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RÚSSIA
ASCENSÃO E QUEDA DE UM IMPÉRIO
ISBN: 978-85-362-
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Rússia: Ascensão e Queda de um Império 5
RÚSSIA
ASCENSÃO E QUEDA DE UM IMPÉRIO
Curitiba
Juruá Editora
2009
6 João Fábio Bertonha
Rússia: Ascensão e Queda de um Império 7
AGRADECIMENTOS
Apesar da decisão de escrever o presente livro ser relati-
vamente recente, meu interesse pela história russa e, especialmen-
te, pelos seus aspectos geopolíticos e militares, tem, pelo menos,
uns dez anos. Nesse longo período, aproveitei todas as oportunida-
des que tive para, mesmo no meio de outras pesquisas, aprofundar
meus conhecimentos a respeito desse tópico.
Nesse esforço, inúmeras instituições, no Brasil e no exte-
rior, me forneceram a infraestrutura necessária para tanto e seria
cansativo mencionar a todas aqui. Do mesmo modo, um levanta-
mento de todos os amigos e colegas com quem debati e discuti os
temas presentes neste livro seria quase impossível. Desta forma,
me limito a agradecer as pessoas diretamente envolvidas na reda-
ção e na formatação do presente trabalho.
Em primeiro lugar, agradeço aos meus alunos dos cursos
de História Contemporânea I e II da Universidade Estadual de
Maringá (UEM) entre 1999 e 2007, os quais serviram de “cobaia”
para algumas das teorias e ideias desenvolvidas aqui. Também
meus orientandos de graduação e mestrado se dispuseram a ler,
mesmo quando trabalhando com temas totalmente diversos, a pri-
meira versão, assim como os alunos e colegas do “Laboratório de
Estudos do Tempo Presente” da UEM, trazendo colaborações para
o aprimoramento do texto.
Um agradecimento especial, também, aos Embaixadores
Jerônimo Moscardo (Presidente da Funag) e Carlos Henrique
Cardim (Diretor do Instituto de Pesquisa em Relações Internacio-
nais), pelo convite para participar da II CNPEI (Seminários prepa-
ratórios: Rússia), em 28.06.2007. Neste evento, no Palácio Itama-
raty, no Rio de Janeiro, pude aprofundar várias das reflexões men-
cionadas neste texto, além de conhecer vários dos autores citados.
Foi uma oportunidade única, que só posso agradecer.
10 João Fábio Bertonha
PREFÁCIO
O tema de impérios é um dos tópicos mais fascinantes e
também recorrentes na literatura especial histórica, política e cul-
tural. Autores de diferentes matizes, correntes e escolas científicas
vêm analisando com curiosidade e perplexidade o enigma de impé-
rios. Desde os clássicos, como Tucídides e Ibn Khaldun, até os
autores contemporâneos, como Raymond Aron e Paul Kennedy, o
nascer e o ocaso dos impérios provocam um inelutável ímpeto de
olhar por detrás dos bastidores da intrigante e mística vida de um
império, como quem que quisesse saber algo íntimo e picante sobre
a vida de uma personalidade importante, de uma figura pública
cuja vida privada está escondida de um olhar particular.
Desde o Império Romano até o chamado império ameri-
cano, o veredicto dos estudiosos para com os impérios não é muito
diferente. Tout empire périra! (Todo império perecerá!) Assim se
denomina a obra de Jean-Baptiste Duroselle, que se dedica ao es-
tudo da política internacional em que impérios ocupam um lugar
de destaque. Eles não são eternos, eles nascem e morrem e suas
ascensões, declínios e sucessões se entrelaçam intimamente com
destinos heróicos ou humilhantes, triunfantes ou tristes dos seus
feitores – povos e comunidades, governos e governantes, famílias e
indivíduos, homens e mulheres. O tema fascina Raymond Aron em
seu République Impériale. Les États-Unis dans le monde (1945-
1972). É ele quem sabiamente distingue o imperialismo clássico de
um comportamento imperial, a diplomacia imperialista da diplo-
macia imperial. O mesmo assunto cativou Immanuel Wallerstein
(O declínio do império americano) e Emmanuel Todd (Depois do
Império): para os dois os Estados Unidos da América, um império
universal, segue o caminho de todo e qualquer império conhecido
na história.
Todavia, o interesse do público ao tema dos impérios nun-
ca se extingue. Todo mundo sabe que, mesmo que os impérios so-
12 João Fábio Bertonha
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................19
Capítulo 1 – A formação territorial e a expansão imperialista russa até a
Primeira Guerra Mundial..........................................................23
As origens da Rússia.........................................................................................23
Da Moscóvia à Rússia Imperial........................................................................25
Pedro, o Grande, e a busca da modernidade .....................................................28
As guerras napoleônicas ...................................................................................30
O expansionismo russo na Europa e na Ásia no século XIX............................31
A guerra da Crimeia (1854-1856) ....................................................................35
O conflito com o Japão (1904-1905) ................................................................37
Capítulo 2 – Economia e Política no Século XIX Russo.................................39
A Rússia em 1815.............................................................................................39
Uma grande potência? ......................................................................................40
A revolução militar do século XIX...................................................................41
A Rússia e as mudanças econômicas e militares do século XIX ......................42
A Rússia em 1914: o colosso com pés de barro ...............................................47
Capítulo 3 – A Rússia na Primeira Guerra Mundial .....................................53
A Rússia e a política de poder européia entre os séculos XIX e XX ................53
A Rússia na guerra: mobilização e operações de guerra – 1914-1915 .............55
A ofensiva Brusilov e o colapso do Exército russo – 1916-1917 .....................57
A Rússia na Primeira Guerra Mundial: uma avaliação.....................................62
Capítulo 4 – A União Soviética.........................................................................69
Perdas territoriais e guerra civil – 1917-1920...................................................69
Reconstrução do poder industrial e militar – 1921-1941..................................72
A URSS na Segunda Guerra Mundial ..............................................................78
A vitória soviética na Segunda Guerra Mundial...............................................84
Capítulo 5 – A União Soviética na Guerra Fria..............................................91
A nova paisagem geopolítica: EUA e URSS entre 1945 e 1950 ......................91
A URSS na Guerra Fria: Cerco geopolítico e expansionismo ..........................94
18 João Fábio Bertonha
Mapas
Mapa 1 – Expansão russa no século XVI ........................................................26
Mapa 2 – Expansão do Império russo no Cáucaso (1763-1914) .....................32
Mapa 3 – Expansão do Império russo na Sibéria e Ásia Central (1689-
1914)................................................................................................33
Mapa 4 – Regiões industriais e rede ferroviária na Rússia europeia no
início do século XX .........................................................................45
Mapa 5 – A Rússia na Primeira Guerra Mundial.............................................61
Mapa 6 – Ofensivas do Exército Vermelho em 1942-1945.............................82
Mapa 7 – Os blocos soviético e ocidental nos anos 40 e 50 e a crise
cubana de 1962 ................................................................................95
Mapa 8 – Etnias na URSS na década de 1980 ...............................................113
Mapa 9 – Os Estados sucessores da URSS ....................................................117
Rússia: Ascensão e Queda de um Império 19
INTRODUÇÃO
Capítulo 1
A FORMAÇÃO TERRITORIAL E A
EXPANSÃO IMPERIALISTA RUSSA
ATÉ A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL
AS ORIGENS DA RÚSSIA
AS GUERRAS NAPOLEÔNICAS
Capítulo 2
ECONOMIA E POLÍTICA NO
SÉCULO XIX RUSSO
A RÚSSIA EM 1815
Capítulo 3
A RÚSSIA NA PRIMEIRA
GUERRA MUNDIAL
Capítulo 4
A UNIÃO SOVIÉTICA
Capítulo 5
A DECADÊNCIA ECONÔMICA E AS
REFORMAS DE GORBACHEV
Capítulo 6
O COLAPSO DE UM IMPÉRIO: A
RÚSSIA NOS ANOS 90
DECLÍNIO ECONÔMICO
COLAPSO MILITAR
Capítulo 7
ca do que ela. Uma novidade para um país que sempre venceu seus
rivais pela quantidade, inclusive de homens, e que assusta os estra-
tegistas russos, que se perguntam quando os prolíficos muçulmanos
ou os numerosos chineses irão demandar territórios da agora pouco
populosa Rússia. A contínua decadência militar apenas acentua
esse temor.
do gerados nesse conflito sem fim e isso pode ter reflexos no longo
prazo. Por agora, contudo, a lição parece ter sido aprendida e pou-
cas regiões russas falam hoje em independência plena, o que não
significa dizer que tal pretensão não possa voltar a ser colocada na
mesa, ao menos para alguns dos povos que compõem a Rússia de
hoje, no futuro.
Efetivamente, uma combinação de recuperação do poder
central, ameaças de repressão (e o exemplo da Chechênia com cer-
teza ajudou, como já indicado acima, a reforçar isto), concessão de
autonomia e cooptação tem ajudado a conter as forças desagregado-
ras. Além disso, o bom momento econômico ajuda a aliviar pres-
sões e canalizar apoios e subvenções aos descontentes. Resta saber
se tal situação poderá prosseguir nos anos a seguir.
O problema russo, na realidade, é que as forças internas
(e externas) que desejam que o país continue a se fragmentar
continuam muito fortes. Elas não devem ser superestimadas, pois,
afinal, muitas das minorias têm pouco interesse em independên-
cia e estão felizes em viver sob a soberania russa e, por agora,
elas estão dormentes. O grave é que elas podem ressurgir e/ou
serem potencializadas no caso do poder central enfraquecer (ou,
no outro extremo, se fortalecer em excesso) novamente ou do
cenário social e econômico indicar ser melhor a separação do que
continuar na União.
Isso realmente é um dado interessante. Dado o grau de
consciência nacional desfrutado por, por exemplo, os norte-ameri-
canos hoje, é difícil imaginar um cenário em que o Delaware ou o
Nebraska quisessem deixar os Estados Unidos. Impossível, não é,
mas seria necessária uma verdadeira catástrofe social, política ou
econômica para esse cenário se concretizar. No caso russo, com
tantas divisões étnicas, territoriais e outras já presentes, muito me-
nos seria necessário para desencadear o processo.
A Rússia, hoje, compreende, de fato, numa área de dezes-
sete milhões de quilômetros quadrados, vinte e uma repúblicas e
dezenas de regiões autônomas, além de outros tipos de organização
territorial. É um sistema complexo e que pode tanto diminuir, por
conceder alguma autonomia, como ampliar (ao fornecer os contor-
nos territoriais para movimentos separatistas) as forças de implosão
do espaço russo.
Rússia: Ascensão e Queda de um Império 145
Capítulo 8
A RÚSSIA E O MUNDO
NO SÉCULO XXI
exterior, ainda mais quando muitos dos novos Estados estão negan-
do a elas os direitos civis e políticos mais básicos, senão claramente
discriminatórios. Mas não há dúvida que essa defesa também é um
argumento que Moscou pode utilizar para interferir nos assuntos
internos de seus vizinhos.
Do mesmo modo, muitos desses russos do exterior, incomo-
dados com a sua nova situação, gostariam de ver suas regiões de volta
ao controle russo ou, ao menos, com fortes vínculos com Moscou. O
leste da Ucrânia, por exemplo, habitado centralmente por russos étni-
cos e com laços econômicos ainda fortes com a Rússia, apoiou o can-
didato Viktor Yanukovich (defensor de laços maiores com a Rússia)
nas eleições de 2004. Claro que a minoria russa está defendendo,
acima de tudo, seus próprios interesses e direitos (não sendo, portan-
to, mera executantes de ordens de Moscou). Ainda assim, esses
acontecimentos na Ucrânia em 2004 indicam como a população de
russos étnicos vivendo fora da Rússia, apesar de tudo, é um elemento
de poder nas mãos do Kremlin para influenciar os vizinhos.
O poder militar também é instrumento de primeira grande-
za. Quando do fim da URSS, a maioria das unidades remanescentes
soviéticas acabou por se colocar sob o comando de Moscou. Hou-
ve, contudo, um grande debate entre alguns dos Estados sucessores
sobre como fazer a partilha da herança soviética. Na Ucrânia, por
exemplo, como mencionado anteriormente, houve um áspero de-
bate entre Moscou e Kiev, no início dos anos 90, a respeito de
quem herdaria a poderosa frota do mar Negro e o arsenal nuclear
em solo ucraniano, com vitória de Moscou, que conseguiu manter o
controle da frota e das bases na península da Crimeia.
A maior parte dos Estados sucessores absorveu homens e
equipamentos da antiga URSS nos seus novos Exércitos, mas eles
herdaram apenas pedaços de uma máquina que era muito maior e
cujos principais centros de produção e desenvolvimento militar,
além das principais bases, estavam em território hoje russo. A maior
parte da oficialidade e do pessoal treinado para operar as bases e a
cadeia de comando e controle também era russa e voltou para casa.
Assim, os novos Estados se viram sem condições de manter uma
força militar capaz de cumprir funções mínimas, como guarda das
fronteiras e manutenção da ordem interna. Os russos se ofereceram
para, com suas unidades, preencher o vácuo, o que foi aceito pela
maioria das repúblicas.
Rússia: Ascensão e Queda de um Império 153
cos russos, como visto, apenas isso seria aceitável. Para muitos
outros analistas e políticos russos, contudo, uma integração nos
moldes da União Europeia, por exemplo, seria algo perfeitamente
adequado para os interesses econômicos e de segurança da Federa-
ção russa num mundo globalizado e interdependente como este do
século XXI.
É uma hipótese perfeitamente válida e vem sendo perse-
guida em iniciativas como a formação da “Comunidade Econômica
da Eurásia” (visando aumentar os vínculos econômicos e comerciais
entre os países da Ásia Central e a Rússia) em 2000 e da “Comuni-
dade de Estados Independentes”, que surgiu logo após, como já
mencionado, o colapso da URSS, mas a própria forma como o espa-
ço pós-soviético se construiu oferece dificuldades para esse tipo de
projeto.
Realmente, esse espaço se constituiu, não esqueçamos, so-
bre as ruínas da URSS, a qual se formou, por sua vez, sob o territó-
rio do antigo Império russo. Dessa forma, alguns dos dilemas e
problemas que se apresentam para Moscou hoje são, portanto, pa-
recidos com os que afetaram o Kremlin na era soviética e na época
dos czares.
O primeiro problema é que esse espaço só fez algum sen-
tido, no decorrer de séculos de história, a partir de um centro de
poder, a Rússia. Realmente, a única coisa que reunia as populações
asiática da Sibéria com os países bálticos cristãos e com a Quirquí-
zia muçulmana é o fato de estes povos e países terem sido parte do
Império russo.
A Rússia, com seu amplo território e ampla população,
servia, assim, de centro para áreas periféricas que, sem ele, mante-
riam, provavelmente, laços tênues ou inexistentes entre si. Sem
Moscou, Riga e Tashkent estariam tão distantes como Paris e La
Paz. Assim, o espaço pós-soviético, como foi no passado, não pode
existir sem um núcleo russo forte. O problema é que não apenas
esse núcleo se enfraqueceu, como que seus séculos de dominação
geraram temor na antiga periferia, o que dificulta a sua reconstru-
ção, informal ou não.
Quando a Rússia criou, já em 1991, a CEI, alguns analistas
fizeram a suposição de que poderia se constituir, ali, mais um bloco
156 João Fábio Bertonha
A RÚSSIA E O MUNDO
Em longo prazo, já excluída a hipótese de Moscou voltar a
liderar um Império próprio e autônomo ao seu redor, se isolando,
duas parecem ser as possibilidades da Rússia dentro da geopolítica
internacional. A primeira seria a formação de uma aliança com a
China e a Índia para contrabalançar o poder ocidental, e, especial-
mente, norte-americano no mundo. A segunda seria uma firme alian-
ça da Rússia com o mundo ocidental, de forma a reunir forças contra
a ascensão chinesa e o Islã.
Uma relação íntima com a Índia não é impossível. Ainda
na época da União Soviética, Moscou estabeleceu um eixo estraté-
gico com Nova Déli. Os indianos precisavam do apoio soviético
para contrabalançar a aliança entre o Paquistão e a China e a URSS
dependia da Índia para conter a presença chinesa e norte-americana
na Ásia do sul. Hoje, a Rússia não pode mais vender armas a preços
subsidiados para os indianos, como na época da União Soviética,
mas Moscou continua a ser o principal fornecedor de armas e equi-
pamentos para Nova Déli, incluindo caças Mig-29 e Su-30, subma-
rinos da classe Kilo e tecnologia militar avançada.
Assim, apesar das relações da Índia com os Estados Uni-
dos e a China terem melhorado nos últimos anos, inclusive no
campo nuclear, o eixo Moscou-Nova Déli continua ativo, com os
dois parceiros desconfiados do crescente poder chinês, incomoda-
dos com a influência dos Estados Unidos no mundo e assustados
com um possível crescimento do islamismo na região. A Índia, as-
sim, é um aliado da Rússia, mas apenas enquanto seus interesses
forem comuns e apenas no tocante a estes interesses.
Com relação à China, há um histórico de rivalidade entre
os dois povos e muitos russos acreditam que suas províncias orien-
tais são vulneráveis ou a um ataque militar ou a simples infiltração
de milhões de chineses pelas fronteiras. Mesmo assim, por várias
vezes, nos últimos anos, Moscou e Pequim têm feito declarações
conjuntas sobre como os grandes gigantes asiáticos deveriam se
unir para formar um bloco capaz de fazer frente ao poder norte-
americano. Em 2005, aconteceram mesmo grandes manobras mili-
tares, as maiores já realizadas por chineses e soviéticos desde o fim
da URSS, entre os dois países, na região do Oceano Pacífico.
Rússia: Ascensão e Queda de um Império 159
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No imaginário de alguns povos ao redor do mundo, é
comum a sensação que alguns de seus vizinhos, especialmente os
muito extensos territorialmente, são expansionistas, prontos a
avançar sobre suas fronteiras, numa fome de terras e poder que
nunca teria fim. Muitos sul-americanos pensam isso a respeito do
Brasil e alguns círculos bolivianos ou peruanos se assustam, até
hoje, com a ideia de que Brasília, inevitavelmente, tentará conse-
guir um litoral no Pacífico. Alguns mexicanos e canadenses pen-
sam o mesmo com relação aos norte-americanos, que estariam a
espreita do momento de anexar o México ou o Canadá ao seu
território.
Mitologias à parte, é verdade que alguns Estados foram
mais bem-sucedidos do que outros, no decorrer da História, em
sua expansão territorial. Com uma simples calculadora e alguns
dados estatísticos à mão, é possível calcular que os Estados Unidos
cresceram 100 km2 por dia entre 1790 e 1890, enquanto o Brasil
se expandiu à razão de 34,7 km2 por dia entre 1500 e 1904. Ex-
plicar isto requer que recordemos como a expansão territorial
sempre fez parte da psiquê dos norte-americanos e também dos
luso-brasileiros e, especialmente, que eles tiveram melhores con-
dições geográficas para crescerem territorialmente do que outros
povos.
Na verdade, a maior parte dos Estados que hoje controlam
extensas áreas territoriais só o fizeram, normalmente, por consegui-
rem anexar áreas grandemente despovoadas e/ou habitadas por po-
vos militarmente inferiores. Assim, os Estados Unidos, o Canadá, a
Argentina, o Brasil e a Austrália só são territorialmente extensos
devido aos desertos, quentes ou frios, e à floresta que ocupam parte
substancial dos seus territórios. Assim, por exemplo, o fato da jo-
vem nação norte-americana não encontrar rivais de peso ao se ex-
pandir pelo continente colaborou para seu crescimento territorial, o
164 João Fábio Bertonha
que teria sido bem diferente se, por exemplo, as colônias espanho-
las na Califórnia tivessem dado origem a um polo de poder indus-
trial e político antes da anexação desta pelos EUA.
A Rússia também cresceu, em essência, através da absor-
ção dos grandes desertos gelados e quentes da Ásia, na Sibéria, no
círculo polar ártico e no Turquestão. A Rússia, contudo, não se li-
mitou a absorver áreas desérticas e pouco povoadas, mas também
anexou vizinhos de culturas e raças diferente, colocando-os em
posição subalterna, mas não os eliminando fisicamente na sua qua-
se totalidade como fizeram os argentinos na Patagônia ou os norte-
-americanos nas grandes planícies da América do Norte.
Esse Império, de qualquer forma, cresceu sem cessar por
séculos, como uma mancha de óleo se espalhando pela Ásia e
Europa (só entre 1761 e 1865, o território russo cresceu 48 km2 ao
dia), e, nesse crescimento, ele provocou, nos seus vizinhos, uma
sensação de ameaça, de um desejo de expansão eterno e quase in-
controlável, gerando toda uma mitologia a respeito.
Faz parte da mesma, por exemplo, o fictício testamento
do czar Pedro, o Grande, no qual ele instava seus sucessores a
buscarem os mares quentes ou a existência de um relatório (o
Memorando Kotchubey de 1829), o qual, apresentado ao czar Ni-
colau I, no mesmo ano, teria definido a política russa para a Ásia
por todo o século XIX e além (PIACENTINI, 1996). Também o
esforço russo em direção aos estreitos turcos e ao Oceano Índico,
supostamente eterno, seria um sinal do coerente e contínuo desejo
expansionista russo.
Na verdade, é sempre complicado propor que certos países
seguem tendências “inatas” ou “naturais”, como se os países fos-
sem seres vivos, autônomos. Realmente, foi o positivismo do sé-
culo XIX que criou a ideia de que a política externa estaria separa-
da da interna e que os países teriam, se não fossem mal influencia-
dos, objetivos permanentes e comportamentos naturais determina-
dos pela geografia e pela natureza. Na realidade, os interesses per-
manentes de um país são historicamente datados – o objetivo nacio-
nal só existe a partir da concepção momentânea que uma nação,
suas elites e seu povo, tem de si e de seu papel no mundo – e seus
objetivos internacionais, assim, podem variar substancialmente
segundo cada período histórico.
Rússia: Ascensão e Queda de um Império 165
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um novo desenho geopolítico. Meridiano 47 – Boletim de Análise de Conjun-
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POLITKOVSKAYA, Anna. Putin’s Russia. Londres: Harvill Press, 2004.
POMERANZ, Lenina (Org.). Perestroika. Desafios da transformação social
na URSS. São Paulo: Edusp, 1990.
Rússia: Ascensão e Queda de um Império 175
Nota
Incluem-se nesta listagem os textos utilizados, direta ou
indiretamente, na redação do presente livro, com a exceção das
fontes jornalísticas e de Internet. Evidentemente, a bibliografia dis-
ponível sobre alguns dos temas correlatos (como a Revolução de
1917 e a Segunda Guerra Mundial) é muito mais numerosa e não se
esgota nessa lista.
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SOBRE O AUTOR
João Fábio Bertonha é Doutor em História pela Universida-
de Estadual de Campinas e Professor de História na Universidade
Estadual de Maringá/PR, onde também atua no Mestrado em Histó-
ria. É pesquisador do CNPq, com bolsa produtividade, desde 2006.
Foi bolsista de doutorado sanduíche do Ministério das relações ex-
teriores italiano e da CAPES na Itália em 1995/1996 e, nos anos
posteriores, pesquisador visitante na Inglaterra, França, Bélgica,
Argentina e Uruguai. Em 2000 e, novamente, em 2008, foi pesqui-
sador em universidades canadenses, como bolsista do International
Council for Canadian Studies.
Em 2008, recebeu também uma Grant da Universidade de
Minnesota, para pesquisa de curta duração no seu centro de estudos
de imigração. Também foi selecionado para cursos na área de polí-
tica internacional e defesa pela Embaixada dos Estados Unidos em
2007 e 2008, além de ter sido convidado, nestes mesmos anos, pelo
Ministério das Relações Exteriores do Brasil para vários eventos na
área de política internacional.
Em janeiro e fevereiro de 2009, foi bolsista da Fundación
Carolina, do governo espanhol, para pesquisa sobre o fascismo
internacional durante a Guerra Civil Espanhola em Madrid e, em
fevereiro e março deste mesmo ano, frequentou, em Washington, o
curso “Estrategia y politica de Defensa” do Center for Hemisferic
Defense Studies, como bolsista do Departamento de Defesa dos
Estados Unidos.
Fez pesquisas e visitas curtas e participou de Congressos no
Brasil, Inglaterra, Itália, Estados Unidos, Argentina, Holanda, Ale-
manha, Chile e Paraguai e outros países e publicou dezenas de arti-
gos sobre fascismo, antifascismo, relações internacionais e imigra-
ção italiana em revistas universitárias do Brasil, Estados Unidos,
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ÍNDICE ALFABÉTICO
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