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As Filosofias da Existência

Jean Wahl
Coleção Saber
Publicações Europa-América, 1962

CAPITULO I - GENERALIDADES

CAPITULO I - GENERALIDADES

Quem se ocupe da filosofia da existência encontra-se na presença de um certo número de


dificuldades. As primeiras surgem da diversidade extrema dos diferentes pensamentos
filosóficos que se designam com esse nome.

Preferiremos a expressão «filosofia da existência» à palavra «existencialismo» pela razão


de que alguns dos filósofos mais importantes de que queremos falar, Heidegger e Jaspers
em particular, não queriam ser qualificados de existencialistas.

Heidegger, em alguns dos seus cursos, manifestou-se contra uma teoria a que chama
existencialismo, e Jaspers escreveu que o existencialismo é a morte da filosofia da
existência. Estes filósofos vêem no existencialismo uma doutrina e temem as doutrinas
assim estabilizadas.

Por outro lado, há filósofos — Sartre, Merleau-Ponty, Simone de Beauvoir — que


aceitam o título de existencialistas, e acontece que Gabriel Mareei, de vez em quando,
aceita que lhe chamem existencialista cristão, e Lavelle e Le Senne não repudiam o termo
«existencialismo».

Mas, se quisermos adoptar de um modo geral esta doutrina, será preferível dizer
«filosofia da existências, o que ainda não é completamente satisfatório, porque Heidegger
não só não queria ser chamado existencialista, mas também recusava o título de filósofo
da existência. A filosofia da existência, para ele, é essencialmente a de Jaspers. Quanto a
ele, pensa que o problema filosófico essencial, e até mesmo o único problema filosófico,
é o problema do ser, e se se ocupou, em Sein und Zeit (O Ser e o Tempo), da existência, é
porque pensa que é passando pela nossa existência que poderemos alcançar o ser. Mas é o
ser que é o objecto essencial do filósofo, e ele quer ser não um filósofo da existência, mas
um filósofo do ser. Deste modo, devíamos recusar a Heidegger o nome de existencialista
e mesmo o de filósofo da existência.

Por outras razões, Kierkegaard, que está na origem de todas estas filosofias, recusaria o
nome de filósofo da existência; não negaria a palavra «existência», mas recusaria a
palavra «filosofo». Ele não é um filósofo, é um homem religioso, e não tem unia filosofia
que seria a filosofia da existência, que quereria opor às outras filosofias.

A filosofia da existência teve o seu início na meditação essencialmente religiosa de


Kierkegaard. E hoje, quando se fala da filosofia da existência, pensa-se frequentemente
em Sartre, que é um filósofo não religioso e às vezes mesmo anti-religioso.

Uma brochura de Sartre chama-se L'existentialisme est un humanisme (O


Existencialismo E Um Humanismo); mas, por outro lado, há uma carta de Heidegger, a
Carta a Beauffret, em que Heidegger toma posição contra a ideia de humanismo. E, na
verdade, Kierke-gaard não era um humanista.

Eis, portanto, dois pontos essenciais em que se verifica oposição entre as doutrinas de
certos filósofos chamados da existência.

Acontece o mesmo com a ideia da interioridade e do segredo. Se a filosofia de Hegel não


se afigura satisfatória para Kierkegaard, é em grande parte porque ela não toma em linha
de conta o elemento de interioridade absoluta, pelo facto de não nos podermos explicitar
completamente. E teremos ocasião de dizer que toda a filosofia existencial nasce da
meditação de Kierkegaard sobre os acontecimentos privados da sua vida, sobre o seu
noivado e a impossibilidade em que esteve de comunicar com a noiva. Mas, se lermos
Sartre, veremos, pelo contrário, que, para ele, um homem é a vida desse homem na
medida em que ela se exprime pelo conjunto dos seus actos, na medida em que não há
segredo. Quanto a este ponto, é a influência de Hegel, á influência do adversário contra o
qual se tinha erguido Kierkegaard, que domina o pensamento de Sartre.

L'Être et le Néant (O Ser e o Nada) acaba por uma condenação daquilo que Sartre chama
o espírito de sério. Mas, por outro lado, Kierkegaard diz-nos que uma das categorias
essenciais mais necessárias é a categoria de sério.

Há, deste modo, não só diversidade, mas profundas oposições entre os filósofos
chamados da existência. Poderemos dizer, depois de observarmos todas estas
divergências, que há realmente um corpo de doutrinas a que será lícito dar o nome de
filosofia da existência? Falemos antes de uma atmosfera, de um clima que poderemos
sentir. A prova de que há qualquer coisa que é a filosofia da existência é que podemos
legitimamente aplicar este termo a umas filosofias e não a outras. Isto quer, portanto,
dizer que há qualquer coisa que caracteriza verdadeiramente as filosofias da existência;
tentaremos esclarecer aquilo em que essa qualquer coisa consiste, sem que nunca talvez
consigamos atingi-lo.

Apresenta-se-nos uma segunda dificuldade, se reflectirmos sobre o facto de que


procuramos encontrar a essência das filosofias da existência, que são filosofias que
negam a essência. Mas teremos ocasião de ver que as filosofias da existência, em
particular a de Heidegger, se a classificarmos entre elas, conforme tínhamos estabelecido,
não negam a essência. Veremos como Heidegger pensa que é a essência do homem que
ele quer definir e como diz que a essência do homem é a sua existência. E a palavra
«essência» aparece, por assim dizer, em cada página do último livro de Heidegger. Esta
última dificuldade é, sem dúvida, apenas aparente.

Encontramo-nos perante uma dificuldade mais séria ao observarmos que o caracter


específico destas filosofias corre o risco de desaparecer quando a elas nos referimos de
uma maneira objectiva. Não é a existência, para um Kierkegaard, para Jaspers, problema
do Indivíduo solitário, da subjectividade ? Não se corre o risco de transformar a
existência pela simples razão de se falar dela, de transformar existência autêntica em
existência inautêntica? Não corremos o risco de a forçar a descer a este domínio do nós,
do qualquer, domínio que, precisamente, é necessário evitar? Não será necessário
abandonar a existência à meditação solitária, ao diálogo de alguém consigo próprio?

Mas só poderemos reconhecer se é possível escapar a este perigo se nos esforçarmos por
estudar esta filosofia, este modo de pensamento.

Será possível dar definições das filosofias da existência? Veremos que toda e qualquer
definição será mais ou menos inadequada.

Por exemplo, num estudo publicado numa revista filosófica americana, define-se a
filosofia da existência como a reacção contra o idealismo absoluto e o positivismo e
como um esforço constante para dominar o homem na sua totalidade. Facilmente se vê
que esta definição do P. Culbertson não é satisfatória: pode aplicar-se tanto ao
pragmatismo, aos filósofos da vida, como aos filósofos da existência.

O existencialismo foi definido em Roma por uma alta autoridade religiosa como uma
filosofia do desastre, um irracionalismo pessimista e um voluntarismo religioso. Mas este
juízo contém em si uma condenação, e não o podemos tomar como ponto de partida.

Na sua obra L'Existentialisme est un humanisme, Sar-tre diz que o existencialismo é uma
doutrina que torna a vida humana possível e, por outro lado, declara que toda a verdade e
toda a acção implicam um meio e uma subjectividade humana. Poderá o próprio Sartre
considerar esta definição satisfatória? Ficamos impressionados pelo «por outro lado», que
é sinal de que a própria definição é formada por membros disjuntos. Quanto ao facto de
ser possível a vida humana com esta filosofia, podemos observar que todas as filosofias,
excepto as de Schopenhauer e de E. von Hartman, afirmariam que tornam a vida humana
possível. E que toda a verdade e toda a acção implicam um meio e uma subjectividade
humana muitos filósofos idealistas o diriam, da mesma forma que Sartre. De resto,
muitos diriam que a filosofia da existência torna a vida humana impossível.

Que seja necessário partir da subjectividade das filosofias da existência, está certo, e é o
mais valioso elemento desta definição, mas é necessário conhecer a maneira como nós
definimos a subjectividade. Num sentido, todas as grandes filosofias, a de Descartes
como a de Sócrates, são partes da subjectividade.

Num pequeno livro muito bem feito sobre os filósofos contemporâneos, o P. Bochenski
diz que seria necessário, antes de propor uma definição, enunciar um certo número de
conceitos, que seriam os conceitos da filosofia da existência, e principalmente enumerar
as experiências donde ela parte, como as da angústia ou da náusea.

Esta observação é justa. Pode-se dizer, para retomar um elemento da definição de Sartre,
que esta filosofia parte da subjectividade colhida em certas experiências como a da
angústia (Embora G. Marcel pareça não partir da angústia, se falarmos rigorosamente.).
Estas filosofias definem-se por um clima, por certas fases das experiências particulares.

O P. Bochenski chama também a atenção para — e a observação é igualmente justa— o


facto de os filósofos da existência contestarem a separação entre o sujeito e o objecto. Há
aqui realmente qualquer coisa que é importante, mas o seu fim essencial é ultrapassar esta
alternativa.

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filosofia da existência
Definition:
A filosofia da existência (filosofia existencial, existencialismo) representa hoje um
autêntico filosofar de elevada categoria e de vastíssima influência. Tendo-se organizado
de maneira sistemática no século XX, suas raízes penetram na primeira metade do século
XIX. Em termos mais precisos, ela representa uma reação contra o idealismo alemão. O
pensamento de Hegel, que se presta para o perigo de semelhante interpretação, foi
ulteriormente compreendida de maneira tal que o homem se volatilizava em mero
momento evolutivo da ideia absoluta, e, por essa forma, a plenitude do existente se
explicava por uma necessária conexão conceptual. Em face deste despotismo do
universal, prevaleceu a substantividade e indeduzibilidade do indivíduo humano
concreto. Num primeiro momento, o positivismo e a burguesia superficial fizeram deste
homem algo de inconsistente e de irreal (desessenciado), porque derribaram o universal
ideal, sem lhe oferecerem um novo fundamento radical. Aqui se enxertou a filosofia da
existência, a qual confere ao indivíduo consistência e profundidade, chamando-o à
"existência" ("Existenz").

O romantismo preparou o caminho a essa filosofia, na medida em que manda situar o


homem em sua existência concreta, nele faz confluir a plenitude do ser e também
enquanto desperta o sentido da indeduzibilidade do fenômeno histórico. Schelling, no
último período de seu filosofar, levanta a questão com maior perspicácia: o problema da
existência, ultrapassando as fronteiras da necessidade lógica do universal, apela para a
liberdade e, para além da mera razão, exige como origem a vontade: "O ser primordial
é querer".

O passo decisivo para chegar à filosofia da existência ou existencialismo é dado pela


teologia existencial de Kierkegaard. Pretende este conduzir o indivíduo à plenitude de
seu existir, ou seja, à existência (Existenz) (pela primeira vez aparece o termo nesta
acepção). A existência realiza-se mediante a decisão livre, na qual o homem se põe ou
apreende a si mesmo, e mediante a fé com que se apoia em Deus; preliminarmente surge
a angústia, como comoção de todo o finito e experiência do nada. A f é é pensada à
maneira cristã e é concebida como uma espécie de salto; sua indeduzibilidade aumenta
até ao paradoxo, na medida em que o cristão aparece como contraditório do homem.
Correntes afins ampliam o esboço traçado por Kierkegaard. Com ele a filosofia da vida
(filosofia da vida) propõe-se eximir a vida em sua concreta plenitude e profundidade à
violência exercida pelo conceito universal; a vida abre-se só à compreensão pré-
racional ou supra-racional, p, ex., ao instinto (Nietzsche) ou à intuição (Bergson).
Acresce a hermenêutica (interpretação) do histórico (Ditlhey), o qual em sua
irrepetibilidade não consente ser explicado por conceitos e leis universais, mas só pode
ser compreendido, se lhe interpretarmos o sentido (compreender). Aparentada a este
método é a fenomenologia de Husserl com sua intuição das essências, enquanto,
partindo das situações internas, leva a cabo uma interpretação das mesmas; em Scheler,
no último período, a fenomenologia aproxima-se da filosofia da vida, e, por essa forma, o
impulso ou alor vital, de importância central já para Nietzcshe e (em sentido diferente)
para Bergson, de novo passa a ocupar o primeiro plano.

Voltando-se agora para os principais representante." da filosofia existencial na


Alemanha, o que mais próximo se situa de Kierkegaard é Jaspers (nascido em 1883), que
também recebeu o influxo de Kant. O indivíduo, enquanto existência, não é concebido a
partir do universal, mas deve ser esclarecido a partir de si mesmo, como tal ou tal
indivíduo, em sua uni-decorrente ou irrepetível sitúaselo histórica. Contra o nada
Intimamente experimentado na angústia, a existência afirma-se pela decisão em favor de
seu auto-ser (Selbsteein). Esta decisão, por seu turno, fundamenta-se na transcendência,
a qual se manifesta ao passar através das situações-limite. A ela corresponde a "fé
filosófica" supra-conceptual, a qual, em oposição à "fé religiosa", que abarca o Deus
presente, só pode dirigir-se ao Deus ausente ou oculto.

Todas as influências apontadas determinaram Heidegger (nascido em 1889). Seu


pensamento não é só existentivo (existenziell), ou seja, elucidativo de tudo em sua
significação para a existência individual (Jaspers), mas primariamente existenciário
(existenzial), ou seja, dirigido, através do indivíduo ao "ser-aí" (Dasein = ao homem), e
até mesmo simplesmente ao ser. Por isso, Heidegger move-se do ôntico ao ontológico,
do ente fáctico ao ser que o fundamenta. Assim sendo, a analítica existencial do homem
é tão-somente a ontologia fundamental, à qual deve seguir-se a ontologia como
interpretação do próprio ser; contudo, recentemente, Heidegger denomina ontologia a
investigação do ente, a qual se identifica com a metafísica, e designa por ontologia
fundamental o esclarecimento do ser; este, segundo ele, leva a cabo a superação da
metafísica. O ser manifesta-se primeiro como projeto, bosquejo do homem em seus
modos de existência ou existenciários. Na inautenticidade (caracterizada como "queda":
"Verfallen"), o homem perde-se a si mesmo por se preocupar com as coisas mundanas.
Acima desta o eleva a angústia, a qual esboça o nada como fundamento de todo ente: no
presente como futilidade ("não-ser": Nichtigkeit) do cotidiano, no passado, enquanto o
"donde" (das Woher) permanece oculto: lançadura (Geworfenheit); no futuro, porque
deste só uma coisa é certa: que se precipita na morte. A experiência do nada abarca, pois,
todas as prolongações do "ser-aí" ou Dasein e, com isso, situa o homem ante a totalidade
de sua existência. O homem, ao captar esta em sua resolução (= em seu estado de
resolução, em sua abertura determinada: Entschlossenheit), chega à autenticidade (à
propriedade = Eigentlichkeit). Esta significaria carência de sentido (Sinnlosigkeit) e,
por isso mesmo, tragédia sem esperança, se o nada denotasse o vácuo absoluto. De fato,
porém, sob o véu do nada (do nada do ente) mostra-se o ser, o qual por forma alguma é
só um projeto do homem, mas precede-o na qualidade de fundamento (Grund) de todo
ente. Embora o ser deixe espaço para o santo, para a divindade e para Deus, o problema
de Deus continua sem solução categórica.

A par da filosofia existencial alemã importa mencionar o existencialismo francês, no qual


perdura a herança espiritual de pensadores como Pascal e Maine de Piran. Desenvolve-se
em duas direções fundamentais: uma ateístico-niilista, cujo principal representante é J. P.
Sartre (nascido em 1905), e outra, metafísico-teísta, cultivada especialmente por G.
Mareei (nascido em 1889).

Sartre procede principalmente de Heidegger, Husserl e Hegel. Segundo ele, no homem a


existência precede a essência, ou, por outras palavras, o homem como liberdade absoluta
e ilimitada só determina sua essência e os valores importantes da existência. Dado que,
enquanto liberdade, inteiramente desamparado, sem Deus e sem norma, deve buscar seu
caminho, parece estar condenado a ela como a um ônus. A liberdade inclui a consciência,
a qual se contrapõe essencialmente a si mesma e, portanto, não é inteiramente ela própria;
impedida, por este não ou nada, de ser completamente ela própria, a liberdade é o ser,
roto pelo nada, frente ao qual se ergue o corpóreo inconsciente como ser pleno sem
ruptura. A consciência, tendendo necessariamente, embora em vão, a se tornar
consciente e a ser completamente ela própria, manifesta-se como paixão inútil ou como
absurdidade, da qual dá testemunho a náusea como experiência fundamental da
existência.

O polo oposto é, de certa maneira, constituído por G. Marcel, que chegou a formular suas
ideias fundamentais anteriormente a Sartre e independentemente de Kierkegaard e da
filosofia existencial alemã. Também ele investiga o mistério da pessoa humana e de sua
liberdade. O homem, ao elucidar sua situação concreta, aparece, primeiramente, como
que fracturado e segregado da própria vida. Contudo encontra-a e, com isso, encontra-se
a si mesmo, enquanto, mediante o recolhimento e a fidelidade, se eleva em direção à
transcendência e, por essa forma, se apoia no "tu" divino. Deste modo, a existência, para
G. Marcel, é caracterizada mais pela esperança e pela adoração do que pela angústia e
pelo cuidado.

A filosofia da existência tem razão, quando assevera que o homem não é meramente
existente (vorhanden), mas sim existência (Existenz), por outras palavras, que o homem
só se conquista a si mesmo na decisão com que abarca e realiza a plenitude de seu ser.
Assim sendo, a vontade e a liberdade, a atuação em geral, instalam-se no ponto central, e
são exigidos um ser-captado pessoal e uma seriedade existencial, Com visão profunda pe
salientou que esta "des-essencialização" (Verwesentlichung) se funda na transcendência,
na união com algo de supramundano. Contudo, precisamente o véu, que envolve o
transcendente, mostra as limitações da filosofia existencial. Juntamente com o universal
idealístico tornam-se-lhe suspeitos o universal em geral e a razão (ratio) a ele
subordinada. Como porém o irracional só patenteia as coisas em sua relação com a
existência, persiste o perigo de que o objetivo se dilua no puro existenciário do homem,
de que, portanto, "seja" unicamente na medida em que o homem o projete como aspecto
de sua existência. A filosofia da existência não deve sucumbir a este perigo, uma vez
que na passagem através dos existenciários pode abrir para si uma rota nova e cheia de
vida para o ser. [Brugger]

A filosofia da existência passou a ser de moda em vários países, depois da Segunda


Guerra Mundial. L'Être et le Néant (O Ser e o Nada), a obra tão difícil de Sartre, que
supõe profundos conhecimentos da história da filosofia e cujas análises são a tal ponto
técnicas e abstratas que geralmente só são acessíveis a filósofos especializados e bem
formados, está novamente esgotada, apesar de suas oito edições sucessivas e do número
correspondente de exemplares publicados — umas dúzias de milhar. Sem dúvida, os
filósofos existencialistas franceses — especialmente Sartre — vieram ao encontro do
público com seus romances e peças de teatro. Mas esta popularidade acarretou consigo
certos equívocos a propósito do existencialismo filosófico, equívocos que importa
começar por dissipar. Por isso, diremos imediatamente, e de uma vez por todas, o que o
existencialismo filosófico não é.

É certo que o existencialismo se ocupa de problemas do homem, hoje chamados


"existenciais", tais como o sentido da vida, da morte, da dor, etc, mas o existencialismo
não consiste em desenvolver tais problemas, que têm sido discutidos em quase todas as
épocas. Seria erro palmar qualificar de existencialistas S. Agostinho ou Pascal ou certos
escritores modernos, como o crítico espanhol Miguel de Unamuno (1864-1937), o
grande romancista russo Fjedor M. Dostoievski (1821-1881) ou o poeta alemão Rainer
Maria Rilke (1875-1926). Estes escritores e poetas, sem dúvida, debateram e trataram em
suas obras de maneira particularmente impressionante diversos problemas humanos, mas
nem por isso são filósofos da existência.

Outro erro consiste em chamar existencialistas aos filósofos que estudaram a existência
no sentido clássico do vocábulo ou o ser existente. Não faz sentido que muitos tomistas
pretendam fazer de S. Tomás de Aquino um existencialista. Não menos grotesco é o
equívoco, de encorporar Husserl na filosofia da existência, pelo fato de haver exercido
grande influência sobre ela; sucede que Husserl colocou entre parêntesis precisamente a
existência.

Por último, importa não identificar a filosofia da existência com uma única doutrina
existencialista, por exemplo a de Sartre, dado que, como a seguir veremos, há diferenças
essenciais entre as diferentes direções.

Em face de todos estes equívocos, tenha-se como ponto assente que a filosofia da
existência é uma tendência filosófica que só tomou forma pela primeira vez em nossa
época e, ao sumo, remonta a Kierkegaard, tendência que se desenvolveu em direções
entre si divergentes, e das quais só o denominador comum pode ser denominado a
filosofia da existência.
Características das distintas filosofias da existência:

a) O traço comum fundamental das diversas filosofias da existência de nossa época reside
em que elas procedem todas de uma denominada vivência "existencial", difícil de definir
mais de perto e que varia de filósofo para filósofo. Assim, em Jaspers ela parece consistir
numa percepção da fragilidade do ser, em Heidegger na experiência da "marcha para a
morte", em Sartre numa repugnância ou náusea geral. Os existencialistas não ocultam por
forma alguma que a filosofia deles parte de uma vivência desta espécie.

Isso explica que a filosofia existencial apresente em seu conjunto — até mesmo em
Heidegger — o cunho de experiência pessoal.

b) O objeto principal da investigação é, para os existencialistas, aquilo que se chama


"existência". Mas é difícil determinar o sentido que eles atribuem a este vocábulo. Em
todo caso, trata-se da maneira de ser peculiarmente humana. O homem (raramente assim
denominado, mas preferentemente designado por "Dasein", "existência", "eu", "ser-para-
si") é o único ser que possui a existência. Com maior rigor de expressão, êle não a
possui, êle é sua existência. Se tem uma essência, esta essência é sua existência ou resulta
de sua existência.

c) A existência é concebida de maneira absolutamente atualista. Ela nunca é, mas cria-se


a si mesma em liberdade, devem. É um esboço, um pro-jeto. A cada instante, ela é mais
(e menos) do que é. Os existencialistas reforçam ainda frequentemente esta tese,
afirmando que a existência coincide com a temporalidade.

d) A diferença entre este atualismo e o da filosofia da vida consiste em que os


existencialistas consideram o homem como mera subjetividade e não como manifestação
de outra corrente vital mais vasta (cósmica), como, por exemplo, sucede com Bergson.
Além disso, a subjetividade é entendida em sentido criador: o homem cria-se livremente a
si mesmo, êle é sua liberdade.

e) Não obstante, seria inexato concluir que, para os existencialistas, o homem se encontra
fechado em si mesmo. Pelo contrário, enquanto realidade imperfeita e aberta, êle parece
estar, por essência, muito intimamente ligado ao mundo e em particular aos outros
homens. Todos os representantes do existencialismo admitem esta dupla dependência, de
modo que, por um lado, a existência humana parece estar inserta no mundo, e por isso o
homem tem sempre uma situação determinada; mais ainda, é sua situação, e, por outro
lado, há um vínculo particular entre os homens; vínculo que, do' mesmo modo que a
situação, constitui o ser próprio da existência. Este é o sentido da "co-existência"
(Mitdasein) de Heidegger, da "comunicação" (Kommunikation) de Jaspers e do "tu" (toi)
de Marcel.

f) Todos os existencialistas rejeitam a distinção entre sujeito e objeto e depreciam assim


o conhecimento intelectual no domínio da filosofia. Segundo eles, o verdadeiro
conhecimento não se adquire pela inteligência, mas é mister que a realidade seja vivida.
Esta vivência dá-se principalmente mediante a angústia, pela qual o homem se torna
cônscio de sua finitude e da fragilidade de sua posição no mundo, no qual foi jogado,
destinado à morte (Heidegger).

A par destes traços fundamentais comuns ao existencialismo, aos quais poderíamos ainda
acrescentar outros, existem igualmente profundas diferenças entre seus representantes
tomados isoladamente. Assim, por exemplo, tanto Marcel como Kierkegaard são
decididamente teístas, ao passo que Jaspers admite uma transcendência, que não sabemos
se deve ser entendida como teísmo, panteísmo ou ateísmo, todos os três igualmente
rejeitados por Jaspers. A filosofia de Heidegger parece ser ateia; no entanto, segundo a
declaração expressa, sem dúvida, de alcance limitado, do autor, não o seria. Por último,
Sartre tenta elaborar um ateísmo franco e consequente.

Diferem igualmente muito entre si o fim e o método das várias filosofias da existência.
Heidegger pretende brindar-nos com uma ontologia em sentido aristotélico e aplica um
método rigoroso, como o faz Sartre, inspirando-se nele. Jaspers rejeita toda ontologia no
domínio da demonstração da existência, mas também faz metafísica e emprega um
método menos exigente. [Bochenski]

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