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A MINISSÉRIE A MURALHA E A CONSTRUÇÃO DO BANDEIRANTE A

PARTIR DO UNIVERSO MASCULINO

Alana Cavalcanti Cruz


FIP

Resumo
Neste artigo procuramos analisar a minissérie A Muralha, exibida pela Rede Globo, no
ano 2000, levando em consideração o papel desempenhado pelos bandeirantes de
acordo com esse contexto. Antes de enfocarmos a mídia televisiva propriamente dita,
fizemos um levantamento historiográfico das obras que abordam essa temática, nas
quais constatamos algumas identidades cristalizadas, por exemplo: homem, paulista,
bem com um exacerbado destaque a figura dos chefes das bandeiras. Decidimos
selecionar inicialmente os personagens Dom Braz Olinto e Tiago Olinto, pai e filho
respectivamente, dois homens com o mesmo ofício, porém de gerações diferentes e,
portanto, com sensações, desejos, perspectivas diferenciadas. A partir de então discutiu-
se teoricamente a construção das bandeiras como mito fundador, baseado em Marilena
Chauí (2000), bem como salientou-se a influência do estudo de gênero, com a
contribuição dos discursos de Durval Albuquerque(2003) e Alômia Abrantes( 2008),
esta autora nos deu a possibilidade de enfocarmos mais uma personagem da trama,que
apesar de ser do sexo feminino é caracterizada de forma masculinizada: Isabel, sobrinha
de Dom Braz, reforçando ainda mais a ligação do bandeirante com o masculino.

Palavras-chave: Mídia. Bandeirante. Identidade. Masculinidade.

Introdução
Este trabalho tem o intuito de analisar a minissérie “A Muralha”, exibida pela
rede globo em 2000. Entendemos que, não será possível contemplar toda essa obra
televisiva, por isso foi preciso fazer algumas escolhas tais como: Observar a postura do
bandeirante a partir de dois personagens Dom Bráz Olinto e seu filho Tiago Olinto, vale
ressaltar que a trama se desenvolve no século XVII e tem como foco a cidade de São
Paulo de Piratininga.
Ao observarmos que os personagens da minissérie em questão, apesar de serem
bandeirantes, possuem posturas, objetivos e valores distintos, podemos inferir que não
existe só uma identidade de bandeirante, mas sim, múltiplas, pois como nos convence
BAUMAN:
Tornamo-nos conscientes de que o “pertencimento” e a “identidade
não tem solidez de uma rocha, não são garantidos para toda vida, são
bastante negociáveis e revogáveis, e de que as decisões do próprio
indivíduo toma, os caminhos que percorre, a maneira como age- e a
determinação de se manter firme a tudo isso são fatores cruciais para
o “pertencimento” quanto a identidade.(BAUMAN, 2005 p.63)

Analisaremos a(s) identidades(s), dos bandeirantes, tendo em vista as


características de Dom Bráz Olinto e Tiago Olinto, a partir dessa concepção, pois não
concordamos com análises anteriores que tendem a ver esse empreendimento a partir da
homogeneidade. Porque pensarmos o bandeirante pautado na imagem do homem,
paulista, do indivíduo com interesse apenas de capturar índios? Dom Bráz pensava
assim, mas Tiago sonhava com as montanhas de ouro de Potosí.
Ao perceber os comportamentos distintos deles, mesmo fazendo parte de uma
mesma tropa, pode-se inferir que cada um possui a sua identidade, partindo do
pressuposto que não há homogeneidade, fundamentaremos isso através de uma relação
com a nova história, a qual inaugura possibilidades com a pluralidade, rompendo com
as metanarrativas e os discursos universalizantes no campo da história.

Bandeiras: “Um Mito Fundador”

As bandeiras, segundo Marilena Chauí, representam um dos mitos fundadores


que compõem a história do Brasil. Para Chauí, o Brasil e a América não foram
descobertos, mas são invenções históricas e construções culturais, sendo assim, ambos
são criações dos seus conquistadores, oriundos da Europa, imbuídos de uma influência
religiosa, que de imediato define estas terras como o paraíso terrestre, provocando o que
ela chama de “sagração da natureza”, por isso o mito fundador da nossa nação sempre
está ligado à natureza. Sobre isso, podemos constatar no trecho abaixo que:

[...] O Brasil foi instituído como colônia de Portugal e inventado


como ‘terra abençoada por Deus’, à qual, se dermos crédito a Pero
Vaz de Caminha, ‘Nosso Senhor não nos trouxe sem causa’,
palavras que ecoarão nas de Afonso Celso, quando quatro séculos
depois escreveu: ‘Se Deus aquinhou o Brasil de modo especialmente
magnânimo, é porque lhe reserva alevantados destinos, ’É essa
construção que estamos designando como mito fundador. (CHAUÍ,
2000 p.58)
Segundo esta mesma autora, a imagem que é construída das bandeiras, as define
como “figuração da essência e do destino da brasilidade”. Esta concepção é resultado de
uma outra criação: o sertão, a qual pode ser encontrada desde o início da colonização, a
partir dos poemas e autos de Anchieta, sendo assim, tem-se a divisão do Brasil em
litoral e sertão, o primeiro sendo sinônimo do bem, pois era o lugar onde se pregava a
palavra de Deus e o segundo assemelhado ao mal, por conta das matas de ser o
desconhecido.
Já no final do século XIX e início do século XX, o sertão descrito por Euclides
da Cunha, leva em consideração o determinismo geográfico, desta forma a natureza é
concebida a partir de uma visão trágica e para compensar essa noção surge o sertanejo
que “é antes de tudo um forte”. Mais adiante, entre os anos 20 e 30 essa divisão natural
em litoral e sertão é reafirmada pelos integralistas, conferindo uma superioridade ao
Brasil litorâneo, que é sinônimo de pessoas instruídas ao contrário do sertão. Conforme
nos afirma Chauí:
Essa longa construção do sertão mítico, que começa nos autos de
Anchieta, passa pelo determinismo de Euclides, aloja-se na ideologia
integralista da mentalidade sertaneja e na getulista das entradas e
bandeiras, encontra sua culminância em Grande Sertão: Veredas,
que retoma o sentido jesuíta inicial do embate entre duas forças
cósmicas, Guimarães Rosa escrevendo que ‘sertão é onde manda que
é forte, com astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado!
E forte com astúcias, sabemos, é o Diabo. (CHAUÍ, 2000 p.68)

Para entendermos melhor o contexto brasileiro na época das bandeiras vale


ressaltar que, o Brasil estava sobre o domínio da Espanha, por conta da União Ibérica a
qual só terminou em 1640, porém mesmo após a Restauração da dinastia portuguesa,
ainda travou-se durante alguns anos as disputas entre estes países. Quanto às povoações,
estas começaram a atingir o interior do território brasileiro, devido à fundação das
missões jesuítas, se opondo, portanto a realidade do século XVI o qual se caracterizou
pela ocupação concentrada no litoral.
Após o empreendimento católico, houve a intensificação da marcha para o
interior, a qual não só foi feita pelos bandeirantes, bem como pelos criadores de gado
que desempenhou grande papel na economia colonial, pois fornecia à população carne,
força motriz para os engenhos, couro com suas múltiplas utilidades e os animais. Foram
ações como essas que contribuíram para a considerável extensão do território brasileiro.
Ainda se tratando deste período, o trabalho escravo dos índios e dos negros,
constrói um país de mulatos, mamelucos e cafuzos em torno dos engenhos de cana-de-
açúcar. Os jesuítas criaram práticas sincréticas na versão católico-tupinambá, com
intuito de catequização indígena. Enquanto isso, Pernambuco passa ser administrado
pelos holandeses, e no final deste século, descobre-se e explora-se o ouro e por conta
disso este período vai ser descrito como o século do ouro.
A partir desse entendimento, iremos a partir de então analisar algumas obras
historiográficas que contemplam esta temática das bandeiras, tentando identificar não só
as considerações de Chauí (2000), bem como procurando observar os códigos e posturas
bandeirantes, muitas vezes cristalizados até hoje.
De início, gostaríamos de colocar um trecho da obra do CENPEC, organizada
pelo governo de São Paulo, a qual nos traz uma visão bem ampla, quanto à definição do
termo bandeiras. Vejamos:
A designação ‘bandeiras’ foi aplicada de início, às companhias ou
batalhões militares com funções defensivas contra estrangeiros ou de
submissão do índio. Já em fins do século XVI, porém, o nome passa
a ser empregado para designar os corpos paramilitares que seguiam
para o sertão. Surge aí a discussão quanto à diferença de sentido
entre os termos ‘bandeira’ e ‘entrada’. Um ramo da historiografia
entende que todas as expedições ao sertão, saídas de qualquer parte
do Brasil, de iniciativa oficial ou particular, podem ser chamadas de
bandeiras. Outros sustentam que apenas as que partiam de São Paulo
merecem esse nome. E outra corrente, ainda chama de entrada as
tropas organizadas por determinação oficial, dos representantes da
coroa, cabendo a palavra bandeira àquelas na formação espontânea e
privada. É certo, porém, que, na São Paulo seiscentista, as duas
expressões-entrada e bandeira eram empregadas para designar as
idas ao sertão. (CENPEC, 2004 p.63)

Levando em consideração essa passagem, podemos compreender que existem


várias possibilidades que designam bandeiras, porém é possível perceber em outras
partes desta obra e de outras, uma descrição mais privilegiada aos empreendimentos
paulistas desta natureza. Sendo assim, vemos nascer uma identidade bandeirante
arraigada a uma identidade paulista. As seguintes passagens de Taunay, em duas obras
distintas, nos comprovam isso:
O bandeirismo não foi o responsável único pela ampliação dos
territórios portugueses na América. Os chamados bandeirantes não
devem ser considerados como heróis civilizadores. Mas, certamente,
foram eles, os paulistas, os maiores devastadores do interior
brasileiro. (TAUNAY, 2003 p.74)
Este segundo Eldorado devia-se novamente aos paulistas: para eles
e, sobretudo para sua capitania e capital teria o achado as mais
notáveis conseqüências imediatas e mediatas. (TAUNAY, 1961
p.13)

Através de suas falas podemos perceber certo enaltecimento da participação


paulista nesse contexto, de acordo com algumas expressões utilizadas por ele, pois ao
mesmo tempo em que afirma que os bandeirantes não devem ser considerados heróis,
nomeia os paulistas como os maiores devassadores do interior, dando a entender que
eles foram fundamentais para a extensão do território brasileiro.
Também designa a eles, na outra passagem, o grande feito de encontrar riquezas
para o nosso território. Esse é um sentimento que de certa forma permeia a minissérie
“A Muralha”, levando em consideração que a trama se passa no contexto da cidade de
São Paulo de Piratininga, durante século XVII, a qual foi inspirada no romance com o
mesmo título, escrito por Dinah Queiroz por ocasião do quarto centenário de São Paulo,
que segundo o ator Paulo José, que representou o personagem Padre Miguel, em seu
depoimento no DVD de “A Muralha”, esta obra literária descrevia assim a experiência
bandeirante: “era de certa maneira, uma louvação ao espírito empreendedor do
bandeirante, pioneiro, formador dessa nação que entra para o interior, com todo o
sacrifício e constrói esse país que é o Brasil.”.
Outro fator que faz parte do universo do bandeirante é a identidade masculina.
De acordo com os trechos destacados até então neste trabalho, as narrativas sempre se
referem aos participantes dessas expedições no gênero masculino ‘os bandeirantes’, ‘os
paulistas’, porque essa relação apenas com o homem? Será que também havia
mulheres? Provavelmente sim. Observem: “O número de componentes, por sua vez,
podia ser variável, dependendo, sobretudo de seus objetivos, de menos de uma centena
de pessoas a vários milhares.” (CENPEC, 2004 p.64). O texto fala de pessoas, não
explicita os gêneros masculino e/ou feminino.
Segundo Durval Albuquerque esta é uma construção, fruto de um discurso
tradicionalista e regionalista, que privilegiou a figura do sertanejo. Conforme nos afirma
nessa passagem:
Para construir a imagem de ‘uma raça forte e homogênea’ o
discurso regionalista nordestino de inspiração eugenista quase
sempre vai privilegiar a figura do sertanejo como sendo aquela que
expressava o futuro da raça regional, aquela que daria a virilidade
necessária à região, que fora até então dominada pela gente do
litoral. (ALBUQUERQUE, 2003 p.172).

Ainda neste entendimento, ele ressalta que a literatura brasileira contribuiu


bastante neste processo, sobretudo merecendo destaque “Os Sertões”, de Euclides da
Cunha, o qual, de acordo com o autor constitui-se como “O grande marco” desta
“literatura científica” (...) (ALBUQUERQUE, 2003, p.170). Fazendo nascer segundo
essa visão o mito do macho sertanejo, que o entende da seguinte maneira:

Sem o desequilíbrio biológico do mestiço do litoral que se procura


fixar, o sertanejo é um tipo étnico definido. Tem amalgamado na sua
psique os caracteres da resistência e adaptação ao meio do índio e a
audácia do colono. Essas duas tendências se complementam e se
equilibram no sertanejo. (MAGALHÃES, Apud ALBUQUERQUE,
2003 p. 173).

O autor ainda complementa ao falar sobre esta mesma temática, que se cria um
sertão e conseqüentemente um sertanejo como sinônimo de raça inferior, atraso, rústico,
legitimando explicitações racistas que fazem parte do imaginário nacional. E que
atualmente ainda estão presentes em alguns discursos que criaram o nordestino tomando
como base a criação do sertão e do sertanejo paulista, conforme nos indica essa
passagem:
[...] reviviam o ‘rebotalho das bandeiras e entradas’. A organização
psíquica enfermiça dos cangaceiros despontaria da virulência de
instintos de mestiços transviados das bandeiras, aterrorizando com
seus crimes os sertões do Nordeste. Ou seja, em última instância o
que chamavam de escória racial e psíquica dos sertões do Nordeste
eram descendentes dos paulistas. (ALBUQUERQUE, 2003 p. 177)

Na tropa de Dom Braz havia uma mulher, a sua sobrinha Isabel, esta
personagem apesar de ser do sexo feminino é caracterizada de forma masculinizada, seu
tio ao se referir a ela diz: “Isabel é o homem mais valente da minha tropa”. Em outro
momento, ao conversar com índio Apingorá ela afirma: “Não sou mulher, nem homem,
sou bicho.” Eis uma questão para refletirmos: Isabel escapava das demarcações de
gênero com seus respectivos papéis sociais.
Alômia Abrantes, afirma que a criação dessa imagem é resultante da influência
da literatura brasileira entre os séculos XIX e XX: “(...) percebo que a imagem da
‘mulher-macho’ tem uma recorrência marcante na literatura brasileira desde pelo menos
o final do século XIX e início do século XX.” (ABRANTES, 2008 p. 33).
Essa visão enfatiza a proximidade das características do solo com as das
pessoas, conforme a autora nos indica: “É preciso lembrar que o romance Luzia -
Homem surge em um contexto em que outras obras abordavam os sertões do norte do
país como cenário, aproximando as características do solo e do clima às dos corpos e
temperamentos das pessoas que o habitavam.” (ABRANTES, 2008 p. 35).
Sendo assim, Isabel está inserida em um contexto que foge da abordagem de
gênero não se restringindo apenas a dominação masculina nem a heterossexualidade
compulsória, fazendo parte de um desafio quanto à conceituação das identidades de
gênero, pois esta mulher faz parte, segundo Abrantes, de ‘um não-lugar’, assim como
tantas outras seja na literatura, na história ou obra televisiva, Luzia, Maria Bonita e
Maria Moura respectivamente. As passagens abaixo esclarecem essa realidade:

Em permanente trânsito, a tessitura da ‘mulher-macho’ configura


um desafio para a própria conceitualização das identidades de
gênero - ao menos na perspectiva em que seus construtos,
masculino e feminino, continuam fazendo-se no jogo de
identidades reguladas pelo sexo, presumidas pelos dispositivos que
os definem a partir de um lugar externo anterior. Sua corporeidade,
historicamente constituída extrapola, borrando e alargando
fronteiras; experimentando o instável, o móbile, ameaça uma
concepção de identidade pré-existente, o que nos permite pensar
nas ‘possibilidades performativas’ de proliferação das
configurações de gênero fora das estruturas restritivas da
dominação masculinista e da heterossexualidade compulsória.
Heroínas de vida breve em suas histórias, Luzia, Maria Bonita,
Maria Moura, como ícones destas elaborações, adquirem vida
longa, embora possam sempre escapar, assumindo com o passar do
tempo diversos corpos, experimentando a ‘insustentável leveza’ de
ocupar dois lugares, sendo simultaneamente, um não lugar. É como
se fossem tragadas por essa brecha do ‘entre dois’, que funciona
também como um lugar que mistura os outros dois grandes
espaços, e ainda que se manifestando em uma superfície corpórea,
‘material’, possui uma profundidade virtual- o que as lançam em
um ‘lugar sem lugar’, invertidas e fugidias...” (ABRANTES,
GARCIA (org), 2008 p. 48- 49)

Nessa passagem que iremos transcrever, de um dos diálogos de Dom Braz e Tiago, o
pai está bem chateado com o filho, porque ele não estava ajudando a apreender índios:
Dom Braz: Sabe qual é a minha vontade? Arrebentar vosmecê de pancada! Diacho!
Por que vosmecê nunca está ao meu lado quando a tropa peleja contra os índio?
Tiago: Estava numa batalha de muito mais proveito. Meu pai! Encontrei um veio tão
bom, que deveria se chamar Ribeirão Dourado.
Dom Braz: Quantas vezes eu preciso dizer que a maior riqueza do sertão é o gentio?
Tiago: A maior riqueza do sertão é o ouro. Por isso vosso pai atravessou o alto mar
para chegar a estas terras!
Dom Braz: Não há ouro nesse sertão! Olha o que aconteceu em Jaraguá, no
Ibirapuera. Isto é alarme falso.
Tiago: Não é alarme falso, meu pai. E se for, continuarei a procurar até as montanhas
de ouro e prata, igual as que os espanhóis encontravam em Potosi.
(Minissérie “A Muralha”)

Essa visão de Dom Braz, que vê o índio como principal riqueza, já que não
havia notícias de metais preciosos, é bem característica da época representada, naquele
cenário brasileiro, o escravo era muito importante como mão de obra. É o que nos diz
Pero de Magalhães Gandavo:

Os moradores desta costa do Brasil todos têm terras de sesmarias


dadas e repartidas pelos capitães da terra, e a primeira coisa que
pretendem alcançar são escravos(...) porque sem eles não se podem
sustentar na terra: e uma das coisas por que o Brasil não floresce
muito mais é pelo escravos que se alevantarão e fugirão para as suas
terras e fogem cada dia: e se estes índios não fossem tão fugitivos e
mudáveis, não tivera comparação a riqueza do Brasil.”
(MAGALHÃES, Apud CHAUÍ, 2000 p.65)

Ou ainda a resistência do personagem Dom Braz para encontrar ouro pode ser
entendida como temor de perder sua autonomia, podendo ficar sujeito a muitos
impostos. Conforme nos indica essa passagem:
Os apelos e a insistência das autoridades do reino para que os
paulistas conhecedores do sertão achassem as sonhadas minas, de
início provocaram desconfiança e pouco interesse. Medo de,
encontrando o ouro, perderam sua autonomia, ficando a mercê de
novas e duras leis e da presença do braço real. (TAUNAY, 2003
p.71)

Já em relação a Tiago podemos perceber um comportamento distinto, mesmo


fazendo parte do mesmo contexto, talvez por conta de sua educação com os jesuítas.
Vale ressaltar que a concepção de um Brasil enquanto um paraíso terrestre era bem mais
forte pra ele, por conta da influência cristã. É o que nos informa o trecho que se segue:

Com base nos textos proféticos e em textos dos clássicos latinos,


particularmente Ovídio, Virgílio e Plínio, o Velho, o cristianismo
medieval criou uma literatura cujo tema era a localização e descrição
do Paraíso Terrestre, literatura que será retomada com vigor durante
a Renascença, sob o impacto de fortes correntes milenaristas e
proféticas. (CHAUÍ, 2000 p.61)

Estas são algumas análises que podem ser feitas sobre o papel desempenhado
pelos bandeirantes, as quais estão intimamente ligadas à criação do sertão e
conseqüentemente do sertanejo podendo ter várias interpretações, as quais irão depender
da análise feita. Esta expressão de Patativa de Assaré explicita estas várias
possibilidades:
O sertão é um livro aberto
Onde lemos o poema
Da mais rica inspiração
Vivo dentro do sertão
E o sertão vive dentro de mim
(Patativa de Assaré)

Referências

ALBUQUERQUE, Durval Muniz Júnior, Nordestino: uma invenção do falo - Uma


história do gênero masculino, Maceió: Edições Catavento, 2003.

ABRANTES, Alômia, Um corpo duplo: literatura e história na pele da ‘Mulher-


Macho’, In: GARCIA, Loreley Gomes, LEON, Adriano de (orgs), Abrindo a caixa de
Pandora: ensaios sobre o gênero e sexualidades, Olinda: Livro Rápido, 2008.
BAUMAN, Zygmunt, Identidade: entrevista a Benetto Vecchi/Zygmunt Bauman,
tradução, Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, Ed, 2005.

CENPEC (Centro de Estudos e pesquisas em educação, cultura e ação comunitária),


Terra Paulista: A formação do Estado de São Paulo, seus habitantes e os usos da
terra, São Paulo: Imprensa Oficial, 2004.

NAPOLITANO, Marcos, A história depois do papel, In: PINSKY, Carla Bassanezi,


Fontes Históricas, São Paulo: Contexto, 2005.

SARACENI, Denise (Direção Geral), Minissérie: A Muralha, emissora: Rede Globo,


2000.

TAUNAY, Afonso de Escragnolle, 1876-1958, São Paulo nos primeiros anos: ensaio
de reconstituição social, São Paulo no século XVI: história da vila de Piratininga;
coordenação de Paula Porta, São Paulo: Paz e Terra. Obra 1920-21, edição 2003.

TAUNAY, Afonso de Escragnolle, História das Bandeiras paulistas, São Paulo:


edição melhoramentos.

TEIXEIRA, Francisco M. P. e DANTAS, José, Estudos de História do Brasil, volume

1. Colônia, São Paulo: 1971.

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