Professional Documents
Culture Documents
Jean Wahl
Coleção Saber
Publicações Europa-América, 1962
CAPITULO I - GENERALIDADES
CAPITULO I - GENERALIDADES
Heidegger, em alguns dos seus cursos, manifestou-se contra uma teoria a que chama
existencialismo, e Jaspers escreveu que o existencialismo é a morte da filosofia da
existência. Estes filósofos vêem no existencialismo uma doutrina e temem as doutrinas
assim estabilizadas.
Mas, se quisermos adoptar de um modo geral esta doutrina, será preferível dizer
«filosofia da existências, o que ainda não é completamente satisfatório, porque Heidegger
não só não queria ser chamado existencialista, mas também recusava o título de filósofo
da existência. A filosofia da existência, para ele, é essencialmente a de Jaspers. Quanto a
ele, pensa que o problema filosófico essencial, e até mesmo o único problema filosófico,
é o problema do ser, e se se ocupou, em Sein und Zeit (O Ser e o Tempo), da existência, é
porque pensa que é passando pela nossa existência que poderemos alcançar o ser. Mas é o
ser que é o objecto essencial do filósofo, e ele quer ser não um filósofo da existência, mas
um filósofo do ser. Deste modo, devíamos recusar a Heidegger o nome de existencialista
e mesmo o de filósofo da existência.
Por outras razões, Kierkegaard, que está na origem de todas estas filosofias, recusaria o
nome de filósofo da existência; não negaria a palavra «existência», mas recusaria a
palavra «filosofo». Ele não é um filósofo, é um homem religioso, e não tem unia filosofia
que seria a filosofia da existência, que quereria opor às outras filosofias.
Eis, portanto, dois pontos essenciais em que se verifica oposição entre as doutrinas de
certos filósofos chamados da existência.
L'Être et le Néant (O Ser e o Nada) acaba por uma condenação daquilo que Sartre chama
o espírito de sério. Mas, por outro lado, Kierkegaard diz-nos que uma das categorias
essenciais mais necessárias é a categoria de sério.
Há, deste modo, não só diversidade, mas profundas oposições entre os filósofos
chamados da existência. Poderemos dizer, depois de observarmos todas estas
divergências, que há realmente um corpo de doutrinas a que será lícito dar o nome de
filosofia da existência? Falemos antes de uma atmosfera, de um clima que poderemos
sentir. A prova de que há qualquer coisa que é a filosofia da existência é que podemos
legitimamente aplicar este termo a umas filosofias e não a outras. Isto quer, portanto,
dizer que há qualquer coisa que caracteriza verdadeiramente as filosofias da existência;
tentaremos esclarecer aquilo em que essa qualquer coisa consiste, sem que nunca talvez
consigamos atingi-lo.
Mas só poderemos reconhecer se é possível escapar a este perigo se nos esforçarmos por
estudar esta filosofia, este modo de pensamento.
Será possível dar definições das filosofias da existência? Veremos que toda e qualquer
definição será mais ou menos inadequada.
Por exemplo, num estudo publicado numa revista filosófica americana, define-se a
filosofia da existência como a reacção contra o idealismo absoluto e o positivismo e
como um esforço constante para dominar o homem na sua totalidade. Facilmente se vê
que esta definição do P. Culbertson não é satisfatória: pode aplicar-se tanto ao
pragmatismo, aos filósofos da vida, como aos filósofos da existência.
O existencialismo foi definido em Roma por uma alta autoridade religiosa como uma
filosofia do desastre, um irracionalismo pessimista e um voluntarismo religioso. Mas este
juízo contém em si uma condenação, e não o podemos tomar como ponto de partida.
Na sua obra L'Existentialisme est un humanisme, Sar-tre diz que o existencialismo é uma
doutrina que torna a vida humana possível e, por outro lado, declara que toda a verdade e
toda a acção implicam um meio e uma subjectividade humana. Poderá o próprio Sartre
considerar esta definição satisfatória? Ficamos impressionados pelo «por outro lado», que
é sinal de que a própria definição é formada por membros disjuntos. Quanto ao facto de
ser possível a vida humana com esta filosofia, podemos observar que todas as filosofias,
excepto as de Schopenhauer e de E. von Hartman, afirmariam que tornam a vida humana
possível. E que toda a verdade e toda a acção implicam um meio e uma subjectividade
humana muitos filósofos idealistas o diriam, da mesma forma que Sartre. De resto,
muitos diriam que a filosofia da existência torna a vida humana impossível.
Que seja necessário partir da subjectividade das filosofias da existência, está certo, e é o
mais valioso elemento desta definição, mas é necessário conhecer a maneira como nós
definimos a subjectividade. Num sentido, todas as grandes filosofias, a de Descartes
como a de Sócrates, são partes da subjectividade.
Num pequeno livro muito bem feito sobre os filósofos contemporâneos, o P. Bochenski
diz que seria necessário, antes de propor uma definição, enunciar um certo número de
conceitos, que seriam os conceitos da filosofia da existência, e principalmente enumerar
as experiências donde ela parte, como as da angústia ou da náusea.
Esta observação é justa. Pode-se dizer, para retomar um elemento da definição de Sartre,
que esta filosofia parte da subjectividade colhida em certas experiências como a da
angústia (Embora G. Marcel pareça não partir da angústia, se falarmos rigorosamente.).
Estas filosofias definem-se por um clima, por certas fases das experiências particulares.
_____________________________________________________________________________
________________________________________________________________
filosofia da existência
Definition:
A filosofia da existência (filosofia existencial, existencialismo) representa hoje um
autêntico filosofar de elevada categoria e de vastíssima influência. Tendo-se organizado
de maneira sistemática no século XX, suas raízes penetram na primeira metade do século
XIX. Em termos mais precisos, ela representa uma reação contra o idealismo alemão. O
pensamento de Hegel, que se presta para o perigo de semelhante interpretação, foi
ulteriormente compreendida de maneira tal que o homem se volatilizava em mero
momento evolutivo da ideia absoluta, e, por essa forma, a plenitude do existente se
explicava por uma necessária conexão conceptual. Em face deste despotismo do
universal, prevaleceu a substantividade e indeduzibilidade do indivíduo humano
concreto. Num primeiro momento, o positivismo e a burguesia superficial fizeram deste
homem algo de inconsistente e de irreal (desessenciado), porque derribaram o universal
ideal, sem lhe oferecerem um novo fundamento radical. Aqui se enxertou a filosofia da
existência, a qual confere ao indivíduo consistência e profundidade, chamando-o à
"existência" ("Existenz").
O polo oposto é, de certa maneira, constituído por G. Marcel, que chegou a formular suas
ideias fundamentais anteriormente a Sartre e independentemente de Kierkegaard e da
filosofia existencial alemã. Também ele investiga o mistério da pessoa humana e de sua
liberdade. O homem, ao elucidar sua situação concreta, aparece, primeiramente, como
que fracturado e segregado da própria vida. Contudo encontra-a e, com isso, encontra-se
a si mesmo, enquanto, mediante o recolhimento e a fidelidade, se eleva em direção à
transcendência e, por essa forma, se apoia no "tu" divino. Deste modo, a existência, para
G. Marcel, é caracterizada mais pela esperança e pela adoração do que pela angústia e
pelo cuidado.
A filosofia da existência tem razão, quando assevera que o homem não é meramente
existente (vorhanden), mas sim existência (Existenz), por outras palavras, que o homem
só se conquista a si mesmo na decisão com que abarca e realiza a plenitude de seu ser.
Assim sendo, a vontade e a liberdade, a atuação em geral, instalam-se no ponto central, e
são exigidos um ser-captado pessoal e uma seriedade existencial, Com visão profunda pe
salientou que esta "des-essencialização" (Verwesentlichung) se funda na transcendência,
na união com algo de supramundano. Contudo, precisamente o véu, que envolve o
transcendente, mostra as limitações da filosofia existencial. Juntamente com o universal
idealístico tornam-se-lhe suspeitos o universal em geral e a razão (ratio) a ele
subordinada. Como porém o irracional só patenteia as coisas em sua relação com a
existência, persiste o perigo de que o objetivo se dilua no puro existenciário do homem,
de que, portanto, "seja" unicamente na medida em que o homem o projete como aspecto
de sua existência. A filosofia da existência não deve sucumbir a este perigo, uma vez
que na passagem através dos existenciários pode abrir para si uma rota nova e cheia de
vida para o ser. [Brugger]
Outro erro consiste em chamar existencialistas aos filósofos que estudaram a existência
no sentido clássico do vocábulo ou o ser existente. Não faz sentido que muitos tomistas
pretendam fazer de S. Tomás de Aquino um existencialista. Não menos grotesco é o
equívoco, de encorporar Husserl na filosofia da existência, pelo fato de haver exercido
grande influência sobre ela; sucede que Husserl colocou entre parêntesis precisamente a
existência.
Por último, importa não identificar a filosofia da existência com uma única doutrina
existencialista, por exemplo a de Sartre, dado que, como a seguir veremos, há diferenças
essenciais entre as diferentes direções.
Em face de todos estes equívocos, tenha-se como ponto assente que a filosofia da
existência é uma tendência filosófica que só tomou forma pela primeira vez em nossa
época e, ao sumo, remonta a Kierkegaard, tendência que se desenvolveu em direções
entre si divergentes, e das quais só o denominador comum pode ser denominado a
filosofia da existência.
Características das distintas filosofias da existência:
a) O traço comum fundamental das diversas filosofias da existência de nossa época reside
em que elas procedem todas de uma denominada vivência "existencial", difícil de definir
mais de perto e que varia de filósofo para filósofo. Assim, em Jaspers ela parece consistir
numa percepção da fragilidade do ser, em Heidegger na experiência da "marcha para a
morte", em Sartre numa repugnância ou náusea geral. Os existencialistas não ocultam por
forma alguma que a filosofia deles parte de uma vivência desta espécie.
Isso explica que a filosofia existencial apresente em seu conjunto — até mesmo em
Heidegger — o cunho de experiência pessoal.
e) Não obstante, seria inexato concluir que, para os existencialistas, o homem se encontra
fechado em si mesmo. Pelo contrário, enquanto realidade imperfeita e aberta, êle parece
estar, por essência, muito intimamente ligado ao mundo e em particular aos outros
homens. Todos os representantes do existencialismo admitem esta dupla dependência, de
modo que, por um lado, a existência humana parece estar inserta no mundo, e por isso o
homem tem sempre uma situação determinada; mais ainda, é sua situação, e, por outro
lado, há um vínculo particular entre os homens; vínculo que, do' mesmo modo que a
situação, constitui o ser próprio da existência. Este é o sentido da "co-existência"
(Mitdasein) de Heidegger, da "comunicação" (Kommunikation) de Jaspers e do "tu" (toi)
de Marcel.
A par destes traços fundamentais comuns ao existencialismo, aos quais poderíamos ainda
acrescentar outros, existem igualmente profundas diferenças entre seus representantes
tomados isoladamente. Assim, por exemplo, tanto Marcel como Kierkegaard são
decididamente teístas, ao passo que Jaspers admite uma transcendência, que não sabemos
se deve ser entendida como teísmo, panteísmo ou ateísmo, todos os três igualmente
rejeitados por Jaspers. A filosofia de Heidegger parece ser ateia; no entanto, segundo a
declaração expressa, sem dúvida, de alcance limitado, do autor, não o seria. Por último,
Sartre tenta elaborar um ateísmo franco e consequente.
Diferem igualmente muito entre si o fim e o método das várias filosofias da existência.
Heidegger pretende brindar-nos com uma ontologia em sentido aristotélico e aplica um
método rigoroso, como o faz Sartre, inspirando-se nele. Jaspers rejeita toda ontologia no
domínio da demonstração da existência, mas também faz metafísica e emprega um
método menos exigente. [Bochenski]