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ENSINO-APRENDIZAGEM DA ESCRITA: AS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO

DE TEXTO NA SALA DE AULA

Cléa Suzy Batista Bezerra1


Michelle Batista Bezerra2
Lívia Suassuna3

RESUMO

No presente estudo, de natureza qualitativa, analisamos, a partir de


observações em sala de aula, as condições de produção de textos escritos por
alunos da quarta série do ensino fundamental de duas escolas - uma da rede
púbica e outra da rede privada de ensino - do município de Jaboatão dos
Guararapes, PE. Utilizamos, como referencial teórico, alguns fundamentos das
teorias sociointeracionista, enunciativa e discursiva de linguagem, bem como
da lingüística de texto. Os resultados indicaram a necessidade de o professor
delimitar para o aluno o tema, o objetivo, o gênero e o interlocutor do texto que
será produzido para um ensino-aprendizagem eficaz da língua escrita.

Palavras-chave: Português-ensino; ensino-aprendizagem da escrita; produção


textual.

INTRODUÇÃO

O domínio da linguagem oral e escrita é fundamental para a


participação efetiva do homem na sociedade, pois é através dela que ele
poderá expressar ou compartilhar seus pontos de vista e produzir
conhecimentos, além de ser a linguagem um importante aspecto do
desenvolvimento intelectual e cultural do ser humano. Para isso, cabe à escola
desenvolver essas habilidades no aluno. Segundo os Parâmetros Curriculares
Nacionais (Brasil, MEC/SEF, 1997), ao ensiná-las, a escola cumpre sua função
de garantir a todos os seus alunos o acesso aos saberes lingüísticos

1
Concluinte do Curso de Pedagogia da UFPE. cleasuzy@yahoo.com.br
2
Concluinte do Curso de Pedagogia da UFPE. xelinha7@yahoo.com.br
3
Professora Adjunta do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino – Centro de
Educação – UFPE. lsuassuna@nlink.com.br
necessários para o exercício da cidadania, direito inalienável de qualquer
membro da sociedade.
A produção escrita representa uma particular forma de interação social,
e é uma oportunidade de explorar a língua no que se refere às funções do
texto, aos registros lingüísticos e à textualidade. Entretanto, não é tão fácil
assim ensinar a composição escrita. Segundo Pasquier e Dolz (1996, p.1),
“produzir um texto é uma atividade extremamente complexa, que exige
múltiplas capacidades e que necessita de uma aprendizagem lenta e
prolongada”.
A forma como a escrita é proposta pelo professor ao seu aluno para que
ele escreva sobre algo irá interferir diretamente na sua produção, daí a
importância de o aluno, ao escrever, ter clareza dos propósitos, do destinatário
e do gênero do texto a ser produzido.
Frente a essa situação e tendo em vista que há poucos estudos sobre as
situações didáticas de escrita propriamente ditas, o presente estudo busca
analisar as práticas de ensino da escrita, particularmente as condições de
produção do texto, da quarta série do ensino fundamental. Para tanto,
delimitamos como objetivos específicos da pesquisa:
(1) investigar se, na proposição de atividades de escrita, são
explicitados, para os alunos, os temas, o gênero textual, o objetivo e
o destinatário do texto a ser produzido;
(2) identificar as relações entre as propostas de produção textual e os
critérios de avaliação da aprendizagem;
(3) verificar as relações entre as propostas de produção textual e a
qualidade dos textos produzidos pelos alunos.

1. REFERENCIAL TEÓRICO

1.1 Noção de texto

Os sujeitos da linguagem utilizam o texto, que é o resultado da atividade


verbal, para alcançar vários fins sociais. De acordo com Koch (1998), desde as
origens da Lingüística do Texto, a partir do final dos anos de 1960, até os dias
atuais, o texto foi concebido de diversas formas, não apenas conforme a

2
orientação teórica adotada, mas também dependendo de cada autor. De
sucessão ou combinação de frases formando uma estrutura acabada (produto),
passou a ser abordado no seu próprio processo de construção. Mas o que
caracteriza um texto?
Val (1991) concebe a textualidade como o conjunto de características
que faz com o que o texto seja mais do que uma soma de enunciados.
Beaugrande e Dressler (apud Val, 1991) enumeram sete fatores responsáveis
pela textualidade de um discurso: coesão, coerência, intencionalidade,
informatividade, aceitabilidade, situacionalidade e intertextualidade. A coesão
refere-se ao aspecto formal do texto, aos mecanismos gramaticais e lexicais; a
coerência se relaciona ao aspecto semântico, à organização de conceitos; já os
cinco últimos fatores dizem respeito ao aspecto sociocomunicativo e têm
relação com o funcionamento do ato de comunicação, contribuindo para a
eficiência pragmática do texto. Embora todos os fatores já mencionados façam
parte da construção da unidade textual, é a coerência estabelecida entre uma
situação comunicativa e o texto que irá identificá-lo como tal.
Fávero (1997, p.60) com relação à coerência, afirma que:

“o texto contém mais do que o sentido das expressões na superfície


textual, pois deve incorporar conhecimentos e experiência cotidiana,
atitudes e intenções, isto é, fatores não lingüísticos. Deste modo, um
texto não é em si coerente ou incoerente, ele o é para um
leitor/alocutário numa determinada situação.”

As condições de produção textual têm relação com os fatores


pragmáticos que resultam em desdobramentos na produção do discurso, já que
“o contexto pode, realmente, definir o sentido do discurso e, normalmente,
orienta tanto a produção quanto a recepção.” (Val, 1991, p.12). Daí a
importância de analisar quais foram as condições dadas para se produzir o
texto.
Trazendo a discussão para o ambiente escolar, torna-se essencial
analisar qual é a situação comunicativa que orienta a produção do texto dos
alunos e de que forma se caracterizam as condições dessa produção (tempo,
lugar, conhecimentos, imagem do interlocutor etc.) para saber se o texto resulta
coerente.

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1.2 Ensino da produção de texto

O texto em sala de aula vem sendo utilizado em diversas situações, seja


enquanto objeto de leitura, seja enquanto atividade de produção textual ou de
análise lingüística. O texto nem sempre teve a importância que tem atualmente
no ensino de língua portuguesa. Vale lembrar que, até a década de 80, o
ensino gramatical predominava nas aulas de português; já se percebia a
presença do texto, porém, este era utilizado apenas como modelo, como nos
mostra Geraldi (1997, p.106-107):
(1) objeto de leitura vozeada: recomendava-se que o professor lesse o
texto em voz alta, para toda a classe; depois, chamava-se aluno por
aluno para ler partes do texto;
(2) objeto de imitação: o texto era lido como modelo para a produção de
textos dos alunos;
(3) objeto de uma fixação de sentidos: o significado de um texto será
aquele que a leitura privilegiada do professor ou do crítico do seu gosto
disse que tem.
Essas três formas de abordagem de ensino nos mostram que o texto era
concebido como produto pronto e acabado, sem possibilidade de interação.
Entretanto, essa forma de trabalho com o texto sofreu mudanças. O texto
passa a ser visto como objeto voltado para produção de sentidos, os
conhecimentos prévios do leitor passam a ser considerados e assumem um
caráter discursivo. A escola, frente a essas reflexões, também atualiza o seu
ensino.
Para o desenvolvimento de uma produção textual significativa, Geraldi
(1997, p.137) apresenta algumas condições necessárias para a produção de
um texto. Para o autor, é preciso que:
“a) se tenha o que dizer;
b) se tenha uma razão para dizer o que se tem a dizer;
c) se tenha para quem dizer o que se tem a dizer;
d) o locutor se constitua como tal, enquanto sujeito que diz o que diz
para quem diz;
e) se escolham as estratégias para realizar (a), (b), (c) e (d).”

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Assim, é fundamental ter algo a dizer para poder escrever. Na sala de
aula, geralmente, a situação comunicativa é marcada pela artificialidade.
Estudos como os de Silva e outros, Geraldi, Luft, Krause, Lemos e Fiad -
citados em Suassuna (2004) – apontam que os alunos têm no professor o
único interlocutor de seus textos. Outro problema relacionado à produção
escrita é o modo como se configura o seu ensino. Suassuna (2004, p.41) fala
que “a prática da redação limitou-se à elaboração de um texto escrito sobre um
tema proposto (ou imposto), em que o aluno deveria pôr em prática as regras
gramaticais aprendidas num momento anterior”.
Desse modo, o aluno não reconhece o ato interlocutivo da sua produção
e só escreve como treinamento, tendo como finalidade a correção gramatical.

1.3 Avaliação da produção textual

A avaliação dos textos produzidos pelos alunos em sala de aula


geralmente é sem sentido para eles. Albuquerque (1998), Ilari (1997) e
Suassuna (2004) falam que as produções textuais são examinadas na maioria
das vezes somente em relação às transgressões gramaticais, não se levando
em consideração o aspecto textual e discursivo.
A escola prioriza o aspecto formal da produção lingüística dos alunos.
Val (1991) defende que, ao se fazer os julgamentos sobre a escrita, é
necessário levar em conta as três dimensões básicas do texto: a formal, a
conceitual e a pragmática. Concordamos com a autora quando ela lança a
seguinte pergunta: “Dada a situação comunicativa, as características e as
disposições dos interlocutores e o tipo textual efetivo, essa produção lingüística
se mostra aceitável?” (p. 35)
Silva e outros (2000) falam que o método de avaliação do professor de
limitar-se a corrigir apenas os erros ortográficos e gramaticais das produções
textuais, não se considerando as suas idéias, as suas representações de
mundo, transforma o texto num produto fechado, pois essa prática de avaliar
não ajuda a desenvolver a competência comunicativa escrita do aluno. As
referidas autoras nos mostram também que, muitas vezes, não é dada ao
aluno a oportunidade de fazer a reconstrução de seu próprio texto; ou seja,
nega-se a ele a chance de constituir-se como sujeito de sua própria escrita e a

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avaliação, desse modo, reduz-se à correção de erros visando à atribuição de
uma nota.
Albuquerque (1998, p.12) fala da importância da interlocução entre o
autor e o leitor: “se o professor conceber a linguagem como interação, dará
condições ao aluno de analisar e discutir seu texto, de forma que ambos
avaliem o que e como foi escrito”, pois o aluno, quando tem conhecimento dos
critérios de avaliação, tende a escrever textos mais elaborados, já que a
clareza de seus propósitos vai nortear a sua produção.
Portanto, avaliar é um procedimento de interação entre o aluno e o
professor, em que ambos vão poder discutir e refletir idéias sobre as produções
realizadas, enriquecendo, assim, o processo de ensino-aprendizagem da
escrita.

2. METODOLOGIA

A pesquisa que realizamos foi de natureza qualitativa. Essa abordagem


segundo, Lüdke e André (1986, p.13), baseadas em Bogdan e Biklen, “envolve
a obtenção de dados descritivos, obtidos no contato direto do pesquisador com
a situação estudada, enfatiza mais o processo do que o produto e se preocupa
em retratar a perspectiva dos participantes”.
Foram escolhidas duas escolas como campo de pesquisa: uma da rede
pública e uma da rede privada de ensino do município de Jaboatão dos
Guararapes, PE. No referido município não se adota o sistema de ciclos e,
tendo isso em vista, decidimos observar duas turmas de quarta série do ensino
fundamental, sendo uma de cada rede. Escolhemos a quarta série porque
pretendíamos saber como o professor contribui para o desenvolvimento da
produção escrita dos seus alunos e se estes produzem textos coerentes na
finalização da primeira etapa desse nível de ensino.
A seleção das escolas ocorreu de modo aleatório, pois acreditamos que,
independentemente da instituição de ensino, os professores devam trabalhar
com a escrita para desenvolver a capacidade lingüística de seus alunos.
Observamos as turmas no período de maio a junho de 2007, somente
nas aulas de língua portuguesa. Em ambas as escolas essas aulas ocorriam

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três vezes na semana (segunda, quarta e sexta-feira), com duração de uma
hora e meia a cada dia.
No tratamento dos dados pesquisados verificamos:
a. de onde veio a proposta de escrita;
b. quais foram os temas e como foram debatidos;
c. se houve indicação do gênero textual a ser produzido e também se
foi considerada a diversidade de gêneros;
d. a sugestão do professor para a reflexão sobre o destinatário do texto;
e. o objetivo traçado para o texto;
f. se os textos dos alunos se mostraram adequados, considerando os
aspectos acima;
g. se o professor retomou os textos produzidos relacionando-os com as
condições propostas.

3. ANÁLISE DOS RESULTADOS

3.1 Escola privada

Na escola privada a sala era ampla, bastante arejada e composta por


apenas dez alunos. A turma era organizada em duas filas, e os alunos
sentavam-se em cadeiras de braço. Os alunos se situavam numa faixa etária
entre nove e onze anos.
Tivemos uma surpresa diante do modo como o professor trabalhava a
produção textual escrita com seus alunos: ele pedia para que a turma
escolhesse um dos livros paradidáticos adotados pela escola para que em suas
casas realizassem uma produção escrita contando a história do livro escolhido,
pois ele alegava não ter tempo suficiente para que os alunos realizassem a
produção em sala de aula. Em nenhum momento o professor fazia uma
reflexão sobre a escrita do texto. Durante todo o período de observação, os
alunos entregaram o texto solicitado, alguns dos títulos foram os seguintes: A
verdadeira história dos três porquinhos, Amigos em ação, Tempos de vida, A
surpresa dos fantasmas. Os assuntos das aulas observadas no período foram:
substantivo, artigo, adjetivo, uso dos “porquês”, uso do “s” e do “z”. Quando

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perguntamos sobre a avaliação dessas produções, ele disse que no final da
unidade entregava aos alunos as produções corrigidas e também as provas.
Como o professor não desenvolvia atividades que antecedem a
produção textual escrita que levassem os alunos a refletirem sobre o sistema
lingüístico, iremos detalhar os dados da escola pública. Não temos a intenção
de desmerecer a observação e o esforço realizados, mas entendemos que a
ausência de condições necessárias merece uma reflexão em termos do debate
que nos propusemos a fazer.
3.2 Escola pública

3.2.1 Caracterização da turma

A sala onde foi realizada a observação na escola municipal tinha forma


retangular, era pouco ventilada e composta por 32 alunos, sempre organizados em
fileiras, cada um em sua cadeira com mesa. A faixa etária da turma era bastante
diversificada, entre nove e quatorze anos, e os alunos eram bastantes participativos
todos realizavam as atividades propostas pela professora. O trabalho com produção
de texto acontecia toda segunda-feira no primeiro horário, que durava cerca de uma
hora e meia.

3.2.2 As condições de produção

No tocante à escolha das temáticas, na maioria das vezes, a professora


se preocupava em trabalhar com assuntos que estivessem sendo veiculados
pela mídia, como por exemplo, a violência, o respeito com os idosos, o
aquecimento global. Também utilizava textos do livro didático para propor
outros temas (como, por exemplo, descrever um colega da sala de aula). Em
todas as situações sempre havia um debate acerca do assunto e depois era
iniciado o processo de produção.
Sercundes (1997) analisou as situações que antecedem a produção
textual em classes de terceira, quinta, sétima e oitava séries em quatorze
escolas das redes municipal e estadual de São Paulo e verificou que as
atividades que mais freqüentemente são desenvolvidas antes da escrita são: a
leitura do texto, a conversa sobre o texto, o entendimento do texto e o estudo

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do vocabulário (nas séries iniciais). Segundo a autora, essa linha de trabalho
segue o mesmo esquema do livro didático (ler, escrever e discutir). Embora os
recursos utilizados possam variar, a finalidade desse processo é a produção
escrita.
O trabalho da professora por nós analisada também seguia essa mesma
linha. Para exemplificar, iremos descrever uma situação de produção: a
professora iniciou a aula perguntando como os alunos passaram o final de semana.
Eles disseram os lugares onde foram: praia, churrasco; já alguns não haviam
passeado. Em seguida, ela pergunta se os alunos possuem irmãos, se gostam de
tê-los, como eles são. Os alunos responderam eufóricos, e ao mesmo tempo, “eu
tenho cinco”, “eu tenho um”. Para os que possuem, a docente pediu que
escrevessem sobre os seus irmãos, o que gostariam de mudar neles, quais são os
momentos em que eles gostam de ficar juntos. Àqueles quem não têm irmão, pediu
para que escrevessem como é a vida sem ter irmão, dizendo se sentem falta de ter
um irmão. No final do texto pediu que desenhassem o seu irmão. Um aluno
perguntou:
A: - Ô, tia, eu escrevo o que sobre meu irmão?
P: - O que o seu coração mandar!
Nesse caso a professora não utilizou a leitura prévia, mas houve uma
discussão para levar à produção escrita. Durante o debate a professora não deixou
explícitos o objetivo e o destinatário do texto que o aluno iria produzir. Essas
informações são de fundamental importância para a escolha de conteúdos e
estratégias do dizer, pode ser que a ausência dessas informações tenha sido a
causa da dúvida do aluno. E a resposta dada em nada ajudou o aluno a superar
essa dificuldade, não o levou à reflexão sobre o funcionamento do sistema
lingüístico.
Sercundes (1997) ainda fala que é indispensável a produção sobre fatos
vivenciados, mas que é necessário ter contato com outras fontes de informações,
como, por exemplo, textos científicos e depoimentos, para ampliar as relações entre
casos particulares e a conjuntura social e, também, para influenciar na organização
das idéias e na clareza do texto. A professora, durante o período, não disponibilizou
outras fontes de informações aos alunos e os textos produzidos foram descritivos
ou dissertativos. Não constatamos, nesses textos, a diversidade de gêneros.

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3.2.3 Os critérios de avaliação

Sobre os critérios avaliação dos textos, a professora em nenhum


momento os deixou explícitos para os seus alunos. Pudemos observar que ela
se limitava apenas a corrigir os erros de grafia, ela o fazia no próprio texto.
Esse tipo de correção, de acordo com Ruiz (2001), é chamado de resolutiva;
nela o docente assume a reformulação do texto; no nosso caso, a professora o
faz no corpo do texto, reescrevendo as palavras, corrigindo todos os erros
encontrados.
Quando corrigia os textos, apenas nos trabalhos de uma menina
escrevia “parabéns”, como mostra o exemplo a seguir:

Exemplo 1:

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Uma hipótese que levantamos para explicar essa conduta da professora
é a de que a aluna em questão comete poucas transgressões gramaticais na
sua produção e seu texto é considerado coerente. Mas não entendemos por
que produções do mesmo nível não são parabenizadas; veja-se o exemplo 2
(abaixo), em que a autora procurou estabelecer a coerência do seu texto ao
delimitar o tema “violência”, tratando, especificamente, da violência contra a
mulher.
Exemplo 2:

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3.2.4 A reescrita dos textos

A professora não costumava trabalhar com a reescrita dos textos.


Apenas quando não entendia o que estava escrito devido à grande quantidade
de erros ortográficos, chamava o aluno e pedia para que ele reescrevesse o
texto, não fazendo nenhuma menção aos aspectos discursivos. Segundo Jesus
(1997), nesse processo de “higienização” do texto, o professor acaba apenas
corrigindo as transgressões gramaticais sem se importar com as relações de
significados na interlocução. A propósito disso, vejamos o exemplo 3:

Exemplo 3:

Essa produção foi fruto do comando anteriormente descrito, em que a


docente pediu aos seus alunos que escrevessem sobre os seus irmãos. Não é
de se estranhar a falta de um título e de um conteúdo mais elaborado, uma vez
que surgiu a dúvida sobre o que era para se escrever e a professora
simplesmente respondeu: “o que o seu coração mandar!”.
Quando, apesar dos erros de grafia, a professora entendia o que estava
escrito, colocava ela mesma a grafia certa da palavra no próprio texto. Para

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exemplificar, escolhemos dois textos corrigidos pela professora. A situação de
produção foi a seguinte: os alunos realizaram a leitura de um texto que falava
sobre características e pessoas; após a leitura, a professora pediu que os
alunos descrevessem um colega da turma, falando de suas características
físicas e de seus modos de agir; chamou a atenção da turma para ninguém se
esquecer de colocar o título. Ela também pediu que, ao final do texto, cada um
desenhasse o colega escolhido.
Exemplo 4:

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Exemplo 5:

No exemplo 4, observamos que o aluno cumpre o que foi solicitado pela


professora: escreve um título e fala sobre as características físicas e algumas
atitudes do colega escolhido. Já no exemplo 5, o aluno utiliza o espaço para se
queixar de uma atitude do colega. Na hora da correção, a professora não leva
isso em consideração e corrige apenas os aspectos ortográficos do texto; os
aspectos discursivos, novamente, não são levados em consideração. Desse
modo, a atividade escrita tem um fim em si mesma, o que pode comprometer o
desenvolvimento lingüístico das crianças. Concordamos com Leal (2005),
quando afirma que

“se logo nas primeiras aprendizagens o que o aluno obtém como


resposta a sua produção se transforma em silêncio (atividades que
se fecham na própria produção textual e são arquivadas em um
caderno ou pasta escolar) ou obtém a marca de um visto (visto não
significa lido, significa vistoria, ver se fez) ou, ainda, uma nota ou um
conceito, pode-se deduzir que esse sujeito aprendiz encontra-se
destituído das reais possibilidades de interação.” (Leal, 2005, p.55).

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A dialogicidade é fundamental para o trabalho com produção de texto, já
que essa atividade exige um esforço contínuo de escrita e reescrita; para isso,
é necessário adotar diversos procedimentos que contribuam para o melhor
desempenho do aluno em seus processos de aprendizagem e interação.

CONCLUSÕES

A inadequação das situações de produção propostas pelo professor da


escola privada é um dado que nos revela a herança deixada pela concepção
tradicional de ensino, segundo a qual a língua é vista como um código. Dessa
forma, ao solicitar que os seus alunos produzissem textos escritos, o professor
colocou-se como o único interlocutor desse processo, transformando o texto num
produto fechado apenas com o objetivo de avaliá-lo.
Já a professora da escola pública reconhecia a importância de propor
situações que estimulem a criatividade dos alunos antes da produção escrita, como
por exemplo, as temáticas contextualizadas e as leituras que antecedem a
aprendizagem da escrita. No entanto, as palavras abstratas empregadas por ela na
elaboração dos comandos das atividades, (como, por exemplo, “escreva o que o
seu coração mandar”) dificultam o desenvolvimento da competência comunicativa
escrita dos alunos. Deixar explícitos o objetivo e o gênero do texto a ser produzido
poderá ser de grande importância na aprendizagem. Leal, Guimarães e Silva
(2002), ao realizarem uma formação continuada de professores de séries iniciais (1ª
a 4ª séries) de cinco escolas da região metropolitana do Recife (4 públicas e 1
particular) sobre produção textual, verificaram que as orientações claras e a
delimitação do gênero no comando das atividades contribuíram em grande parte
para o sucesso desse tipo de atividade.
Acreditamos que, concebendo a linguagem como forma de interação,
estaremos realizando um ensino produtivo em sala de aula e, dessa forma,
auxiliando os alunos a desenvolver a competência comunicativa escrita em
diversas situações de uso da língua.

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REFERÊNCIAS

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