelizador visando garantir a Deus em Questão uma aborda-
gem mais fiel e imparcial possível das posições de ambos pensadores.

A pergunta básica para a qual Armand Nicholi tentou buscar uma resposta em seu livro é, “Se
tanto Freud quanto Lewis consideravam a questão da existência de Deus a mais importante da vida,
como chegaram a conclusões conflitantes?”3.

Após apresentar no primeiro capitulo uma biografia de cada um dos protagonistas da obra –
caminhando da infância à fase adulta, focando alguns pontos relevantes da história de ambos – o autor
discorre capítulo após capítulo as posições de cada pensador no que se refere à maior das controvérsias
existentes ao ser humano – a questão sobre Deus.

O capítulo dois, “O Criador”, traz as posições e dúvidas dos pensadores sobre a existência de
Deus; o capítulo três, “Consciência”, discorre sobre o problema da moralidade (se ela é algo que nós
criamos, se é um produto sem propósito da Seleção Natural ou se é algo que foi impresso em nós por
Deus); “A grande transição”, o quarto capítulo, questiona qual visão de mundo é mais coerente a se
tomar, se a teísta ou a ateísta – terminado assim a primeira parte do livro, chamada “Em que acredi-
tar?”. Na segunda parte, chamada “Como viver?”, os capítulos tratam de temas secundários da contro-
vérsia sobre a existência de Deus, como “Felicidade”, “Sexo”, “Amor”, “Dor” e “Morte” – nomes dos
capítulos cinco a nove, respectivamente.

Como esta resenha é sobre o livro Deus em Questão, não sobre a posição de cada um dos seus
protagonistas, não vou cometer o equívoco de expor minhas opiniões sobre os argumentos de Sigmund
Freud ou de C. S. Lewis. As opiniões e as conclusões ficam a cargo dos próprios leitores. Contudo,
penso ser proveitoso (até mesmo para fomentar a curiosidade de potenciais leitores deste livro), citar
nesta resenha algumas curiosidades:
3
NICHOLI, Armand M. Deus em Questão. Viçosa/MG: Ultimato, 2005. p. 17.

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I – Freud quase chegou a ser teísta. Quando jovem, ao ouvir os argumentos a favor da exis-
tência de Deus proferidos por um dos seus professores de filosofia, chamado Brentano, Freud reconhe-
ceu em algumas cartas enviadas a um amigo:

“É desnecessário dizer que sou um ateu apenas por necessidade, e sou honesto o suficiente
para confessar que sou incapaz de refutar os argumentos dele [Brentano]; entretanto, não
tenho nenhuma intenção de me entregar tão rápida ou completamente.” [...] “Por enquanto,
parei de ser um materialista e não sou ainda um teísta.” [...] “A parte ruim disso tudo, espe-
cialmente para mim, está no fato de que a ciência de todas as coisas parece demandar a
existência de Deus.”4

II – É possível que Freud e Lewis tenham de fato se encontrado pessoalmente. Freud


afirmou ter recebido a visita de “um jovem professor de Oxford”, não identificado, quando ele imigrou
para a Inglaterra para viver em Hampstead, de Junho de 1938 a Setembro de 1939, últimos quinze
meses de sua vida. Trata-se apenas de uma curiosa especulação, obviamente.

Fato é que tanto Freud quanto Lewis se preocupavam bastante com a controvérsia sobre Deus e
escreveram bastante sobre ela. A história de vida dos protagonistas da obra Deus em Questão é bem
parecida em vários pontos: ambos eram ateus na juventude e ambos tiveram acesso ao teísmo –
Sigmund Freud continuou ateu e C. S. Lewis se tornou cristão – e, por causa desta preocupação que
tinham referente à existência de Deus, ambos trouxeram contribuições enormes às questões que ainda
hoje são discutidas tanto no nível popular quanto no acadêmico.

É fato também que Armand Nicholi nos presenteou com um livro bastante original e muito bem
escrito, que foge de todos os esqueletos pré-fabricados de livros de apologética cristã com os quais
estamos acostumados a lidar.

O único ponto negativo a listar sobre esta obra é que os capítulos são muito longos e não há
muitas divisões nos mesmos. Tudo bem! Os capítulos que compõem a obra são grandes porque a
quantidade de informação que precisava ser exposta e comentada dentro de cada assunto é enorme.
Contudo, penso que não custava ao autor ter separado os capítulos com subtítulos menores. Como são
minorias as pessoas que dispõem de horas livres ininterruptas para dedicação à leitura, é provável que
ao ler este livro, como eu, você tenha de pausar a leitura no meio de um capítulo para recomeçar
depois. Eu particularmente odeio isto, pois quase sempre perdemos o fio da meada quando pegamos o
livro novamente para continuar a leitura.

4
NICHOLI, op. cit., p. 26-27.

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Com exceção ao detalhe citado acima, apenas elogios. Aplausos à editora Ultimato5, não
apenas por ter publicado Deus em Questão no Brasil, mas também pela qualidade final da obra: boa
diagramação, impressão em capa e papel de qualidade (algo que tem sido deliberadamente negligen-
ciado pelas editoras brasileiras aparentemente no intuito de economizar custos de edição e impressão).
E um elogio final, que nunca fiz antes em minhas resenhas, mas que é muito importante e justo:
parabéns a Gabriele Greggersen pela tradução da obra – um trabalho fantástico.

www.ElielVieira.org

5
<www.ultimato.com.br>.

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